quinta-feira, 6 de março de 2025

O caso Montenegro (5): Os custos da crise política

1. A crise política levianamente precipitada por Luís Montenegro, para fugir ao inquérito parlamentar sobre a sua ligação à Spinumviva e para fazer "plebiscitar" o seu Governo, menos de um ano depois de tomar posse, em condições que julga favoráveis, não vai apenas levar à realização de novas eleições parlamentares e ao subsequente processo de formação de novo Governo, sabe-se lá qual, daqui a uns meses (como assinalei em post anterior).

Por um lado, em consequência da sua demissão e do encerramento do parlamento, o Governo vai entrar em "modo de gestão" - ficando limitado, como diz a Constituição, aos «atos estritamente necessários à gestão dos negócios públicos» (ou seja, os que sejam de todo inadiáveis), tando mais que o Governo fica obrigado a respeitar o princípio da imparcialidade eleitoral -, o que vai provocar o atraso de numerosos dossiês governativos de relevo, como assinala esta peça do Expresso.

Deixar de ter um Governo em plenitude de funções no atual contexto interno e externo, não é decididamente uma opção prudente.

2. Por outro lado, como é fácil imaginar, além dos custos diretos das eleições, no valor de várias dezenas de milhões de euros, há que contar com o impacto económico negativo que vai resultar, não somente do adiamento dessas medidas públicas, mas também da incerteza política sobre os consumidores e as empresas, adiando decisões e "esfriando" o ambiente económico, com reflexos no emprego e nos rendimentos. Por isso, o Fórum para a Competividade, embora ressalvando que os contornos da crise política «não são ainda claros», antecipa, porém, que esta «deverá arrefecer a economia, sobretudo pelo adiamento de decisões de investimento, mas provavelmente também no cumprimento das metas e marcos do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência]».

Não levar em conta estes fatores negativos antes de avançar, por capricho pessoal, para uma decisão desta gravidade, que, aliás, pode não alterar nada quanto às condições de governo, tem um nome -, aventureirismo político.
[Alterada a rubrica do post]

Adenda
O candidato presidencial Marques Mendes, que tem o apoio explícito do PSD, veio declarar, com toda a razão e oportunidade, em declarações à Lusa hoje, que o «país está incrédulo com a ideia de ter eleições antecipadas, não as deseja, nem compreende a sua utilidade», salientando que ele próprio partilha dessa apreensão, pelo que apela ao Presidente da República para «fazer uma última tentativa, um último esforço, para evitar eleições, para garantir a estabilidade». O antigo líder e governante do PSD tem toda a razão quanto à insanidade da crise política, mas é de recear que a direção do seu partido tenha ensandecido politicamente e seja surda, quer à sensatez do seu alerta, quer a uma eventual intercessão de Belém.

Adenda 2
Um leitor argumenta que Montenegro não vai recuar, porque desde o princípio quis provocar eleições, aproveitanto a boa condição económica e financeira que o Governo herdou, antes que ela mude, para tentar reforçar a sua posição eleitoral, e que «só não concretizou essa intenção até agora porque o PS não lhe deu pretexto suficiente», como sucedeu na votação do orçamento. Sim, mas tomar como pretexto agora a exigência do PS de esclarecimetos que ele tem a obrigação de prestar, e não presta, é de uma enorme hipocrisia política.

Adenda 3
Um leitor pergunta se «a melhor resposta, do lado do PS não seria a abstenção - com isso bloqueando a demissão do Governo, mas sem representar qualquer legitimação pela positiva - e depois, em função do apurado na CPI (e há muito por apurar…), agir - eventualmente, via moção de censura». Se eu fosse líder do PS, consideraria seriamente essa solução, mas penso que, tendo PNS proclamado, na apresentação do Governo à AR - que o PS viabilizou, não votando a rejeição do program de governo - que Montenegro não pensasse em avançar com uma moção de confiança, pode não ter agora a flexibilidade suficiente para ignorar essa "linha vermelha". É pena, porque penso que, face à reação pública negativa da hipótese de novas eleições, essa solução permitia ao PS "sair por cima", não respondendo à provocação de Montenegro e mantendo-o sob pressão do inquérito parlamentar.