sexta-feira, 14 de janeiro de 2005

O idiota dos concertos

Certos concertos, por serem de bandas com menor projecção comercial, relativamente desconhecidas, alternativas, podem fazer-nos sentir parte integrante de um cerimonial religioso. Durante uma hora e meia achamos que aquela é a comunidade a que pertencemos.
Ouvimos a nossa banda de eleição, cantamos todas as músicas em sincronia com o vocalista e esquecemo-nos dos problemas, viajamos para fora do mundo, temos a confortante ilusão de sermos especiais, nós e aquelas pessoas - a nossa tribo.
Não se espera, por isso, que no meio de tal comunhão se possa escutar uma voz reconhecível. Uma voz familiar; que é incómoda, irritante, a voz de um qualquer idiota que reconhecemos do quotidiano.
Sim, é possível encontrar um desses idiotas, tão ou mais culto do que nós sobre o sagrado do concerto. Tão ou mais absorto no momento. Ao nosso lado, cantando com mais paixão, esquecido de nós, mesmo que dance em cima dos nossos pés.
Então calamo-nos. Não perdemos a fé. Percebemos simplesmente que o mundo não é a preto e branco. Ou, em alternativa, que o é. E momentaneamente devolvidos à realidade, afastados do concerto, vemo-nos ao espelho na cara do idiota e compreendemos que somos tão ou mais idiotas do que ele. Cantemos, pois. Amen.

a poesia está na rua

No Saldanha, cruzo-me com a carrinha da Sopa dos Pobres. Vários mendigos aguardam pacientemente a sua vez. Um parece chegar atrasado. Ao ver o amigo, outro comenta de sorriso rasgado:
"Tu?! Estás cá?"
O atrasado, plácido, sem se deter, senta-se dizendo:
"Cá? Ó meu querido, eu já há muito tempo que não estou cá".
Como Cesariny, em destaque, há meses atrás no suplemento cultural "Y".

Até quando?

A Comissão Municipal de Licenciamento Comercial de Coimbra chumbou ontem a instalação de três novas superfícies comerciais - Feira Nova, E. Leclerc e Staples Office Center - com os aplausos da Câmara e da Associação Comercial. Até quando a cidade continuará a ter de suportar as desvantagens que decorrem da situação de quase-monopólio por parte de um só hipermercado (Continente)? Como já foi provado, os seus consumidores pagarão, entretanto, preços mais altos e terão menos escolhas, em comparação, por exemplo, com Aveiro.
Dir-se-ia que não autorizar mais hipermercados poupa prejuízos adicionais ao pequeno comércio alimentar, mas nem isso está provado. O que se tem demonstrado é que os consumidores repartem hoje as suas compras por diferentes formatos de acordo com a conveniência que cada um lhes oferece (variedade, horário, preço, proximidade, serviço, etc.). A sobrevivência do comércio tradicional não passa pelo seu eterno proteccionismo, mas sim pela sua capacidade de atrair consumidores, não ficando à espera que eles cheguem, como antigamente. Isso exige a sua modernização e implica reajustamentos inevitáveis no número de estabelecimentos. Ai das cidades que não perceberem tudo isto a devido tempo. Pagarão pela sua tacanhez, pela sua falta de ambição, pelas vistas curtas dos seus autarcas, pelo atavismo dos seus comerciantes, pelo desejo balofo de conservação em formol de um passado que a história já engoliu.
Coimbra corre esse risco. Soma asneiras atrás de asneiras. Até quando?

Incoerência ou sensatez?

Diferentemente de muitos observadores, considero justificada a decisão do PS de não defender agora a reposição das isenções fiscais do IRS que foram retiradas no orçamento em vigor, apesar da forte crítica que fez a essa medida (aliás, a meu ver, mal). Como foi a poupança dos custos fiscais dessas regalias que permitiu reduzir umas migalhas do IRS dos rendimentos mais baixos, de duas coisas uma: (i) ou a reposição dessas regalias era compensada com a igual reposição das taxas do IRS, o que seria politicamente insustentável; (ii) ou não, e então aquela tornar-se-ia financeiramente incomportável, mercê do inevitável agravamento do défice das contas públicas, cuja contenção, mesmo assim, já vai exigir medidas adicionais quanto ao aumento de receitas e contenção de gastos, tendo em conta o irrealismo das previsões constantes do orçamento.
Nestas condições, defender medidas que afectem a receita fiscal inscrita no orçamento seria pura leviandade política ou financeira, ou ambas. Muitas vezes faz sentido discordar de uma mudança (no caso, nem isso...), mas depois não faz o mesmo sentido voltar ao "status quo ante", sobretudo se as circunstâncias se alteraram. Pior do que faltar a uma suposta coerência, seria insistir num grosseiro erro.

