sábado, 18 de março de 2023

Praça da República (74): Pior do que no "Estado Novo"

1. Na vaga de nacionalizações de 1975, não foram poupadas as empresas concessionárias dos transportes locais de Lisboa (a Carris, o metropolitano e os transportes fluviais) e do Porto (o STCP), o que se traduziu na sua estatização e numa enorme restrição da autonomia local, que até o Estado Novo tinha respeitado.

Pior do que isso, passadas várias décadas de reversão das nacionalizações (desde a revisão constitucional de 1989), tal não abrangeu as referidas empresas de transportes, as quais, salvo a Carris e o STCP, desde há poucos anos, continuaram nas mãos do Estado, sob gestão governamental, privando os respetivos municípios da respetiva gestão (embora com a sua interesseira conivência...), em flagrante violação dos princípios constitucionais da descentralização e da subsidiariedade territorial.

2. Surge agora a notícia de que o Governo pretende fundir as duas empresas estatais de transportes fluviais de Lisboa e transferir esse serviço público para a esfera intermunicipal ou metropolitana, de onde, aliás nunca deveria ter saído.

Confiando que essa medida de descentralização territorial, que só peca por tardia, não venha a ser boicotada pelos sindicatos do setor - que, por razões políticas, preferem ter por patrão o Governo -, saudemos o afastamento, embora com décadas de atraso, de um mau legado da precipitada nacionalização geral dos transportes em 1975.

3. Há, porém, que registar a continuação da gestão estatal do metropolitano, não tendo havido concretização da abertura do então Ministro Matos Fernandes, no anterior Governo, em outubro de 2019, para desestatizar e transferir para a gestão metropolitana também esse serviço público.

Em 2016, celebrando a devolução da Carris ao município de Lisboa, o Primeiro-Ministro já tinha declarado que «quem gere a cidade deve gerir os seus transportes»Pelos vistos, porém, esse salutar credo descentralizador não tinha alcance geral...

É evidente que os muncípios beneficiários são os primeiros a não querer mexer no statu quo, já que assim é o orçamento do Estado - ou seja, os contribuintes nacionais em geral - a pagar os encargos desse dispendioso meio de transporte urbano. Mas não deixa de ser bizarro que as decisões sobre a rede de metro de Lisboa caibam a um ministro, e não ao governo da cidade ou da área metropolitana.