domingo, 12 de dezembro de 2004

De vez em quando...

... há momentos de racionalidade no meio do coro populista. Por exemplo, este texto de J. M. Leite Viegas no Público de hoje sobre o referendo da Constituição europeia (entretanto adiado por efeito da dissolução da AR e convocação de eleições parlamentares).

Demissão do Governo

«O momento presente exige análises racionais, que evitem as conclusões mais pelo que se deseja do que pela realidade em si. (...) O governo demitiu-se não pela compreensão de Santana Lopes da sua limitação no estado actual, mas pelo desejo de criar mais um incidente político, concorrente na propaganda populista que lhe é peculiar. Repare que, no próprio dia da demissão do governo, Dias Loureiro dizia que não fazia sentido que o governo se demitisse, a não ser para prolongar uma guerrilha institucional que não beneficia o país (cito de cor). E é verdade.
O governo - se tivesse a noção da situação e o sentido dos valores democráticos - só podia sentir que não estava em condições de governar para além da gestão corrente. Essa era já uma situação clara, com ou sem demissão. Deveria resultar do seu sentido democrático. Não o entendeu assim e demitiu-se - como muito bem diz - convocando "uma manifestação do conselho de ministros" para atacar o Presidente e, sobretudo, vitimizar-se, lamuriar-se, chorar, ...
Isto é tudo tão mau que ainda não tenho a certeza de que seja Santana Lopes a disputar as eleições.»

(HJ)

«Uma enorme tragédia...»

«Desabou sobre o Mundo uma enorme tragédia, que foi o desaparecimento da União Soviética» --, assim declarou ao Expresso Domingos Abrantes, um dos mais zelosos guardiões da ortodoxia "marxista-leninista" do PCP. Há gritos de alma assim, inequívocamente reveladores do que persiste no fundo da alma dos comunistas portugueses.

Responsabilidade financeira, precisa-se

Em declarações ontem proferidas na Covilhã, José Sócrates prometeu que com um Governo socialista não haverá portagens nas auto-estradas que hoje beneficiam do regime SCUT (gratuitidade para os utentes), nomeadamente a da Beira Interior.
Não é uma boa promessa, quer em termos de custos financeiros, quer em termos de equidade social. Nos próximos anos os recursos financeiros do Estado vão ser demasiado escassos para responderem às inevitáveis subidas dos custos da saúde e da segurança social e às necessidades de investimento que o desenvolvimento do País reclama. Gastar um ror de dinheiro para benefiar uma pequena parte dos camionistas e automobilistas portugueses é, além de incomportável, injusto.

sábado, 11 de dezembro de 2004

A demissão do Governo

Defendi que o Governo se deveria ter demitido logo quando o Presidente da República anunciou a sua intenção de dissolver a AR e antecipar eleições. Primeiro, faz pouco sentido que o Governo se mantenha em funções normais com a Assembleia dissolvida, e portanto sem base parlamentar; segundo, e sobretudo, tendo em conta as razões da dissolução -- ou seja, o descrédito e a instabilidade criados pelo Governo --, só com uma extraordinária falta de dignidade e de amor próprio do Primeiro-Ministro é que ele se poderia manter como se nada tivesse ocorrido. Este demite-se finalmente depois de o PR ontem ter anunciado que, apesar de o Governo se não ter demitido, o considerava "politicamente limitado", o que tornou insustentável a sua posição. Passando a "Governo de gestão" em virtude da demissão, as coisas tornam-se mais lógicas e coerentes, acabando a ficção de um Governo em funções normais.
Só é pena que para tirar, atrasadamente, as consequências óbvias da dissolução, Santana Lopes tenha tido a necessidade de convocar uma manifestação do conselho de ministros à frente da televisão para atacar o Presidente. É uma pura manobra de diversão para esconder o óbvio, ou seja, a equívoca e comprometedora situação em que o Governo se encontrava.

Os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa ensandeceram?