Cada um no seu lugar

Enquanto José Sócrates garante que, se ganhar as eleições, o PS não reporá os benefícios fiscais que o orçamento em vigor retirou (apesar de ter votado contra a sua retirada) e também não vai baixar os impostos sobre o rendimento -- o que é o contrário do eleitoralismo tradicional --, o PSD volta a insistir nas promessas de redução do IRC e do IRS --, o que representa o paroxismo do eleitoralismo vulgar, tendo em conta a gravidade do desequilíbrio das finanças públicas que o seu Governo vai deixar.
Cada um já assumiu afinal o seu lugar e a sua atitude política nestas eleições. Sócrates assumiu o papel de próximo primeiro-ministro, que conhece as dificuldades que vai enfrentar e que não quer prometer antes das eleições o que sabe que não poderá cumprir depois delas (como se verifica tantas vezes...). Santana Lopes já assumiu a derrota e já só se preocupa em acumular todas as promessas fáceis, por mais irrealistas que sejam, que lhe permitam atenuar o desastre que receia e se possível impedir a maioria absoluta do seu adversário.
Ainda bem que essa diferença se torna manifesta. O pior que poderia suceder ao PS era vê-lo a competir com o PSD de Santana Lopes no campeonato da irresponsabilidade, do aventureirismo e do populismo.

Entre aspas

«Nestas eleições os portugueses irão, também, sufragar politicamente o Presidente da República. Se José Sócrates vencer as eleições, e se as vencer com uma maioria clara, isso quererá dizer que Jorge Sampaio foi compreendido no momento em que teve de tomar uma das mais difíceis decisões da sua vida política. Ao invés, se Santana Lopes ganhasse, ou, em alternativa, tivesse com o CDS-PP mais votos do que o PS, então essa decisão de Sampaio tinha sido um desastre e o Presidente deveria assumir as suas responsabilidades.» (Luís Osório, editorial de A Capital)

E a verdade política?

«Se o CDS crescer pelo menos até aos dez por cento, o PS não terá maioria absoluta - é uma verdade aritmética», declarou Telmo Correia.
Se o CDS crescer até aos 10%, será naturalmente à custa do PSD, o que só facilitará a vida ao PS - esta é a verdade política.

Plágio democrata-cristão (3)

«A infeliz criatura merece todos os epítetos que lhe dirigiu (mais uma demonstração da qualidade das juventudes partidárias, prolíficamente descrita pelo VJS), mas permita-me que acrescente um pormenor: como é possível que não tenha ocorrido a tal "jovem político" que ia ser descoberto, ao retirar o texto de um dos blogs mais lidos em Portugal?!?!? (...) Como é possível que um dirigente de uma juventude partidária seja de tal forma desprovido de inteligência?
Confesso que, numa primeira análise, me parece um problema que de simples escassez de inteligência e ingenuidade. Já quanto ao indizível contra-ataque, aí sim, o rapaz mostrou do que é feito.(..)»

(G.Mendes da Maia)

Diário eleitoral (11) - Inversão de tendência?

