quarta-feira, 19 de maio de 2004

A nova Concordata

Está finalmente disponível o texto da nova Concordata com a Igreja Católica, ontem assinada no Vaticano, destinada a substituir a Concordata de 1940, celebrada entre Salazar e Pio XII. O Público transcreve uma grande parte, estando o texto integral disponível no website do Centros de Estudos de Direito Canónico da Universidade Católica.
É um texto longo e nem sempre claro, cuja importância é desnecessário encarecer, dado que, uma vez ratificada, a Concordata se torna "ipso iure" direito interno português, directamente aplicável. Uma das surpresas desagradáveis é o art. 15º cujo texto é o seguinte:
1. Celebrando o casamento canónico os cônjuges assumem por esse mesmo facto, perante a Igreja, a obrigação de se aterem às normas canónicas que o regulam e, em particular, de respeitarem as suas propriedades essenciais.

2. A Santa Sé, reafirmando a doutrina da Igreja Católica sobre a indissolubilidade do vínculo matrimonial, recorda aos cônjuges que contraírem o matrimónio canónico o grave dever que lhes incumbe de se não valerem da faculdade civil de requerer o divórcio.
É certo que se trata de simples reprodução do texto do protocolo de 1975, em substituição do art. 24º da Concordata de 1940, que iniquamente proibia o divórcio nos casamentos celebrados sob forma canónica. Mas se por isso mesmo tal formulação ainda poderia ser palatável em 1975, permitindo salvar a face do Vaticano (substituindo a proibição legal pela simples interdição religiosa), já se não entende de modo algum numa Concordata nova, quando esse problema já se não coloca. Tal preceito diz respeito somente às relações entre a Igreja e os seus fiéis, não estabelecendo nenhuma posição comum nem nenhuma relação bilateral entre as duas partes nesta convenção. O Estado é por princípio alheio à definição e cumprimento dos deveres religiosos dos seus cidadãos, pelo que não deve associar-se à sua "validação oficial" num instrumento jurídico bilateral por ele subscrito, porque lho não permite o princípio da separação, bem como, no caso concreto, a garantia constitucional do direito ao divórcio independentemente da forma de casamento, constante da Constituição (que ainda não existia em 1975).
Trata-se por isso de um texto deslocado e despropositado, que poderia figurar, quando muito, como declaração unilateral do Vaticano anexa à Concordata, mas nunca como preceito no próprio articulado da Concordata, que vincula ambas as partes. Lamentável. Além do mais, não havia necessidade...

Os que não contam

«But at the same time thousands of others -- men, women, the elderly and the very young -- have been killed or maimed with far less fanfare. No one knows how many. They are Iraqi civilians, and the Americans and the British do not bother to keep count of the people they have "liberated" and then killed.»
(Kim Sengupta e Marie Woolf, Independent, 17-05-2004)

Estimativas conservadoras apontam para cerca de 10 000 mortos civis iraquianos (não incluindo portanto os militares durante a invasão). Estes falharam a "libertação". As baixas mortais entre as forças de ocupação são inferiores a 900.

Ou há moralidade...

A presidente da Câmara municipal de Leiria diz que esta cidade não é menos do que Viseu e que por isso também quer uma universidade pública. Tem toda a razão. Dado que para criar novas universidades não é preciso que elas sejam necessárias nem que se justifiquem os seus custos, penso que depois de Viseu todas as demais capitais de distrito devem ter uma, devendo o Governo oferecê-las imediatamente a Viana do Castelo, Bragança, Leiria, Santarém, Setúbal e Beja.
Proponho mesmo que doravante seja aditado um novo direito fundamental à Constituição, a saber, o direito a ter uma universidade pública ao pé da porta. Nisto não pode haver filhos dilectos e enteados desprezados...