Não conheço os pormenores do caso, mas acho inacreditável que a juíza Maria da Graça Mira, apoiada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, condene o jornalista Manso Preto por este ter faltado ao seu dever de colaboração com a justiça, negando-se a identificar uma sua fonte de informação.
Ainda por cima a juíza sublinha, de acordo com o Público de hoje, o "carácter pedagógico" dos 11 meses de prisão a que condena o jornalista. Fica assim feita a pedagogia para o próprio e para toda a classe: "mininos!" - toca a esquecer o Código Deontológico e passar a revelar aos tribunais a identificação das pessoas que nos fornecem informações sob condição de sigilo profissional!
Os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa ensandeceram? Consideram que o eventual apuramento da verdade num caso criminal é mais importante do que a confiança dos cidadãos no segredo profissional dos jornalistas? Preferem apurar os factos de um caso de tribunal à Liberdade de Informação? Ou não sabem que não existe verdadeira Liberdade de Informação sem a garantia da confidencialidade das fontes?
Já não nos bastava o inacreditável facto de que um jornalista gravava conversas confidenciais, para ainda termos de ver isto? Alguém me explica o que terá passado pela cabeça dos senhores juízes?
JW

A metamorfose do PSD

A aceitação da coligação pré-eleitoral com o CDS-PP torna manifesta a deslocação do PSD para a direita e revela o desrespeito de Santana Lopes pelo sentimento contrário do partido evidenciado no recente Congresso.
É certo que a coligação pode, por um lado, poupar o PSD à flagelação a que o PP não deixaria de o sujeitar como principal responsável pela imagem de incompetência e instabilidade do Governo e, por outro lado, atenuar a expressão da previsível derrota nas eleições e diluir as culpas por ela. Mas é evidente que se a soma dos votos de ambos os partidos numa lista conjunta pode trazer mais alguns deputados à coligação, também é verdade que a aliança com o PP de Portas pode alienar para o PS uma parte do eleitorado de centro-direita que costuma votar PSD, ampliando portanto as hipóteses eleitorais dos socialistas. Por isso, em vez de antídoto contra uma ambicionada maioria absoluta de Sócrates, a coligação da direita bem pode ser um argumento a favor dela.

Exige-se melhor

Programa "Expresso da meia-noite" da Sic Notícias.
Uma jovem cientista política, criticando a decisão de Jorge Sampaio, diz duas vezes -- o que afasta a hipótese de lapso -- que na França o Presidente da República nunca dissolve um parlamento em que exista uma maioria governamental. Erro: a regra é o Presidente recém-eleito dissolver a Assembleia se nela existir uma maioria de orientação política diversa da sua.
Um credenciado analista de sondagens políticas assevera que todos os chefes de Estado de regimes parlamentares gozam do poder de livre dissolução do parlamento. Erro: num regime parlamentar típico trata-se de um poder puramente nominal do chefe do Estado, que é exercido sob proposta do primeiro-ministro para antecipação de eleições, não havendo portanto em regra dissolução contra a maioria de governo em funções.
Num programa de televisão de referência exige-se melhor.

Autoridades reguladoras

1. Tendo em conta alguns comentários que recebi sobre as autoridades reguladoras independentes, penso justificarem-se algumas notas adicionais. Trata-se de autoridades com funções administrativas (algumas das suas funções eram antes de direcções-gerais ou institutos públicos), pelo que faz pouco sentido atribuir poderes nessa matéria ao PR, a não ser que se altere o seu perfil constitucional.
2. A desejável "desgovernamentalização" da função regulatória não tem de passar por aí. A nomeação dos dirigentes das Autoridades reguladoras já é feita por um período de cinco anos, precisamente para ser maior do que a legislatura, sendo nesse período inamovíveis, salvo pelas razões excepcionais previstas nos Estatutos. Nada se ganharia, portanto, nesta matéria com a nomeação presidencial.
3. Reforçar o controlo parlamentar sobre a escolha e sobre a actividade das entidades reguladoras ajudaria à legitimidade destas Autoridades, ao reforço da sua independência e à transparência das suas decisões, precisamente as questões mais sensíveis do modelo.
4. É certo que o modelo das autoridades administrativas independentes, de raiz norte-americana, é estranho à nossa tradição administrativa (e em geral à de toda a Europa continental). Mas ao fim destes anos de convivência com elas (Banco de Portugal, CMVM, ANACOM, ERSE e agora a Autoridade da Concorrência e a da Saúde) era bom que começássemos a perceber as vantagens deste modelo, melhorando a nossa cultura de regulação. Entre elas estão a especialização técnica, a auto-suficiência financeira e protecção de determinados sectores da influência do poder político e da pressão dos grupos de interesses, evitando, além do mais, as decisões de acordo com os ciclos eleitorais. O "senão" da falta de "accountability" perante o parlamento e perante o público pode ser minorado. Modelos perfeitos só em Hollywood!
5. Um das tarefas principais das entidades reguladoras é fixar ou controlar as tarifas das actividades em regime de monopólio, de acordo com critérios predefinidos. Se uma empresa em monopólio, como a EDP, fixasse livremente os preços, é natural que fossem maiores os dividendos dos accionistas e superior o valor das suas acções, mas à custa do preço da energia e dos interesses de todos os consumidores. Para evitar que assim aconteça é que as tarifas têm de ser reguladas, enquanto não houver concorrência.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2004