Desde os anos 80 que se vinha manifestando uma tendência, lenta mas segura, no sentido de uma maior concentração de votos nos dois partidos centrais do espectro político, ou seja o PSD e o PS, em prejuízo do CDS, à direita, e do PCP, à esquerda. Porém, se se confirmarem alguns sinais que emergem dos inquéritos de opinião, parece que desta vez essa tendência para a "bipolarização" eleitoral pode não registar um novo avanço, podendo mesmo ocorrer alguma recuperação dos extremos do leque partidário. A confirmar-se esta impressão no dia das eleições, será esse um resultado algo inesperado.
Na área da esquerda o fenómeno será ainda mais assinalável, pois em condições normais a lógica do "voto útil" deveria tender para concentrar no PS, como "challenger" do Governo PSD-CDS, o voto flutuante de esquerda. Duas razões podem contribuir para contrariar essa lógica: (i) por um lado, a falta de investimento do PS em disputar o eleitorado à esquerda, preferindo apostar em reforçar os ganhos ao centro, "desertado" pelo PSD de Santana Lopes; (ii) por outro lado, a aparente facilidade do BE em atrair os eleitores "abandonados" à esquerda pelo PS de José Sócrates.

Incontinência

O Governo cessante continua a anunciar medidas políticas e legislativas a todo o vapor, como se não estivesse demitido. Ontem, por exemplo, eram as providências antitabagistas, hoje são as apostas de corridas de cavalos. Manifestamente nada disso cabe no conceito constitucional de "medidas estritamente necessárias", que delimita a competência essencialmente diminuída de um governo demitido.
A um mês das eleições, já que o Governo não mostra ter escrúpulos nesta matéria, não é altura de o Presidente da República sinalizar de uma vez por todas que as coisas não podem continuar assim e anunciar que esses diplomas não serão promulgados?

Quando a realidade ultrapassa a anedota

Há quem descubra as ocorrências mais mirabolantes, por exemplo esta: um juiz dado como incapaz por razões psiquiátricas foi nomeado director nacional da PSP!? Será que houve entretanto um milagroso restabelecimento do cavalheiro, ou será que este Governo apostou decididamente numa concorrência desleal com os melhores humoristas da nossa praça?

quinta-feira, 13 de janeiro de 2005

Confusão

É conveniente não confundir "hospitais SA" com hospitais privados, nem sequer com hospitais públicos sob gestão privada (caso do Amadora-Sintra). Trata-se, sim, de uma das duas modalidades de gestão pública de hospitais públicos, sob forma empresarial, sendo a outra a forma de "ente público empresarial" (EPE), que foi preterida pelo actual Governo a favor daquela. A empresarialização, que é uma mudança da forma de gestão pública, não se confunde com privatização, ou seja, entrega ao sector privado.

Lições a tirar pela UE do tsunami no Índico

A catástrofe no Índico afectou-nos a todos globalmente e desencadeou solidariedade global. A segurança global falhou e aqui não podem apontar-se culpas a terroristas - a Natureza e a impreparação global estiveram na origem desta imensa tragédia.
A ONU, como é devido, está a coordenar a assistência aos sobreviventes. A UE está a actuar nesse sentido, mas tem também de tirar já lições para o futuro.
Precisamos de tornar global um sistema de detecção e aviso atempado de catástrofes, como o que já existe, e que teria permitido salvar milhares de vidas. A tecnologia europeia Galileu pode ajudar.
Precisamos de investir num sistema de protecção civil da União Europeia que coordene e reforce capacidades de prevenção e resposta rápida de todos os Estados Membros.
Precisamos de fazer uso da logística militar da UE - não apenas a de alguns dos seus membros - para dar assistência às áreas afectadas de mais difícil acesso. E investir nessas capacidades e na sua rápida projecção em futuras emergências semelhantes.
Precisamos de seguir de perto, políticamente, a reconstrução no Aceh/Indonesia e no Sri Lanka para impedir a retomada da guerra e do conflito nessas zonas.
A União Europeia e os seus membros precisam, finalmente, de honrar os compromissos que assumiram na Declaração do Milénio e envolver todos os outros países ricos na luta contra os "tsunamis da pobreza" que todos os meses matam centenas de milhar de pessoas vítimas da fome, da doença e da guerra, em especial em África.
Cabe-nos não deixar que os mortos tenham morrido em vão: esta tragédia deve ser o ponto de viragem pela boa governação global, por uma globalização mais justa para todos.

