domingo, 31 de outubro de 2004

Vantagem à esquerda

A sondagem de opinião publicada ontem no Expresso sobre o posicionamento político dos portugueses -- somente os quadros estão disponíveis na edição online -- reitera três características relativamente constantes do panorama político nacional desde a consolidação da democracia no nosso País:
a) Uma esmagadora maioria de portugueses adultos (quase 90%) continuam a auto-identificar-se politicamente de acordo com a tradicional "grelha" gradativa esquerda/centro-esquerda/centro-direita/direita (embora uma pequena percentagem admita oscilar entre o centro-esquerda e o centro-direita), contrariando os que, como recentemente J. Pacheco Pereira, no Público, defendem a perda de interesse da contraposição esquerda/direita como instrumento de identificação e de análise política;
b) O conjunto esquerda/centro-esquerda recolhe uma sensível vantagem sobre o conjunto centro-direita/direita, confirmando a existência de uma "maioria sociológica" à esquerda, que anteriores estudos de opinião tinham revelado, a qual neste momento deve aparecer mais reforçada pelo mau estado do actual governo de direita na opinião pública;
c) O quadrante do centro-esquerda supera em muito o quadrante da esquerda (29% contra 19%), o mesmo sucedendo na comparação do centro-direita com a direita (26% contra 15%), o que confirma o predomínio das posições de esquerda moderada e de direita moderada.
Deste modo, em condições normais a chave dos resultados das diversas eleições está essencialmente na opção conjuntural dos eleitores que não se identificam nem à esquerda nem à direita (11%) e daqueles que admitem oscilar entre o centro-esquerda e o centro-direita (cerca de 7%), bem como nas diferentes taxas de abstenção em cada um dos quadrantes.

Contraditório sobre o Protocolo de Quioto

«(...) O efeito de estufa e o correspondente efeito de aquecimento global não se devem unicamente ao dióxido de carbono e a outros gases resultantes da queima de combustíveis fósseis nas centrais térmicas. Um contributo muito importante provém da poluição provocada por partículas microscópicas de fuligem, suspensas na atmosfera, as quais, além do mal que fazem aos pulmões, revelam também um efeito de estufa considerável.
Muitas dessas partículas são emitidas pelos motores diesel que equipam automóveis e camiões e que não dispõem dos relativamente eficazes dispositivos de retenção que se encontram nas centrais térmicas. Se conseguíssemos acabar com a poluição provocada pelas partículas de fuligem na atmosfera, cerca de metade do efeito de estufa seria atenuado e o Protocolo de Kyoto perderia impacte. (...) Para além disto tudo, muito do que se tem escrito acerca do aquecimento global é pura fraude, de pseudo-cientistas, abrigados no IPCC, no Greenpeace e noutras organizações com forte poder mediático, que massacram o público com alarmismos injustificados, com o propósito, fácil de adivinhar, de se manterem na ribalta e de recolherem os vastos fundos que os governos, à cautela e com receio da opinião publicada, lhes põem à disposição.
Na verdade, o principal factor de alteração climática na Terra continua a ser o Sol e as variações da respectiva radiação. (...)»

(Jorge Oliveira, Engenheiro electrotécnico)

sábado, 30 de outubro de 2004

Gente perigosa

Nem o ex-director do "Diário de Notícias", Fernando Lima -- que foi o último a saber, por notícia pública, que ia ser despedido -- nem a escritora Clara Ferreira Alves -- de cuja nomeação para o mesmo lugar o "Expresso" ficou a saber por «fontes governamentais» -- merecem o vexame de que foram vítimas. Manifestamente esta parceria PT-PSD que manda no Lusomundo não tem escrúpulos na desconsideração das pessoas. Esta gente não é confiável!

Já não podem passar um sem o outro

Segundo o "Público", com a sua ameaça televisiva de fazer novos atentados terroristas nos Estados Unidos Bin Laden «entra na campanha americana contra Bush». Mas parece-me evidente que este só pode agradecer a ameaça, que dá razão à sua campanha de medo e de segurança. Um excelente apoio nas vésperas das eleições. Por outro lado, como mostra a situação no Iraque, a política de Bush só tem reforçado o apoio da Al-Qaeda no mundo árabe.
Verdadeiramente já não podem passar um sem o outro...

Afinal o problema não era somente português

Logo após a assinatura do Tratado constitucional da UE Jacques Chirac anunciou que o Conselho Constitucional francês irá ser chamado a pronunciar-se sobre se a Constituição francesa precisa de ser revista para que a Constituição europeia possa ser ratificada pela França. Entrevistado pelo Le Monde sobre os aspectos que podem suscitar problemas constitucionais, o constitucionalista Olivier Duhamel, que também foi membro da Convenção constitucional europeia, menciona especialmente a primazia do direito comunitário sobre o direito interno (incluindo as constituições nacionais), que agora consta explicitamente no Tratado constitucional europeu (embora já decorresse desde há muito da jurisprudência do Tribunal de Justiça europeu).
Como se sabe, foi essa uma das razões que entre nós justificou a revisão constitucional no primeiro semestre do corrente ano, introduzindo na CRP o referido princípio da primazia do direito comunitário. Desse modo, Portugal removeu oportunamente os obstáculos constitucionais que poderiam impedir a aprovação da Constituição europeia. Pelos vistos outros países só agora vão resolver tal problema.

