terça-feira, 12 de abril de 2022

Campos Elíseos (8): O voto da extrema-esquerda na extrema-direita

1. Como se mostrou aqui, a sorte das eleições presidenciais francesas, a decidir na 2ª volta, a 24 de abril, está nas mãos dos eleitores de Mélenchon, o candidato da extrema-esquerda que ficou en 3º lugar na 1ª volta, com mais de 20%.

Ora, há já estimativas de que apenas cerca de 1/3 desses eleitores se propõem votar em Macron, enquanto cerca de 23% (quase um em cada quatro) tencionam mesmo votar na candidata da extrema-direita, Le Pen, optando a metade restante pela abstenção ou pelo voto branco ou nulo. O que é que pode explicar que tantos eleitores de Mélenchon apoiem Le Pen ou se recusem a contribuir para a sua derrota, não tomando partido? 

A explicação só poder ser esta: para esses eleitores o que une a extrema-esquerda à extrema-direita - ou seja, o antiliberalismo e o protecionismo (aversão à União Europeia e à globalização) - é mais forte do que aquilo que as separa.

2. Neste quadro, o que se decide no próximo dia 24 em França não é uma vulgar questão de alternância governativa numa democracia constitucional, mas sim uma verdadeira opção de regime, entre a democracia liberal, a economia de mercado e a integração europeia, de um lado, e o autoritarismo, o intervencionismo estatal e o recuo na integração europeia, do outro.

Por isso, não é só somente o futuro próximo da França que está em jogo, mas também o da União Europeia e o lugar da França no Mundo. 

Adenda
Um leitor comenta que também muitos eleitores do PCF se passaram para a direita nacionalista há muito tempo e que se trata do «refúgio das vítimas do neoliberalismo e da globalização». Sim, o neoliberalismo e a globalização têm as costas largas, mas há dois argumentos contra esse simplismo explicativo; por um lado, a França é seguramente um dos países que manteve um Estado social mais forte e um conjunto importante de empresas públicas com peso internacional; por outro lado, noutros países, onde o liberalismo económico e a abertura ao comércio internacional foram mais longe, como a Alemanha ou os Países Baixos, não se verifica um peso da extrema-direita populista tão grande como em França, nem muito menos o quase-desaparecimento dos partidos de centro-direita e de centro-esquerda tradicionais.

Adenda (2)
Uma sondagem de hoje, no Financial Times (12/4), prevê a vitória de Macron com cerca de 5 pp sobre Le Pen (52,7% contra 47,3%). A ser este o resultado nas urnas, trata-se de uma vantagem muito menor do que há cinco anos, confirmando a forte progressão da extrema-direita nacionalista. Um perigo!