quinta-feira, 28 de outubro de 2004

A maioria perdeu a vergonha

A recusa da maioria PSD/PP em admitir a presença de Marcelo Rebelo de Sousa em audição parlamentar -- idêntica àquela a que compareceu o presidente da TVI, Pais do Amaral -- constitui uma vergonha para a Assembleia da República e uma afronta ao regular funcionamento das instituições democráticas. Depois de tanto se ter criticado a fórmula das intervenções televisivas de Marcelo, invocando a ausência de contraditório, esta atitude releva a hipocrisia e a má-fé da maioria. A maioria perdeu a vergonha -- e já nem cora por causa disso.

Confesso, porém, não ter ficado surpreendido com esta nova subversão da ética parlamentar. Em mais de dois anos e meio como deputado cheguei à triste conclusão que maioria não é rigorosamente sinónimo de democracia e pode mesmo ser o seu contrário: a ditadura arbitrária e intolerável de uma maioria sobre os direitos das minorias e violando o princípio fundamental do contraditório e do debate democrático (e esse é bem mais obrigatório no parlamento do que em programas televisivos).

As regras elementares de equidade e civilidade democrática que deveriam inspirar o funcionamento do parlamento são sistematicamente torpedeadas, sempre que a maioria não tem previamente assegurado um desfecho favorável às suas posições (ou receia vê-las postas em causa). Não lhe basta ser maioria. Tem de silenciar as vozes dissonantes com o coro acrítico de rebanho dócil pelo qual afina. Mesmo quando essas vozes, como é o caso de Marcelo, provêm do seu próprio campo (ou precisamente por causa disso...).

Se tudo isto não deveria incomodar o Presidente da República enquanto garante do regular funcionamento das instituições e guardião supremo dos direitos, liberdades e garantias constitucionais, então o que é que o incomoda?

Vicente Jorge Silva

Nada de novo na frente mediática

Para uma reflexão fria sobre o negócio dos media, hoje no Jornal de Negócios (artigo reproduzido também no Aba da Causa, cujo link se encontra aqui ao lado na coluna da direita).

Luís Nazaré

Enfraquecimento da Comissão?

Discordo do argumento de José Manuel Fernandes hoje no Público, vendo no chumbo da equipa de Barroso perante o Parlamento Europeu um sinal de debilitação da Comissão no sistema de governo da UE, enfraquecimento que só pode ser prejudicial para a UE e para os pequenos e médios Estados-membros como Portugal.
Hoje o principal perigo para a Comissão vem da tendência intergovernamentalista em curso e do reforço dos poderes do Conselho, onde os governos dos grandes Estados-membros têm um peso político acrescido (dado o sistema de voto ponderado e a votação por maioria), ao contrário da Comissão, onde o peso dos Estados é igual. Por isso uma efectiva aprovação política da Comissão pelo Parlamento só robustece a sua posição perante os governos nacionais e o Conselho, de duas maneiras: (i) mostra aos governos que não podem nomear para a Comissão quem eles quiserem e ao presidente da Comissão por eles nomeado que não pode formar livremente a equipa; (ii) empresta à Comissão uma legitimidade e uma força política acrescida em face do Conselho, já que ela lhe pode contrapor o apoio expresso do Parlamento europeu, o único órgão directamente eleito. O pior que poderia suceder à UE, em termos de legitimidade das suas instituições, era ter uma Comissão "empalmada" pelo Conselho e "imposta" ao PE, e um parlamento desprovido de poder, apesar de directamente eleito.

PS - Para desqualificar a oposição do PE em relação a Buttiglione, JMF lembrou-se de ir buscar um escabroso texto de juventude do deputado europeu Daniel Cohn-Bendit. Ora sucede que, ao contrário do italiano, Cohn-Bendit enjeitou oportunamente esse triste episódio da sua biografia, velho de décadas, e não é candidato ao posto de comissário da Justiça, mas sim deputado. Seria admissível, por exemplo, que alguém fosse buscar as declarações ou atitudes de Barroso enquanto jovem maoista como argumento para o rejeitar como Presidente da Comissão?

A razão conta

Um estudo de opinião do Pew Research Center sobre as eleições presidenciais nos Estados Unidos relata que mais de metade dos eleitores que há um mês estavam indecisos tomaram entretanto uma decisão e que entre estes se verifica uma clara vantagem de Kerry sobre Bush. A principal razão invocada pelos eleitores para a preferência do candidato democrata refere-se aos debates entre os dois candidatos, que Kerry venceu. Eis uma explicação para o desvanecimento da nítida vantagem que Bush tinha nas sondagens eleitorais, sendo hoje imprevisível o resultado de 2 de Novembro.

