sexta-feira, 14 de março de 2025

Eleições parlamentares 2025 (1): Como travar o abuso das eleições?

1. Causada pela demissão do Governo, decorrente da derrota da provocatória moção de confiança (apresentada apesar da derrota de duas moções de censura), a convocação de eleições antecipadas impunha-se neste caso, desde logo porque não havia condições para uma alternativa de governo no atual quadro parlamentar, hipótese que o próprio PSD afastou liminarmente, apostanto tudo nas eleições e procurando trasformá-las num plebiscito ao Primeiro-Ministro cessante, cuja credibilidade política tem vindo a ser contestada, por causa da sua empresa "familiar" e das avenças associadas.

No entanto, se não havia alternativa a esta terceira dissolução parlamentar às mãos do atual PR, tal não era o caso nas duas anteriores, pois a de 2021 (rejeição parlamentar do orçamento), embora defensável, foi contestada, e a de 2023 (demissão de A. Costa) foi puramente abusiva (como mostrei AQUI). 

Com a terceira dissolução parlamentar em três anos (2022-25), MRS iguala o record que até agora pertencia ao primeiro PR, Ramalho Eanes, na fase de consolidação do regime democrático, mas igualando-o num espaço mais curto de tempo .

2. Em menos de 50 anos, desde 1976, vamos eleger o 18º parlamento, e dos 17 precedentes, somente 6 (ou seja, pouco mais de 1/3) completaram a legislatura de 4 anos, que corresponderam quase sempre a parlamentos em que havia maioria parlamentar de um partido (1987-91, 1991-95, 2005-09) ou de uma de coligação ou quasecoligação governamental (2011-15 e 2015-2019), sendo a única exceção o caso de 1995-99, em que o PS tinha maioria relativa, embora numerosa.

Salvo o caso especial de 1979-80, em que a convocação de eleições era imposta pela Constituição, a AR agora dissolvida foi a mais curta de todas, e as próximas eleições vão ser as quartas em 6 anos (2019, 2022, 2023, 2025), sendo, portanto, o período de maior rotatividade parlamentar até agora, que evoca a má memória da I República. 

Acresce que esta instabilidade parlamentar, que é acompanhada de idêntica instabilidade governativa, tende a ser agravada pela fragmentação da representação parlamentar e pelo enfraquecimento da posição relativa dos dois tradicionais partidos de governo, o PS e o PSD.

Além dos elevados custos financeiros e económicos associados a cada eleição, esta inaceitável rotatividade parlamentar é suscetível de gerar o cansaço dos cidadãos e os descrédito da democracia parlamentar. Não podemos continuar assim!

3. Torna-se necessário pensar nas soluções que possam atalhar este perigosa deriva para a instabilidade política (governativa e parlamentar) permanente.

Ocorrem-me três vias, aliás complementares:

    - tornar constitucionalmente mais exigentes as condições para a dissolução parlamentar, delimitando a discrionariedade do PR nesta matéria e impedindo dissoluções por capricho presidencial;

    - alterar o mapa dos círculos eleitorais, dividindo os maiores, de modo a reduzir o índice de propocionalidade do sistema eleitoral e a proporcinar vitórias mais robustas e melhores condições de governablidade aos partidos vencedores das eleições;

    - estando excluída entre nós, pelo menos por agora, a hipótese de governos de grande coligação ao centro (à alemã), não é impossível, porém, equacionar um pacto estável entre os dois tradicionais partidos de governo , no sentido de, em caso de vitória eleitoral sem maioria absoluta, cada um deles deixar governar o outro salvo coligação governamental maioritária alternativa -, viabilizando a constituição do Governo e prescindindo de votar moções de censura, a troco da negociação dos orçamentos (fórmula ensaiada nesta legislatura, agora prematuramente rompida pelo PSD).

No clima de elevada crispação atualmente prevalecente entre o PSD e o PS, não parece haver nenhumas condições para esse triplo acordo político entre ambos. Mas nunca é inoportuno aventar os possíveis remédios para a doença que pode ameaçar a estabilidade do próprio regime democrático, meio século depois do seu nascimento.
[revisto o § 3]