O rosto de um herói

"We all live in the gutter, but some of us look at the stars"
Oscar Wilde

Esta história foi contada no New York Times e referida hoje por Jacinto Lucas Pires na sua crónica d'A Capital:

Viktor Iuschenko, o candidato da oposição na Ucrânia - que, tudo indica, terá sido envenenado -, dirige-se à multidão de um púlpito em Kiev. Sobe e pergunta,

"Gostam da minha cara?"

Silêncio da multidão perante um homem cujo rosto se desfigurou em poucas semanas.

"Gostam da minha cara?" - repete Iuschenko.

"É esta a cara da Ucrânia de hoje".

E, súbito, num mundo cada vez mais deserto de referências e símbolos, um político entrou para a História.

"Democracia"

Acaba de ser anunciada no Iraque a constituição das listas xiitas às eleições iraquianas previstas para fim de Janeiro próximo, legitimadas pelo seu próprio líder religioso, Ali Sistani. Como se trata, de longe, da comunidade religiosa mais populosa, está antecipadamente assegurada a sua vitória. É aliás por isso que eles têm sido os principais opositores a qualquer adiamento das eleições, apesar da violência e da insegurança em muitas zonas do País.
O problema que se põe é se se pode esperar algo de parecido com uma democracia com base em eleições disputadas entre facções religiosas e na vitória de uma delas, que não hesitará em subjugar as demais. Se mesmo na Irlanda do Norte se sabe qual é o resultado da política assente em clivagens religiosas, as perspectivas iraquianas só podem ser pessimistas. Uma democracia não equivale à tirania de uma facção religiosa, por mais maioritária que seja. Numa sociedade dividida, reduzir a democracia ao triunfo da maioria eleitoral, ainda por cima com base numa hegemonia religiosa, pode ser a receita para o desastre.

Na massa do sangue

Num óbvio e precipitado gesto de propaganda pré-eleitoral, o ministro da Defesa, Paulo Portas, vem anunciar triunfalmente, de voz embargada por fingida emoção, que a extinta Bombardier, da Amadora -- a cujo encerramento este Gobverno assistiu sem protesto --, vai ser associada a um projecto de fabrico de viaturas blindadas para as forças armadas. Mas o ministro das Actividades Económicas, Álvaro Barreto, apanhado de surpresa pelos jornalistas, veio negar que houvesse já um acordo estabelecido sobre o assunto.
Demagogia até ao fim! Está-lhes na massa do sangue.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2004

"Double standards"?

O Economist desta semana acha que a decisão da Comissão europeia de proibir a incorporação do gás natural na EDP é acertada, pois criaria um único grupo energético integrado no nosso país, diminuindo a concorrência no sector e prejudicando por isso os consumidores. Observa, porém, que não foi seguido idêntico critério em situações semelhantes na Alemanha e na França, insinuando que os monopólios só são proibidos quando se trata de pequenos países. No entanto, é de notar que no caso alemão existe mais do que um grupo energético e no caso francês a electricidade e o gás continuam separados, pelo que as situações não são coincidentes.