USA: «A negação da dignidade humana»

No seu extenso relatório sobre as violações de direitos humanos na "guerra ao terror" a Amnistia Internacional descreve pormenorizadamente como os Estados Unidos «falharam em respeitar as garantias básicas dos direitos humanos, abrindo a porta à tortura e aos maus tratos», desde Guantánamo ao Afeganistão, passando obviamente pelo Iraque. A Amnistia reclama a realização de um inquérito independente a todas essas situações.
Publicado a alguns dias apenas das eleições presidenciais norte-americanas, o relatório da prestigiada organização é um poderoso libelo contra as intoleráveis violações dos direitos humanos por que é responsável a América de Bush.

Rua da Judiaria

Primeiro aniversário do Rua da Judiaria, de Nuno Guerreiro. Um primor de design ao serviço de uma fina erudição e sensibilidade judaica. Parabéns!

«Cavaco anti-santana»

É assim que o Expresso online vê as declarações de Cavaco Silva sobre os perigos do regresso da indisciplina nas finanças públicas. Na verdade, o sério alerta do antigo primeiro-ministro, embora sem destinatário identificado, visa obviamente a inflexão de política orçamental do Governo Santana Lopes, já posta ao serviço do ciclo eleitoral do final da legislatura. A crítica é ainda mais digna de registo tendo em conta que se Cavaco quiser ser candidato às eleições presidenciais ele precisa obviamente do apoio oficial do PSD.

quarta-feira, 27 de outubro de 2004

A derrota da Comissão de Barroso

1. A democracia na UE sai fortalecida com o recuo de Barroso, face à sua iminente derrota no Parlamento Europeu. Os governos e o presidente da Comissão ficaram a saber que a investidura parlamentar desta é para ser levada a sério, não podendo ser encarada como um carimbo antecipadamente tomado por garantido. Trata-se de um passo em frente no caminho para uma verdadeira democracia parlamentar europeia. Os que lamentavam o "défice democrático europeu" só podem ver neste episódio um motivo de satisfação.

2. Uma conhecida comentadora criticava hoje numa rádio a esquerda europeia por condenar Bettiglione em razão das suas ideias morais e religiosas, quando o seu currículo mostra que ele não utilizaria o seu cargo para implementar tais ideias. Ora, como se sabe, a esquerda é minoritária no PE, pelo que a derrota de Barroso só foi possível por causa da firme oposição, entre outros, dos liberais-democratas (o que é mais do que compreensível, dado que as posições em causa são sobretudo uma ofensa à cultura liberal). Além disso, o que o currículo do indigitado comissário italiano mostra abundantemente, como se referiu várias vezes aqui no Causa Nossa, é que ele não hesita em utilizar os cargos públicos para fazer valer a sua agenda moral e religiosa ultraconservadora.

Entradas de durão, saídas de cordeiro...

Assim se pode resumir o volte-face do Presidente Barroso diante do Parlamento Europeu, de ontem, altas horas da noite, para hoje de manhã cedo. Como já suspeitava nos meus "posts" de ontem, a arrogância e a dureza seriam de pouca dura. E vimos o Durão de ontem transformado no europeista flexível, conciliador, submisso, desequilibrado apenas na vertigem de quase bajular os deputados europeus (não é reflexo MRPPista, mas apenas falta de chá ...).
Antes assim. Mais vale tarde do que nunca. Evitou o pior e tem agora nova oportunidade para reconstituir a proposta de Comissão e obter para ela um endosso claramente maioritário, condição indispensável para que possa preservar a independência e capacidade de acção - sua e dela. Que é justamente o que a Europa precisa e o que querem os que, como eu, criticaram a sua anterior proposta.
Uma das lições que o Presidente Barroso certamente já tirou, é que não pode avançar contra a maioria do PE e sem pelo menos uma parte dos socialistas. E por isso não vale a pena ofender, como fez ontem, tentando meter no mesmo saco da extrema-direita anti-europeia os deputados que criticavam a sua proposta pela esquerda (incluindo muito boa gente da sua própria família política liberal e centrista).
Mas também há uma grande lição a extrair pelos deputados e pelos governos europeus - lição que tanto é dada pela determinação do Sr. Buttiglione e das forças filosóficas e políticas que ele representa, como pela determinação daqueles que o/as contestaram e contestarão: é que a hora dos compromissos centrões, moles e mal-cheirosos está em declínio. Voltou a Europa do debate ideológico e do confronto político. E foi sempre essa a Europa que fez progredir os europeus e avançar o mundo.

Ana Gomes

terça-feira, 26 de outubro de 2004

Quem tramou Clara?

