quinta-feira, 6 de março de 2025

Guerra na Ucrânia (62): O "amigo" americano

1. Apesar de os Estados Unidos terem sido o principal instigador da provocação ucraniana à segurança da Rússia  - o abandono do seu estatuto de neutralidade e a candidatura à adesão à Nato, que estão na origem da guerra -, Trump decidiu agora, não somente abandonar o apoio militar e político a Kiev, mas também exigir-lhe o acesso às "terras raras" ucranianas, em pagamento da assistência prestada por Washington ao longo deste três anos. Afinal, tratava-se de um empréstimo, que Washington quer ver pago imediatamente e em espécie...

É caso para dizer que com "amigos" destes, a Ucrânia não precisa de inimigos.

2. Privada desse apoio vital, que não vai poder ser compensado pela Europa ocidental (UE + Reino Unido), a Ucrânia não vai poder aguentar a guerra durante muito mais tempo, arriscando-se a perder ainda mais território e a sofrer mais detruição, pelo que Kiev vai ter de aceitar rapidamente o que até agora recusara - aliás, com o apoio, se não o incentivo, dos seus aliados de aquém e de além-Atlântico -, ou seja, uma solução negociada do conflito, onde não tem nenhuma perspetiva de recuperar todos os territórios perdidos, tendo de focar-se na luta pelas garantias plurilaterais de segurança, a que naturalmente tem direito, e a que os seus aliados da Nato, que instigaram e alimentaram a guerra, não podem recusar-se a associar-se.

Depois de terem provocado, com a sua instigação à "deriva ucraniana", o abandono do compromisso pacífico com a Rússia pós-soviética, que durava há três décadas, as potências ocidentais não podem deixar de assegurar as condições para o retorno da paz ao velho continente, incluindo a garantia da confiança mútua de Kiev e Moscovo na sua segurança recíproca.

3. A União Europeia também vai sair bastante mal-ferida desta aventura ucraniana, subitamente interrompida pela "traição" de Washigton.

Tendo também apoiado o inglório esforço de guerra ucraniano de forma maciça, em termos políticos, financeiros e militares, ainda mais do que os Estados Unidos, a União incorreu também na enorme despesa com a sustentação dos milhões de refugiados e sofreu o impacto muito negativo das sanções à Rússia e das contrassanções desta, que causaram a estagnação da economia europeia, e em especial da economia alemã, ao longo deste anos, sobretudo pelo aumento dos custos das importações energéticas e da perda do mercado de exportação e de investimento russo. E ainda vai sobrar para os contribuintes europeus o custo gigantesco da reconstrução da Ucrânia.

Não menos penoso do que isso foi a rutura da convivência frutífera com a Rússia, em termos políticos e económicos, estabelecida nas últimas décadas, e ver a fuga de Moscovo para os braços de Pequim. Além da súbita perda traumática do "amigo americano", por decisão de Trump, que pode ser transitória, a "perda" da Rússia, que a Nato incentivou com a invenção da "ameaça russa", pode ser o dano direto mais importante e mais duradouro deste malfadado conflito para a União Europeia.