Qualidade de vida a termo certo

«O Departamento de Ambiente e Qualidade de Vida da Câmara Municipal de Coimbra pôs a concurso dois lugares de coveiro com contrato de trabalho "a termo certo", pelo prazo de seis meses. Excelente termo para este tipo de tarefa.
É requisito obrigatório ter a escolaridade obrigatória. Dá-se preferência a quem tenha experiência profissional no desempenho efectivo de funções na área para que é aberto o concurso. Sublinha-se que é preciso ter desempenhado tais funções; não basta ter formação.
Haverá avaliação curricular e entrevista profissional em data a anunciar; não está indicado o horário, mas é de presumir seja pelas horas da morte. Da grelha da análise curricular constará seguramente um item sobre a satisfação dos utentes -- os candidatos terão 3 dias úteis para o fazer, dado ser esse o prazo de candidatura ("3 dias úteis contados da data de publicação do presente aviso"). R.I.P.»

(Carolina e HC Mota)

Até o Economist!

Era o que faltava na imprensa europeia de referência contra Bush. Depois do apoio do Finantial Times à candidatura de Kerry, até esse baluarte conservador que é o The Economist britânico apela aos seus eleitores norte-americanos (quase meio milhão de exemplares vendidos nos Estados Unidos) que impeçam um novo mandato de Bush votando em John Kerry. A mensagem do editorial desta semana é:
«(...) as Mr Bush has often said, there is a need in life for accountability. He has refused to impose it himself, and so voters should, in our view, impose it on him, given a viable alternative. John Kerry, for all the doubts about him, would be in a better position to carry on with America's great tasks.»
Esta tomada de posição é tanto mais importante quanto é certo que o semanário apoiou Bush há quatro anos, bem como a guerra no Iraque. Mas agora, embora sem excessivo entusiasmo em relação a Kerry, não conseguiu ignorar a incompetência de Bush na ocupação do Iraque nem as maciças violações dos direitos humanos em Guantánamo e em Abu Grahib, que mancham a autoridade moral dos Estados Unidos. A opção era inevitável:
«With a heavy heart, we think American readers should vote for John Kerry on November 2nd».
Mais um golpe profundo na credibilidade europeia do actual inquilino da Casa Branca.

PS - Em contrapartida, como informa o Expresso Online, o grande capital financeiro e industrial suíço com interesses nos Estados Unidos financia generosamente a campanha de Bush. São racionais: as políticas de Bush favorecem fortemente os seus interesses, designadamente pela redução dos impostos dos mais ricos.

sexta-feira, 29 de outubro de 2004

Medo e liberdade ...

... na América e em Portugal, eis o tema da coluna de Vicente Jorge Silva no Diário Económico de hoje (também recolhido no Aba da Causa, com link aqui ao lado).

Uma experiência com futuro

Microcrédito, uma experiência com futuro é o título da conferência que a Associação Nacional do Direito ao Crédito (ANDC) organiza nos próximos dias 5 e 6 de Novembro, na Fundação Calouste Gulbenkian. Lá se discutirá a experiência do microcrédito no combate à pobreza e ao desemprego, mas não só. Empresários que começaram como micro-empresários e que gerem hoje empresas de sucesso, a nível internacional, como a Critical Software, uma empresa incubada no Instituto Pedro Nunes da Universidade de Coimbra, relatarão também a sua experiência. David Storey, director do Small Business Centre da Universidade de Warwick e consultor da OCDE, estará entre os conferencistas. Um excelente programa que se anuncia para esta iniciativa de Manuel Brandão Alves, que a organizou, e de Jorge Wemans, que preside à ANDC.

Roma II

Quase meio século depois do Tratado que criou a CEE, é assinado hoje o Tratado que aprova a Constituição Europeia. Na mesma cidade e no mesmo local. Os protagonistas são muitos mais (25 em vez de 6). O mercado comum, que era o objectivo principal em 1957, deu lugar a uma União Europeia com múltiplas atribuições, incluindo relações externas e defesa. De uma associação de Estados nasceu depois uma comunidade de cidadãos europeus.
Roma testemunha de novo a realização da história da integração europeia.

Capataz ou Presidente?