Do cibernauta Nelson Henriques, um contributo para o nosso concurso "Quem tramou Clara?":

"Existe pelo menos mais uma dúzia de outras possíveis razões:
1- O Diário de Noticias, com Clara Ferreira Alves (CFA), seria mais um órgão preocupante : 'Há que definir limites à sua independência' (Morais Sarmento);
2- Luís Delgado foi 'independente demais' e foi desautorizado, pelas tais 'fontes governamentais' citadas pelo Expresso;
3- O CDS/PP vetou uma perigosa esquerdista/liberal. Enquanto não for re-educada ideologicamente, CFA não pode tomar posse;
4- António Ribeiro Ferreira queixou-se a LD que estava a ficar esquecido e que ele é o 'independente' que o Governo procura;
5- Mário B. Resendes 'excedeu-se' e não consultou previamente a PT, ie, Luís Delgado, o reformador;
6- Depois das confissões de LD no Diário Digital, tudo mudou na Global Noticias. LD disponibilizou-se para acumular a função de director do DN;
7- Paulo Portas meteu uma cunha a favor de um 'independente do PP' . Diz-se que é um dos assessores de Celeste Cardona;
8- O novo director do DN acumulará com o cargo de director do SNIP (Serviço Nacional de Informação e Propaganda), Paulo Velez;
9- A Media Capital fez uma oferta irrecusável ao Primeiro Ministro, para comprar o DN . 'Ou me vende o DN ou eu confesso que me telefonou a pedir a cabeça de MRS' (Paes do Amaral)
10- CFA foi preterida a favor de Cinha Jardim. Aguarda-se o seu regresso da quinta da TVI;
11- A PT Multimedia vai apostar no '24 horas' como jornal de referência. O DN vai manter-se como tabloide. Por essa razão CFA recusou o convite;
12- O novo director do DN, segundo fontes próximas do gabinete do Primeiro Ministro, será o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa.

'Fontes governamentais' fizeram-me chegar mais algumas 'dicas' que, por serem informação privilegiada (como disse Paes do Amaral), não posso revelar..."

Nelson Henriques é um sério candidato ao troféu Causa Nossa.

"Pior do mesmo"

Por que é que um segundo mandato de Bush seria muito pior do que o primeiro, eis o que procuro demonstar no meu artigo de hoje no Público, com o título em epígrafe (também reproduzido no Aba da Causa - link na coluna da direita, ao lado).

Durão ou nem tanto?

"Barroso was the one who painted us into a corner"... queixou-se esta noite, na reunião do Grupo Socialista do PE (200 membros),na presença de seis comissários-indigitados da família política, um deputado britânico.
Antes um dos comissários havia revelado que, no final da sessão da manhã, juntos haviam dito a Durão Barroso que só tinha três hipóteses:
1) avançar para o voto amanhã e enfrentar a elevada probabilidade de a Comissão Barroso chumbar ou passar por uma escassa margem de votos - o que significava ficar ferida para sempre;
2) pedir mais tempo, adiar o voto e entretanto explorar possibilidades de redistribuição das pastas ou de recomposição da Comissão - o que Barroso continuava a recusar;
3) ou forçar a desistência de Rocco Buttiglione (e houve quem sugerisse que Monti, competente e prestigiado, apoie-se ou não a sua actuação, bem podia ser deixado por Berlusconi na Comissão...).
Durante a reunião várias vozes se elevaram a expressar repúdio pela atitude desafiadora e arrogante e os instintos antidemocráticos evidenciados de manhã por Durão Barroso no Parlamento Europeu, quando sentiu perder o pé e julgou poder perder o verniz impunemente (como tantas vezes aconteceu na Assembleia da República). Muitos frisaram como isso nada de bom augurava para as relações entre comissários e entre a Comissão e o PE, se a Comissão Barroso sobrevivesse. Outros sublinharam que a Europa precisa de uma Comissão forte e a Comissão Barroso já estava condenada a ser fraca nesta fase do campeonato, pelos erros de julgamento e pela obstinação de Barroso, incapaz de travar a escalada provocatória de Buttiglione.
Não deixei de lembrar aos deputados socialistas europeus mais chocados que os portugueses bem tinham avisado (incluindo pelo voto que derrotara Durão Barroso nas europeias...).
Mas também sublinhei que quem tinha de ajudar agora a limpar a "mess" criada pela dureza de Durão eram os governos que tinham inventado o Presidente Barroso, incluindo vários da família socialista. Governos que estavam agora, conspicuamente, muito caladinhos - e até o Conselho estiveram ausente esta manhã no debate no PE, deixando a cadeira vazia e Barroso sozinho. Governos que, abismados pelas enormidades de Buttiglione e a inabilidade política de Barroso, já nem tinham coragem para recomendar um sentido de voto aos seus deputados.
É que é esse, evidentemente, o significado de todos os deputados do Labour, PSOE e SPD - que em Julho aprovaram o Presidente Barroso - se incluirem nos 200 votos socialistas assumidos esta noite contra uma Comissão em que Barroso mantenha Buttiglione tal como propôs.