Intransigência

Os Estados Unidos não descansam na sua luta contra o Tribunal Penal Internacional. Acaba de ser aprovada no Congresso e assinada pelo Presidente a "emenda Nethercutt", segundo a qual os países que tenham ratificado o Estatuto de Roma e que não tenham assinado com os Estados Unidos o acordo de imunidade perante o ICC em favor dos seus cidadãos deixam de poder beneficiar de mais um fundo de ajuda financeira norte-americana, o Economic Support Fund (ESF), que financia uma variada lista de programas de assistência internacional, desde cadeiras de rodas até à luta contra a sida. Este corte vem acrescentar-se ao que já tinha sido aprovado em 2002 em relação a outras ajudas.
O império faz valer os seus trunfos, sem complacência.

A dissolução parlamentar

«(...) Não deixo de notar que há um consenso relativo à dissolução ser principalmente motivada pela instabilidade crescente do executivo bem como pelo desvio de rumo. Eu admito que assim seja, mas se for sentir-me-ei profundamente frustrado em relação aos políticos em geral e, em particular, em relação ao Presidente da República porque a sensação que me dá é que nos escudamos em razões de pormenor e deixamos o país seguir o rumo em que está.
Outro alento e respeito pela decisão ser-me-ia dado pelo PR se as razões da dissolução conduzissem à ausência das famigeradas reformas estruturais que todos os quadrantes políticos dizem reconhecer com necessárias sem nada fazer e que o PR vem reclamando insistentemente nos seus discursos à Nação. Eu não sei se ele o pode fazer, nem sequer se é esse o seu sentimento, e também não sei se, o podendo, terá a coragem política necessária. Receio bem que, a acontecer, os eleitores não alcancem o verdadeiro significado da decisão e que a resposta seja dada pelos principais partidos com mais uma revisão constitucional que reduza os poderes presidenciais e reforce o carácter parlamentar («partidocrático») do nosso regime. (...)»


(Luís Malheiro)

Caudilhismo

A extraordinária acusação de "caudilhismo" lançada pelo ainda ministro Morais Sarmento contra a decisão de convocação de eleições antecipadas, para além do propósito ofensivo em relação ao Presidente da República, revela também a profunda ignorância do autor acerca das categorias políticas. O caudilhismo é um expressão de liderança carismática de políticos populistas, normalmente de chefes militares. Freitas do Amaral tem toda a razão, quando diz que se há alguém com vocação caudilhista entre nós é obviamente... Santana Lopes! Há ocasiões em que mais valera estar calado.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2004

Reguladores de nomeação Presidencial?

Não concordo. Explico as razões para quem tenha paciência para as ler!

1. O Presidente da República manifestou-se preocupado com a legitimidade das autoridades reguladoras independentes (como a ANACOM ou a E. R. da Saúde). É de saudar essa preocupação, mas já não a proposta que a acompanhou: a de presidencializar a nomeação dos seus dirigentes (mesmo que antecedida de proposta do Governo).
2. Tratar-se-ia de uma solução estranha ao actual sistema jurídico-constitucional. Convém não esquecer que, apesar dos poderes especiais de que dispõem, estamos perante autoridades administrativas. E não se argumente com o exemplo dos EUA, na medida em que aí o Presidente é o chefe do executivo e é nessa qualidade que propõe os presidentes das agencies.
3. É certo que, para além das garantias estatutárias, a independência destas autoridades, em relação ao governo e em relação às empresas reguladas, bem como a sua legitimidade dependem da qualidade de quem as dirige e, em especial, dos seus presidentes. Por isso, os critérios determinantes para a sua escolha, à frente de quaisquer outros, devem ser a competência técnica incontestável e a capacidade do exercício da função de forma independente .
4. Para que assim aconteça, pode melhorar-se o sistema actual, submetendo a proposta do Governo a escrutínio e aprovação parlamentar, mas não do PR, e sujeitando os indigitados a um processo exigente de audição prévia.
5. Seria ainda importante reforçar os mecanismos de accountability destas autoridades, obrigando-as a apresentar regularmente relatórios ao parlamento e exigindo-se um esforço deste para os analisar e discutir em profundidade.
6. Naturalmente, nenhuma destas alterações evitará completamente o risco da sua captura pelos regulados e muito menos as críticas que lhes possam ser feitas (o exemplo referido pelo Presidente). Mas o problema não está nas críticas das empresas reguladas. De duas uma: ou elas são merecidas e ainda bem que são feitas; ou não são, constituindo apenas uma forma de pressão ou um sinal de incompreensão. Aí far-se-á o teste da independência e competência da autoridade sob ataque. Lembro, como exemplo, o "alarido" que ocorreu a primeira vez que a ERSE desceu as tarifas da energia eléctrica. Não consta que tenha soçobrado às enormes pressões de que foi alvo! Mérito do seu Presidente e da sua Direcção.