É curioso como alguns nos nossos media, em assomo nacional-servilista, querem ver «visão estratégica» onde a gestão de Durão Barroso falhou, «triunfo» onde há derrota de um estilo confrontacional, «iniciativa» por quem revela não ter verdadeiro poder, nem autonomia - nem parece ter ganas para os conquistar. Porque o episódio não engrandece, antes volta a revelar as dificuldades de Barroso em gerir crises (um jornalista estrangeiro dizia-me como já as tinha percebido perante o distanciamento dele no auge da «época» dos fogos em 2003...). E aqui está uma das diferenças entre Barroso e um Delors (a outra, inter-ligada, vai aos princípios - alguém imagina Delors a tolerar desafios provocatórios a valores fundamentais por um qualquer «glione»?). Nesta diferença reside o que, em última análise, faz uma Comissão forte ou fraca: a qualidade da liderança.
Não é o PE, nem são realmente os governos representados no Conselho, quem determina se a Comissão é fraca ou forte, como pretendem todos aqueles que, desconcertados ou despeitados, se desforram em acusações ao PE, por estar pronto a exercer o poder democrático que lhe foi conferido (e afinal, nem precisou de votar...). Não por acaso, são exactamente os mesmos que habitualmente desvalorizam o PE, acusando-o de inútil, incapaz de se impor, de falta de representatividade, de «défice democrático», falta de iniciativa legislativa (como se dependesse apenas do próprio PE), etc.... Como José Manuel Fernandes, no PÚBLICO de ontem (concordo inteiramente com a crítica que Vital Moreira lhe faz no post «ENFRAQUECIMENTO DA COMISSAO?» ).
JMF tem, porém, razão num ponto: na constatação de que os actuais governos europeus não querem uma Comissão forte. Em especial os governos dos grandes países (e basta ver como a imprensa francesa e alemã se atiram como gato a bofe ao Presidente Barroso, vingando-se das afrontas que ele terá infligido àqueles países ao atribuir pastas «menores» aos seus comissários). Esses governos - e o britânico - só queriam um capataz para o seu «directório» - e por isso foram buscar um PM a um país médio, um país a afundar-se por uma governação desastrosa, cada vez mais a divergir dos parceiros europeus. Um PM fresquinho de uma clamorosa derrota nas urnas. Ele fingiu não perceber, achou-se durão, julgou calar críticos arranjando oito mulheres, oito, (mas, tal como os homens, convém ver que mulheres) e distribuiu pastas judiciosamente, pensando arreliar os grandes «ma non troppo». Mas bastou atravessar-se-lhe na frente um irritante «glione», para perder o jogo de cintura, escorregar .... e borregar (na óptica dos «gliones»).
O Presidente da Comissão José Manuel Barroso não está em causa - ainda. E eu espero que não venha a estar. Pela Europa e por Portugal, evidentemente. Mas para isso ele tem de ter aprendido a lição. Tem de aproveitar a oportunidade de recompor a proposta de Comissão mostrando firmeza e exigência junto dos governos que o designaram, mostrando que quer ser Presidente a sério e não mero capataz do pretendido «directório». E para isso precisa de se apoiar no PE e na legitimidade reforçada que só o PE lhe pode conferir e à Comissão. Porque é também disso que depende termos a Comissão forte de que a Europa precisa.
E o PE é a primeira instituição a querer uma Comissão forte. Como bem disse a Barroso o líder dos Liberais-Democratas Graham Watson: «se quer ter uma Comissão respeitada pelos governos, respeite e apoie-se no PE. Porque se eles não respeitarem o PE, ainda menos vão respeitar a sua Comissão».

Ana Gomes

A inteligência de sobreviver

Qualificar de "inteligente" o volte-face que o Presidente Barroso operou diante do PE ontem só sublinha a "burrice" da inflexibilidade anterior. Porque recuar "in extremis", mais do que da inteligência, releva do instinto de sobrevivência. Que Durão Barroso tem, tão ou mais aguçado do que a inquestionável inteligência. O que lhe falta é coragem para romper a tempo com situações em apodrecimento (como aquela em que se - e nos - atascou na governação em Portugal): fugas "in extremis" nunca são a melhor solução, sejam para a frente ou para trás.
E esta (mais uma) que acabou ontem por operar no PE, a inteligência de Durão Barroso já lha soprava antes: foi o que ele admitiu quando confessou diante do Grupo dos Liberais do PE, na noite de 26, que tinha já tentado livrar-se de Buttiglione, mas Berlusconi resistia... O que constituiu uma dramática confissão de impotência, além da tal falta de coragem: bastava tê-lo já dito publicamente, que as pressões sobre Berlusconi de outros governos europeus e também internas (até Gianfranco Fini logo se mobilizou...) se teriam exercido, como agora se vão inevitavelmente exercer, para mandar Buttiglione para outras paragens.
Se Durão Barroso tivesse tido a coragem de anunciar ao PE durante o dia 26 (ou mesmo na manhã de dia 27) que, depois de escutados os grupos parlamentares, tinha decidido pedir a Berlusconi que substituisse Buttiglione, o ambiente no PE teria mudado radicalmente: o abcesso desincharia de imediato e, de caminho, até "salvaria" outros problemáticos comissários-indigitados, como as Sras. Kroes, Udre, Fisher-Boels e os Srs. Kovaks e Dimas. Para os Liberais-Democratas, determinantes na contagem que fez recuar Barroso, Buttiglione era "o problema". Os sinais estavam dados pelo PE desde 11 de Outubro, data do chumbo de Buttiglione por uma das Comissões que o audicionara. E Barroso não os soube ouvir ou não os quis ouvir. O que não é novo - também não ouvia a oposição em Portugal.

