segunda-feira, 28 de março de 2022

Guerra na Ucrânia (26): "Vade retro", putinistas!

1. Cumpre alertar contra esta nefanda "carta aberta" sobre a guerra da Ucrânia, que nada menos de 20-vinte-20 assumidos putinistas portugueses, onde pontificam alguns notórios expoentes da "esquerda iliberal", ousaram publicar e fazer circular entre nós, pondo em causa a bem-aventurada cruzada ocidental contra a autocrática Rússia e o seu ditador Putin (um "carniceiro", como diz, com toda a justeza, o Presidente Biden, inquestionado líder da coligação da civilização liberal-democrática ocidental contra a barbárie do novo despotismo oriental).

É manifesto que, apesar de os autores começarem hipocritamente por condenar a invasão da Ucrânia, em nome do direito internacional (como se pudéssemos acreditar na sua sinceridade!), o que os move é o óbvio propósito de enfraquecer o heroico esforço de resistência ucraniana às hordas do Kremlin, começando por questionar -  atrevendo-se mesmo a invocar em vão a CRP - as justíssimas medidas de legítima defesa ocidental contra a circulação dos meios de propaganda russa e contra os artistas e desportistas russos, que, por definição, não podem deixar de ser agentes ou, pelo menos cúmplices, de Putin. 

Em tempo de guerra, nenhum deles é confiável. Todos reenviados para a Moscóvia, já!

2. Particularmente repugnante é o paralelismo que procuram sub-repticiamente estabelecer entre o sofrimento dos ucranianos sob a criminosa agressão imperialista russa e o dos iraquianos e outros alvos de justa intervenção civilizadora ocidental, como se houvesse alguma semelhança entre mortos e refugiados de um país europeu e cristão e os de países bárbaros e muçulmanos! 

Abaixo as falsas equivalências!

3. Se lamentavelmente, por justa precaução, a Nato não pode entrar diretamente em guerra contra o agressor russo, pelo menos podemos declarar uma "guerra nuclear" em todos os outros planos: não somente económica, financeira e comercial, mas também mediática, internética, cultural, desportiva. Boicote geral a tudo o que é russo! Uma guerra total, até à rendição de Putin! 

É certo que quem sofre os desastres da guerra real, em destruição e morte, é a Ucrânia. Prestemos-lhe a nossa sentida homenagem pelo seu supremo sacrifício pela causa e estimulemo-los a resistir até ao último homem. A "paz negociada" ou a "solução política" em que insistem os putinistas não passa de uma armadilha sonsa para dar vantagens "na secretaria" a Moscovo. Negociação seria rendição!

Esta carta aberta não passa, portanto, de um provocatório panfleto filoputinesco, que só pode merecer repúdio, com os seus autores (e seguidores!) lançados à execração pública e interditados académica e profissionalmente, como medida de segurança!

Adenda
Dizendo-se «incomodado com a minha satírica caricatura» do fundamentalismo antirrusso, um leitor pergunta porque não me juntei ao referido abaixo-assinado, subscrito por vários intelectuais e universitários, se as minhas posições convergem essencialmente com as deles. A resposta é esta: mesmo que concordasse inteiramente com as formulações da "carta aberta", o que não é o caso, desde há muitos anos que decidi não alinhar em posições políticas coletivas, sempre seletivas e compromissórias, por descrença na sua efetividade, numa atitude de irredutível responsabilidade política individual. É por isso que tenho o Causa Nossa!

Adenda 2
Um leitor pergunta-me se concordo com a anexação ou separação pela força de territórios de outros países, como a Crimeia e o Dombass. Claro que não concordo, embora pense que uma solução federal para a Ucrânia poderia ter prevenido o problema. Mas não reconheço nenhuma legitimidade para condenar aos Estados Unidos e outros países que massacraram a Sérvia à bomba para separar o Kosovo ou que reconhecem a contínua anexação dos territórios palestinos por Israel ou a integração do Sahara por Marrocos. O direito internacional também vale, por maioria de razão, para as democracias liberais.