quarta-feira, 5 de março de 2025

O caso Montenegro (4): Sacrificar o País

1. Entre ter de prestar esclarecimentos cabais sobre a sua empresa "doméstica" no inquérito parlamentar aberto pelo PS, que poderia confirmar as acusações de que foi alvo por estes dias (nomeadamente a violação da regra da exclusividade), e uma fuga explícita para eleições (o que exclui à partida a hipótese de novo Governo do PSD com outro PM, sem eleições), Luís Montenegro optou irresponsavelmente pela segunda via, sacrificando os interesses do País aos seus interesses pessoais.

Além dos elevados custos financeiros e económicos de um processo eleitoral e da suspensão da governação durante vários meses, que pode afetar a execução do PRR, a repetição de eleições, com um ano de intervalo - o mais curto desde 1982 -, a que se seguirão as eleições locais no outono e as eleições presidenciais no início do ano que vem, é suscetível de gerar a fadiga e, mesmo, a desmotivação, em muitos cidadãos, aumentando a abstenção. 

Infelizmente, quando o sistema político entra em panne e os governantes fogem às suas responsabilidades, quem beneficia é a direita populista. Ventura deve estar a esfregar as mãos de satisfação, pela nova oportunidade que lhe é dada.

2. O recurso a eleições parlamentares antecipadas é justificada por Montenegro em nome da «clarificação da situação política», a que se acrescenta seguramente a ambição de reforçar a posição política do PSD, contando com a situação económica, social e financeira favorável (que herdou dos governos do PS...). 

Todavia, tanto quanto é possível antecipar, não é expectável que, avançando para as eleições com o seu líder gravemente ferido na sua credibilidade e com o mistério da Spinumviva longe de encerrado, o PSD possa ganhá-las com grande vantagem, ainda menos com maioria absoluta. Sendo de excluir o mesmo para o PS - onde PNS ainda não foi capaz de projetar a sua liderança para o exterior -, o mais provável, depois das eleições, é ficarmos confrontados com a velha opção entre uma solução de governo minoritário do partido que as ganhar (parlamentarmente viabilizada como?) ou uma solução de coligação governamental (entre que partidos?).

A pior situação pós-eleitoral seria um possível impasse político quanto à solução governativa, que se arraste por semanas ou meses, eventualmente complicada pela contestação da liderança do partido derrotado, e que acabe em nova repetição de eleições pouco tempo depois, pondo em causa a credibilidade do sistema político...

Não é fácil ser otimista nestas circunstâncias.

Adenda 
Uma leitora comenta que, «se em 2023 Marcelo [Rebelo de Sousa] tivesse aceitado a proposta de A. Costa, depois da sua demissão, de nomeação de um novo Governo do PS chefiado por Mário Centeno, em vez de optar pela dissolução parlamentar, não estávamos a passar por isto e tínhamos mantido uma governação tranquila até 2026, sem passar por duas dissoluções parlamentares e duas eleições desnecessárias». Tem toda a razão. Em vez de garante de estabilidade política, como devia ser, o atual PR converteu-se num fator de instabilidade política, sem precedentes há décadas.

Adenda 2
Numa notícia de claro enviesamento político, o Observador diz que, havendo demissão do Governo, por efeito da rejeição da moção de confiança, «PS e Chega recusam qualquer cenário que não seja o de eleições». Ora, quem excluiu à partida qualquer outro cenário foi próprio Primeiro-Ministro, ao anunciar a moção de confiança, justamente para provocar a «clarificação política» através de eleições, com ele próprio a liderar o PSD, transformando-as numa espécie de plebiscito a si próprio e afastanto, portanto, liminarmente a hipótese de novo Governo do PSD no atual quadro parlamentar. Depois disto, a opinião dos outros partidos é irrelevante. O seu a seu dono.

Adenda 3
O anúncio de eleições parlamentares antecipadas vai colocá-las imediatamente no centro da agenda política e mediática, descartando a pré-campanha das eleições presidenciais, que já estava em curso e que vai ficar de remissa até ao verão. Todavia, o excesso de conflitualidade política e a degradação da governabilidade do regime, que mais este episódio revela, alimentam claramente a ideia de que é preciso um PR independente e com autoridade para "chamar os partidos à ordem". Por isso, embora sem nenhum papel seu, Gouveia e Melo é um dos ganhadores do vertiginoso dia político de hoje.