1. Subitamente, o líder do PSD veio colocar em causa a credibilidade da Comissão Técnica Independente sobre o novo aeroporto, constituída pelo Governo com o seu acordo, ameaçando tirar-lhe o tapete, se o relatório final daquela não se revelar «100% independente».
Trata-se, porém, de uma reação tardia e inconsequente. Tardia, porque desde o início são claros os indícios de que na CTI o jogo tem um vencedor antecipado - Alcochete; inconsequente, porque a tímida ameaça do PSD em nada vai demover a Comissão, e depois do veredicto desta nada haverá a fazer, apressando-se o Governo a ratificá-lo -, ufanando-se de ter dado solução a uma das grandes questões em que o País se consumia há décadas.
Pior do que isso, se nessa altura se demarcar, o PSD corre o risco de ser acusado de recusar ex post facto o resultado de um jogo cujas regras e cujo árbitro aceitou.
2. A independência da CTI ficou em crise desde o princípio, com a nomeação da sua presidente, que fez parte do grupo de trabalho que no LNEC tinha fundamentado, durante o I Governo Sócrates, o abandono da Ota a favor de Alcochete. Esse manifesto conflito de interesses era bastante para impedir a sua nomeação, ou para levá-la a não aceitar -, o que sintomaticamente não acorreu.
Depois disso, somaram-se os indícios de parti pris em favor de Alcochete: a invenção de novas opções improvaveis na margem sul do Tejo, só para tornar natural a escolha de uma localização para essas bandas; a afirmação de que Santarém só estava entre as localizações a estudar porque constava a lista do Governo; o "esquecimento" dos custos orçamentais e dos custos de acesso para os utentes, na primeira lista de critérios a utilizar na avaliação; a nomeação de notórios "campeões" de Alcochete para a Comissão de Acompanhamento; a contratação de vários defensores de Alcochete pela CTI, incluindo a seleção, por adjudicação direta, do autor de um dos principais estudos.
Quando as cartas estão marcadas, só por cinismo político é que se pode esperar que a solução indicada ou favorecida pela CTI seja "100% independente".
3. O líder do PSD não pode ignorar que a solução de Alcochete - cujos promotores, sintomaticamente, não dão a cara - é, desde há duas décadas, uma gigantesca aposta financeiro-imobiliária, que consiste na edificação de uma espécie de "Lisboa-B" à volta do novo aeroporto, servida por novos acessos rápidos rodoviários e ferroviários, envolvendo bancos e grupos financeiros, construtoras e empresas imobiliárias, consultoras e escritórios de engenharia, todos à espera do devido prémio financeiro para os seus investimentos.
Não sendo crível que o PSD esteja disponível para desafiar tais interesses, a sua tardia e inconsequente dúvida sobre a independência da CTI constitui um verdadeiro mistério.