1. A capa do Público de hoje ilustra bem o anunciado "bodo" orçamental para o ano que vem: aumentos substanciais de remunerações, de pensões, de prestações e transferências sociais e das dotações orçamentais em geral, acompanhados de uma redução de impostos, principalmente do IRS, acima do esperado. Tudo somado (mais outas medidas afins, como o aumento sem precedente do SMN), o orçamento vai traduzir-se num considerável aumento da despesa pública e do rendimento disponível da generalidade dos portugueses.
A boa saúde das finanças públicas e o ano eleitoral (eleições europeias) justificam a generosidade orçamental.
Restam, porém, duas dúvidas: (i) esse aumento substancial do poder de compra agregado não é contraditório com a luta em curso contra a inflação, tornando-a mais resistente? (ii) será que o aumento estrutural da despesa pública que este orçamento provoca é sustentável quanto os atuais ventos financeiros favoráveis se inverterem e o PRR da UE findar?
2. Às benesses orçamentais não escaparam as propinas do ensino superior, mas uma vez congeladas, derrogando a fórmula legal da sua atualização. Desde 2015, incluindo reduções e congelamentos, o seu valor real não cessou de diminuir, reduzindo a sua contribuição para o financiamento das instituições.
Com isso, as IES tornam-se financeiramente menos autónomas e o orçamento do Estado tem de compensar esse défice de autofinanciamento, em vez de reforçar, como devia, o financiamiento das bolsas de estudos dos estudantes com menores recursos, enquanto favorece os que têm mais. A meu ver, uma opção errada.
3. Há que saudar, porém, uma medida contra esta geral prodigalidade orçamental, que é o fim do chamado "IVA zero" para um pacote de bens alimentares e afins, o qual é substituído por uma ajuda monetária ao poder de compra das famílias mais carenciadas, como aqui defendi na altura. Mais vale corrigir tarde um erro do que nunca; mas é pena que, entretanto, não tenham sido cobradas centenas de milhões de euros em IVA a pessoas que em nada precisam de tal subsídio. Mesmo em períodos de "vacas gordas" orçamentais, não se compreende que se deite dinheiro público à rua.
Adenda
Só numa caricatura é que se pode defender que o Governo cooptou a agenda política do PSD. Tal não se aplica obviamente aos traços essenciais do orçamento: aumento da despesa pública em vários pp, aumento do salário mínimo sem precedentes (e isento de IRS), aumento do abono de família e do subsídio de desemprego, subida das pensões de valor baixo e médio acima da inflação, baixa generalizada do IRS para os rendimentos do trabalho, sem nenhuma redução quanto aos rendimento de capital nem do IRC (que foi sempre a prioridade do PSD), proograma IRS Jovem, aumento do apoio às rendas de famílias de menores rendimentos, etc. etc. Claramente, a objetividade da análise foi cooptada pelo sectarismo político.