quarta-feira, 26 de janeiro de 2005

Isto não foi real, pois não?

O jogão que acabámos de ver entre o Benfica e o Sporting foi produzido por computador, não foi?

Então em que ficamos?

«Temperaturas normais para a época», leio agora pela segunda vez naquela banda que corre no ecrã de uma estação de TV. Exactamente a mesma que há pouco dedicou mais de 10m a tratar do problema, ou seja, da dita vaga de frio! Juro que isto acaba de acontecer, LN!

A geografia da Anacom

No site da Anacom, as Filipinas e as Ilhas Maurícias estão incluídas no grupo de países do continente americano. É certo que último maremoto deslocou algumas ilhas, mas não foram estas. Nem consta que as ilhas atingidas tenham mudado de continente!
Espera-se, assim, que o erro seja rapidamente corrigido, devolvendo-se o seu a seu dono, ou seja, as Filipinas à Ásia e as encantadoras Maurícias ao oriente africano. Além do mais, tamanho engano fica especialmente mal a um regulador das telecomunicações e dos correios. Mas acontece...!

Isto não está a acontecer, pois não?

1 O patrão da CIP (só não lhe podemos chamar o "patrão dos patrões", à francesa, pelas razões portuguesas que se conhecem), Francisco Van Zeller, faz uma declaração surpreendente para os ouvidos ultra-liberais: a taxa do IRC em Portugal não constitui problema de maior para os empresários (é inferior à média europeia) nem constrange o investimento.
2 O presidente da Câmara de Celorico de Basto quer processar o INE pelo facto de o seu concelho aparecer como o mais pobre (em poder de compra) do país.
3 Os principais noticiários do nosso rectângulo abrem sucessivas edições com uma história à Orson Welles: a de que o país está a atravessar um vaga anormal, quiçá mortífera, de frio polar.

Coesão territorial?

O Público de ontem revelava um estudo demonstrativo da enorme fosso entre o poder de compra em Lisboa e no resto do País, sendo o daquela quase três vezes superior à média nacional. Entretanto, como se vê noutro estudo divulgado pelo Jornal de Notícias de hoje, o défice dos transportes públicos de Lisboa não pára de crescer, sendo ele suportado... pelo orçamento do Estado (ou seja, por todo o País).
Os pobres subsidiam os ricos!

"Devia haver algum decoro nestas coisas"

Pois devia. Mas deste primeiro-ministro era de esperar outra coisa que não esta?

Novas Fronteiras

Os que manifestaram (ou possam ter) interesse em conhecer a minha comunicação na "Convenção Novas Fronteiras", sábado passado, podem aceder a ela no respectivo website (resolvi também incluí-la na sempre disponível Aba da Causa).
Aproveito para registar as gratificantes referências do Raimundo Narciso e do João Tunes.

O fundo e a forma

O que é que distingue os partidos? Defendo que a forma da política pode contar tanto como o conteúdo das políticas no meu artigo de ontem no Público, intitulado "O modo da política" (também recolhido na Aba da Causa, como habitualmente).

A grande confusão

Vale a pena ler, no Público de ontem, o artigo de João Vasconcelos Costa acerca das confusões sobre o esquema de graus superiores a adoptar em Portugal na aplicação do Processo de Bolonha, o qual prevê um 1ª grau de pelo menos 3 anos e um 2º grau a obter ao fim de 5 anos, permitindo portanto duas alternativas: 3+2 ou 4+1. Retomando argumentos já esgrimidos no seu blogue, JVC denuncia as tentativas de subverter o processo de Bolonha e as razões (corporativas e outras) que estão por detrás delas. Para além da abstrusa proposta de 3+1+1, defendida para vários cursos na área das ciências e das tecnologias, é de sublinhar ainda o caso de Direito, para o qual a respectiva comissão defende a manutenção do actual esquema de 5+2, ou seja, a pura e simples rejeição do esquema de Bolonha. Merece o prémio do conservadorismo.
Felizmente pertence ao Parlamento e ao Governo, e não às faculdades e corporações profissionais, fazer implementar o processo de Bolonha. Essa tarefa cabe ao próximo parlamento e ao próximo Governo.

Cadê os números?

