sexta-feira, 25 de abril de 2025

História política (4): As eleições constituintes de há 50 anos


1. Duas exposições assinalam em Lisboa as eleições constituintes de 25 de abril de 1975: uma na Fundação Gulbenkian, inaugurada há dias, que é uma iniciativa da Comissão de comemoração dos 50 anos do 25A, e outra na AR, hoje inaugurada, logo após a sessão comemorativa do 25 de Abril, este ano também comemorativa dos 50 anos das eleições, com a presença de vários deputados constituintes, convidados para o efeito.

Justifica-se plenamente esta atenção a essas eleições, por várias razões:
    - por a sua realização ter representado o cumprimento de um dos principais compromissos do MFA, logo anunciado no seu primeiro comunicado público, no próprio dia 25 de abril de 1974;
    - por elas terem sido eleições sem precedente nossa história política em diversos aspetos: primeiras eleições por sufrágio universal, pela primeira vez por voto genuinamente pessoal e secreto (expresso pelos próprio eleitores em cabine na própria assembleia eleitoral), em competição pluripartidária, com atribuição proporcional de mandatos (que em 1911 só tinha sido aplicada nos círculos eleitorais de Lisboa e do Porto) e com representação dos residentes no estrangeiro (embora só com um deputado);
    - pela excecional afluência de mais de 90% dos eleitores, nunca antes nem depois repetida;
    - por terem sido fundadoras ao atual regime constitucional, ao elegerem os partidos e os deputados que fizeram a Constituição de 1976, em tantos aspetos também uma Lei Fundamental sem precedentes, mesmo quanto às três constituições anteriores também saídas de revoluções populares (1822, 1838, 1911).

As mais democráticas eleições, portanto, que deram origem também à mais democrática Constituição.

2. A mais ambiciosa das duas referidas exposições, a da Gulbenkian, começa por recordar a ficção das eleições (presidenciais e legislativas) durante a ditadura do chamado "Estado Novo" e as tentativas da oposição democrática, na sua diversidade, de as aproveitar para denunciar o regime e mobilizar o combate contra ele, com destaque para a épica campanha presidencial de Humberto Delgado em 1958 e a animada campanha das eleições legislativas de 1969. 

Quanto às eleições de 1975, a exposição fornece notável informação histórica, quer documental quer visual, sobre a sua preparação e a sua realização, incluindo profusa ilustração da campanha eleitoral e sobre a noite eleitoral e os resultados, com recurso a registos televisivos da época. Uma notável evocação!

Lamentavelmente, a exposição não é acompanhada de catálogo que perpetue o grande acervo informativo nela disponibilizado.

3. No entanto, nesta exposição não sufrago três aspetos históricos
     - primeiro, é de estranhar a simples referência de passagem à grave tentativa de violar o programa do MFA quanto às eleições constituintes, que foi a proposta de Spínola e de Palma Carlos - respetivamente, o primeiro PR e e o primeiro PM a seguir à Revolução -, logo em julho de 1974, para a convocação imediata de eleições presidenciais e de plebiscito de uma "Constituição provisória", o que teria matado a revolução à nascença;
     - segundo, não compartilho a ideia de que em 1975, a seguir ao 11 de março, as eleições estiveram em sério risco de não se realizarem ou de serem indefinidamente adiadas, pois só estavam contra elas os micropartidos de extrema-esquerda, com escasso peso político, apesar da sua visibilidade política nas ruas de Lisboa e em alguns jornais, e uma pequena fação radical do MFA, sem eco, porém, na direção do movimento;
     - por último, considero excessiva a ideia de ter sido uma "campanha eleitoral violenta", pois, além de isso não se sentir no terreno na época (eu estive lá, e até tive uma "sessão de esclarecimento" boicotada), os casos de violência foram pontuais entre os milhares de iniciativas de campanha, e raramente envolveram militantes dos principais partidos.

A história deste período fundador do atual regime democrático não beneficia com a veiculação de perceções que, embora tendo existido em alguns círculos políticos da época, não tinham substrato suficiente para vingar.