domingo, 24 de abril de 2005

Simone Veil

A pouco mais de um mês do referendo francês sobre a constituição europeia, quando as sondagens de opinião continuam a dar vantagem à rejeição, é altura de as grandes figuras europeístas francesas virem em socorro do sim. Depois de Jacques Delors, à esquerda, é agora a vez de Simone Veil, à direita, que acaba de pedir uma licença de um mês no Conselho Cosntitucional para se dedicar à campanha pela aprovação do tratado constitucional.
Afinal, é a "honra europeia" da França que está em causa.

sábado, 23 de abril de 2005

O Presidente tem razão

Sampaio defende que Portugal deve avançar para a ratificação do tratado constitucional europeu mesmo que entretanto a França (ou outros países) a rejeite. Tem toda a razão. Mesmo que baste uma rejeição para que a Constituição europeia fique sem efeito, importa que cada país se pronuncie autonomamente: primeiro, para saber quantos países a apoiam (uma coisa é a rejeição por um país ou dois, outra é a rejeição por uma maioria de países); segundo, para marcar posição para o "day after", ou seja, para a avaliação sobre o que fazer depois da rejeição.

O duplo

Parece cada vez mais evidente que além do presidente oficial, eleito no último congresso, o PSD têm um presidente-sombra, que é o verdadeiro, ou seja, Marcelo Rebelo de Sousa. Pelo menos, dizem os mentideros, é ele quem define as jogadas. Para "duplo", Marques Mendes não está mal...

Controlo das consciências

Em reacção à legalização dos casamentos homossexuais em Espanha, o Vaticano apelou aos funcionários católicos espanhóis para não celebrarem nem registarem tais casamentos, devendo invocar objecção de consciência, «mesmo com o risco de perderem o emprego». A instrumentalização da religião para resistência ao cumprimento das leis civis tornou-se banal na actuação da Igrja Católica, bastando referir as proibições dirigidas aos farmacêuticos e médicos católicos no que respeita ao fornecimento de anticonceptivos e à realização de abortos, respectivamente.
A eficácia destes apelos tem sido reduzida, mesmo em sociedades maioritariamente católicas. O seu único efeito é a demonstração do crescente défice de autoridade do Vaticano sobre os seus fiéis. O rebanho torna-se cada vez menos obediente à voz do pastor romano.

Típico

Na sua coluna de hoje no Público (indisponível online), em que condena liminarmente a ideia de limitação dos mandatos políticos, Vasco Pulido Valente mistura atabalhoadamente a limitação de mandatos com a revogação popular de mandatos (recall). Na verdade, trata-se de figuras com filosofia totalmente diversa: a primeira é um instrumento da democracia representativa, que visa "limitar" a democracia e a liberdade dos eleitores; a segunda é um instrumento de democracia directa, que visa "aprofundar" a democracia e reforçar o poder dos eleitores.
Depois desta mistura de alhos com bugalhos, VPV não hesita em denunciar a «ignorância (...) da gente que em Portugal propõe a limitação de mandatos». O que seria do País, governado por ignaros, sem os correctivos omniscientes dos iluminados como VPV!

sexta-feira, 22 de abril de 2005

Vida e ser humano

«Um feto é vida, apenas no mesmo sentido em que um animal ou um vegetal é vida; não é um ser humano. (...) A Igreja Católica pode dizer o que quiser, mas não pode impor a sua doutrina a uma sociedade laica.»
(Maria Filomena Mónica, Público de hoje).

Bolton

Se dependesse dos nossos neoconservadores domésticos, a nomeação de John R. Bolton, o falcão ultraconservador, para representante dos Estados Unidos nas Nações Unidas -- instituição que ele várias vezes desprezou -- tinha a unanimidade, tais foram as loas que recebeu entre nós. Mas ela continua longe de assegurada, apesar da confortável maioria republicana no Senado, que tem de confirmar a escolha de Bush. Para além da oposição democrata, há vários senadores republicanos que se recusam a secundar a nomeação. Agora é o New York Times que dá conta das reservas de Colin Powell, ex-ministro dos negócios estrangeiros de Bush.