«Santana Lopes exige debates enquanto esconde os números das contas públicas; se eu fosse líder do PS não aceitaria qualquer debate com um dos líderes dos partidos do governo enquanto não fossem divulgados os dados das receitas e despesas do Estado de Dezembro de 2004, para além dos dados necessários para apurar o défice orçamental. Se o principal problema do país são as contas públicas não faz sentido debater o país com quem anda a esconder os números!»
(O Jumento)

Os sucessos de Santana (2)

Em 2004 a receita fiscal não aumentou em 4,5%, como previa o Governo, antes pelo contrário, caiu em 0,5%.

A RTP pode tomar partido? (2)

Contra este meu post há porém quem ache que a estação pública de televisão tem toda a liberdade para contratar os comentários de Marcelo Rebelo de Sousa nos termos que lhe aprouver, como qualquer estação privada. Mas se fosse, por exemplo, Mário Soares, teriam a mesma opinião?
Ora acontece que: (i) a RTP é financiada essencialmente por uma contribuição especial pública; (ii) está constitucionalmente obrigada a assegurar o pluralismo da opinião política que emite e a observar um princípio de imparcialidade política. Por isso ela não goza da mesma liberdade das estações privadas, que não estão sujeitas às mesmas obrigações (pelo menos na mesma medida). O comentário de protagonistas políticos, como é o caso, só deve ter lugar num quadro de equilibrada contraposição com outros. Não pode haver tempos de antena furtivos.
A propósito, o que pensará disto a Alta Autoridade para a Comunicação Social?

Serviços públicos e gestão empresarial

«A propósito da fuga de serviços públicos para o direito privado de que o Prof. Vital Moreira parece ser defensor, há uma questão que me faz confusão:
Andou-se em Portugal a porfiar anos a fio por uma sistematização do processo administrativo para "reforçar a eficiência do agir da administração, e para garantir a participação dos cidadãos nas decisões que lhe dizem respeito" até que, em finais de 1991, com toda a pompa e circunstância e grandes despesas associadas em acções de formação, entrou finalmente em vigor o que os administrativistas clamavam como sendo uma medida com altíssimo significado para todos os administrados deste país. Enfim, dizia-se, uma autêntica revolução nos procedimentos administrativos. (...)
Afinal, tanto trabalho legislativo para quê? O que se está a verificar é justamente que com empresarializações, criação de institutos públicos (com funções públicas) cuja gestão se passa a processar pelo contrato individual de trabalho e outro direito privado, etc., se está a fugir àqueles princípios e a procedimentos a que toda a administração pública deveria obediência num estado de direito democrático. (...) O que é um erro clamoroso, quanto a mim. Quem não soube gerir os serviços públicos com direito público, não vai consegui-lo com o direito privado. (...)»

(Fernando Barros)

Comentário
Vários pontos desta carta requerem correcção.
Primeiro, ao contrário do que diz, eu não defendo a fuga dos serviços públicos para o direito privado, pelo contrário, salvo nos casos de unidades prestadores de bens ou serviços ao público no mercado, mediante remuneração, que podem ser empresarializados, com ganhos de eficiência. Há muito que existe uma separação entre o "sector público administrativo" e o "sector público empresarial". O que importa é que a forma de empresa não seja utilizada abusivamente para serviços que nada têm de empresarial.
Segundo, a nova lei-quadro dos institutos públicos, embora tenha admitido a adopção do contrato individual de trabalho, obriga a um procedimento público e objectivo de recrutamento de pessoal, semelhante ao da função pública.
Terceiro, o próprio Código de Procedimento Administrativo estabelece que os princípios gerais da actividade administrativa nele estabelecidos e as normas que concretizam direitos fundamentais continuam aplicáveis aos organismos administrativos de direito privado, pelo que a "fuga para o direito privado" nunca é integral.

Vital Moreira

terça-feira, 25 de janeiro de 2005

Os sucessos de Santana

«Défice do subsector Estado agrava-se 10,1% em 2004».