Ana Gomes

Durão de pouca dura?

Durão Barroso saiu de certeza preocupado esta manhã do Parlamento Europeu, depois de ter ouvido várias deputadas da direita queixar-se de "coração pesado" por causa das afirmações inaceitáveis do Sr. Buttiglione (uma delas afirmou-se católica, para se demarcar das buttiglionescas teses).
O problema do indigitado Presidente da Comissão não é de facto a esquerda que nele não votou, nem sequer o Grupo Socialista (onde muitos há que praticam pouco...), mas aqueles que antes o apoiaram e que ele agora está a alienar, sustentando Buttiglione (incluindo os socialistas espanhois e os trabalhistas britânicos).
O problema de Durão Barroso não são também os Liberais que claramente dizem que não aceitam Buttiglione.
O problema dele não são sequer as deputadas do PPE de "coração pesado", mas que votam a favor. São sobretudo as (os?) que nada dizem e que podem pura e simplesmente não votar.
Atitudes arrogantes, de ofensa gratuita, segundo as velhas tácticas MRpp (como o de tentar conspurcar quem contesta Buttiglione à esquerda com a coincidência táctica da extrema-direita), como na exibição do final desta manhã de Durão Barroso, só revelam desespero e não vão valer de nada para a Comissão amanhã conseguir o número de votos mínimo para ser aprovada.
O que ainda pode salvar a Comissão indigitada - que já demonstrou ser fraca, fraquíssima, por comissários outros além do Sr. Buttiglione e barrosa liderança - é, no mínimo, o Presidente indigitado não perder mais tempo e tratar de explicar ao Sr. Buttligione que precisa urgentemente de "passar mais tempo com a família" - o que um homem tão preocupado com as famílias dos outros certamente apreciará...

Ana Gomes

Buttiglione não serve para Comissário

Tenho estado a receber mensagens de pessoas - que certamente não contribuiram para me eleger - apelando a que vote a favor da Comissão Europeia indigitada e realçando as qualidades do Sr. Buttiglione, que mais não teria feito que afirmar convicções pessoais e por elas não deveria ser censurado.
Não estão em causa as qualidades técnico-jurídicas do Sr. Buttiglione, nem as suas convicções pessoais ou religiosas. Não reprimo a liberdade de opinião seja de quem for, liberdade que muito prezo e exerço: por ela também me insurgi contra a posição do Governo português no caso do "Borndiep" e pelas pressões que levaram à saída da TVI do comentador Marcelo Rebelo de Sousa. Nem me interessam realmente as convicções pessoais do Sr. Buttliglione, ou de qualquer outro Comissário/a indigitado/a, se vão à missa aos domingos ou ao astrólogo de vez em quando.
Mas, atenção: foi o Sr. Buttiglione quem trouxe para a esfera política a referência à homossexualidade como "pecado", ao casamento como instituição para as mulheres procriarem protegidas pelos homens e a sua crítica ofensiva das mães sozinhas e do equilíbrio pessoal dos respectivos filhos ou filhas. Como uma dessas mães, só tenho razões para me orgulhar do produto e mandar bugiar reaccionários insultuosos como o Sr. Buttiglione... Mas não são também os meus sentimentos pessoais que estão em causa, antes a avaliação política que faço, como deputada eleita, das qualidades e capacidades políticas do comissários indigitados, e portanto também Sr. Buttiglione, para co-governar a UE na Comissão Europeia.
Ora, se o Sr. Buttiglione trouxe estas questões para a esfera política das audições no PE é porque quer que tenham consequências políticas. E eu não duvido, antes pelo contrário, da sua inteligência e do seu conhecimento do Parlamento Europeu, para o qual até foi eleito na legislatura anterior. E por isso não posso desvalorizar como escorregadelas ou ingenuidades infelizes as sucessivas declarações do Sr. Buttiglione, mas antes considerá-las como uma deliberada escalada de afrontamento ao PE (e de constrangimento de Durão Barroso), na linha do pensamento filosófico integrista que o Sr. Buttiglione e alguns outros católicos fundamentalistas, que consideram o Vaticano II demasiado "liberal", procuram transformar em prática política. Pensamento que ofende a moral pública europeia - e por isso tantos, de direita e de esquerda, católicos e não católicos, o repudiam no PE e fora dele.
Mas esta não é a única razão, nem talvez a mais importante, que determina a inadequação, no meu entender, do Sr. Buttiglione "político" para exercer o cargo de Comissário da Justiça e Liberdades.
Basta ver o curriculum de Buttiglione, em defesa da posição de Berlusconi, contra o mandado de detenção europeu.
Basta ver a posição que o seu Governo defende contra a investigação científica em células embrionárias, de que foi expoente a acção determinada e corajosa do actor Christopher Reeves, recentemente falecido. (Posição retrógrada, a que aliás, curiosamente, o Governo português tem dado apoio, de forma inédita, colocando Portugal na primeira linha de defesa de um projecto de resolução na ONU com vista a proibir qualquer investigação científica desta natureza; ao lado dos Governos dos Estados Unidos, da Costa Rica e naturalmente da Itália).
Basta, por fim, ver a proposta do Sr. Buttiglione de criação de campos de acolhimento de imigrantes e refugiados na Líbia, para perceber que Direitos Humanos e liberdades pessoais não são preocupação do Sr. Buttiglione. A proposta, em discussão no Conselho da UE, visa impedir os imigrantes e refugiados de entrar no território europeu, negando-lhes os direitos reconhecidos às pessoas que estão no espaço da UE e colocando-os à mercê da jurisdição de regimes ditatoriais opressivos, como o que ainda vigora na Líbia, sob a batuta de Khadaffi (que, por mais apertos de mão que vergonhosamente receba do Srs. Blair, Berlusconi, Chirac ou quaisquer outros dirigentes europeus, não deixa de ser o que é - um terrorista, um violador dos direitos humanos).
E é por todas estas razões que, no meu entender, o Sr. Buttiglione "político" não serve para exercer as funções políticas que serão exigidas a um Comissário Europeu. Qualquer que seja a pasta.