quinta-feira, 21 de abril de 2005

A escassez de médicos

Sempre que me deparo com as notícias sobre a falta de médicos, como esta relativa à necessidade da sua importação, lembro-me da quantidade de jovens, biólogos, farmacêuticos, gestores, engenheiros ou físicos, alguns provavelmente hoje desempregados, a quem foi vedado o acesso à Faculdade de Medicina. Lembro-me de uma querida sobrinha, aluna de quase 18, depois 18 e finalmente 18,43, que passou 3 anos à espera de um lugar. Lembro-me das discussões então havidas na Comissão Científica do Senado da UC (e talvez em outras Universidade), onde esbarrávamos com a esfarrapada desculpa de alguns professores, representantes da Faculdade de Medicina, de que não havia possibilidade de formar condignamente mais médicos, sobretudo na parte hospitalar da respectiva formação, mesmo que nunca tivessem respondido como era tal possível, se antes, eles próprios, tinham estudado num Hospital bem mais pequeno que acolhia cursos bem maiores! Lembro-me deste argumento frágil e evidentemente falso, como se prova agora, visto que o numerus clausus foi entretanto duplicado, mas perante a qual fomos sempre uma desamparada minoria. E, sobretudo, lembro-me da complacência de muita gente (reitores, ministros, cidadãos desatentos) com esta continuada e descarada captura da administração por uma profissão. Mesmo hoje, quando o erro é mais do que reconhecido e a factura está aí para a pagarmos, nós os contribuintes e utentes do SNS, não os médicos evidentemente, a culpa morre solteira! Foi tudo uma obra do acaso.

"Médicos criticam opção por clínicos estrangeiros"

Tal é a notícia no Público de hoje, relatando a oposição da FNAM (Federação Nacional dos Médicos) à anunciada decisão governamental de contratação de médicos estrangeiros para os centros de saúde, dada a falta de oferta nacional. Era inevitável; só admira a demora na reacção. Nenhuma profissão é mais ciosa da escassez dentro da sua coutada do que os médicos.

quarta-feira, 20 de abril de 2005

A colónia do Vaticano

Em Timor a Igreja Católica, com os bispos à frente, lançou uma ofensiva de rua contra o Governo, exigindo a manutenção do ensino obrigatório da religião católica nas escolas públicas e a cargo do Estado. Apesar de a Constituição estabelecer a separação entre as igrejas e o Estado e não reconhecer nenhum privilégio à Igreja católica, esta não abdica de parasitar o Estado e de colocá-lo ao seu serviço. Onde pode, a Igreja Católica instrumentaliza o poder público.

O argumento falacioso

José Manuel Fernandes gosta de usar palavras fortes, mesmo quando seria prudente alguma moderação verbal, como sucede hoje, no editorial do Público de hoje (indisponível "online", salvo por assinatura), quando condena como "falaciosa" a pergunta aprovada para o referendo sobre a despenalização do aborto, por ela não incluir todas as propostas de alteração apresentadas na Assembleia da República.
Ora, a pergunta repete inteiramente a que foi feita em 1998, tendo em vista a descriminalização do aborto realizado por simples vontade da mulher, desde que realizado até às 10 semanas e tenha lugar em estabelecimento de saúde legal. É o chamado "método dos prazos", em que a IVG não precisa de ser justificada para não ser crime, desde que ocorra dentro de curto tempo de gestação. Aqui, sim, há "liberalização" do aborto.
Coisa muito diferente é a despenalização da IVG com base em certos factores justificativos, nomeadamente o perigo para a saúde da grávida ou deficiências do feto, o qual só pode ser realizado sob indicação médica. Esses casos de aborto justificado já estão despenalizados desde há muito, se se verificarem até às 12 semanas (nalguns casos até às 16 semanas, ou mesmo sem limite de tempo). O que há agora são propostas para estender o prazo (de 12 para 16 semanas) e ampliar as causas de justificação, mas sempre sob condição de verificação dos aludidos requisitos, ou seja, motivos de saúde e indicação médica.
Nada obriga a submeter a referendo também estas possíveis alterações. Primeiro, porque esta matéria não esteve em causa no referendo anterior. Segundo, por que se trata somente de alargar um tipo de despenalização que já existe. Terceiro, porque se se fossem referendar todas as alterações à lei, doravante seria necessário recorrer ao referendo sempre que se quisesse alterar qualquer pormenor. Ora os referendos não servem para aprovar, ou não, todos os aspectos das leis, mas sim as suas opções básicas.
Mas parece evidente que o perigo de confusão da opinião pública deveria ter aconselhado a não misturar as duas coisas ao mesmo tempo, ou seja, o referendo sobre a despenalização geral do aborto até às 10 semanas e a ampliação legal dos prazos e das causas de justificação do aborto por indicação médica, que já hoje está despenalizado. A exploração que já está a ser feita dessa confusão -- não só pelo PP mas também pelas duas deputadas "democratas-cristãs" do PS -- mostra que pode não ser uma opção avisada dar argumentos (mesmo que, esses sim, falaciosos) aos adversários da despenalização.

