domingo, 29 de outubro de 2023

Liberalices (1): Libertinagem tributária

1. Até há pouco, julgava que o partido parlamentar com mais tendência para defesa de propostas extremistas e insensatas era o Bloco de Esquerda, daí tendo nascido a série "Bloquices" neste blogue. Contudo, dei em perceber que, noutra área do expectro político, a Iniciativa Liberal se vem revelando, com a sua atual liderança, um sério competidor no campeonato da insensatez política. 

Daí a inauguração desta nova série, "Liberalices", dedicada aos excessos ultraliberais da IL

2. Tal é o que se passa com a sua proposta de progressiva redução do imposto único automóvel (IUC), até à sua extinção. Ora, sendo esse imposto uma verdadeira retribuição pelas enormes "externalidades negativas" do automóvel - poluição amosférica e sonora, invasão do espaço público, degradação dos pavimentos e edificações -, a sua cobrança é perfeitamente justificada, pelo que venho desde há muito a defender o seu agravamento, com especial incidência sobre os automóveis mais poluentes e maiores e mais pesados (como os SUV).

A demagogia primária desta proposta a contra-vapor, apelando à carteira dos proprietários de automóveis, só é superada pela revoltante insensibilidade perante necessidade vital de reduzir a emissão de CO2 e atingir a neutralidade carbónica para combater as alterações climáticas.

3. Por outro lado, afigura-se que este fundamentalismo antitributário da IL, insinuando um perigoso negacionismo climático, não vai facilitar os esforços para construir uma coligação política à direita, de alternativa ao PS. Parece evidente que, apesar da sua tradicional defesa da redução da carga fiscal e da despesa pública, mas tendo a base política e a matriz liberal-social que tem, o PSD não pode alinhar com tal extremismo anti-impostos, o qual, além de pôr em causa o financiamento do Estado, contradiz também os objetivos da política social e ambiental do centro-direita, por pouco ambiciosos que sejam.

Não foi seguramente por acaso que, na Madeira, o PSD regional não teve dúvidas em optar por outra parceria política, descartando um entendimento governativo com a IL, para grande deceção do comentariado de direita mais dogmática.

Adenda
Um leitor defende que o IUC não é um bom instrumento para responder às "externalidades negativas" dos automóveis porque «não leva em consideração a utilização do automóvel». Estamos perante um óbvio sofisma: 1º - as pessoas têm automóveis para os usarem; 2º - não é simplesmente praticável fazer variar o imposto em função do uso do veículo (para isso servem o ISP e as portgens); 3º - o IMI também não depende do uso das casas, e o mesmo sucede com vários outros tributos (licença de caça e de pesca, taxa de esplanadas, etc.). Para criticar o IUC, aliás com equivalente muito mais gravoso em muitos outros paises, nem todos os argumentos são bons.