Ana Gomes

Fraude

Dois municípios, Maia e Covilhã, vão obter financiamentos extraordinários vendendo aos bancos as rendas da habitação social municipal durante muitos anos. Por trás deste aparente "ovo de Colombo" está obviamente uma fraude flagrante à proibição de aumento de endividamento municipal, imposta pela lei do orçamento do Estado, frustrando manifestamente os propósitos de limitação da despesa pública e do défice público. É evidente que, tal como no endividamento, os municípios em causa realizam encaixes financeiros à custa de pagamentos no futuro, mediante afectação de rendimentos municipais futuros, onerando os exercícios financeiros vindouros, o que é substantivamente equivalente ao recurso ao crédito. Por que não venderem também antecipadamente o rendimento previsível dos impostos municipais dos próximos 10 ou 20 anos?
Para além disso, há uma questão que não foi respondida e que é essencial para a licitude do esquema. Tal tipo de operações tem fundamento legal? Onde está a lei que as prevê?

O comissário do Vaticano

O presidente da Comissão Europeia recusou fazer qualquer redistribuição dos pelouros da sua equipa para solucionar a questão Butttiglione, entre outras razões para não afrontar a reacção do Vaticano, que pelos vistos quer ter o seu comissário, mesmo não sendo membro da UE.
Na votação de amanhã no PE é provável que a Comissão de Barroso obtenha os votos necessários para "passar", embora com muitos votos contra. O desejo de não criar uma crise institucional da União deve falar mais alto dos que os erros de "casting" da Comissão e do seu presidente. Mas como assinala Teresa de Sousa no Público de hoje, tanto uma como outro saem notoriamente fragilizados deste episódio. Barroso deu um desnecessário passo em falso.

Malthusianismo profissional

«Eis um exemplo de malthusianismo profissional: a Ordem dos Advogados. Este ano decidiram fazer coisas, em meu entender, execráveis:
1. subiram a taxa (?!) de inscrição como advogado estagiário para 600 euros;
2. foi criado um exame escrito final;
3. atribuem-se créditos a acções de formação (muitas delas NÃO gratuitas), sem limite de acumulação de créditos.
É um caso de concorrência desleal, pois quem tem mais possibilidades monetárias, facilmente arranjará muitos créditos. Para "compensar" foi limitado a um certo número máximo de créditos a atribuir para as presenças em actos processuais (escalas no DIAP, julgamentos, etcetera).
(...) Junte-se a isto formadores de qualidade duvidosa na maior parte dos casos e temos o quadro feito, com a pintura bem borrada (...)»