Constituição europeia: "O não que inquieta a Europa"

«Non, les Français vont avant tout voter sur des questions qui ne sont pas posées - insatisfaction sociale, mécontentement vis-à-vis du gouvernement, adhésion de la Turquie. La Constitution n'est qu'un prétexte. Les conséquences d'un refus seraient imprévisibles pour la France et même pour l'Allemagne. Et de toute façon pour l'Europe. »
(Courrier International, reproduzindo um texto de Gerd Kröncke no Süddeutsche Zeitung, Alemanha)

Mais uma boa notícia

O Alto Comissário para as Minorias Étnicas (ACIME) anunciou saber que o Governo se prepara para alterar a Lei da Nacionalidade, a fim de permitir a aquisição da cidadania portuguesa pelos filhos dos imigrantes estabelecidos em Portugal. Para quem, como eu, defende há muito tal alteração, isto só pode ser uma boa notícia.

Correio dos leitores: Limitação dos mandatos (2)

«Aproveito a oportunidade para levantar a questão de saber se, para melhorar a sanidade da vida colectiva, o princípio que orienta o que agora se propõe para os cargos políticos não poderia (deveria?) ser extensível a áreas como organizações empresariais e sindicais (há quantos anos o Sr. Rocha de Matos está na AIP? E qual é a rotação no Secretariado da Inter?). Outros exemplos haverá, do futebol aos bombeiros. Conheço um presidente de Sindicato que o é, creio, há cerca de 35 anos.
Intromissão na sociedade civil? Por certo que sim. Mas talvez esta viesse a agradecer. Se se considerar obtuso legislar nesta matéria, não seria, ao menos, recomendável alguma magistratura de influência?»

AMF

terça-feira, 19 de abril de 2005

Correio dos leitores: Limitação dos mandatos políticos

«(...) Devo começar pelo esclarecimento prévio de que sou, desde há vários anos, um defensor convicto da urgência da limitação de mandatos dos titulares de cargos políticos e da revisão da forma de eleição e de governo das autarquias locais. Mudanças que urgem e que espero possam ser concretizadas nesta legislatura. Mudanças que mobilizam oposições em todos os partidos, o que nos permite uma melhor apreciação da coragem que o Governo de Sócrates manifesta, através desta proposta de Lei.
Por que razão devemos, então, considerar aceitável o facto de a lei não incluir os restantes membros dos órgãos executivos? Penso que no caso da exclusão dos vereadores se trata de um erro grave. Exactamente porque contraria aquela que eu identifico como uma das maiores virtudes desta lei: o fomento da renovação das estruturas partidárias ao nível local e o combate ao caciquismo emergente. Passará a existir, sempre, a possibilidade de recrutar os próximos Presidentes entre aqueles que exercem o poder actualmente. Com a agravante de que alguns vereadores, com áreas muito sensíveis sob a sua gestão, estão no poder há anos a fio e são hoje tão ou mais nocivos para a "accountability" democrática do poder local do que alguns presidentes.
Concordo com o facto de não ser o combate à corrupção o principal objectivo da limitação de mandatos, mas temos todos a expectativa de que esta medida possa ajudar. A manutenção por tempo ilimitado dos vereadores vai em sentido contrário. A menos que a curto prazo se legisle no sentido de alterar a forma de eleição dos Presidentes das Câmaras e que os vereadores deixem de ter legitimidade eleitoral, podendo ser escolhidos entre o conjunto dos cidadãos com capacidade eleitoral ao nível concelhio. Um pouco à imagem dos ministros, com a limitação de serem eleitores no concelho. Parece-me que há uma assinalável diferença entre os vereadores, que na situação actual têm legitimidade eleitoral, e os ministros e membros dos Governos Regionais que podem a qualquer momento ser substituídos por simples decisão do primeiro-ministro ou do presidente do Governo Regional. (...)»