Ana Gomes

Há momentos de sinceridade assim


(Mapa petrolífero do Iraque)

Numa entrevista do Diário Económico de ontem com Severin Borenstein, Director do Instituto de Energia da Universidade da Califórnia, pode ler-se:

«O petróleo esteve no centro [da decisão norte-americana de invadir o Iraque], não para benefício exclusivo das companhias americanas, mas para alimentar o mercado mundial de petróleo, incluindo o dos Estados Unidos. Não acho que Bush tenha sido pressionado pelo sector petrolífero para invadir o Iraque e até podemos argumentar que essas mesmas empresas estariam hoje melhor se a ofensiva não tivesse tido lugar. Só que muito americanos, incluindo o Presidente, acreditam ter direito a gasolina barata e querem manter o fluxo de petróleo a baixo preço. Nesse sentido, Saddam Hussein era uma ameaça e foi uma das razões para invadirmos o Iraque
Afinal foi mesmo uma "guerra pelo petróleo". Há momentos de sinceridade assim...

Obrigação de contraditório

Depois de, através do Ministro Gomes da Silva, ter atacado publicamente Marcelo Rebelo de Sousa por este manter um comentário televisivo "sem contraditório", o Governo recusa-se agora a comentar as gravíssimas declarações do mesmo comentador perante a Alta Autoridade para a Comunicação Social (AACS), onde revelou que a TVI o pressionou directamente para deixar de criticar o Governo e acusou este de ter pressionado directa ou indirectamente a TVI para esse efeito.
Afinal, o contraditório é só quando convém? Só que agora, em vez do direito ao contraditório que antes infundadamente reclamou, o Governo tem uma obrigação de contraditório. O que está em causa é demasiado grave para permitir a fuga pelo silêncio. "Prima facie", a acusação do comentador ao Governo faz todo o sentido, dada a sucessão dos dois acontecimentos. Por isso, politicamente, cabe agora ao Governo o ónus da refutação. Se este não desmente convincentemente a referida acusação, deixando validar a convicção da sua veracidade, não pode ficar impune. É isso a responsabilidade democrática.

PS - Sendo de presumir que Marcelo R. de Sousa, quando foi chamado a Belém, revelou ao Presidente República tudo o que agora disse à AACS, é caso para perguntar se Sampaio tem dormido sem pesadelos desde então...

quinta-feira, 28 de outubro de 2004

Microcrédito, macro-realizações

E se além da liberdade de criar empresas houvesse também um direito de iniciar uma actividade por conta própria mesmo para quem não tem os necessários recursos financeiros? Tal é o objecto do meu artigo de hoje no Diário Económico sobre o direito ao crédito e o microcrédito (reproduzido também no Aba da Causa, acessível no link aqui ao lado na coluna da direita).

A maioria perdeu a vergonha

A recusa da maioria PSD/PP em admitir a presença de Marcelo Rebelo de Sousa em audição parlamentar -- idêntica àquela a que compareceu o presidente da TVI, Pais do Amaral -- constitui uma vergonha para a Assembleia da República e uma afronta ao regular funcionamento das instituições democráticas. Depois de tanto se ter criticado a fórmula das intervenções televisivas de Marcelo, invocando a ausência de contraditório, esta atitude releva a hipocrisia e a má-fé da maioria. A maioria perdeu a vergonha -- e já nem cora por causa disso.

Confesso, porém, não ter ficado surpreendido com esta nova subversão da ética parlamentar. Em mais de dois anos e meio como deputado cheguei à triste conclusão que maioria não é rigorosamente sinónimo de democracia e pode mesmo ser o seu contrário: a ditadura arbitrária e intolerável de uma maioria sobre os direitos das minorias e violando o princípio fundamental do contraditório e do debate democrático (e esse é bem mais obrigatório no parlamento do que em programas televisivos).

As regras elementares de equidade e civilidade democrática que deveriam inspirar o funcionamento do parlamento são sistematicamente torpedeadas, sempre que a maioria não tem previamente assegurado um desfecho favorável às suas posições (ou receia vê-las postas em causa). Não lhe basta ser maioria. Tem de silenciar as vozes dissonantes com o coro acrítico de rebanho dócil pelo qual afina. Mesmo quando essas vozes, como é o caso de Marcelo, provêm do seu próprio campo (ou precisamente por causa disso...).

Se tudo isto não deveria incomodar o Presidente da República enquanto garante do regular funcionamento das instituições e guardião supremo dos direitos, liberdades e garantias constitucionais, então o que é que o incomoda?