alquimia das lágrimas

Durante anos desejei ser actor devido às cenas de choro. Sim, sou tão lamechas quanto isso. Nunca a "suspension of misbelief" funcionou tão bem comigo como nas cenas em que um actor/actriz, em grande plano, deixava rolar uma lágrima por todo o rosto. Emocionava-me a história, a comoção da personagem, o caminho que a lágrima escolhia entre nervos e pele e que nenhum realizador alguma vez poderia encenar.
Só há poucos anos me falaram dos truques dos actores: o colírio, o fumo do cigarro para os olhos se irritarem, não pestanejar durante muito tempo, uma técnica muscular facial qualquer que só uns raros dominam. E estragaram-me a vida. Prejudicaram-me a escuridão sagrada das salas de cinema. Interromperam-me a "suspension" para me pôr a pensar.
Desaparece assim a maior percentagem da convicção que dedicava a interromper a minha vida, com prazer, para me imaginar na pele da personagem comovida.
Como um ilusionista alcoolizado que, por estar fora de si, partilhasse connosco o segredo dos seus truques - destruiu-se a magia.
Resta-me apenas o caminho que as lágrimas inventadas para aquele momento continuam a percorrer de forma aleatória, a esperança de que existam actores ainda tão ingénuos quanto eu em relação aos truques supracitados, e uma cada vez menor percentagem de sonho. Uma bem menor vontade de vir algum dia a ser actor. E tenho pena. Consigo chorar.

SNS (6)

«Queria desmentir o comentário de Luís Lavoura, publicado no seu blogue, em que refere que os doentes são abandonados aos cuidados da enfermagem com excepção de um curto período entre as 10-11h. Isto é totalmente falso, não é a prática corrente nos hospitais. Existem médicos de permanência, articulação com o SU, visitas ao Sábado de manhã, etc., (a prática é variável). Também não é verdade que os médicos estejam desaparecidos após essa curta hora. Claro que podem existir maus exemplos mas é injusto que se generalize tal ideia.
Este género de comentários faz lembrar a quantidade de mentiras (que depois são repetidas até à exaustão) que se começam a generalizar nos meios de comunicação mais sensacionalistas. Claro que os hospitais não são um paraíso (passe a ironia), há muitas críticas a fazer ao seu funcionamento mas não devem ser alimentadas com falsidades.»

(Horácio L. Azevedo, Médico Interno Complementar, Linhadohorizonte.blogspot.com)

Microsoft não desiste da (grande) batalha

1. Contrariamente ao que o Público noticia hoje, a Microsoft não desistiu do recurso para o Tribunal de Justiça contra a decisão da Comissão Europeia que lhe aplicou a maior multa de sempre por abuso de posição dominante (entre outros aspectos, por ligar o Windows ao Media Player).
2. A Microsoft apenas decidiu não recorrer da decisão do Tribunal de Primeira Instância, de Dezembro de 2004, que não suspendeu a aplicação das sanções até que seja conhecido o resultado do referido recurso, o que demorará bastante tempo a acontecer (2007 ou 2008).
3. Enquanto espera pela decisão sobre o fundo da questão, a Microsoft terá agora que conformar o seu comportamento com algumas medidas que lhe foram impostas pela Comissão, nomeadamente a de disponibilizar informação aos concorrentes para que estes possam compatibilizar o seus programas com o sistema operativo Windows e a de oferecer uma versão do sistema sem o Media Player.

SNS (5)

«(...) Tendo já estado internado, e tendo o meu filho já estado internado, em hospitais estatais, sei do que falo. Há um momento grande do dia (mas só nos dias úteis!), cerca das 10-11 da manhã, quando os médicos visitam os internados, perguntam como se sentem, dão as instruções aos enfermeiros, prometem a alta para (depois de) amanhã, e vão-se. Depois nunca mais são vistos. Os internados ficam abandonados o resto do dia, deixados aos cuidados dos enfermeiros; só em caso de absoluta e dramática urgência é chamado um médico das urgências. Quanquer alteração no estado de saúde dos internados é deixada para o dia seguinte. Essas alterações são, naturalmente, frequentes. E angustiantes.
(...) Aliás, em tempos fazia-se escândalo nas nossas universidades, e com muita razão, sobre os "turbo-professores", aqueles que eram ao mesmo tempo professores numa universidade estatal e numa universidade privada.
É pena que nunca se tenha falado dos turbo-médicos, aqueles que fazem simultaneamente clínica num hospital estatal e na privada, andando sempre a correr de um para o(s) outro(s) lado(s). Talvez porque quase todos os médicos são turbo-médicos, nunca se pensou em arranjar uma designação apropriada para eles.»

