1. No seu último parecer sobre as perspetivas económicas e financeiras, já depois da nomeação do novo Governo, o Conselho de Finanças Públicas instava o Governo a apresentar no novo Programa de Estabilidade, que está obrigado a apresentar pelos normas da UE, «as contas [das novas políticas que pretende implementar] e anuncie o impacto orçamental de medidas como a recuperação do tempo de serviço dos professores, a valorização das forças de segurança e as descidas de impostos».
Ora, no Programa de Estabilidade hoje apresentado na AR, o Governo ignora totalmente essa recomendação do CFP e apresenta as perspetivas económicas e orçamentais em termos de "políticas invariantes", ou seja, sem o impacto das novas políticas que se comprometeu a seguir, quer quanto a nova despesa, quer quanto à redução das receitas fiscais. Por isso, o CFP entendeu não dar parecer sobre o documento.Ou seja, a não ser que o Governo não pretenda introduzir no corrente ano orçamental nenhuma das medidas previstas - o que obviamente é um contrassenso -, trata-se de um exercício de pura ficção política, sem nenhuma utilidade, que as oposições não podem aceitar de bom grado.
2. Acresce que, estranhamente e sem qualquer explicação, os principais indicadores apresentadas pelo Governo não coincidem com as do próprio CFP, no seu referido relatório de há uma semana, que atualizava, em relação ao corrente ano, as previsões do orçamento aprovado no final do ano passado
Assim, tanto o crescimento do PIB como excedente orçamental previstos para esta ano são inferiores: o primeiro passa a ser de 1,5% (em vez de 1,6%) e o segundo passa a ser de apenas 0,3% (e vez de 0,5%), o que importa em cerca de 500 milhões de euros de diferença. Consequentemente, e mais grave, a descida do peso da dívida pública também é inferior: 97,5% em vez de 95,3%, mais de 2pp de diferença.
Sendo óbvio que os dados de partida dos dois documentos, tão próximos, não podem ser diferentes, o Governo resolveu claramente "ajeitar" os números, de modo a tentar reduzir antecipadamente o impacto orçamental negativo das medidas do seu programa político.
Impõe-se que o Governo justifique devidamente estas convenientes alterações do quadro macroeconómico.
Depois da fraude da pseudodescida do IRS, não é admissível que o Governo "brinque" mais uma vez com os números em matéria de finanças públicas.