Intervenção no Plenário do Parlamento Europeu, Estrasburgo, 12.1.05

Plágio democrata-cristão (2)

O caso do monumental plágio do dirigente da juventude do CDS na Madeira -- agravado pela miserável tentativa posterior de passar de acusado a acusador -- não pode dar-se por encerrado com a nota de desculpas hoje publicada pela direcção do Diário de Notícias do Funchal.
Há, por um lado, o infractor, que ainda não se retractou publicamente do seu acto criminoso, nem apresentou desculpas a quem tentou vilipendiar.
E há também que saber se depois disto ele vai manter-se à frente da juventude partidária a que pertence e também qual vai ser a reacção do CDS madeirense e do CDS nacional. Será que um partido pode permitir-se contar com um tratante deste jaez entre os seus dirigentes? É admissível pensar que um sujeito capaz desta canalhice pode vir a ser dirigente nacional do CDS e eventualmente titular de um cargo público (quiçá ministro)?
Estas perguntas não podem ficar sem resposta. E há silêncios e inércias que comprometem...

Plágio democrata-cristão

Na sequência do escandaloso plágio cometido por um dirigente da juventude do CDS da Madeira no Diário de Notícias do Funchal, copiando textos publicados no Causa Nossa, a direcção do DN publica na edição de hoje uma nota cujos pontos decisivos são os seguintes:
«3 - A propósito de um escrito de opinião do Sr. Roberto Rodrigues (publicado na edição de 5 de Janeiro de 2005, com o título "O fim do ano político de 2004") fomos alertados pelos senhores Vicente Jorge Silva e professor Vital Moreira que textos deles anteriormente publicados haviam sido copiados pelo Sr. Roberto Rodrigues naquele seu escrito.
4 - Tendo a oportunidade de poder reconhecer e rectificar o seu erro, o Sr. Roberto Rodrigues não o fez, e, em resposta a uma carta de Vicente Jorge Silva (publicada no DIÁRIO a 8 de Janeiro de 2005), sugeriu que não plagiou mas que teria sido plagiado.
5 - Feitas averiguações, o DIÁRIO concluiu que os senhores Vicente Jorge Silva e professor Vital Moreira foram efectivamente plagiados pelo Sr. Roberto Rodrigues.
6 - O DIÁRIO, como qualquer jornal sério e credível, não pode tolerar, nem tolerará que, com o seu conhecimento, as suas páginas sejam utilizadas para actos de plágio.
7 - Face à situação descrita, o DIÁRIO apresenta pedido de desculpas aos seus leitores e, em especial, aos senhores Vicente Jorge Silva e professor Vital Moreira.
8 - Finalmente, o DIÁRIO informa que o Sr. Roberto Rodrigues foi excluído do seu painel de colaboradores.»
Só posso dar-me por satisfeito pela justa decisão que o diário funchalense tomou (depois de inadvertidamente ter dado guarida a uma canhestra tentativa de desmentido do criminoso, ainda por cima a tentar virar a acusação contra as vítimas), denunciando o malfeitor e punindo com a expulsão a aleivosia cometida nas suas páginas. Era também o seu bom nome e reputação e o respeito para com os seus leitores que estavam em causa. A nota hoje publicada só o prestigia.

Governo demitido

«Sobre o governo estar demitido, note a notícia de ontem sobre a continuação da preparação de uma lei contra o fumar em locais de trabalho, lei que evidentemente não cabe nas tarefas de gestão de que o governo está incumbido.
Note-se que eu sou claramente favorável à introdução de uma tal lei, aliás sem os recuos que o governo está a congeminar em matéria de estabelecimentos do setor HoReCa. Mas não penso que a feitura de uma tal lei caiba a um governo em gestão. Deveria aliás, de facto, caber à Assembleia da República. Mas está mais que visto que, numa democracia, é impossível a assembleia legislativa cumprir a sua função em matérias polémicas com esta.»

(Luís Lavoura)

Entre aspas

«Bragança, essa, tem já a sua Ópera mas os esgotos correm para as ribeiras sem tratamento adequado» (Pedro Serra).