(Luís Lavoura)

Antologia do dislate

«Anda aí uma ideia que parece comum ao PS e PSD de introduzir um cartão único que seja BI, Cartão de Contribuinte, Carta de Condução, etc. Tal é nazismo em estado puro e deve ser combatido.»
Rui Verde

SNS (4)

«1. A RTP 1 está de parabéns por este contributo cívico ao longo desta semana. Para que o maior número de cidadãos pudesse assistir a estes debates seria bom se o início dos mesmos pudesse ser antecipado para as 21:30, mantendo-se a duração total.
2. Na minha avaliação global foi Maria José Nogueira Pinto quem esteve melhor ao longo de todo o debate. Intervenções claras, bem estruturadas e fecundas, mostrando um enorme à vontade em todos os temas da saúde. Demonstrou ainda possuir uma visão para a Saúde, independentemente de se poder concordar ou discordar da mesma.
3. Tenho dificuldade em avaliar a bondade do trabalho realizado por Luís Filipe Pereira como Ministro da Saúde e do debate de ontem não consegui retirar nenhuma conclusão, apesar de ser claro que tem o mérito de apresentar obra feita em áreas importantes da Saúde.
4. Quanto a Correia de Campos, devo dizer que esperava mais e melhor. Era do representante do PS que eu esperava ouvir algo mais consistente sobre o modelo dos chamados Hospitais SA do que apenas uma observação não fundamentada sobre a impossibilidade aritmética dos resultados e ainda que teria de mandar fazer um estudo quando chegar ao Governo. No confronto directo com Luís Filipe Pereira não conseguiu convencer e nos restantes pontos de debate pareceu ter ideias relevantes, mas para mim não foi clara a sua visão para a Saúde. Para um Partido de Governo como é o PS eu penso que é de exigir mais, isto é, tem de se perceber bem qual é a alternativa face ao PSD e, no meu entender, isso ontem não ficou claro.»

(Jorge Guerreiro)

SNS (3)

O Ministro da Saúde cessante confirmou que o subfinanciamento da saúde tem continuado nos últimos orçamentos. O resultado tem sido o atraso nos pagamentos de fornecedores do SNS e a acumulação de enormes débitos, regularizados depois mediante operações de imputação directa à dívida pública, sem passar pelo orçamento. A suborçamentação resulta numa conveniente desorçamentação (uma habilidade para manipular o défice orçamental).
O que ninguém encarou de frente foi o modo de financiar o SNS, tendo em conta a inevitável subida dos gastos, por mais eficiente que se torne a gestão e por mais desperdícios que se eliminem. Só existem três alternativas: (i) aumento das transferências orçamentais, ou seja, dos impostos; (ii) co-pagamento dos doentes pelos cuidados recebidos; (iii) generalização de seguros de saúde, tornando-os obrigatórios pelo menos para certas patologias mais onerosas.
Mas quem é que quer assumir os custos politicos de qualquer destas soluções? Sem sustenação financeira, a saída inevitável é condenar o SNS à degradação progressiva, à míngua de dinheiro...

SNS (2)

Outra declaração digna de registo no referido debate sobre questões de saúde foi a do novo bastonário da Ordem dos Médicos, Pedro Nunes, que declarou haver «carência de médicos». Para quem, como a Ordem, defendeu militantemente a restrição no acesso às faculdades de medicina durante mais de vinte anos, sendo por isso um dos grandes responsáveis pela falta de médicos (coisa que o bastonário nega, contra toda a evidência), a referida posição não deixa de surpreender. Tardia autocrítica ou preocupação com a diminuição de sócios contribuintes da Ordem?

SNS

No debate e ontem na RTP1 sobre as posições partidárias acerca da saúde, uma das melhores observações pertenceu a Maria José Nogueira Pinto (CDS), quando assinalou que temos «um sistema de saúde a trabalhar em part-time», querendo com isso referir o facto de os hospitais estarem "às moscas" da parte da tarde, visto que a maior parte dos médicos não se encontram em regime de exclusividade. Daí o enorme subaproveitamento das instalações e dos equipamentos, designadamente no que respeita às cirurgias.