(José Carlos Guinote - http://pedradohomem.blogspot.com/)

Embaixadas

Infelizmente, já me arrepiei mais do que uma vez ao observar o comportamento displicente de alguns membros do nosso corpo diplomático em países de língua oficial portuguesa (esses onde os embaixadores podem contar muito, onde são observados de perto pelos residentes, onde as suas menos felizes acções ou comportamentos se ampliam com grande facilidade, onde simplesmente ficar quieto é em si mesmo relevante, enfim, onde não fazer nada é uma pena). Por isso, sentir o dinamismo e entusiasmo que prevalece na Embaixada de Portugal em Brasília foi para mim um enorme gosto, direi mesmo um grande sossego. Boa sorte para o embaixador Francisco Seixas da Costa, com o desejo que o novo MNE esteja atento e, já agora, também pense como eu sobre o papel das embaixadas nos países de língua portuguesa!

Brasília


Brasília faz 45 anos. Pode ser que a cidade, como referia esta semana José Eduardo Agualusa na Pública, não tenha sido pensada para as pessoas se deslocarem a pé, como hoje provavelmente aconteceria. E que, pelo contrário, ela tenha sido desenhada demasiado em função do automóvel. Mas mesmo com este enorme senão, Brasília, como comentou um recente visitante, não é bem uma cidade. No meio das larguíssimas avenidas, podem encontrar-se séries de palmeiras, de mangueiras ou outras imponentes árvores tropicais. Zonas relvadas e arborizadas estão por todo o lado. É como se fosse um enorme Central Park pontuado com alguns elegantes edifícios. Não sei se serão todos muito funcionais. Mas se forem todos tão espectaculares como o Palácio de Itamarati, com a sua inesquecível escada circular, ou o seu moderno lustre de pássaros em voo, Brasília não será um apenas "parque" pontuado de edifícios. Será também um jardim salpicado de obras de arte.

Papa de quem?

Sou um simples ímpio, sem qualquer autoridade religiosa para opinar sobre os assuntos da gestão transcendental. Mas já que os media públicos e privados nos sufocaram com a eleição pontifícia, todos temos o direito cidadão de exprimir opiniões sobre os destinos da organização mais influente do mundo ocidental. O cardeal Ratzinger, agora denominado Bento XVI, representa o que de mais retrógrado a igreja católica contém, não augurando nada de bom para o progresso, o diálogo e a solidariedade entre povos, convicções e costumes.

Ai 25 de Abril!

Não me consigo lembrar de um só monumento ao 25 de Abril que não seja de fugir. Por qualquer motivo insondável, a revolução dos cravos sempre foi representada pelos nossos escultores das formas mais grotescas e inestéticas que imaginar se possa. Mas o último exemplar é, sem sombra de dúvidas, o expoente máximo desta estranha corrente artística. O "monumento" à Resistência Antifascista, à Liberdade e à Democracia que está a ser erigido na avenida Luísa Todi, em Setúbal, um mamarracho de dez metros de altura em forma de duplo tetrápode (como os que encontramos em certos troços da orla costeira para minimizar o impacto das ondas marítimas), é um verdadeiro atentado à inteligência e ao sentido estético dos cidadãos comuns. Assim se malbaratam dinheiros públicos e a carga simbólica do 25 de Abril.

A "democracia" cubana

Na sequência de mais umas eleições municipais tendencialmente unanimistas, Fidel Castro declarou que as eleições em Cuba são «as mais democráticas do mundo» (o que é uma reivindicação de todas as "democracias populares") e que os dissidentes não representam mais de 1% da população (o que é uma atitude própria de todas as autocracias).
Mas, sendo assim, por que não deixar que os opositores possam concorrer como tais às eleições (em vez de serem metidos na prisão), defendam livremente os seus pontos de vista (em vez serem silenciados) e permitir que sejam os eleitores (e não os serviços de informações do Estado) a avaliar livremente o seu apoio político? Se porventura o veredicto popular confirmasse os números aventados pelo líder cubano, não teria ele um argumento incontornável para desmentir as críticas exteriores e para poupar Cuba à condenação e ao ostracismo internacional?