A grande ausente

O Parlamento Europeu aprovou ontem por esmagadora maioria o projecto de Constituição europeia, recomendando a sua ratificação a todos os Estados-membros. Entretanto a Hungria tornou-se o segundo País a ratificar o tratado constitucional (aprovação parlamentar). O primeiro referendo terá lugar dentro de pouco mais de um mês na Espanha, estando em curso um grande esforço de esclarecimento sobre a Constituição. Na França decorre a revisão constitucional necessária para permitir a ratificação, e o prometido referendo ocorrerá antes do Verão.
Também aqui continuamos a divergir da média comunitária. De facto, a Constituição europeia vai ser a grande ausente deste intenso ano político em Portugal. O previsto referendo, que chegou a ter uma data indicativa, ficou irremediavelmente adiado por efeito da dissolução da AR e do chumbo da pergunta referendária pelo Tribunal Constitucional. Tudo indica que a questão só voltará à agenda política nacional depois de terminado o ciclo eleitoral com a eleição do Presidente da República em Janeiro de 2006. Não é provável que se torne uma questão central nos debates eleitorais, a começar no que está já a decorrer.

Diário eleitoral (10) - "Ruído" desnecessário

Não é preciso grande poder de observação para ver que a pré-campanha eleitoral do PS está a ser excessivamente condicionada pelo facto de ainda não estar aprovado o programa eleitoral, agravado pela grande pressão dos "media" e da opinião pública sobre ele, como provável vencedor das eleições. Primeiro, a falta de definição das propostas eleitorais não permite adiantar respostas claras para alguns problemas determinantes. Segundo, há demasiado "ruído" nos "media" provocado por sucessivas especulações, vindas não se sabe de onde, acerca de alegadas intenções, em geral improváveis, do PS em diversas áreas politicamente mais sensíveis (impostos, estatuto empresarial dos hospitais, calendário do referendo da despenalização do aborto, arquitectura do futuro governo, etc.).
Isso tem obrigado José Sócrates, por um lado, a evitar tomar posições precisas sobre vários temas (o que não condiz com o seu estilo) e, por outro lado, a consumir demasiado tempo e esforços a desmentir ou a esclarecer as referidas especulações (o que é um desperdício).
É de admitir que estes factores desapareçam com a próxima aprovação pública do programa eleitoral. Mas até lá bem se poderia evitar alguma agitação contraproducente.

Argumentos pouco católicos

Para tentar desqualificar o veredicto da Comissão de Avaliação dos cursos de Direito, que colocou à frente as faculdades de Direito das Universidades de Coimbra e de Lisboa ("Clássica"), o director da Faculdade de Direito da Universidade Católica não se inibiu de argumentar que a sua faculdade terá sido prejudicada devido à composição da Comissão de Avaliação, em virtude da presença de muitos professores das duas referidas universidades públicas. Mas, como aqui já se mostrou, o argumento é insustentável, visto que a maior parte deles são ou foram também professores da Católica. Provavelmente era a UCP que tinha mais professores seus na Comissão...

PS - O Diário Económico dedica uma página inteira, com chamada de primeira página, não a dar conta dos resultados da avaliação (que provavelmente nem sequer seria noticiada), mas sim da contestação da Universidade Católica. Há quem, perdendo em jogo, ganhe depois nos jornais...

quarta-feira, 12 de janeiro de 2005

Guerra justa

«Abel Mateus [o presidente da Autoridade Nacional da Concorrência] declara guerra aos cartéis».
Que não esmoreça!

Mas este Governo não está demitido?

Parece que não. Todos os dias se anunciam decisões governamentais ou até projectos (!?) de todo o género, desde os negócios de São Tomé e Príncipe até à privatizaçãop da TAP, que não cabem obviamente a um "governo de gestão" e que portanto poderão ser sempe impugnados no futuro por incompetência.
O que mais choca é o ostensivo abuso de poder. Escrúpulos democráticos é coisa que não existe neste Governo.

No amor e na guerra

É sempre dramático quando uma relação termina e surge a obrigatória contabilidade das partilhas. Os CD's e livros que ficaram nas mãos do outro, por exemplo, em empréstimos que não estavam preocupados com prazos - certos ou incertos. E é curioso constatar ainda que, se "no amor e na guerra vale tudo", não é só essa condição a unir os dois conceitos. No amor e na guerra ficam também, sempre, despojos por dividir.