HRA

segunda-feira, 25 de outubro de 2004

Clara

Ferreira Alves renunciou ao lugar de directora do Diário de Notícias sem ter chegado a tomar posse. Em comunicado oficial, alegou não ter a certeza de poder garantir a independência do jornal, pelo que se escusava a aceitar o convite já aceite. O que terá acontecido nos últimos oito dias? Eis um desafio à altura do Policiário do Público. Sugerem-se três alternativas:

a) Ferreira Alves não gostou de ser vista e tratada como santanete, sobretudo depois de ter mudado radicalmente a cor do cabelo que a celebrizou;
b) o inefável ministro Gomes da Silva não gostou do nome escolhido por Luís Delgado e tratou de lhe fazer sentir o seu descontentamento por esta escolha, correcta sim, mas perigosa nos tempos que correm;
c) os devotos da Casa Fernando Pessoa exprimiram de modo tão avassalador a sua consternação pela saída de Ferreira Alves, que a escritora cedeu à emoção.

Os concorrentes poderão avançar com outras construções igualmente fantasiosas, desde que sustentadas pela lógica e pelos factos que entenderem por bem invocar. O vencedor terá direito a uma recomendação do Causa Nossa para director do Diário de Notícias.
Luís Nazaré

Não são só os europeus que não querem Bush

Se as eleições presidenciais norte-americanas dependessem dos jornais dos Estados Unidos, elas seriam ganhas sem dúvida por John Kerry, como mostra esta investigação do Financial Times. Não só o número de jornais que anunciaram o seu apoio ao senador é muito maior do que os que apoiam o presidente cessante, como há vários jornais que, tendo apoiado Bush há 4 anos, decidiram agora apoiar Kerry.
Isto mostra pelo menos o grande desagrado com o desempenho de Bush na Casa Branca e a credibilidade presidencial do candidato democrata.

Buttiglione e Barroso

Como assinalei a seu tempo, o perigo de Buttiglione não são as suas ideias mas sim a tendência dos fundamentalistas religiosos como ele para imporem os seus valores a todos por via de lei, o que o torna impróprio para a pasta da justiça na Comissão Europeia. Na edição do insuspeito "Economist" da semana passada encontrei esta passagem, que confirma inteiramente os meus receios:
«Yet when Mr Buttiglione protests that he is being persecuted for his thoughts not his actions, he is being disingenuous. He is a lifelong member of a conservative organisation, Communion and Liberation, that is known for seeking to bring religious values into political life. After being made Europe minister in 2001, Mr Buttiglione astonished colleagues with a string of demands that went far beyond his remit. Within days, he had called for a ban on artificial insemination, for state funding for private schools and for payments to women who rejected abortions.»
Como era fácil de adivinhar...
Barroso deveria saber o currículo do indigitado comissário. Escolhê-lo para a Justiça não revela grande inteligência e sensatez do presidente da Comissão. Neste momento já é o próprio Barroso que está em causa.
(revisto)

Estudantes da Universidade de Coimbra

«(...) A propósito deste assunto, pergunto-me se não terá também havido, neste processo todo, uma atitude demasiado demissionária dos docentes, designadamente dos directores das diversas faculdades, que deixaram, por exemplo, fechar a cadeado um espaço público, turístico, e onde alguns professores tinham gabinetes, sem que a "tal polícia" tenha actuado, como manda a democracia e o estado de direito?
Num debate há uns meses, no Prós e Contras (RTP1), o presidente da AAC dizia que "esta política de ter que pagar propinas ia endividar gerações inteiras". No dia seguinte perguntei aos meus alunos (6º ano de Medicina, da Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa) quanto pagavam, só para não errar. Multiplicando pelos seis anos de Curso dava algo como 900 contos. Dois euros por dia... para um Curso de Medicina! Se se chama a isto "endividar gerações", então estou em crer que a maioria dos estudantes só acabará por pagar os seus "shots" e as suas "bejecas" lá para o ano 4000!
Haja decoro e, para alguma coisa, a escolaridade onde estão NÃO é obrigatória. É pena alguns esquecerem-se que o liceu ficou para trás, e que a falta de um ensino/aprendizagem profissionalizante e responsável vai-nos mantendo, cada vez mais, num plano "subsahariano" de que os estudantes vão ser as vítimas mais evidentes. Só é pena que não tenham parado um momento para reflectir sobre o assunto e sobre o que vai por essa Europa fora...»

