1. Não percebi o argumento de Rui Tavares no suplemento do Expresso desta semana sobre a reforma eleitoral de 1901 (Hintze Ribeiro), que veria a ser injustamente designada como "ignóbil porcaria", e sobre uma alegada afinidade política com o que se passa atualmente em Portugal.
Segundo o autor, a referida lei eleitoral teria visado salvaguardar o tradicional bipartidarismo e o rotativismo cartista, entre "regeneradores" e "históricos"/"progressistas" e dificultar o aparecimento de novos partidos. É certo que a divisão dos centros urbanos, designadamente Lisboa e Porto, em círculos eleitorais separados, agregados a zonas rurais adjacentes, conseguiu afastar os republicanos do parlamento seguinte. Mas o novo sistema eleitoral, ao aumentar o número de deputados e ao substituir os círculos uninominais por círculos plurinominais com representação de minorias, só poderia ter resultados contrários aos assinalados pelo autor, facilitando a representação parlamentar de mais partidos, incluindo os republicanos, como se veio a verificar nas eleições seguintes, até ao fim da monarquia. As supostas intenções da “ignóbil porcaria” viram-se completamente frustradas.
Argumento improcedente, portanto.
2. Também não vejo que relação tem a situação de 1901 com a atual, aliás pouco esclarecida pelo autor.
Primeiro, não houve nenhuma alteração recente da lei eleitoral, nem se perspetiva nenhuma. Segundo, a combinação do sistema proporcional com círculos eleitorais muito grandes, com um limiar de eleição muito baixo (menos de 2% em Lisboa), só pode levar a uma elevada fragmentação parlamentar, como se está a verificar nas últimas eleições, sem que os dois grandes partidos do rotativismo governativo democrático tenham defendido ou apresentado qualquer proposta para contrariar esse tendência (salvo a tradicional proposta do PSD de diminuição do número de deputados, que no entanto tem tido sempre a oposição do PS).
Paralelismo sem fundamento, portanto.