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quarta-feira, 1 de novembro de 2023

Novo aeroporto (9): Cada cavadela, minhoca

1. Depois da denúncia da TVI, de que fiz eco em anterior post, de que a CPI para o novo aeroporto furtava ao público os seus contratos de aquisição de serviços por adjudicação direta, a Comissão apressou-se a publicar uma lista de contratos  no "seu" website. Mas, como revela a mesma TVI hoje, entre eles está um contrato celebrado com uma empresa de que um membro da CTI é sócio!

Ora, mesmo que a lei admitisse tal situação, o conflito de interesses é tão óbvio, que o contrato não devia ter sido feito, nem pela interessada, nem pela CPI, e que devia ter sido impedido pela Comissão de Acompanhamento, a quem cumpre velar pela lisura de todo o procedimento, incluindo o respeito pela mais elementar ética de serviço público

2. Esta grave situação de sonegação de informação ao público e os numerosos casos de conflito de interesses (a começar pela própria Presidente da CTI e pelo presidente da Comissão de Acompanhamento, que desde há muito defendem uma das opções de localização em competição, como membros influentes da "equipa LNEC/Alcochete", como diz um amigo meu) mostram que a CPI é governada como uma espécie de coutada privada, à margem das regras que se impõem à Administração pública num Estado de direito.

Ora, parece evidente que esses desvios de uma sã gestão não contribuem para construir a confiança pública na CTI, que é essencial ao êxito da sua missão.

3. Esta equívoca situação tem vários culpados, que importa apontar: (i) o Governo, que nomeou os dois referidos responsáveis, sabendo ou devendo saber dos seus conflitos de interesses; (ii) o Ministério das Infraestruturas, que não exerce a tutela de legalidade que lhe compete e que, aliás, veio "ajudar à missa" com a declaração de que Santarém, única alternativa séria a Alcochete, fica "demasiado longe"; (iii) a Comissão de Acompanhamento, que, pelos vistos, não acompanha o que deve; (iv) e o próprio PSD, que é coautor da CPI e que, depois de vir questionar publicamente a sua independência, se "fechou em copas", quando a TVI começou a escrutinar as comprometedoras falhas daquela.

No final, estas responsabilidades não deixarão de ser devidamente assacadas.

Adenda
Um leitor bem informado observa que outra coisa «não menos chocante» que os contratos agora anunciados revelam é o facto de alguns membros da CTI terem manifestamente promovido contratos de aquisição de serviços com centros de investigação das suas próprias universidades (como é o caso de Aveiro e do Porto). Na dura competição pelo financiamento da investigação universitária, oportunidades privilegiadas destas valem ouro. Mas não era suposto ver a CPI transformada numa distribuidora de benesses para as empresas ou instituições dos seus membros...

sábado, 14 de outubro de 2023

Novo aeroporto (7): O mistério do PSD

1. Subitamente, o líder do PSD veio colocar em causa a credibilidade da Comissão Técnica Independente sobre o novo aeroporto, constituída pelo Governo com o seu acordo, ameaçando tirar-lhe o tapete, se o relatório final daquela não se revelar «100% independente»

Trata-se, porém, de uma reação tardia e inconsequente. Tardia, porque desde o início são claros os indícios de que na CTI o jogo tem um vencedor antecipado - Alcochete; inconsequente, porque a tímida ameaça do PSD em nada vai demover a Comissão, e depois do veredicto desta nada haverá a fazer, apressando-se o Governo a ratificá-lo -, ufanando-se de ter dado solução a uma das grandes questões em que o País se consumia há décadas. 

Pior do que isso, se nessa altura se demarcar, o PSD corre o risco de ser acusado de recusar ex post facto o resultado de um jogo cujas regras e cujo árbitro aceitou.

2. A independência da CTI ficou em crise desde o princípio, com a nomeação da sua presidente, que fez parte do grupo de trabalho que no LNEC tinha fundamentado, durante o I Governo Sócrates, o abandono da Ota a favor de Alcochete. Esse manifesto conflito de interesses era bastante para impedir a sua nomeação, ou para levá-la a não aceitar -, o que sintomaticamente não acorreu.

Depois disso, somaram-se os indícios de parti pris em favor de Alcochete: a invenção de novas opções improvaveis na margem sul do Tejo, só para tornar natural a escolha de uma localização para essas bandas; a afirmação de que Santarém só estava entre as localizações a estudar porque constava a lista do Governo; o "esquecimento" dos custos orçamentais e dos custos de acesso para os utentes, na primeira lista de critérios a utilizar na avaliação; a nomeação de notórios "campeões" de Alcochete para a Comissão de Acompanhamento; a contratação de vários defensores de Alcochete pela CTI, incluindo a seleção, por adjudicação direta, do autor de um dos principais estudos.