Vicente Jorge Silva

Nada de novo na frente mediática

Para uma reflexão fria sobre o negócio dos media, hoje no Jornal de Negócios (artigo reproduzido também no Aba da Causa, cujo link se encontra aqui ao lado na coluna da direita).

Luís Nazaré

Enfraquecimento da Comissão?

Discordo do argumento de José Manuel Fernandes hoje no Público, vendo no chumbo da equipa de Barroso perante o Parlamento Europeu um sinal de debilitação da Comissão no sistema de governo da UE, enfraquecimento que só pode ser prejudicial para a UE e para os pequenos e médios Estados-membros como Portugal.
Hoje o principal perigo para a Comissão vem da tendência intergovernamentalista em curso e do reforço dos poderes do Conselho, onde os governos dos grandes Estados-membros têm um peso político acrescido (dado o sistema de voto ponderado e a votação por maioria), ao contrário da Comissão, onde o peso dos Estados é igual. Por isso uma efectiva aprovação política da Comissão pelo Parlamento só robustece a sua posição perante os governos nacionais e o Conselho, de duas maneiras: (i) mostra aos governos que não podem nomear para a Comissão quem eles quiserem e ao presidente da Comissão por eles nomeado que não pode formar livremente a equipa; (ii) empresta à Comissão uma legitimidade e uma força política acrescida em face do Conselho, já que ela lhe pode contrapor o apoio expresso do Parlamento europeu, o único órgão directamente eleito. O pior que poderia suceder à UE, em termos de legitimidade das suas instituições, era ter uma Comissão "empalmada" pelo Conselho e "imposta" ao PE, e um parlamento desprovido de poder, apesar de directamente eleito.

PS - Para desqualificar a oposição do PE em relação a Buttiglione, JMF lembrou-se de ir buscar um escabroso texto de juventude do deputado europeu Daniel Cohn-Bendit. Ora sucede que, ao contrário do italiano, Cohn-Bendit enjeitou oportunamente esse triste episódio da sua biografia, velho de décadas, e não é candidato ao posto de comissário da Justiça, mas sim deputado. Seria admissível, por exemplo, que alguém fosse buscar as declarações ou atitudes de Barroso enquanto jovem maoista como argumento para o rejeitar como Presidente da Comissão?

A razão conta

Um estudo de opinião do Pew Research Center sobre as eleições presidenciais nos Estados Unidos relata que mais de metade dos eleitores que há um mês estavam indecisos tomaram entretanto uma decisão e que entre estes se verifica uma clara vantagem de Kerry sobre Bush. A principal razão invocada pelos eleitores para a preferência do candidato democrata refere-se aos debates entre os dois candidatos, que Kerry venceu. Eis uma explicação para o desvanecimento da nítida vantagem que Bush tinha nas sondagens eleitorais, sendo hoje imprevisível o resultado de 2 de Novembro.

USA: «A negação da dignidade humana»

No seu extenso relatório sobre as violações de direitos humanos na "guerra ao terror" a Amnistia Internacional descreve pormenorizadamente como os Estados Unidos «falharam em respeitar as garantias básicas dos direitos humanos, abrindo a porta à tortura e aos maus tratos», desde Guantánamo ao Afeganistão, passando obviamente pelo Iraque. A Amnistia reclama a realização de um inquérito independente a todas essas situações.
Publicado a alguns dias apenas das eleições presidenciais norte-americanas, o relatório da prestigiada organização é um poderoso libelo contra as intoleráveis violações dos direitos humanos por que é responsável a América de Bush.

Rua da Judiaria

Primeiro aniversário do Rua da Judiaria, de Nuno Guerreiro. Um primor de design ao serviço de uma fina erudição e sensibilidade judaica. Parabéns!

«Cavaco anti-santana»

É assim que o Expresso online vê as declarações de Cavaco Silva sobre os perigos do regresso da indisciplina nas finanças públicas. Na verdade, o sério alerta do antigo primeiro-ministro, embora sem destinatário identificado, visa obviamente a inflexão de política orçamental do Governo Santana Lopes, já posta ao serviço do ciclo eleitoral do final da legislatura. A crítica é ainda mais digna de registo tendo em conta que se Cavaco quiser ser candidato às eleições presidenciais ele precisa obviamente do apoio oficial do PSD.

quarta-feira, 27 de outubro de 2004

A derrota da Comissão de Barroso

1. A democracia na UE sai fortalecida com o recuo de Barroso, face à sua iminente derrota no Parlamento Europeu. Os governos e o presidente da Comissão ficaram a saber que a investidura parlamentar desta é para ser levada a sério, não podendo ser encarada como um carimbo antecipadamente tomado por garantido. Trata-se de um passo em frente no caminho para uma verdadeira democracia parlamentar europeia. Os que lamentavam o "défice democrático europeu" só podem ver neste episódio um motivo de satisfação.