terça-feira, 18 de maio de 2004

Neoconfessionalismo

No seu artigo de hoje no Diário de Notícias Jorge Bacelar Gouveia - que além de conhecida personalidade católica é também membro da recém-constituída, e aliás mui católica, Comissão da Liberdade Religiosa - defende hoje que «o Estado deve se amigo da religião». No caso português subentende-se que deve ser amigo especialmente da religião católica.
Essa afirmação é porém assaz equívoca, na medida em que insinua uma atitude pró-religiosa do Estado. Contudo, num regime de separação constitucional entre o Estado e as igrejas, como o nosso, o Estado só pode adoptar uma posição de neutralidade e indiferença em matéria religiosa. A religião não faz parte da sua agenda. É evidente que não pode hostilizar as igrejas, nem muito menos os crentes. Pelo contrário, deve respeitar e proteger a sua liberdade de confissão e de culto. Mas a liberdade religiosa não consiste somente em ter e praticar uma religião, mas também em não ter nem praticar nenhuma. E esta vertente "negativa" da liberdade religiosa também merece a mesma protecção do Estado. Para ele deve ser tão meritória, ou não, a posição do crente mais fundamentalista como a atitude do anticlerical mais militante. Ambos merecem a sua "amizade", o que quer dizer que ele não pode ser amigo preferencial da religião em geral, nem muito menos de nenhuma religião em particular.

Secretismo até ao fim

A nova Concordata entre o Estado português e o Vaticano foi assinada esta manhã. Mas o texto continua sem ser divulgado. Mantém-se assim o paradigma de secretismo que rodeou a negociação do novo acordo, por ambas as partes, numa demonstração de desprezo, quer pelos cidadãos em geral, quer pelos católicos em particular. O contrário do exigem as regras da democracia deliberativa e participativa prevista na Constituição. No segredo dos deuses, melhor se diria.
Como diz António Marujo hoje no Público:
«(...) Um tratado internacional poderia ser negociado tendo em conta também o debate que sobre ele se fosse fazendo - se se conhecessem os pormenores desse debate. Isso seria difícil de aceitar pela diplomacia do Vaticano, que gosta de trabalhar mais discretamente, embora para muitos católicos tivesse sido importante participar nesse debate. O Estado português, por seu lado, tinha obrigação de dizer aos seus cidadãos o que estava a negociar em seu nome. Tudo isto soa ainda mais estranho quando, ainda ontem à tarde, se desconhecia se o Governo iria divulgar já o texto final, ou se esperaria mais alguns dias. (...) E isto, obviamente, não é uma questão formal.»

Encerramentos & suspensões

Depois de o Bloguítica - o blogue de Paulo Gorjão sobre política e relações internacionais - ter anunciado uma suspensão por alguns dias, mas sem garantia de regresso ("se voltar", deixou ele em suspenso...), é agora a vez dos Cordoeiros - um "lawblog" de magistrados sobre coisas da justiça - anunciarem a sua saída do espaço dos blogues. Foram presenças suficientemente longas e marcantes para se tornarem notados e justificarem plenamente a sua existência. Esperemos que o primeiro regresse do intervalo que deu a si mesmo e que o segundo reapareça com novo projecto.

Apostilas das terças

1. Estado de Direito!?

Israel continua a destruir casas sem conta nos territórios ocupados, deixando milhares de palestinianos desalojados, invocando umas vezes razões de retaliação contra ataques terroristas (destruindo as casas dos familiares dos presumidos autores), outras vezes razões de segurança. Tratando-se de uma potência ocupante, tais práticas constituem crimes contra a humanidade. No entanto, o Supremo Tribunal de Israel acaba de legalizar essas práticas. Israel, um Estado de Direito?!

2. Como havia poucas...
O Primeiro-Ministro anunciou a criação de uma universidade pública em Viseu, invocando o cumprimento de uma promessa eleitoral. A promessa eleitoral era leviana (tendo em conta o número de universidades existentes e a diminuição da procura) mas só comprometia o PSD; o seu cumprimento é irresponsável, porque compromete definitivamente o orçamento do Estado e os governos que hão-de vir. Segundo relatam as notícias, o projecto da nova universidades não colide com os interesses das universidades particulares já lá instaladas, mas nada se ouviu sobre os interesses do ordenamento territorial da rede pública de ensino universitário. Bem parecia que neste "dossier" o Governo cuida mais de interesses privados do que do interesse público.