Mário Cordeiro (FCM/UNL)

Se Bush ganhar



Uma das consequências da eventual recondução de Bush na Casa Branca seria, dentro em breve, uma maioria ultra-conservadora no Supremo Tribunal dos Estados Unidos, com a subsequente mudança de jurisprudência em questões decisivas como a despenalização do aborto, a separação entre o Estado e as igrejas, a defesa do ambiente, a licitude da "acção positiva" em favor dos afro-americanos e outras minorias étnicas, os direitos dos homossexuais, etc.
Vale a pena ler este texto publicado no Guardian de Londres, a começar por este excerto:
«In 2000, Bush said his favourite supreme court justices were the ultraconservatives, Antonin Scalia and Clarence Thomas. If he named four more in their image, giving them a majority on the court, then the face of modern America could be changed within a few years.
Such a bench would no longer deem abortion a constitutional right; it would allow individual states to ban it, which they would do, across swathes of the country. If past Scalia-Thomas decisions are any guide, laws on everything from clean air to access for the disabled, affirmative action for ethnic minorities to gay rights would all be struck down. (When the supreme court last year heard the case of a gay man arrested for having sex in his own home, Scalia and Thomas sided against the man and with the police.) Crucially, Thomas has argued that the Constitution's ban on established religion might not apply to the individual states.»

Apesar de Washington

A Rússia aprovou o Protocolo de Quioto sobre a limitação de gases com efeitos de estufa, perfazendo o número de ratificações suficiente para a entrada em vigor do tratado; e a Turquia, preparando o caminho para a entrada na UE, anunciou a sua adesão do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, que já se encontra em funcionamento.
Apesar da feroz oposição dos Estados Unidos a estes dois tratados internacionais, as causas do ambiente e da punição dos crimes internacionais avançam na Europa e no Mundo. O império não manda em tudo.

domingo, 24 de outubro de 2004

Em resposta a "O financiamento do Ensino Superior"

1 - «Se estivesse atenta às reivindicações estudantis saberia que a questão das propinas não é a única bandeira do movimento apesar de ser a que, por motivos de urgência, tem mais protagonismo.
2 - Aprovada em Assembleia Magna uma das maiores reivindicações da AAC é a revisão do processo de Bolonha nomeadamente no modelo 3+2 ou 4+1 dos cursos, seu subsequente financiamento, bem como a questão da mobilidade (os seus custos e democraticidade) e a questão da uniformização dos cursos a nível europeu».
Ao contrário do que pensa, estou atenta. Não é a única bandeira, mas tem sido a principal, de tal modo que parece a única. Mas sei que alguns estudantes estão atentos ao processo de Bolonha e conhecem bem os dossiers. Testemunhei com muito agrado isso mesmo na reunião do Senado anterior à que estamos a discutir. Só não percebo a razão pela qual essa questão é, depois, subvalorizada. (Espero que não seja pelo facto de só vir a reflectir-se sobre os estudantes vindouros e não sobre os actuais). De resto, a minha chamada de atenção não era dirigida aos estudantes de Coimbra, mas sim aos deputados de S. Bento.

3 - «A questão de Bolonha não detém exclusividade no que diz respeito ao futuro de uma Universidade Pública e Gratuita em Portugal. Para isso também é necessário que o acesso público à Universidade seja efectivamente democrático e não através do filtro do poder económico da família do estudante».
No meu post não discuti a justiça ou injustiça das propinas, embora tenha obviamente uma opinião sobre esse assunto: (Fica para outra oportunidade). Apenas contestei a legitimidade dos estudantes para interromperem o Senado, que não têm em qualquer caso.

4 - «É pena que o corpo docente não só seja insensível às questões que mais lesam os estudantes e a Universidade como boicote sucessivamente as tentativas de resolução dessas questões e ajam em conluio descarado com um governo que está a fazer um grave e descarado ataque ao Ensino Superior em Portugal».
O corpo docente não é um corpo, felizmente. Para corporativismo bastaram-nos 40 anos. Os docentes são pessoas, umas mais atentas e outras menos (como os estudantes); umas mais participativas e outras menos (como os estudantes); umas a favor e outras contra as propinas (como os estudantes); umas mais preocupadas e outras menos com a reforma de Bolonha (como os estudantes). Não posso falar por todos, mas a avaliar pela discussão e votação no último Senado, aquilo que nos une e nos distingue de alguns estudantes é que não saímos ou berramos quando a votação não nos convém.

Márcio Diogo Augusto (aluno da Universidade de Coimbra)
Maria Manuel Leitão Marques (Professora no mesmo lugar)

Em resposta a "O voto do Partido Socialista"

1 - «Parte do princípio que o Senado é o órgão legítimo para fazer o trabalho sujo do governo - fixar propina».
O Senado tem que fazer o que lhe compete, mesmo quando o que lhe compete não aquilo que lhe é mais agradável decidir. O Senado é um órgão de governo de uma instituição pública e por isso está sujeito às leis da República. Ossos de ofício para quem no Senado quer estar representado.

2 - «Se a aprovação do Orçamento de Estado implica a exclusão de cidadãos do exercício dos seus direitos e da sua própria existência no seio do Estado governado por quem o aprova, a opção hipotética que expõe não me parece tão descabida».
Não é isso que se passa. Tenhamos tento naquilo que falamos quando discutimos a fixação do valor de uma propina. Não se trata de proscrever ninguém.