2. Uma conhecida comentadora criticava hoje numa rádio a esquerda europeia por condenar Bettiglione em razão das suas ideias morais e religiosas, quando o seu currículo mostra que ele não utilizaria o seu cargo para implementar tais ideias. Ora, como se sabe, a esquerda é minoritária no PE, pelo que a derrota de Barroso só foi possível por causa da firme oposição, entre outros, dos liberais-democratas (o que é mais do que compreensível, dado que as posições em causa são sobretudo uma ofensa à cultura liberal). Além disso, o que o currículo do indigitado comissário italiano mostra abundantemente, como se referiu várias vezes aqui no Causa Nossa, é que ele não hesita em utilizar os cargos públicos para fazer valer a sua agenda moral e religiosa ultraconservadora.

Entradas de durão, saídas de cordeiro...

Assim se pode resumir o volte-face do Presidente Barroso diante do Parlamento Europeu, de ontem, altas horas da noite, para hoje de manhã cedo. Como já suspeitava nos meus "posts" de ontem, a arrogância e a dureza seriam de pouca dura. E vimos o Durão de ontem transformado no europeista flexível, conciliador, submisso, desequilibrado apenas na vertigem de quase bajular os deputados europeus (não é reflexo MRPPista, mas apenas falta de chá ...).
Antes assim. Mais vale tarde do que nunca. Evitou o pior e tem agora nova oportunidade para reconstituir a proposta de Comissão e obter para ela um endosso claramente maioritário, condição indispensável para que possa preservar a independência e capacidade de acção - sua e dela. Que é justamente o que a Europa precisa e o que querem os que, como eu, criticaram a sua anterior proposta.
Uma das lições que o Presidente Barroso certamente já tirou, é que não pode avançar contra a maioria do PE e sem pelo menos uma parte dos socialistas. E por isso não vale a pena ofender, como fez ontem, tentando meter no mesmo saco da extrema-direita anti-europeia os deputados que criticavam a sua proposta pela esquerda (incluindo muito boa gente da sua própria família política liberal e centrista).
Mas também há uma grande lição a extrair pelos deputados e pelos governos europeus - lição que tanto é dada pela determinação do Sr. Buttiglione e das forças filosóficas e políticas que ele representa, como pela determinação daqueles que o/as contestaram e contestarão: é que a hora dos compromissos centrões, moles e mal-cheirosos está em declínio. Voltou a Europa do debate ideológico e do confronto político. E foi sempre essa a Europa que fez progredir os europeus e avançar o mundo.

Ana Gomes

terça-feira, 26 de outubro de 2004

Quem tramou Clara?

Do cibernauta Nelson Henriques, um contributo para o nosso concurso "Quem tramou Clara?":

"Existe pelo menos mais uma dúzia de outras possíveis razões:
1- O Diário de Noticias, com Clara Ferreira Alves (CFA), seria mais um órgão preocupante : 'Há que definir limites à sua independência' (Morais Sarmento);
2- Luís Delgado foi 'independente demais' e foi desautorizado, pelas tais 'fontes governamentais' citadas pelo Expresso;
3- O CDS/PP vetou uma perigosa esquerdista/liberal. Enquanto não for re-educada ideologicamente, CFA não pode tomar posse;
4- António Ribeiro Ferreira queixou-se a LD que estava a ficar esquecido e que ele é o 'independente' que o Governo procura;
5- Mário B. Resendes 'excedeu-se' e não consultou previamente a PT, ie, Luís Delgado, o reformador;
6- Depois das confissões de LD no Diário Digital, tudo mudou na Global Noticias. LD disponibilizou-se para acumular a função de director do DN;
7- Paulo Portas meteu uma cunha a favor de um 'independente do PP' . Diz-se que é um dos assessores de Celeste Cardona;
8- O novo director do DN acumulará com o cargo de director do SNIP (Serviço Nacional de Informação e Propaganda), Paulo Velez;
9- A Media Capital fez uma oferta irrecusável ao Primeiro Ministro, para comprar o DN . 'Ou me vende o DN ou eu confesso que me telefonou a pedir a cabeça de MRS' (Paes do Amaral)
10- CFA foi preterida a favor de Cinha Jardim. Aguarda-se o seu regresso da quinta da TVI;
11- A PT Multimedia vai apostar no '24 horas' como jornal de referência. O DN vai manter-se como tabloide. Por essa razão CFA recusou o convite;
12- O novo director do DN, segundo fontes próximas do gabinete do Primeiro Ministro, será o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa.

'Fontes governamentais' fizeram-me chegar mais algumas 'dicas' que, por serem informação privilegiada (como disse Paes do Amaral), não posso revelar..."

Nelson Henriques é um sério candidato ao troféu Causa Nossa.

"Pior do mesmo"

Por que é que um segundo mandato de Bush seria muito pior do que o primeiro, eis o que procuro demonstar no meu artigo de hoje no Público, com o título em epígrafe (também reproduzido no Aba da Causa - link na coluna da direita, ao lado).

