1. Os esforços de Washington para levar Putin a julgamento no Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes de guerra na Ucrânia padecem de uma fatal contradição que não ajuda a credibilizá-los.
De facto: (i) os EUA (tal como a Rússia) não ratificaram o Tratado que instituiu o TPI, não aceitando a sua jurisdição; (ii) aprovaram uma lei a proibir qualquer financiamento ou apoio às atividades do Tribunal; (iii) pressionaram vários países que ratificaram o Tratado a excluirem a jurisdição do Tribunal sobre casos envolvendo americanos; (iv) chegram a aplicar sanções ao procurador e a outros oficiais do TPI contra iniciativas de investigação de eventuais crimes de guerra na Palestina e no Afeganistaão.
Embora no Conselho de Segurança das Nações Unidas Washington tenha apoiado a investigação e acusação de certos crimes de guerra no TPI, fizeram-no sempre seletivamente, excluindo Israel, além de que nunca naturalmente permitiriam a acusação de um nacional seu.
2. Por isso, ao contrário dos países europeus, incluindo Portugal, que ratificaram convictamente o Tratado e financiam o seu funcionamento, a agressiva hostilidade de Washington ao TPI não lhe dá nenhuma credibilidade para exigir o julgamento de Putin e dos seus generais na Haia (o que, aliás, sempre estaria excluído, por a Rússia também não estar vinculada ao Tratado).
Em matérias sensíveis como estas, a duplicidade política não ajuda. Uma potência não tem legitimidade para exigir a submissão de outra à justiça internacional que ela própria rejeita.