3. O Prémio Nobel da guerra
No seu artigo de ontem no Público, o ministro dos negócios estrangeiros de Timor-Leste, J. Ramos Horta veio defender a invasão e ocupação do Iraque, dando mais uma prova do seu seguidismo em relação a Washington, que já tinha manifestado quando Timor foi um dos primeiros países a ceder aos Estados Unidos na questão da imunidade dos norte-americanos perante a jurisdição do Tribunal Penal Internacional. Para um prémio Nobel da Paz como ele, a "promoção" (termo dele) de uma guerra flagrantemente ilegal à face do Direito internacional deve ser uma originalidade.
Considerando o argumento de Horta par justificar a guerra - o fim da ditadura de Saddam Hussein "para salvar pessoas" (o que é pelo menos de mau gosto, tendo em conta os muitos milhares de mortos iraquianos desde a invasão...) -, cabe perguntar se alguma vez defendeu que os Estados Unidos deveriam ter invadido e ocupado a Indonésia, quando ela não era somente uma ditadura mas também mantinha a ocupação ilegal de Timor e perpetrava o genocídio do seu povo. E, já agora, se ele acredita que, caso fosse Bush o ocupante da Casa Branca na altura do referendo de Timor, os Estados Unidos teriam intervindo para pôr fim à violência assassina das milícias integracionistas, para salvar os timorenses e garantir a independência do País...

segunda-feira, 17 de maio de 2004

Fair play benfiquista

Quinze minutos avassaladores e uma imensa capacidade de resistência teriam sido suficientes para justificar a gostosa vitória do Benfica na final da Taça. José Mourinho, no seu habitual registo clint-eastwoodiano, deu mais sal à festa ao culpar (em quê?) a arbitragem pela derrota. Não há maior gozo que o de irritar as hostes adversárias.

PS - Foi bonito o gesto da claque benfiquista ao ostentar uma tarja onde se lia "Apesar de tudo, vão representar as nossas cores. Boa sorte na final do dia 26!". Ficamos a aguardar gestos congéneres da concorrência.

Luís Nazaré

A fonte do populismo

O histórico fontanário da Sabuga, em Sintra, está à beira de se transformar num caso exemplar de cedência ao populismo estético. Numa peça assinada por Luís Filipe Sebastião, no Público de hoje, ficámos a saber que a intervenção planeada pela Câmara pretendia devolver à bica o seu prospecto barroco, removendo o inestético lambril de azulejos que a canhestra reconstrução de 1956 havia introduzido. Até aqui, tudo bem. Mas eis que uma putativa Associação de Defesa do Património de Sintra, com o delicioso argumento de que "a fonte da Sabuga é querida pela população e (...) não se deve mexer no imaginário das pessoas" decide entrar em campo e interpelar a edilidade: "Que departamento se vai responsabilizar pela constante limpeza de grafittis que irão aparecer se existir apenas reboco caiado?"

Foi o suficiente para o presidente da Câmara, Fernando Seara, ter mandado parar os trabalhos de recuperação para "ouvir as populações". Pouco importará que a intervenção tenha sido avalizada pela divisão municipal do Património Histórico-Cultural e pelo Instituto do Património Arquitectónico e de Arqueologia. O "imaginário" foleiro dos habitantes convencerá sem dificuldades o sensível presidente da Câmara. E que tal um revestimento plástico, lavável e imune a grafittis, patrocinado por uma cadeia de fast-food?