3 - «Parte do princípio que os estudantes "desafiaram" a polícia».
Até a Televisão o mostrou! Quem deitou abaixo a grade que protegia a porta? Era, aliás, um cenário previsível.Mas não é essa a questão mais importante.

4 - «Parte do princípio que os estudantes não querem deixar funcionar o Senado quando, na verdade, o objectivo é não deixar fixar propinas».
Pois é, mas acontece que fixar o seu valor é da competência do Senado. É claro que podemos sempre decidir acabar com a gestão democrática. Comissão administrativa, venha ela. O governo que a nomeie e assim não seremos obrigados a decidir coisa nenhuma.

Márcio Diogo Augusto (aluno da Universidade de Coimbra)
Maria Manuel Leitão Marques (Professora no mesmo lugar)

Já não há respeito

Parece que a AAC vai desencadear uma acção judicial contra a polícia, por ela ter impedido aleivosamente os estudantes de exercer o seu direito fundamental a invadir a reunião do Senado da Universidade de Coimbra; e contra a própria UC, por o Senado da mesma ter deslealmente tomado decisões sem esperar pela invasão dos estudantes, violando assim o seu direito de interrupção.
Realmente já não há respeito nenhum pelos direitos dos oprimidos...

É o Governo que nomeia a direcção do "Diário de Notícias"?

O Expresso de ontem informava ter confirmado junto de «fonte governamental» a nomeação de Clara Ferreira Alves para directora do Diário de Notícias. Só pode ser intriga do semanário, pois claro. O que é que o Governo tem a ver com a direcção do Diário de Notícias? Será que a Lusomundo foi intervencionada pelo Governo de Santana Lopes?

Estudantes e polícia na UC

«Como toda a gente, detesto a polícia na Universidade, o que admito ser um reflexo de uma visão clássica da UC como feudo de fidalgos e de clérigos a quem a polícia serviria para manter a plebe (os futricas) no seu lugar.
Com a polícia à porta da Universidade, seria de temer o confronto entre a força da razão e a razão da força. O que vi foram duas forças que se opunham: uma em defesa de um processo democrático de decisão, outra a favor de interesses de uma minoria de privilegiados que repetidamente boicotou aquele processo.
O uso da força é quase sempre detestável, sobretudo numa Universidade onde se espera se esgrimam argumentos. Os polícias que eu vi na TV não se comportaram pior que os seus opositores; poderiam ter sido estudantes universitários se lhes tivessem sido dadas as oportunidades que os outros tiveram.»
(HC Mota)

Democracia interna no PCP

«Desculpará mas creio que o seu texto sobre o cumprimento das regras da lei dos partidos pelo PCP padece de diversas omissões, preconceitos e entorses.
Concretamente:
(...) Não faz nenhum sentido envolver as eleições de delegados ao Congresso do PCP numa fórmula geral de «proposta oficial, vinda de cima». De facto, nesse aspecto não há qualquer diferença entre a metodologia usada pelo PCP e pelos outros partidos. De acordo com o regulamento da fase preparatória do Congresso,qualquer militante se pode candidatar a delegado ou apresentar propostas para a eleição de delegados. E, Congresso após Congresso, creio que nunca houve qualquer impugnação ou reclamação de militante ou militantes por lhe ter sido negado esse direito. (...)
Ainda no âmbito do que chama de «proposta oficial, vinda de cima» creio que, nas opiniões que emitiu, parece não estar a ter em conta que a eleição da Comissão Política e do secretário-geral do PCP decorrem no Comité Central e eu pelo menos não conheço nenhuns Estatutos nem regulamentos internos do PCP que impeçam qualquer membro do Comité Central de, nessa reunião, se auto-propor ou propor outro membro do Comité Central para Secretário-geral ou de fazer propostas globais ou parciais quanto à Comissão Política a eleger.(...)»

(Adriana Sampaio, membro do PCP)

sábado, 23 de outubro de 2004

Ferro Rodrigues ainda lhe deve estar grato!

Agora Souto Moura vem dizer em entrevista ao Expresso que, tendo sido nomeado por um Governo socialista, ele «seria o último a querer prejudicar o PS» no caso "Casa Pia". O PGR não se dá conta de que com esta pequena manobra de diversão ele só pretende esconder que foi justamente por dever a nomeação ao PS que ele o deixou massacrar e ao seu secretário-geral durante meses, sem fazer nada, só para exibir uma zelosa independência e não poder ser acusado de estar a fazer um "jeito" a quem devia o cargo. Há complexos assim...