Durão ou nem tanto?

"Barroso was the one who painted us into a corner"... queixou-se esta noite, na reunião do Grupo Socialista do PE (200 membros),na presença de seis comissários-indigitados da família política, um deputado britânico.
Antes um dos comissários havia revelado que, no final da sessão da manhã, juntos haviam dito a Durão Barroso que só tinha três hipóteses:
1) avançar para o voto amanhã e enfrentar a elevada probabilidade de a Comissão Barroso chumbar ou passar por uma escassa margem de votos - o que significava ficar ferida para sempre;
2) pedir mais tempo, adiar o voto e entretanto explorar possibilidades de redistribuição das pastas ou de recomposição da Comissão - o que Barroso continuava a recusar;
3) ou forçar a desistência de Rocco Buttiglione (e houve quem sugerisse que Monti, competente e prestigiado, apoie-se ou não a sua actuação, bem podia ser deixado por Berlusconi na Comissão...).
Durante a reunião várias vozes se elevaram a expressar repúdio pela atitude desafiadora e arrogante e os instintos antidemocráticos evidenciados de manhã por Durão Barroso no Parlamento Europeu, quando sentiu perder o pé e julgou poder perder o verniz impunemente (como tantas vezes aconteceu na Assembleia da República). Muitos frisaram como isso nada de bom augurava para as relações entre comissários e entre a Comissão e o PE, se a Comissão Barroso sobrevivesse. Outros sublinharam que a Europa precisa de uma Comissão forte e a Comissão Barroso já estava condenada a ser fraca nesta fase do campeonato, pelos erros de julgamento e pela obstinação de Barroso, incapaz de travar a escalada provocatória de Buttiglione.
Não deixei de lembrar aos deputados socialistas europeus mais chocados que os portugueses bem tinham avisado (incluindo pelo voto que derrotara Durão Barroso nas europeias...).
Mas também sublinhei que quem tinha de ajudar agora a limpar a "mess" criada pela dureza de Durão eram os governos que tinham inventado o Presidente Barroso, incluindo vários da família socialista. Governos que estavam agora, conspicuamente, muito caladinhos - e até o Conselho estiveram ausente esta manhã no debate no PE, deixando a cadeira vazia e Barroso sozinho. Governos que, abismados pelas enormidades de Buttiglione e a inabilidade política de Barroso, já nem tinham coragem para recomendar um sentido de voto aos seus deputados.
É que é esse, evidentemente, o significado de todos os deputados do Labour, PSOE e SPD - que em Julho aprovaram o Presidente Barroso - se incluirem nos 200 votos socialistas assumidos esta noite contra uma Comissão em que Barroso mantenha Buttiglione tal como propôs.

Ana Gomes

Durão de pouca dura?

Durão Barroso saiu de certeza preocupado esta manhã do Parlamento Europeu, depois de ter ouvido várias deputadas da direita queixar-se de "coração pesado" por causa das afirmações inaceitáveis do Sr. Buttiglione (uma delas afirmou-se católica, para se demarcar das buttiglionescas teses).
O problema do indigitado Presidente da Comissão não é de facto a esquerda que nele não votou, nem sequer o Grupo Socialista (onde muitos há que praticam pouco...), mas aqueles que antes o apoiaram e que ele agora está a alienar, sustentando Buttiglione (incluindo os socialistas espanhois e os trabalhistas britânicos).
O problema de Durão Barroso não são também os Liberais que claramente dizem que não aceitam Buttiglione.
O problema dele não são sequer as deputadas do PPE de "coração pesado", mas que votam a favor. São sobretudo as (os?) que nada dizem e que podem pura e simplesmente não votar.
Atitudes arrogantes, de ofensa gratuita, segundo as velhas tácticas MRpp (como o de tentar conspurcar quem contesta Buttiglione à esquerda com a coincidência táctica da extrema-direita), como na exibição do final desta manhã de Durão Barroso, só revelam desespero e não vão valer de nada para a Comissão amanhã conseguir o número de votos mínimo para ser aprovada.
O que ainda pode salvar a Comissão indigitada - que já demonstrou ser fraca, fraquíssima, por comissários outros além do Sr. Buttiglione e barrosa liderança - é, no mínimo, o Presidente indigitado não perder mais tempo e tratar de explicar ao Sr. Buttligione que precisa urgentemente de "passar mais tempo com a família" - o que um homem tão preocupado com as famílias dos outros certamente apreciará...