Luís Nazaré

Almocreve das Petas

Mais um aniversário blogosférico, desta vez de um dos mais originais e sedutores blogues, o Almocreve das Petas, dedicado à bibliofilia (um manancial de informação), mas não só. Uma das minhas visitas regulares. De lá nunca se vem de espírito vazio. Parabéns!

a few good men - uma questão de honra

1. Uma eventual vitória do Porto na Final da Taça, enfim, tinha-me sabido a ginjas. Porque eu odeio ginjas. O LN é que pôs aqui muito bem a questão dos sabores repescando uma expressão em desuso - aquando do golaço do Geovanni em Alvalade e consequente vitória encarnada: "soube-me pela vida". Subscrevo e repito e proponho aprovação por unanimidade!

2. O Sokota, para mim o jogador benfiquista do ano, disse antes deste jogo: "se ganharmos ao Porto somos a melhor equipa da Europa porque eles vão ganhar ao Mónaco". Pela lógica futebolística, é bem verdade. também é certo que there's no such thing as lógica futebolística mas sabe-me pela vida escrever uma coisa destas.

3. Outra coisa que também não existe no futebol é justiça. Pode dizer-se que - em havendo justiça - o Porto deveria ter ganho porque é, de facto, a melhor equipa. Mas também não seria errado dizer-se: é "justo" que o Benfica leve a Taça para casa. Isto depois de uma das mais dramáticas épocas da sua história. E logo no centenário.
Uma equipa sem dinheiro para contratações, que andou o ano todo a treinar em relvados emprestados, com mais lesionados do que nunca e com duas (logo duas) tragédias. Aliás, não andarei muito longe da verdade se prever o sonho que muitos benfiquistas terão esta noite. É que, atentando nos 2 golos do Benfica, é bem perceptível uma estranha impressão. Fyssas a atacar? A fazer o flanco todo, flectir para o meio, fintar e insistir até fazer golo? E Simão, desaparecido durante 100 minutos, a marcar de cabeça?!
Fechem os olhos, imaginem apenas o equipamento vermelho e branco, e digam lá se aquela raça e qualidade técnica do grego não seria bem mais própria do infeliz capitão júnior Bruno Baião; e se aquela habilidade com a cabeça, naquela posição do terreno, não poderia ser um movimento típico do ponta-de-lança Miki Fehér?

you must remember this

Há poucos dias atrás, fui visitado pelo meu primeiro amor.
(uma das vantagens dos blogues é que podemos escrever frases como a anterior sem corar)
Mas, tenham calma, este não é um post para fazer chorar as pedras da calçada. Não inclui recordações nostálgicas de beijinhos ao pôr-do-sol açoriano ou coisa do género. Apesar da imagem ter ficado desde já registada. Apenas peço um pouco do vosso tempo para partilhar uma impressão. Os primeiros amores - pelo menos no caso em que permaneceu uma relação com os mesmos - estabelecem uma ponte curiosa com o nosso passado. É que tratam-se de duas pessoas que se recordam de um tempo único. Mais uma vez, insisto, não me refiro a memórias ingénuas sobre a paixão ou juras improváveis de amores eternos. É algo bem mais prosaico e, ao mesmo tempo, bem mais invulgar. Quando duas pessoas que partilharam um afecto juvenil se conhecem e relacionam há tanto tempo, partilham normalmente um segredo uma sobre a outra. A certeza de que houve um tempo em que ambas foram simplesmente boas pessoas. E isto, simplesmente, não é pouca coisa.

Hitchcock Sportif

Eu tenho uma banda. Vestimos fato mas a gravata está desapertada e calçamos uns ténis da moda com os atacadores soltos. Somos um baixo, uma lead guitar e uma voz. Tocamos umas versões nossas de músicas melancólicas de songwriters (normalmente) sorumbáticos. Temos meia dúzia de inéditos que ninguém conhece. Adoro o que faço mas trocaria tudo pela certeza de que a minha banda teria sucesso. Nunca demos um concerto. Mas resolvi fazer um post com o nome do grupo porque não me apetece perder tempo a ir registar tal coisa no Palácio Foz ou na SPA. Obrigado, Blogger.