Quarto com vista sobre a cidade

Um dos meus melhores amigos e antigo companheiro do Desejo Casar, o Hugo Rosa, resolveu voltar às lides blogosféricas com a escritura pública que o torna proprietário absoluto do blogue do título.
O Hugo é meu amigo desde que me conheço e se, no tempo do DC, era o "nosso correspondente" na Horta, Faial, onde realizava o estágio de advocacia, agora escreve-nos desde Angra do Heroísmo, recém-advogado, em vésperas de consumar o desejo que titulávamos no nosso anterior blogue.
Direi apenas duas coisas mais: o HR ainda é, hoje, o maior talento literário bruto que alguma vez conheci e conseguiu, há poucas semanas, fazer com que voltasse a comprar o Independente, graças a um artigo onde era destacado por ter atingido a mais alta média entre todos os que concluíram estágios de advocacia no ano passado (o que não é nada despiciendo nem de somenos - quer a média, quer o facto de me ter levado a comprar o Indy; coisa que já não acontecia desde os tempos idos do MEC).

Para aguçar o apetite, deixo um post do novíssimo blogue. Bem-vindo de volta!

"Na América de que eu gosto

Na América de que eu gosto não existe George W. Bush, nem Donald Rumsfeld, nem Collin Powell, nem os outros falcões.
Na América de que eu gosto não se pensa nos habitantes das margens do Mississipi como pessoas encapuçadas que se vestiam de branco. Aliás, na América de que que gosto sempre se pescou no Mississipi.
Na América de que eu gosto podemos imitar Jack Kerouac e apanhar a Route 66 e tentar sair de Nova Iorque para chegar a Los Angeles.
Na América de que eu gosto Kennedy é vivo e dá conferências à volta do mundo com Carter. E também com Clinton.
Na América de que eu gosto Clinton não respondeu em público sobre questões da vida privada. E traiu a mulher com Monica Lewinski, e a mulher esbofeteou-o mas, eventualmente, perdoou-o. Ou não. Mas Clinton esteve sempre calado e nunca cometeu nenhum perjúrio para com o povo norte-americano.
Na América de que eu gosto vivia Stuart Blazer, que agora vive em Angra do Heroísmo, onde possui uma albergaria e um restaurante, "Ondas de Bruma". O nome é piroso, mas Stuart não. Stuart não gosta de Kerouac, mas adora Lobo Antunes e Pessoa, lidos em inglês.
Na América de que eu gosto gostava eu de viver.

posted by Hugo Rosa at 7:56 AM"

Ruibrancos Anónimos

Para todos aqueles que estavam preocupados com a longa ausência de rasgados elogios a Rui Branco e seus camaradas, aqui ficam as minhas embevecidas felicitações pelas primeiras 40.000 visitas do ESPLANAR.

Dilema eleitoral

«A propósito do seu post sobre os "riscos" da vitória antecipada do PS, seria bom que o próprio PS e os seus mais destacados dirigentes, não se deixassem embalar na onda de euforia e deslumbramento que parece existir, mesmo que não assumida publicamente. Uma coisa é o desagrado existente, actualmente, em relação ao actual Governo, outra coisa é o eleitorado estar "desejoso" para que o PS volte a ser governo. São coisas diferentes. Por outro lado ainda não são conhecidas, e muito menos debatidas, as propostas concretas do PS para os próximos anos.
Para falar verdade aos portugueses o PS vai ter que dizer coisas que não serão muito agradáveis aos bolsos de muito eleitores. Se não o fizer arrisca-se a ser acusado de "eleitoralista" e pouco realista, logo pouco credível. Perante este dilema - falar verdade e perder votos - qual será a opção do PS?»