Dúvidas sobre a dissolução parlamentar

"(...) Sinceramente, devo dizer-lhe que me sinto confuso com a decisão do Presidente. Para já, a maneira como foi anunciada. Não penso que tenha sido correcto o facto de ser o Primeiro-Ministro a fazer este anúncio, e que este silêncio do PR se arraste há tanto tempo. Afinal de contas, há quatro meses andámos duas semanas em suspense para saber se haveria ou não dissolução. Chegaram a acusar o PR de indecisão. Agora, que a coisa é mais grave, vem uma interposta pessoa anunciá-la e acusa mesmo o PR de lhe ter garantido que não o faria (quase faltou dizer que mentiu).
Não compreendo que, sendo uma das possíveis razões o rumo que este governo estava a tomar, que o seu principal instrumento, o orçamento, tenha sido aprovado. Segundo opinião de alguns economistas (que não sou), a solução de duodécimos não seria de todo desvantajosa e traria (penso eu) até a vantagem de o próximo governo não ter razões de queixa. Em conversa com um colega meu, ele opinou que seria para garantir, pelo menos, o aumento da função pública. Mas, ao que ouvi dizer, este aumento seria possível com a solução dos duodécimos, uma vez que é através de portaria que este aumento é viabilizado e haveria dotação no presente orçamento. Opiniões?
A solução da dissolução traz a certeza de eleições, ao contrário da demissão
do governo, portanto essa opção já entendi e aceito. Mas, não será um "abuso de poder" do PR? Constitucionalmente pode fazê-lo, e aí não há dúvidas. Mas, da próxima vez que uma grande parte de população esteja descontente (e isto pode acontecer com algum governo que decida empreender as tão faladas e necessárias reformas de fundo), o PR da altura terá um precedente, se assim o desejar. Parece-me algo perigoso e fora da tradição politica de Portugal. (...)"

(Luis Antas)

Notas
1. Se bem julgo, a principal razão da dissolução não tem a ver com o descontentamento popular em relação ao Governo, mas sim com a sua errática condução política e a instabilidade política por ele provocada, bem como com o desvio em relação às condições postas pelo Presidente quando nomeou o primeiro-ministro (desde logo sobre a consolidação orçamental). Como ambas as coisas parecem notórias, não creio que se possa colocar o problema do "abuso de poder" (mesmo que este pudesse colocar-se nesta questão...). Por isso, o que fica para discutir é a vantagem ou oportunidade da dissolução, onde obviamente as opiniões podem divergir.
2. Também defendi que nào deveria ter sido aprovado o orçamento. Mas penso que sem ele não poderia haver aumento dos funcionários públicos nem das pensões (por falta de dotação orçamental). O futuro orçamento bem poderia mais tarde proceder ao mesmo aumento com efeitos retroactivos a Janeiro, mas o efectivo recebimento teria de ser adiado até là...

terça-feira, 7 de dezembro de 2004

Nos 80 anos de Mário Soares


Nestes anos todos nem sempre Mário Soares esteve ao nosso lado, e vice-versa. Mas, bem vistas as coisas, na maior parte do tempo foi ele quem esteve no sítio certo. A sua história pessoal confunde-se em grande medida com a história da democracia portuguesa. Que maior homenagem lhe poderemos prestar? Parabéns!