O tempo do "apartheid"


Martin Luther King

Quando falamos em "apartheid" lembramos usualmente a Africa do Sul até à transição democrática de inícios dos anos 90. Mas a segregação racial também foi prática, doutrina e lei nos Estados Unidos durante muito tempo depois do fim da escravatura.
Como lembra o New York Times, passam agora 50 anos sobre a histórica decisão Brown v. Board of Education do Supremo Tribunal federal, que declarou inconstitucional a segregação racial nas escolas, ao dar provimento ao recurso contra a rejeição de uma criança negra numa escola reservada a brancos. Em muitas áreas dos Estados Unidos, especialmente no sul, havia segregação legalmente estabelecida quanto aos locais de residência, escolas, transportes públicos, instalações públicas, acesso aos empregos, forças armadas, além da denegação de direitos políticos, incluindo o direito de voto, etc.
A referida decisão do Supreme Court teve uma grande importância no desencadear do movimento de direitos cívicos dos negros norte-americanos, que culminou com as leis federais contra a segregação dos anos 60 sob a presidência de Kennedy (Civil Rights Act, 1964) e que fez heróis como o líder negro Martin Luther King, assassinado em 1968.
A democracia nos Estados Unidos tem uma história mais curta do que se pensa habitualmente.

Mais uma vítima do Iraque?

Acumulam-se na Grã-Bretanha os rumores sobre a possível saída de Blair do Governo e da liderança do Partido trabalhista antes das próximas eleições gerais - previstas para o próximo ano -, no seguimento de repetidas sondagens que o dão como peso negativo no Partido, que perderia o poder com ele na liderança.
Se tal se verificar, é lamentável que Blair fique na história mais como uma vítima da insensata guerra do Iraque e da sua canina aliança com Bush, em vez de ficar conhecido pelas notáveis mudanças políticas que protagonizou no Reino Unido, designadamente a revolução que fez no Partido Trabalhista, as reformas constitucionais (nomeadamente a Câmara dos Lordes), a aprovação do Bill of Rights, a autonomia política da Escócia e do País de Gales, a paz na Irlanda, a reforma dos serviços públicos, designadamente o Serviço Nacional de Saúde e o ensino, salário mínimo garantido, etc.

Sinistro

Se são verdadeiras as gravíssimas acusações agora publicadas pela revista New Yorker, pela pena credível de Seymour M. Hersh, segundo as quais foi o próprio Rumsfeld a aprovar um "programa altamente secreto" de interrogatório dos presos no Afeganistão e no Iraque, incluindo sevícias físicas e humilhações sexuais como as abundantemente documentadas na prisão de Abu Ghraib, então tudo o que se tem escrito contra a falta de escrúpulos do ministro da defesa de Bush se revela uma subestimação acerca do seu carácter sinistro.
Quem criou o campo de concentração de Guantánamo é bem capaz disso...

domingo, 16 de maio de 2004

aforismos de directa (8:01 a.m.)

Não é preciso andar na alcateia para ser um lobo.

Funesto bando

É evidente que os admiradores domésticos de Bush, Cheney, Rumsfeld, Wolfowitz & Cia não gostaram de ler o artigo que Miguel Sousa Tavares escreveu no Público esta semana sobre «a doença americana». Mas, no estado de degradação da civilização democrática a que este funesto bando fez descer os Estados Unidos e o mundo, torna-se necessário dizê-lo sem papas na língua. Livrar o mundo deles tornou-se uma questão decisiva de ecologia política.

