domingo, 24 de abril de 2022

Campos Elíseos (9): "Uma pedra no sapato"

1. Com uma ampla vantagem superior a 17 pontos sobre a candidata da extrema-direita, Macron foi reeleito para a presidência da República Francesa. É um triunfo claro dos valores republicanos e da União Europeia - frontalmente postos em causa por Le Pen -, que merece ser devidamente saudada e festejada, e não somente na França. 

Embora seja a terceira vitória presidencial mais folgada na V República, depois do magno triunfo de Chirac há vinte anos e da sua própria vitória há cinco anos, a confortável reeleição de Macron regista também o melhor resultado de sempre da direita nacionalista e populista, revelando uma profunda clivagem política e sociológica em França, apesar do bom nível de vida e da elevada proteção social - um intrigante "mal francês".

Neste quadro político, não vai ser fácil governar a França sem o risco de forte polarização e contestação política e social.

2. Apesar do sistema de governo de tendência fortemente presidencialista (em parte, à mergem da Constituição), a governabilidade da França depende ainda as eleições parlamentares, a realizar em junho. 

A dinâmica da vitória presidencial de Macron e o sistema eleitoral francês - eleição dos deputados em círculos uninominais por maioria absoluta na primeira volta e, caso tal não se verifique, uma segunda volta limitada aos candidatos que tenham atingido os 12,5% na primeira votação - favorecem uma maioria parlamentar absoluta do partido presidencial, podendo antever-se a formação de uma maioria republicana contra os candidatos da extrema-direita e uma maioria liberal contra os candidatos da esquerda radical em muitos círculos eleitorais na segunda volta.

Mas o quadro político saído das eleições presidenciais, incluindo a robustez revelada pelo bloco nacionalista à direita e pelo bloco liderado por Mélenchon à esquerda e a incógnita do PS e dos Republicanos, pode pôr em risco a maioria parlamentar que Macron ambiciona. Ora, uma maioria presidencial sem maioria parlamentar só pode aprofundar as clivagens políticas e sociais existentese e tornar mais árduo o mandato.

Adenda
Há outra vitória eleitoral pró-europeia e antipopulista a saudar, esta na Eslovénia, onde o primeiro-ministro cessante, assumidamente pró-Orban e pró-Trump, foi surpreendentemente vencido por um candidato da oposição, de um recém-formado partido de inspiração ambientalista, que pode vir a beneficiar do apoio da esquerda parlamentar para formar governo. Foi um bom domingo eleitoral para a UE!