Frases para recordar

«Se a França chumbar a Constituição [Europeia], o que começa a ser uma forte probabilidade, nenhum dos problemas dos franceses será resolvido mas os problemas europeus serão tremendamente agravados sem benefício para ninguém.»
(Teresa de Sousa, Público de hoje)

Anti-Bolkestein

O projecto de parecer da Comissão do Mercado Interno e Protecção dos Consumidores do Parlamento Europeu, da autoria da deputada Evelyne Gebhardt (PSD, Alemanha), propõe alterações radicais no projecto da famigerada directiva Bolkestein (sobre o mercado interno de serviços na UE), nomeadamente a exclusão em bloco dos "serviços de interesse económico geral" (SIEG) e o quase abandono do princípio do país de origem (PPO).
Não é provável que tal posição vingue (nem oito nem oitenta...). Mas tudo indica que a proposta de directiva não vai passar incólume no PE, longe disso. Resta saber se ainda são recuperáveis os estragos que ela causou nas hipóteses de vitória no referendo da constituição europeia em França.

segunda-feira, 18 de abril de 2005

Distracção

Que se tenha notado, nem o PCP nem o BE protestaram contra a anunciada privatização dos matadouros do Estado. Se já nem eles velam pelo sector público, como é que o capitalismo neoliberal não há-de triunfar em toda a linha?

Quem seria o Presidente?

Se não houvesse limitação constitucional do número de mandatos presidenciais, o Presidente da República ainda seria muito provavelmente o General Ramalho Eanes, prestes a ser eleito para o seu sétimo mandato...

