1. Sendo uma das mais profundas revoluções da história política nacional, quanto à rutura com o regime precedente - só equiparável à Revolução liberal de 1820, que, porém, foi vencida pela contrarrevolução antivintista logo em 1823 -, a Revolução de 25 de Abril de 1974, iniciada por uma sublevação militar, logo transformada em intensa revolução popular, foi também a mais bem-sucedida na transformação do País, indo além do seu programa originário.
No campo político: fim do regime autoritário e do seu aparelho repressivo e termo da guerra colonial, recuperação das liberdades pessoais, civis e políticas, instauração de um regime democrático baseado na democracia representativa e na democracia participativa, sólidas instituições do Estado de direito, descentralização territorial nos municípios e nas regiões autónomas;
No campo económico e social: institucionalização de um "Estado social" avançado, assente na constitucionalização dos direitos laborais e sociais (educação, saúde, segurança social, etc.), uma economia de mercado temperada pela regulação pública e pela garantia pública dos "serviços de interesse económico geral", a que a integração económica europeia veio dar cobertura (a "economia social de mercado").
Se as revoluções se medem pelos seus resultados, esta pede meças a todas as anteriores revoluções nacionais.
2. Além disso, passados 50 anos, o regime democrático instaurado há meio século mantém uma notável vitalidade, apesar dos novos desafios (globalização, emergência de novos poderes, ameaças terroristas, movimentos migratórios, populismo, etc.). Nem a nova direita política de caráter populista radical ousa desafiar frontalmente os fundamentos constitucionais do regime.
A Constituição de 1976 - que é o estatuto jurídico-institucional da Revolução e das suas transformações políticas, económicas, sociais e culturais - é ja a segunda Lei Fundamental mais duradoura da nossa história constitucional, só superada pela Carta Constitucional de 1826.
Aliás, de entre as nossas constituições mais avançadas (as de 1822, de 1838 e de 1911), a CRP de 1976 foi a única que passou o teste do tempo, estando à beira de perfazer também os 50 anos. De resto, não sendo modificada há quase 20 anos, desde a pontual revisão de 2005 - o que prova o amplo consenso constitucional alcançado, que as várias revisões constitucionais ajudaram a estabelecer -, ela passa pelo maior período de estabilidade constitucional entre nós, desde 1885!
Os deputados da Assembleia Constituinte de 1975-76, entre os quais me conto, têm razões para se sentirem orgulhosos da sua obra.
3. Há evidentemte gente que, tendo-se empenhado, no auge da Revolução, na luta por transformações económicas, políticas, sociais e culturais bem mais radicais - nomeadamente a superação do capitalismo e da "democracia burguesa" -, sente que o saldo das "conquistas de Abril" foi escasso e que mesmo algumas que pareciam alcançadas (até porque inicialmente dotadas de garantia constitucional), como a nacionalização do grande poder económico e a reforma agrária, acabaram por perder-se ingloriamente. Não falta mesmo quem ouse proclamar que "não foi para isso que se fez o 25 de Abril".
Lamento discordar. Primeiro, tais objetivos não constavam dos propósitos originários da Revolução, os quais foram todos realizados, como se mostrou acima; segundo, aqueles objetivos "utópicos" nunca gozaram de uma maioria política ou sociológica de apoio, como se viu logo nas eleições para a Assembleia Constituinte, em 1975; terceiro, numa democracia constitucional, a própria Constituição está aberta à revisão, aliás dependente de maiorias políticas muito exigentes.
Seja como for, a Revolução portuguesa acabou por ir bem além dos seus estritos propósitos iniciais e foi seguramente bastante mais ambiciosa do que a transição democrática de outros regimes autoritários em numerosos outros países depois dela, na Europa e fora dela.
Por isso, a única mensagem que traduz apropriadamente o que devemos à Revolução de há 50 anos é: Obrigado, 25 de Abril!