Alerta ao Presidente da Repùblica

A notìcia do «Público» de hoje sobre o SIS é inquietante. Suspeito que o Governo está a fazer nos serviços secretos algo de gravíssimo.
Um fonte digna de crédito assegura-me que a directora foi chamada ao PSD e que lhe mandaram demitir o director-adjunto, nomear outro e de caminho meter uma cambulhada de pessoas que precisam de colocação. Com este Governo nada pode ser excluìdo. O SIS é um sítio óptimo para isso, pois não tem concursos, etc. Querem ocupar o màximo de lugares enquanto nào tèm de deixar o poder. E logo onde! Jà se imaginou os serviços secretos "capturados" por uma turba de afilhados de Santana Lopes!?
O Presidente da Repùblica nào pode deixar de acompanhar esta questao e de demitir imediatamente o Governo se a suspeita se verificar. Aqui, sim, està em causa o "regular funcionamento das instituiçòes"...

(Nota: acentos exòticos por causa do teclado italiano...)

Mário Soares

É um lugar comum dizer-se que Mário Soares foi a personagem mais marcante da democracia portuguesa nestas últimas três décadas. Mas hoje, quando ele faz 80 anos de vida, talvez seja tempo de nos interrogarmos sobre a relação, distante ou próxima, que ele teve com as nossas próprias vidas. Há tempos atrás, convidado para apresentar um livro de que Mário Soares era co-autor, acabei por fazer uma confissão: no fundo, passei os últimos trinta anos a dialogar com Soares e, mais do que isso, a ser indirectamente interpelado por ele na relação que eu tinha comigo mesmo. Acompanhei-o como jornalista nas três primeiras campanhas eleitorais depois do 25 de Abril, viajando à boleia no seu carro e confrontando-me quase permanentemente com ele. Depois disso, com intervalos maiores ou menores, nunca perdemos o contacto e viajámos até lugares tão improváveis como a Rússia de Gorbatchov ou a Índia. Nunca foi uma relação fácil e pacífica, mas a verdade é que não tive outra tão profunda e intensa com uma figura política. Apesar das nossas divergências -- que nos anos 70 e inícios de 80 eram consideráveis: ele um animal político pragmático, eu um jovem jornalista idealista -- estabeleceu-se entre nós uma corrente de afectividade que o tempo foi cimentando. Aprendi a estimá-lo e a gostar humanamente dele, até nos seus defeitos óbvios e transparentes -- ou até por causa disso, por ele ser tudo menos um santo. Agora que ele pretende ser mais esquerdista do que eu alguma vez terei sido, as divergências não desapareceram, mas o afecto consolidou-se. Gosto dele porque ele é o Mário Soares, alguém que me ensinou o gosto da liberdade e de viver em democracia, neste regime imperfeito que, todavia, como dizia o Churchill, é sempre melhor do que qualquer outro. Gosto dele porque ele é único, insubstituível, porque os últimos trinta anos são impensáveis sem ele, com tudo o que ele nos trouxe de melhor e pior, na infinita relatividade humana das coisas e da vida. A minha vida não teria sido a mesma se Soares não tivesse existido. Não poderei dizer o mesmo de nenhum outro português historicamente relevante no tempo em que tenho vivido. E esse sentimento pessoal é porventura comum à esmagadora maioria dos portugueses. Mesmo os que nunca tiveram o privilégio de gostar dele.

Vicente Jorge Silva

Declaração de voto sobre o Orçamento de Estado

Na votação de ontem do Orçamento de Estado, e na minha qualidade de deputado independente eleito nas listas do Partido Socialista, apresentei a seguinte declaração de voto:

«A Assembleia da República foi chamada a votar o Orçamento de Estado para 2005 depois de se saber que o Presidente da República decidiu a dissolução do Parlamento (embora ainda não se tenha pronunciado formalmente sobre o assunto). Trata-se de um acontecimento inédito e anómalo que suscita as maiores dúvidas e perplexidades sobre a autenticidade democrática desse acto e as respectivas consequências políticas. Um Orçamento saído de um Parlamento «ferido de morte» é um orçamento também ferido de morte, uma vez que já não poderá reflectir -- sejam quais forem os resultados das próximas eleições legislativas -- a nova legitimidade política que emergir das urnas.

