quinta-feira, 20 de outubro de 2022

O que o Presidente não deve fazer (33): Separação de poderes

1. O que faz a Ministra do Ensino Superior, acompanhada de um secretário de Estado seu, numa audiência do Presidente da República com associações de estudantes do ensino superior, como mostra a imagem junta, retirada do site institucional do PR? Nada, seguramente, que esteja de acordo com o sistema de governo vigente entre nós!

Que o Presidente da República recebe e ouve quem quer da socidade civil, está no seu pleno direito, incluindo a faculdade de transmitir ao Governo as queixas ou reivindicações que lhe chegam. O que não faz nenhum sentido é a participação conjunta dos membros do Governo das áreas respetivas. 

No nosso sistema político, os ministros não respondem politicamente perante o PR, que não lhes pode pedir contas sobre as respetivas políticas governamentais, muito menos confrontá-los diretamente com os destinatários dessas políticas.

2. Por princípio, no nosso sistema constitucional, as relações do Governo com o PR, e vice-versa, são assegurados pelo Primeiro-Ministro, sob pena de equívocos curto-circuitos políticos e de indevida confusão de poderes.  

Por mais lato que seja o entendimento presidencial acerca da sua própria liberdade de opinião sobre as políticas governamentais, seguramente que ele tem de respeitar dois dados essenciais: (i) a exclusiva responsabilidade do Governo pela condução política do País e (ii) a exclusiva responsabilidade do primeiro-ministro na condução do Governo.

Ao organizar reuniões com ministros para tratar diretamente de questões da competência governamental, o Presidente da República corre o risco de pôr em causa esses princípios, obscurecendo a compreensão pública do nosso sistema político-constitucional.

Adenda 
Um leitor nao vê grande mal no caso e sugere que o PR pode ter querido somente "servir de ponte entre os estudantes e a Ministra". Mas não tem razão. Primeiro, o Presidente não deve imiscuir-se nas relações entre os ministros e os grupos de interesse da sua área de jurisdicão política. Segundo, em política, as encenações contam: naquela imagem, o que resulta é que o Presidente surge como entidade tutelar do Governo, o que não tem cabimento. Por último, há o precedente: hoje é a Ministra do Ensino Superior e as associações de estudantes; amanhã, seria a Ministra do Trabalho e as centrais sindicais; a seguir, o MAI e os sindicatos das polícias. Onde iríamos acabar? Tudo isto é politicamente descabido...