domingo, 17 de abril de 2005

«Oil for food»:Tony versus Kofi

Em nome da honra perdida de Tony Blair, veio Jack Straw desmentir as revelações de Kofi Annan de que os governos britânico e americano fizeram vista grossa a actividades de contrabando do petróleo iraquiano para a Jordânia e a Turquia desde os primeiros anos da aplicação do Programa «Oil for Food».
O Programa permitia ao Iraque vender um determinado valor de petróleo cada seis meses e comprar géneros de primeira necessidade e medicamentos (o rendimento do petróleo ficava depositado numa «escrow acccount» da ONU, à ordem do governo de Saddam, mas apenas utilizável nos contratros de compra autorizados, um a um, pelo Conselho de Segurança). O Programa foi concebido por americanos e britânicos para aliviar a pressão para o levantamento das sanções, resultante do impacte brutal que elas estavam a ter sobre o povo iraquiano desde a Guerra do Golfo I. E foi aprovado pelo CS e aceite por Saddam em 1996, mas só começou a ser aplicado em 1997 - ano em que Portugal entrou para o Conselho de Segurança e lhe coube presidir ao Comité de Sanções ao Iraque (res. 661) .
Ao chegarmos a Nova Iorque no dia 1 de Janeiro de 1997, o Embaixador António Monteiro já tinha à sua espera a primeira resma de contratos no ambito do «Oil for Food» para assinar. E durante os dois anos seguintes - os primeiros de vigência do Programa - teve de apor a sua assinatura em todos os contratos autorizados pelo Comité. Analisar esses contratos, para o nosso Embaixador/Presidente do Comité de Sanções não assinar de cruz (eram pilhas de papeís, diariamente), era uma das responsabilidades da equipa que eu coordenava.
O Programa dava a Saddam a possibilidade de escolher a quem vendia o petróleo e a quem comprava arroz ou computadores (estes sistematicamente bloqueados por ingleses e americanos, alegando serem equipamentos de «dual use»). Não admira, por isso, que Saddam escolhesse a dedo os fornecedores e clientes - chineses, russos e franceses foram obviamente privilegiados (para desespero de várias companhias americanas, que bem tentavam entrar no circuito...).
Ao fim de uns meses, a perversidade do Programa era evidente - eu própria por várias vezes avisei os colegas americanos e ingleses de que, sem querer, tinham dado a Saddam um instrumento ideal para ele orquestrar o jogo de gato e rato que se entretinha a cultivar com o Conselho de Segurança. E também mais uma arma para oprimir o seu povo e suprimir a resistência interna - é que o regime passara a distribuir cabazes de géneros essenciais a todas as famílias (que se portassem na linha, evidentemente...).
De três em três meses, vinha à nossa Missão e ao Comité de Sanções um Almirante americano, da Esquadra da US Navy que patrulhava as águas do Golfo a pretexto de assegurar o cumprimento das sanções. E o Almirante sistematicamente reportava que umas tantas barcaças iranianas faziam contrabando de petróleo iraquiano - a coisa parecia mais para entalar o Irão, que jurava a pés juntos que nada tinha a ver com isso, se acontecia era à revelia das autoridades, etc...
Não sei quantas vezes eu, colegas portugueses e diplomatas de outros países dissemos a americanos e ingleses que aquele «vaudevillle» era demasiado mau: é que toda a gente sabia que muito mais petróleo do que o transportado nas barcaças iranianas, era o que abastecia regularmente a Jordânia, fornecido por Saddam, com a benção - tácita, mas indesmentível - dos EUA e RU (a contrapartida de comprarem a colaboração jordana neste e noutros tabuleiros e a maneira de não terem de compensar mais Amã pelos danos à sua economia causados pela Guerra e pelas sanções ao vizinho). A fila de camiões-cisterna era constante, ao longo da estrada Bagdad-Amã, como toda a gente podia verificar. Como constante era também a fila de camiões-cisterna que levavam de contrabando o petróleo de Saddam, de Kirkurk para o porto de Ceyhan, na Turquia, com americanos e ingleses a fazerem vista-grossa aos proventos dos parceiros-NATO otomanos, também eles chorando-se pela perda do comércio com o vizinho. Num dos «briefings» que a nossa delegação teve no Departamento de Estado, em Washington, lembro-me que os próprios americanos nos mostraram fotografias aéreas dessa fila permanente (o objectivo era demonstrar-nos como Saddam mentia e enganava, o que estavamos fartos de saber...).
Na abundante telegrafia que diariamente, durante aqueles dois anos, mandamos da nossa Missão em NY para o MNE, encontram-se múltiplos relatos do que acima descrevo.
Kofi Annan tem razão quando denuncia o comprometimento dos governos americano e inglês, numa altura em que o «Oil for Food» é utilizado como arma de arremesso contra a ONU (atenção, pelo «rapaz» Benon Sevan, que a certa altura passou a dirigir o Programa, e pelo filho do Kofi, eu não ponho as mãos no fogo...).
Tony Blair tem razões para sentir má-consciência em relação ao Iraque e fúria por Kofi ter frizado que a invasão do Iraque foi ilegal. Lata também não lhe falta: até manda Jack Straw fazer figura de virgem ofendida!...Coitado do Straw, que ao tempo, nem sequer estava no Foreign Office É perguntar ao Robin Cook, o Foreign Secretary de então. E ele decerto confirmará. Que o Kofi tem carradas de razão.

sábado, 16 de abril de 2005

Delivering the goods

Numa metódica execução do seu programa político, o Governo de Sócrates aprovou o novo regime dos dirigentes da Administração Pública. Duas linhas essenciais: (i) grande redução do número de cargos de livre nomeação política, que ficam limitados aos directores-gerais e equiparados, e (ii) caducidade automática dos mandatos dos titulares dos cargos que são realmente de confiança política, os quais passam a cessar com a mudança de governo, sem necessidade de exoneração.
Com esta reforma (que eu defendo já há vários anos) ganha a Administração, que fica menos sujeita ao regime de spoil system e da captura partidária, e ganha a transparência e responsabilidade da vida pública.
Só é pena não se ter aproveitado também a oportunidade para clarificar o regime dos gestores das empresas públicas.