Entendo, por isso, que esta votação não deveria realizar-se e que os custos da dissolução da Assembleia da República deveriam ser assumidos frontalmente não só pelo Presidente da República como pelas forças políticas com representação parlamentar. Não foi esse, porém, o entendimento dos partidos e do chefe do Estado.

Confesso que hesitei em comparecer a uma votação cuja autenticidade questiono. Mas apesar das minhas fundadas razões de discordância política, considerei dever respeitar o compromisso de disciplina de voto com o partido de cujo grupo parlamentar faço parte, uma vez que não estão aqui em causa, para mim, questões essenciais de consciência moral. É por isso, e só por isso, que entendi cumprir formalmente o meu mandato (embora, na prática, o considere já extinto).»

Vicente Jorge Silva

segunda-feira, 6 de dezembro de 2004

Os outros direitos

A ofensiva neoliberal tem o seu principal alvo no "Estado social" e o modelo social europeu. Por isso é pelo menos oportuna a conferencia que vai realizar-se na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra sobre os direitos economicos, sociais e culturais. (Declaraçao de interesses: sou director do organismo que promove a iniciativa...).
(Texto sem acentos por defeito do teclado).

Os Bons e os Maus

Nos últimos dias, alguns comentadores encarregaram-se de glosar a questão dos "maus políticos". Num alargado exercício de maniqueísmo e com enorme arrogância, dividiram o país entre os bons e maus políticos, os bons e os maus profissionais, etc. etc. Aos bons, muito poucos e na reserva, contrapuseram os maus, quase todos e espalhados por aí a fazer estragos. Obviamente, esses comentadores colocam-se do lado dos bons ou talvez mesmo acima deles! Desconfio sempre destes "iluminados" que nunca se enganam e raramente têm dúvidas. Entre as pessoas que julgo inteligentes com que me cruzei na vida, nunca encontrei nenhuma que assumisse tal postura.

domingo, 5 de dezembro de 2004

Uma correcção muito «científica»

O Blasfémias acusou-me de elogio balofo ao PR (e outras coisas piores) quando brincava no meu post (Serenidade) com o "novo princípio da ciência política" (o dito cujo da «serenidade emocional»). O rídículo que seria tal sugestão (se fosse séria) parece-me evidente, mas com a falta de humor nos caracteriza, nunca se sabe o que pode acontecer. Por isso, à cautela já retirei a referência "científica". Ainda poderia mais alguém acreditar e sei lá mesmo iniciar uma tese de mestrado sobre o tema, rever um manual, ou mudar a aula de amanhã. Talvez nos falte mesmo alguma serenidade!

Serenidade

Se fores paciente num momento de ira, escaparás a cem dias de tristeza.
(Provérbio chinês sobre a serenidade)

O Presidente da República apelou à «serenidade emocional». Recomendou-a para estes dias, mas já agora também pode estender-se à campanha eleitoral. Aplicada aos debates que vão realizar-se, evitará falsos estímulos às nossas emoções: que vamos pagar menos impostos, duplicar os dias de férias e usufruir gratuitamente de mais serviços públicos. Parafraseando o provérbio chinês, quem for verdadeiro no momento da campanha talvez escape a quatro anos de aldrabices.

Nem mais um cêntimo para as agências de viagens!

Com a bênção presencial de Telmo Correia, ministro do Turismo, o congresso anual das agências de viagens lusitanas, realizado em terras brasileiras durante a última semana, teve um momento de glória: a assinatura de um protocolo entre a associação representativa do sector (a APAVT, donde é oriundo o presidente da Confederação do Turismo, Atílio Forte) e a TAP, mediante o qual a transportadora aérea se compromete a aplicar aos clientes via internet a mesma taxa sobre a emissão de bilhetes que aplica às agências de viagens. Nós todos, internautas sabidões que beneficiávamos de condições especiais de preço, lesivas dos legítimos interesses dos comissionistas, vamos passar a dar valor ao suor dos agentes. Foi uma grande conquista, clama a APAVT, dado que (pasme-se!) "evita situações de concorrência desleal".