Ana Gomes

Buttiglione não serve para Comissário

Tenho estado a receber mensagens de pessoas - que certamente não contribuiram para me eleger - apelando a que vote a favor da Comissão Europeia indigitada e realçando as qualidades do Sr. Buttiglione, que mais não teria feito que afirmar convicções pessoais e por elas não deveria ser censurado.
Não estão em causa as qualidades técnico-jurídicas do Sr. Buttiglione, nem as suas convicções pessoais ou religiosas. Não reprimo a liberdade de opinião seja de quem for, liberdade que muito prezo e exerço: por ela também me insurgi contra a posição do Governo português no caso do "Borndiep" e pelas pressões que levaram à saída da TVI do comentador Marcelo Rebelo de Sousa. Nem me interessam realmente as convicções pessoais do Sr. Buttliglione, ou de qualquer outro Comissário/a indigitado/a, se vão à missa aos domingos ou ao astrólogo de vez em quando.
Mas, atenção: foi o Sr. Buttiglione quem trouxe para a esfera política a referência à homossexualidade como "pecado", ao casamento como instituição para as mulheres procriarem protegidas pelos homens e a sua crítica ofensiva das mães sozinhas e do equilíbrio pessoal dos respectivos filhos ou filhas. Como uma dessas mães, só tenho razões para me orgulhar do produto e mandar bugiar reaccionários insultuosos como o Sr. Buttiglione... Mas não são também os meus sentimentos pessoais que estão em causa, antes a avaliação política que faço, como deputada eleita, das qualidades e capacidades políticas do comissários indigitados, e portanto também Sr. Buttiglione, para co-governar a UE na Comissão Europeia.
Ora, se o Sr. Buttiglione trouxe estas questões para a esfera política das audições no PE é porque quer que tenham consequências políticas. E eu não duvido, antes pelo contrário, da sua inteligência e do seu conhecimento do Parlamento Europeu, para o qual até foi eleito na legislatura anterior. E por isso não posso desvalorizar como escorregadelas ou ingenuidades infelizes as sucessivas declarações do Sr. Buttiglione, mas antes considerá-las como uma deliberada escalada de afrontamento ao PE (e de constrangimento de Durão Barroso), na linha do pensamento filosófico integrista que o Sr. Buttiglione e alguns outros católicos fundamentalistas, que consideram o Vaticano II demasiado "liberal", procuram transformar em prática política. Pensamento que ofende a moral pública europeia - e por isso tantos, de direita e de esquerda, católicos e não católicos, o repudiam no PE e fora dele.
Mas esta não é a única razão, nem talvez a mais importante, que determina a inadequação, no meu entender, do Sr. Buttiglione "político" para exercer o cargo de Comissário da Justiça e Liberdades.
Basta ver o curriculum de Buttiglione, em defesa da posição de Berlusconi, contra o mandado de detenção europeu.
Basta ver a posição que o seu Governo defende contra a investigação científica em células embrionárias, de que foi expoente a acção determinada e corajosa do actor Christopher Reeves, recentemente falecido. (Posição retrógrada, a que aliás, curiosamente, o Governo português tem dado apoio, de forma inédita, colocando Portugal na primeira linha de defesa de um projecto de resolução na ONU com vista a proibir qualquer investigação científica desta natureza; ao lado dos Governos dos Estados Unidos, da Costa Rica e naturalmente da Itália).
Basta, por fim, ver a proposta do Sr. Buttiglione de criação de campos de acolhimento de imigrantes e refugiados na Líbia, para perceber que Direitos Humanos e liberdades pessoais não são preocupação do Sr. Buttiglione. A proposta, em discussão no Conselho da UE, visa impedir os imigrantes e refugiados de entrar no território europeu, negando-lhes os direitos reconhecidos às pessoas que estão no espaço da UE e colocando-os à mercê da jurisdição de regimes ditatoriais opressivos, como o que ainda vigora na Líbia, sob a batuta de Khadaffi (que, por mais apertos de mão que vergonhosamente receba do Srs. Blair, Berlusconi, Chirac ou quaisquer outros dirigentes europeus, não deixa de ser o que é - um terrorista, um violador dos direitos humanos).
E é por todas estas razões que, no meu entender, o Sr. Buttiglione "político" não serve para exercer as funções políticas que serão exigidas a um Comissário Europeu. Qualquer que seja a pasta.

Ana Gomes

Fraude

Dois municípios, Maia e Covilhã, vão obter financiamentos extraordinários vendendo aos bancos as rendas da habitação social municipal durante muitos anos. Por trás deste aparente "ovo de Colombo" está obviamente uma fraude flagrante à proibição de aumento de endividamento municipal, imposta pela lei do orçamento do Estado, frustrando manifestamente os propósitos de limitação da despesa pública e do défice público. É evidente que, tal como no endividamento, os municípios em causa realizam encaixes financeiros à custa de pagamentos no futuro, mediante afectação de rendimentos municipais futuros, onerando os exercícios financeiros vindouros, o que é substantivamente equivalente ao recurso ao crédito. Por que não venderem também antecipadamente o rendimento previsível dos impostos municipais dos próximos 10 ou 20 anos?
Para além disso, há uma questão que não foi respondida e que é essencial para a licitude do esquema. Tal tipo de operações tem fundamento legal? Onde está a lei que as prevê?