Os açougues públicos

O novo Ministro da Agricultura descobriu que o Estado ainda é dono de cinco matadouros, uma relíquia da "economia administrativa" do Estado Novo que sobreviveu até agora. Desapiedadamente, o ministro decidiu acto contínuo a sua privatização. Mas, bem vistas as coisas, que sentido terá doravante o Sector Empresarial do Estado (SEE) amputado dos públicos açougues?

Dois testes

O projecto de estatuto político-administrativo da Madeira e da respectiva lei eleitoral, que foi aprovado no Parlamento regional só com os votos dos estipendiados de A. J. Jardim, constitui em muitos aspectos uma provocação à Constituição e à Assembleia da República.
Resta saber duas coisas: (i) se com Marques Mendes o PSD vai apoiar na AR mais esta aleivosia do PSD madeirense; (ii) se o PS vai, mais uma vez, tergiversar nesta matéria e dar mais um prémio a Jardim.

Correio dos leitores: Liberalização dos medicamentos

«Pois eu dou 2 contra 1 em como aquilo que se pretende com a pretensa "liberalização" da venda de certos medicamentos não é liberalização nenhuma, mas apenas o favorecimento dos hipermercados.
Vejamos: um medicamento ou é de venda livre - o que significa que qualquer loja o pode vender, qualquer pessoa o pode vender - ou é de venda condicionada - a venda tem que ser efetuada sob supervisão de um farmacêutico.
Se aquilo que o governo pretende fôr a primeira hipótese, tudo bem. Mas parece que não é: Aquilo que o governo pretende, segundo parece, é criar uma espécie de "farmácias de segunda", as quais não são designadas "farmácias" mas sim "lojas de produtos farmacêuticos de venda livre", mas nas quais trabalham farmacêuticos.
Pergunta-se: qual é a lógica de ter uma loja na qual trabalha um farmacêutico, mas condicionar esse profissional qualificado (licenciado em farmácia) a apenas poder vender certas drogas? Como essas farmácias apenas poderão vender relativamente poucas drogas, é evidente que só serão economicamente viáveis (contratar um farmacêutico custa dinheiro!) num local com grande afluência de potenciais compradores - num hipermercado.
Ou seja, se for esta a intenção do governo - e eu dou 2 contra 1 em como é - o que se pretende é deixar os hipermercados, MAS SÓ ELES, pôr um pé no mercado da venda de medicamentos. Trata-se de um golpe contra um lobby, e a favor de outro.
O dinheiro fala alto!»

(Luís Lavoura)

Comentário
Primeiro, nos termos da proposta do Governo não é necessária a supervisão de um farmacêutico, bastando um técnico de farmácia. Não há razão nenhuma para pensar que só os supermercados podem arcar com os encargos de contratar um profissional desses.
Segundo, dada a limitação da propriedade das farmácias, tanto os farmacêuticos como os técnicos de farmácia poderão doravante criar estabelecimentos próprios onde se vendam os MNSRM juntamente com outros "produtos de saúde" e artigos conexos, com viabilidade comercial.
Terceiro, o Governo não vai liberalizar somente os locais de venda mas também os preços, que passam a ser livremente determinados pela concorrência.
Por isso, os reais beneficários desta liberalização da venda de medicamentos serão os consumidores, quer por causa da maior número de locais de aquisição, quer em virtude da previsível baixa dos preços.
VitalM

sexta-feira, 15 de abril de 2005

Um lugar na história

A deliberação da Alta Autoridade para a Comunicação Social (Alta Autoridade) sobre a operação Lusomundo é uma pérola de originalidade. Nem a mais bizantina das altas autoridades suas congéneres se lembraria de uma recomendação tão psicadélica quanto a da obrigação de venda de O Jogo por parte da Controlinveste, a holding de Joaquim Oliveira. A argumentação económica é de tal modo fulgurante (recomendo uma visita ao site da Alta Autoridade) que a vou incluir nas fontes bibliográficas das cadeiras que lecciono no ISEG.
Espero bem que a Autoridade da Concorrência cumpra a intenção prenunciada pelo seu presidente em recente entrevista ao Público (onde admitia a possibilidade de a Controlinveste ser obrigada a vender parte dos seus activos como forma de reequilíbrio da estrutura de mercado) e leve até ao fim o notável desígnio da Alta Autoridade. Ficarão ambas na história.