Não sei ao certo a quem imputar a maior dose de descaramento, se às agências de viagens, se ao ministro ou se à nossa companhia de bandeira. Mas sei que merece uma resposta da parte dos consumidores electrónicos. Hesito entre o apelo à chacota e a acção directa, entre a denúncia caricatural e o boicote puro e duro. O que pensa a comunidade internáutica?

Eleições em Moçambique


Em breve, Joaquim Chissano deixará presidência da República de Moçambique. Parece natural que assim aconteça. Que haja rotação, ainda que o novo presidente possa vir do mesmo partido. Mas olhando para muitos outros países africanos, não é frequente encontrar um chefe de Estado que voluntariamente abandone as suas funções, que não se eternize no poder até dele ser arredado tantas vezes de forma violenta. Por isso, a atitude de Joaquim de Chissano merece admiração e faz bem à democracia em Moçambique.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2004

Um nova lei para o arrendamento

Felicito-a pelo seu post "cuidado com as promessas".
Sobre o mercado de arrendamento, creio ser urgente assumir que as rendas "antigas" vão ter que acabar. Isto é, que o objectivo final, a prazo (mas não imediatamente!), é fazer caducar todos os contratos de arrendamento "antigos".
No entanto, isto não pode ser feito imediatamente. Impõe-se, primeiro que tudo, uma estratégia de limitação à durabilidade desses contratos. Isto pode ser feito imediatamente, através da adopção de duas medidas:
1) Proibição da transmissão dos contratos de arrendamento, a não ser no caso de cônjuges muito idosos ou de filhos deficientes.
2) Proibição rigorosa e sem excepções dos trespasses. As lojas arrendadas devem manter-se com o mesmo proprietário e no mesmo ramo de negócio.
Como segundo passo, que também pode ser dado de imediato, é necessário liberalizar radicalmente o mercado de arrendamentos "novos", com o fim de dar confiança aos potenciais senhorios. Isso passa pelas seguintes medidas:
1) O contrato de arrendamento pode ser celebrado por qualquer período de tempo arbitrário. Não há período mínimo para o contrato. O período do contrato é acordado entre as partes. Tanto se pode alugar uma casa por três meses, como por dois anos e meio; o contrato segue exactamente os mesmos moldes.
2) A renda tem um valor imutável, que é o fixado no contrato. Quando o contrato termina é que se actualiza a renda, por mútuo acordo entre as partes, através da celebração de novo contrato com novo valor da renda. O Estado não interfere na actualização das rendas. (Ou então fá-lo de forma não política, por exemplo através da taxa de inflação homóloga publicada mensalmente pelo INE.)
3) A renda é obrigatoriamente paga através de depósito bancário. Se o depósito não é efectuado, o despejo efectua-se imediatamente, sem necessidade de qualquer acção judicial. Exactamente da mesma forma que o telefone é cortado quando não se paga a conta.
4) O valor de IMI pago pelo imóvel é constante, e independente do valor pelo qual o imóvel seja, eventualmente, arrendado.
Só após o mercado de arrendamento ter sido liberalizado, nestes moldes, pode verificar-se se esse mercado começou a funcionar. Passados uns anos, se o mercado estiver a funcionar, com muitas casas disponíveis para arrendar, por valores substancialmente mais baixos que os actualmente prevalecentes, então arranja-se um mecanismo para começar a cancelar os contratos "antigos". Sem direito a quaisquer "indemnizações" e sem qualquer obrigatoriedade de "obras", como é evidente.


Luís Lavoura

Lamento

Ao consultar este excelente relatório de uma comissão da Assembleia Nacional Francesa sobre o espaço europeu de ensino superior, no contexto do "processo de Bolonha" -- que é apenas um entre numerosos relatórios notáveis disponíveis on-line, sobre os mais diversos temas, produzidos quer na Assembleia Nacional quer no Senado, incluindo utilíssimos estudos de direito comparado --, pergunto-me sempre por que é que a nossa Assembleia República não é capaz de fazer algo de semelhante. Como é que se pode legislar e exercer as demais funções de um parlamento moderno, sem aprofundada informação e estudo dos assuntos, designadamente sobre as soluções adoptadas nos demais países, pelo menos os da UE?