sábado, 15 de maio de 2004

Chocolate

O post do LFB inspirou-me a procurar na Internet o site dos meus chocolates preferidos, fabricados algures, numa pequena cidade francesa, por uma «chocolaterie» apenas um pouco mais moderna do que aquela que ilustrou o filme com o mesmo nome. Sei lá se neste tempo de comércio electrónico não poderia encomendar uma caixa das suas famosas «truffes» pelo correio? Infelizmente, foi tarefa sem sucesso. Eles ainda não estão lá. Mas não foi tempo perdido...
Em geral, os sites franceses - os do governo e não só - costumam distinguir-se pela sua concepção sóbria e de um enorme bom gosto, o que os torna os mais bonitos de todos. Neste início de fim-de-semana, aqui vos deixo duas doces sugestões de passeios virtuais que resultaram dessa minha incursão de fim de tarde pelo Google: entrar na Maison du Chocolat e revisitar os lugares do Chocolat, esse delicioso filme de Lasse Hallstrom com Juliette Binoche. Recomendo, contudo, que antes se assegurem que existe um bom chocolate aí em casa. A vontade de o comer surgirá depois, quase de certeza.

MMLM

Hugo Pratt

Para os que se interessam pelas coisas relativas ao criador de Corto Maltese, recomenda-se uma visita ao Montanha Mágica, para uma revisão das relações da sua obra com o cimena.

sexta-feira, 14 de maio de 2004

dadaísmo cibernético

Um amigo meu procedeu a uma curiosa investigação. Questionou os motores de busca mais conhecidos com pesquisas como:

"mngdfhfnsm"
"jujujujujuju"
"iuaoedp"
ou
"ajdnajenaaajpqp-hjaij«adjiaoieuqbbx"

Acreditem ou não, há muitas vezes respostas para estas pesquisas introduzidas aleatoriamente. Damos connosco no site da Associação Bávara para a Exploração do Porco, no portal dos distritais da Liga Uzbequistã ou lemos críticas sobre o último espectáculo interactivo do Ensemble Húngaro "E Depois de Artaud, o quê?". Vão ao Google e experimentem.

Esperança de vida

Uma senhora de 90 anos, amiga da família, suspirava no outro dia:

"Ah, quem me dera ser nova...
(pausa)
...quem me dera ter 70 anos!".

crueldade matinal

Adelino Granja foi primeira página de um jornal pela sua 174ª entrevista sobre o Processo Casa Pia. Uma má impressão prejudicou a fotografia. Mas tratou-se do primeiro caso conhecido em que a má qualidade da fotografia beneficiou o fotografado.

aforismos de directa (07:15 a.m.)

Às vezes, um whisky às sete da manhã não é um copo mas um pequeno-almoço.

Condenações sumárias

Parece-me excessivo o zelo condenatório contra a deputada Edite Estrela (PS), acusada de se dividir nos mesmos dias entre reuniões da AR e reuniões da câmara municipal de Sintra, onde é vereadora sem pelouro (ver aqui, aqui e aqui).
Embora não seja situação para se aplaudir, há três razões que relativizam a sua eventual censurabilidade: primeiro, não é exigido estar presente às reuniões inteiras da AR para se poder "assinar o ponto", havendo porém penalização pecuniária para os que se tenham ausentado, se depois houver falta de quórum em alguma votação; segundo, trata-se de procurar conciliar dois cargos públicos que não são legalmente incompatíveis entre si; terceiro, focar sobre este caso uma sumária condenação política não permite diferenciá-lo da situação corrente de grande número de outros deputados que saem do Palácio de S. Bento logo depois de assinada a presença, não para desempenhar outro cargo público (aliás quase gratuito, neste caso), mas sim para acumular com os seus escritórios profissionais, conselhos de administração ou outras actividades altamente rendosas.
As condenações políticas pressupõem condutas reprováveis, jurídica ou moralmente, devendo ser proporcionais à gravidade das mesmas. O fundamentalismo moralista em política pode ser neste caso vizinho do populismo antiparlamentar (ou um simples meio de "character assassination").

