sábado, 4 de janeiro de 2025

O que o Presidente não deve fazer (51): Onde não é chamado

1. Ao consultar os demais membros do Conselho de Estado sobre o pedido do líder do Chega para uma reunião daquele órgão de consulta presidencial sobre questões de segurança, o PR admite explicitamente que tal reunião poderá vir a ter lugar, se uma maioria deles tal entender. Ora, para além de descartar a responsabilidade pela convocação (ou não) do seu órgão consultivo, não se vê qual pode ser o cabimento político e constitucional da intervenção do CE nessa matéria.

Segundo a Constituição, o Conselho de Estado, para além dos casos de convocação obrigatória, sobre o exercício de competências presidenciais de maior impacto político (como a dissolução parlamentar ou a demissão do Governo), pode ser chamado a «aconselhar o PR no exercício das suas funções», a seu pedido. Ora, que se saiba, o PR não exerce nenhuma função em relação à política de segurança, que é da exclusiva competência governamental, pela qual o Governo é responsável somente perante o parlamento.

2. Manifestamente, o PR insiste em instrumentalizar politicamente o Conselho de Estado (como ja anotei AQUI e AQUI e AQUI), transformando-o numa espécie de segunda câmara parlamentar, para se imiscuir onde não é chamado, ou seja, na condução da política nacional, que é do foro privativo do Governo, e para secundarizar o papel da AR no seu papel específico de escrutínio político da atividade governativa.

A questão que se coloca é a de saber se o PM e os deputados do Governo e da oposição que são membros do CE devem continuar a ser cúmplices, à sua custa, deste abuso de poder presidencial, à margem da separação constitucional de poderes e de repartição de responsabilidade política.

Adenda
Um leitor pergunta se há fundamento para a noção de "cooperação estratégica" entre o PR e o PM, utilizada pelo primeiro na sua mensagem de Ano Novo (que se pode ler AQUI). A meu ver, tal conceito não tem fundamento nenhum no nosso sistema político-constitucional, sendo obviamente destinado a dar cobertura à errada noção de uma condução política do País partilhada entre Belém e São Bento, como se o PR fosse cotitular do poder governamental, numa espécie de diarquia política, a la française.