(Nelson Henriques)

Diário eleitoral (9) - A idade da reforma

O Jornal de Negócios anunciava ontem (link indisponível) que o projecto de programa eleitoral do PSD -- ainda pendente de aprovação política -- vai prever a elevação da idade da reforma e a equiparação das condições de reforma da função pública. Se não houver recuo nesta matéria, trata-se de duas medidas justificadas (pena é que só sejam propostas justamente quando o partido se prepara para deixar o Governo...).
Descontado o seu previsível efeito na menor criação de emprego, a elevação da idade da reforma pode constituir um factor importante de sustentabilidade da segurança social, tendo em conta a diminuição relativa da população activa e o prolongamento da vida média das pessoas. De resto, não tem sentido que uma idade da reforma estabelecida quando a esperança média de vida era inferior a 60 anos se mantenha inalterada quando a esperança de vida em Portugal é hoje superior a 70 anos (quase 80 para as mulheres). Também não se justifica o diferencial em favor dos funcionários públicos, até porque hoje no sector público o regime da função pública coexiste cada vez mais com o contrato de trabalho, sendo inaceitável a discriminação dos regimes da reforma e da segurança social.

"O caminho para a maioria absoluta"

«Não tenho a certeza que o PS vá fazer uma campanha aberta, pela verdade e pela frontalidade. Ao ver a listas para deputados, ao vermos as "novas figuras" que rodeiam José Sócrates, fica-se com a sensação que a "mudança" é mais superficial do que o que seria de esperar. Por fim e não menos importante, a mesma imprensa que até agora tem "derrubado" o actual governo e P. Santana Lopes, como se vai comportar durante a campanha eleitoral? (...) Por todas estas razões, tenho para mim que a maioria absoluta, não está, ao contrário do que as sondagens do Rui Oliveira e Costa mostram, tão perto. Receio mesmo que as sondagens possam ter um efeito desmobilizador, para muitos que pensam que a vitória está certa. Para os indecisos, para os que não estão motivados (ou desmotivados) para votar, quais são as figuras nacionais de referência, galvanizadoras e mobilizadoras desse eleitorado (por vezes decisivo) que o PS, neste momento dispõe? Quem serão os ministros - nomeadamente das Finanças, da Economia, da Saúde, etc. - que irão executar as políticas propostas? Penso que o caminho para a maioria absoluta não vai ser fácil, mas depende mais do próprio PS e de José Sócrates em particular do que de Paulo Portas e P. Santana Lopes.»
(Nelson Henriques)

terça-feira, 11 de janeiro de 2005

"O parlamento de Lisboa"

O meu provocativo artigo no Público de hoje, com o título em epígrafe, começa assim:
«Há momentos em que Lisboa descobre de bom grado o resto do país. É quando o seu pessoal político excedentário, que não cabe nas listas eleitorais da capital, invade "a província" à procura de um lugar que lhes garanta uma cadeira em São Bento. Lisboa elege só por si 48 dos 230 deputados da Assembleia da República. No final, provavelmente mais de uma centena dos parlamentares são de Lisboa.»
A continuação pode ser vista no jornal (ou também no Aba da Causa, como habitualmente).

o futuro é um lugar estranho

É fim de dia e estou saudavelmente perdido na redacção. Os poucos jornalistas que sobram ultimam as suas tarefas próprias de um diário. Escreve-se a metro, fazem-se telefonemas, fecham-se páginas em programas de computador que nunca compreenderei.
E eu observo. Refugiado num computador que não me pertence olho o mundo dos outros onde estou, por momentos, hospedado. Sinto-me estrangeiro mas estou bem. Habituei-me a este padrão - o hábito de não pertencer a lado nenhum. De viver em Lisboa com os Açores no coração, de trabalhar no guionismo após cursar Direito, de colaborar num jornal sem ser jornalista, de nunca saber o que colocar ao certo no espaço em branco que os formulários reservam à "profissão".
Prometi a mim mesmo, por ocasião das resoluções de Ano Novo, que doravante viveria um dia de cada vez, sem pensar no ontem, sem perspectivar o amanhã. Sobretudo sem perspectivar o amanhã.
Hoje, dia 11 de Janeiro, creio que o consegui fazer pela primeira vez na vida. Sinto-me estrangeiro mas estou bem. Acometido por um súbito desejo de ser hóspede no mundo dos outros para sempre, canto baixinho - antes de arrumar as coisas e sair - as palavras de Variações pela voz de Camané:

"Vou viver / Até quando eu não sei / Que me importa o que serei / Quero é viver. / Amanhã / Espero sempre um amanhã / E acredito que será / Mais um prazer."