1. O discurso do novo PM na tomada de posse do Governo PSD+CDS só pode ser interpretado com uma deliberada provocação às oposições, e em especial ao PS, imputando-lhes uma obrigação de "deixar o Governo trabalhar" e a responsabilidade de assegurar a estabilidade política.
Ora, sendo o Governo ultraminoritário, é a ele que cabe promover os compromissos políticos necessários com os partidos de oposição, à esquerda ou à direita, para conseguir fazer aprovar a legislação, em geral, e o orçamento, em especial, sabendo, porém, à partida, que não pode pretender realizar integralmente o seu programa político, por falta de apoio eleitoral e parlamentar.
Numa democracia parlamentar, não é vocação das oposições, muito menos do principal partido de alternativa governativa, sustentar o Governo.
2. Conto-me entre os que defendem que o PS, como partido de governo que não deixou de ser, deve fazer uma oposição responsável, e não caprichosa, ponderada, e não sectária, aberta à negociação com o Governo, e só votando contra as medidas incompatíveis com o seu próprio programa político.
Todavia, para haver uma oposição responsável exige-se um Governo disponível para negociar e fazer concessões e para aceitar que todos os partidos têm "linhas vermelhas" políticas e doutrinárias que não podem sacrificar. Ora, a postura desafiadora de Montenegro não aponta para aí, mas sim para a chantagem sobre o PS e para a vitimização política pelas eventuais derrotas parlamentares que não conta evitar.
Perante este discurso, a impressão que fica é que Montenegro quer "encostar o PS à parede" e vai jogar tudo na demissão do Governo numa ocasião politicamente propícia, acusando os socialistas de "bloqueio" à ação governtiva. Maus augúrios, portanto, para o "clima" político e para a estabilidade governativa.