Confusão

Ao contrário do que muita gente supõe, os chamados "hospitais SA" também são empresas públicas, a par com a outra modalidade destas, os entes públicos empresariais (EPE). Foi para esclarecer essa confusão, entre outras, que dediquei o meu artigo de ontem no Diário Económico à questão da empresarialização dos hospitais públicos (tanmmbém recolhido na Aba da Causa, como habitualmente).

segunda-feira, 24 de janeiro de 2005

Avaliação legislativa

Ao longo dos anos, temo-nos caracterizado por saber fazer boas leis, por ter uma boa técnica legislativa. Mas do trabalho de verificar se elas são ou não aplicadas (quantas ficaram por regulamentar?), se há ou não recursos - financeiros, humanos ou institucionais - para a sua aplicação, se os efeitos pretendidos são atingidos ou se , pelo contrário, a lei até está a produzir efeitos perversos, etc., etc., quase ninguém cuida. Quando a velha lei é reformada, isso faz-se, muitas vezes, sem ter qualquer ideia de qual foi o seu sucesso ou insucesso. Mas esta cultura legislativa, infelizmente ainda hoje dominante, tem os seus dias contados. Mesmo entre nós, pelo menos desde o tempo em que o António Costa era Ministro da Justiça, a situação começou a alterar-se. Por isso é de saudar a iniciativa que o Gabinete de Política Legislativa do Ministério da Justiça leva a cabo hoje e amanhã em Lisboa, precisamente dedicada ao tema da avaliação legislativa.
Pena é que sejam tão poucos os legisladores presentes!

Politicamente correcto?

Não, meu caro Vicente, longe disso. Aliás, nem sei bem o que isso é, mas tu vais-me explicar, se não for antes no próximo domingo!
Os teus argumentos são discutíveis é claro. Nem de ti se esperaria outra coisa. E mesmo que aqui ou ali, em abstracto, te possa dar razão, no caso concreto não me fazem mudar de posição, um milímetro sequer.
Eu assisti ao debate e indignei-me logo. Ao princípio até esfreguei as orelhas. Estaria eu a ouvir bem? Tal como me indignei com uma célebre carta aberta que C. Candal escreveu contra o mesmo P. Portas numa campanha eleitoral em Aveiro há 10 anos (a direcção do PS condenou); ou com o argumento que, também em nome da coerência, alguma esquerda esgrimiu contra Sá Carneiro, no tempo da primeira AD, pelo facto de então viver com uma mulher com quem não era casado. São diferentes as situações, é certo. Mas esta, vinda de onde vem, não é melhor do que as outras. É até talvez pior.
E devo acrescentar ainda o seguinte. Há pessoas de cujas posições políticas quase sempre discordo, mas que admiro pela argumentação fundamentada, reflectida e não demagógica. Paulo Portas não está, nem nunca esteve, entre elas, bem pelo contrário. Mesmo assim considero inaceitável a argumentação de F. Louçã. E mais ainda o que se lhe seguiu. Se a frase tivesse sido proferida no calor da discussão, em resposta a uma provocação, mandaria a boa ética que no dia seguinte se pedisse desculpa do excesso. Mas não. No dia seguinte, com excepção de um candidato independente do BE, todos os outros trataram de desculpar o "chefe" ou de se esconder atrás de frase "não vi, não posso comentar".

O prédio ou a língua?

Tenho seguido com alguma atenção a polémica em torno da mais que provável demolição do edifício onde funciona a Escola Portuguesa em Macau e, em particular, os argumentos dos que bradam contra a eliminação de um elemento referencial da arquitectura contemporânea portuguesa como seria a Escola Pedro Nolasco. Ao que se sabe, o governo da região de Macau pretende substitui-la por uma nova, ampla e bem equipada, onde o ensino do português se poderia consolidar de modo perene. Serão confiáveis as intenções chinesas?
Só quem nunca foi a Macau poderá lamentar o fim da vida da Pedro Nolasco enquanto escola portuguesa. Literalmente entalada entre prédios de habitação e artérias comerciais, funcionalmente inadaptável a qualquer projecto de desenvolvimento, a Pedro Nolasco tinha há muito tempo esgotado o seu prazo de validade e, quando muito, só poderia subsistir enquanto escola infantil ou pré-primária. Até prova em contrário, só temos de nos regozijar pelo facto de a administração de Edmund Ho pretender valorizar o ensino do português ao ponto de fazer o que nós nunca fomos capazes - uma boa escola. Se isso significa a destruição de um velho equipamento escolar, por emblemático que possa ser, paciência. Confesso que nunca atribuí à obra macaense de Chorão Ramalho uma especial valia estética (estou bem consciente das acusações de iliteracia arquitectónica a que me sujeito) nem hesito um segundo só no seu sacrifício a bem de objectivos mais importantes. Em alternativa, poder-se-ia propor à administração chinesa a classificação do triste imóvel como património nacional...