Surpresa na Índia

De nada valeu ao governo de direita de Nova Deli a invejável prosperidade económica, o sucesso externo no sector dos serviços e da indústria de software, o êxito da afirmação da Índia na cena internacional, as boas perspectivas de paz com o Paquistão, etc.
A verdade é que naquele imenso e populoso País os beneficiários da modernização económica liberal são uma minoria, tornando ainda mais evidente a miséria da grande massa da população, sobretudo do campesinato, que representa ainda 2/3 da população. O sucesso na economia não chega para ganhar eleições. Estas dependem sobretudo dos que ficam excluídos dela. Foi esse sentimento que o velho Partido do Congresso, liderado pela improvável Sónia Gandhi, soube interpretar.

Os "chope" de Lula

A expulsão do Brasil do jornalista do New York Times que publicou uma história insinuando que o Presidente Lula abusa de bebidas alcoólicas fez seguramente mais estragos ao Presidente e ao Brasil do que a notícia em si mesma. Por um lado, ela deu maior notoriedade à referida acusação, que de outro modo pouco impacto teria; por outro lado, ao recorrer a uma medida própria dos regimes autoritários, o governo brasileiro tornou-se alvo da acusação das organizações de defesa da liberdade de imprensa. Mesmo se a história carece de fundamento, foi pior a reacção do que a falta do jornalista.

Actualização
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) brasileiro deu provimento a uma providência cautelar de suspensão da expulsão do jornalista do NYT, pelo que este poderá permanecer no Brasil até à apreciação do fundo da causa pelo mesmo Tribunal.

Como se a Constituição Europeia já existisse...

Se a Constituição Europeia vier a ser ratificada, há mais dois importantes cargos individuais para preencher, além do de presidente da Comissão Europeia, a saber, o presidente do Conselho Europeu e o Ministro dos Negócios Estrangeiros. Ora, se ainda mal se fala do presidente da UE e se a disputa da presidência da Comissão está acesa, com numerosos nomes em liça (entre os quais o actual comissário português, António Vitorino), já a questão do Ministro dos Negócios Estrangeiros da UE parece encaminhada no sentido de escolher o espanhol Xavier Solana, o actual representante externo da UE.
Na verdade, sendo ele de origem socialista, terá certamente o apoio do Partido Socialista Europeu. Por outro lado, segundo informa o Finantial Times alemão, o Partido Popular Europeu, que se espera continue a ser o maior grupo no Parlamento Europeu depois das próximas eleições de 10-13 de Junho, parece também inclinado em dar-lhe o seu apoio, em prejuízo de Joshka Fischer, o actual Ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, que tem sido muitas vezes mencionado para o mesmo cargo.
Seja como for, é evidente que neste momento todas as movimentações já são feitas como se a Constituição Europeia fosse um dado adquirido. Bom sinal!

quinta-feira, 13 de maio de 2004

A corporação das boticas

O editorial de hoje no Jornal de Negócios, assinado por Paulo Ferreira, merece um forte aplauso pela sua oportunidade e contundência. O negócio das farmácias em Portugal é o exemplo mais escandaloso de proteccionismo corporativo de toda a esfera mercantil. Refém dos créditos da Associação Nacional de Farmácias (ANF) e dos seus diabólicos mecanismos de pressão, este Governo será mais um a ser comido ao pequeno-almoço pelos interesses dos boticários. Nem sequer o timorato projecto-lei do Bloco de Esquerda (que estranhamente mantém incólumes os actuais condicionamentos da oferta) se vai safar na Assembleia da República, é certo e sabido. O inefável presidente da ANF, João Cordeiro, bem pode continuar tranquilo.

Luís Nazaré

Fundação Champalimaud

António Champalimaud legou 500 milhões de euros do seu pecúlio a uma fundação destinada à investigação médica. Fica bem a esse lobo inconveniente da indústria e da finança um tal acto de generosidade. Lamento que o escopo da futura fundação se limite à medicina, até porque duvido da capacidade útil de absorção de fundos pelo sector, mas presto a minha homenagem à grandeza póstuma do maior ícone do capitalismo português.

Luís Nazaré