Quando as cartas estão marcadas, só por cinismo político é que se pode esperar que a solução indicada ou favorecida pela CTI seja "100% independente".

3. O líder do PSD não pode ignorar que a solução de Alcochete - cujos promotores, sintomaticamente, não dão a cara - é, desde há duas décadas, uma gigantesca aposta financeiro-imobiliária, que consiste na edificação de uma espécie de "Lisboa-B" à volta do novo aeroporto, servida por novos acessos rápidos rodoviários e ferroviários, envolvendo bancos e grupos financeiros, construtoras e empresas imobiliárias, consultoras e escritórios de engenharia, todos à espera do devido prémio financeiro para os seus investimentos.

Não sendo crível que o PSD esteja disponível para desafiar tais interesses, a sua tardia e inconsequente dúvida sobre a independência da CTI constitui um verdadeiro mistério.

Adenda
Citando esta opinião de um especialista de há meses, um leitor pergunta se faz sentido escolher a localização e o tipo do novo aeroporto «antes da projetada privatização da TAP e de conhecer a preferência do grupo aéreo que a vai gerir». Boa questão. 

Adenda 2
Pegando na questão dos «poderosos promoteres-mistério de Alcochete», sendo publicamente conhecidos os de Santarém e do Montijo, um leitor entende que devia haver haver uma cabal investigação sobre isso (aquisição de terrenos, empréstimos hipotecários, bancos envolvidos, etc.) e pergunta se, «havendo inquéritos parlamentares por tudo e por nada», se não se justifica um neste caso. Boa provocação!

Adenda 3
Um leitor considera que a recente "filtragem" para a imprensa da hipótese-fantasma de Vendas Novas - não se vê para que população! - é uma «simples cortina de fumo para dar a impressão de que ainda considera alternativas a Alcochete» e mostra que, «ao instumentalizar os media "amigos" desta maneira, a CTI já perdeu qualquer escrúpulo na "venda" da sua pré-decisão». Tem razão!

Adenda 4
Outro leitor pergunta: «se a decisão já está tomada, por que é que os defensores das outras lozalizações continuam a colaborar com a Comissão, legitimando o jogo viciado?» Boa pergunta!

Adenda 5
Se a CPI foi capturada desde o início pelo lobby de Alcochete, o mesmo se diga da tal Comissão de Acompanhamento, como se mostra aqui, quanto ao seu presidente. Avaliação independente? - uma "piada" de mau gosto!

domingo, 30 de abril de 2023

Novo aeroporto (6): Enviesamento

O jornalista Daniel Deusdado tem razão neste seu artigo, ao apontar a principal falha da lista de critérios anunciados pela Comissão Técnica Independente para a seleção da localização do novo aeroporto a recomendar no final ao Governo - que é a gritante ausência do critério do custo previsível e dos encargos orçamentais do Estado de cada uma delas, incluindo os acessos.

Mas há outros indícios de um enviesamento a favor de uma localização na margem sul do Tejo, nomeadamente o aditamento de várias localizações nessa área, além de Alcochete (na imagem), que não constavam da resolução do Conselho de Ministros, a prioridade dada ao critério da distância a Lisboa (e não o tempo de viagem), o esquecimento do decisivo critério da população e do território servido por cada localização, a degradação do sensível critério ambiental para oitavo lugar, na lista de dez critérios.

A meu ver, ao dar claros indícios de parcialidade à partida, a Comissão compromete a sua credibilidade e a legitimidade da sua decisão.

Adenda
Um leitor considera que era previsível o parti pris da presidente da CTI, pois ela tinha sido assessora no relatório do LNEC que em 2007 se pronunciou a favor de Alcochete, nessa altura contra a Ota, inicialmente escolhida pelo Governo. O erro está em ter como presidente de uma Comissão Técnica Independente alguém há muito comprometida com uma posição sobre a questão a decidir. Uma contradição!

Adenda 2
Outro leitor comenta que, se se vier a confirmar a opção trastagana e o subsequente encerramento da Portela, o sul do País ficará com três aeroportos (Lisboa, Évora e Faro), enquanto o território a norte do Tejo, mais extenso e mais povoado, tem somente um, o do Porto, o que é uma manifesta discriminação territorial. Tem razão!