O farsante

«Santana pede maioria absoluta».
O que lhe falta em sentido de Estado sobra-lhe em vocação para a farsa.

«Vícios privados, públicas virtudes»

Registo os contra-argumentos apresentados pelo Vital e a identificação da Maria Manuel com a posição da Ana Sá Lopes no «Público» acerca do debate Portas-Louçã. Congratulo-me com esta polémica entre amigos, que, aliás, me faz ter remorsos da minha recente e prolongada ausência no Causa Nossa. Já agora, uma fraternal provocação: não estarão vocês a ser «politicamente correctos» em demasia?
Em primeiro lugar, julgo que é redutor entender a coerência no plano moral como circunscrita a uma alínea temática -- e basta ver o caso Buttiglione para meditarmos sobre isso. Recordo que a homofobia de Buttiglione aparecia estritamente associada aos dogmas fundamentalistas sobre o aborto (um tema e outro aparecem, aliás, ligados no discurso ideológico do Vaticano) e outros.
Claro que é contraditório que o Bloco capitalize todo um folclore «gay» e Louçã caia depois nas sugestões que fez a Portas: é o lado sibilino e sacrista da personagem. Mas insisto: quando Portas esgrime um argumento como o de comparar genericamente o aborto a um assassinato e o mesmo Portas aparece notória e publicamente identificado com posições como as de Buttiglione -- simultaneamente homofóbico e fundamentalista do chamado «direito à vida» -- como é que eu lhe respondo? Fico calado e paralisado? Cedo ao politicamente correcto, «divido as orações» e teorizo em abstracto, defensivamente, perante uma acusação de assassinato que me visa moralmente?
Se, por hipótese, um padre vem esgrimir comigo teses semelhantes, eu não lhe posso responder que ele não gerou vida e eu gerei? Que eu tenho uma família constituída mas não faço gala disso nem aceito a família como valor ideológico, enquanto ele pretende reivindicar, contra mim, o monopólio ideológico da defesa da família sem a ter constituído?
Então qual é o problema com Portas, que nem tem o álibi religioso de ser padre? Subentende-se, é óbvio, que é por causa dos rumores sobre as suas supostas ou reais inclinações sexuais. Mas deverão esses rumores complexar-me e inibir-me quando o mesmo Portas não tem inibições de qualquer espécie em lançar acusações de assassinato sempre que o tema do aborto é abordado?
Finalmente: em abstracto, não me parece lógico nem consequente que um dirigente de um partido que perfilha ostensivamente uma ideologia hiperconservadora no plano moral se ache dispensado de ser coerente com ela em todos os domínios da sua vida privada. Ou seja: eu não tenho culpa de ele ser hiperconservador e utilizar uma suposta superioridade moral contra mim, se acaso infringe as regras fundamentalistas que me quer impor. Isso chama-se duplicidade -- e a duplicidade não pode ser acantonada, conforme as conveniências do dúplice, neste ou naquele campo específico das suas opções morais públicas e do seu comportamento privado.
Serão os nossos brandos e excelentes costumes que nos permitem mais esta originalidade, agora em matéria de tolerância da duplicidade moral? Por isso invoquei o caso Portillo. Porque foi entendido -- e o próprio Portillo a isso se submeteu -- ser politicamente insustentável que um partido com uma agenda moralmente conservadora tenha como chefe alguém com um comportamento privado que não corresponde a essa agenda. Não tenho de concordar nem discordar, tenho apenas de constatar. Esse é um problema dos fundamentalistas morais, não é meu. É a velha questão dos «vícios privados, públicas virtudes». E não sou eu que apregoo estas e escondo aqueles debaixo do tapete.
VJS

domingo, 23 de janeiro de 2005

"A velha esquerda moralista"

«Deliberadamente ou não o BE fez o jogo da direita mais conservadora, colando-se a ela nos seus valores e preconceitos. (...) O uso da vida privada de cada um com objectivos políticos é uma arma sempre populista e quase sempre indecorosa» - Ana Sá Lopes, hoje no Público (texto indisponível online), a propósito do ataque do Bloco de Esquerda a Paulo Portas, esgrimindo uma contradição entre a sua presumida vida privada e a sua oposição à despenalização do aborto.
Para quê dizer por outras palavras o que está bem dito nas palavras transcritas? Afinal a esquerda que se pretende nova pode ser tão velha, ou mais, do que a antiga no que respeita ao moralismo conservador.