terça-feira, 25 de outubro de 2005

Impressões


Sempre me fascinou a escultura dos relógios em frente à gare Saint-Lazare, em Paris, cuja autoria desconhecia. O seu autor morreu agora em Nova York. Chamava-se Arman, e Le Monde considera-o «sans doute le représentant le plus novateur du Nouveau Réalisme, qui a révolutionné l'art en 1960».

Ignorância e preconceito

O artigo de João Marques de Almeida no Diário Económico de ontem é um excelente exemplo da prevalência da ignorância histórica e do preconceito ideológico no discurso neoliberal. Segundo o autor, o modelo social europeu teria tido a sua origem nos regimes autoritários de tipo fascista e nazi entre as duas grandes guerras do séc. passado, continuados pelos regimes democráticos do após-guerra, apostados em retirar massa de apoio ao comunismo soviético.
Ora, a verdade histórica é que o modelo social europeu tem pelo menos três origens muito anteriores aos anos 30 do século passado, a saber, a segurança social bismarckiana dos anos 80 do séc. XIX na Alemanha, a "socialismo municipal" francês do final do sec. XIX, que criou a ideia dos serviços públicos essenciais, e a ideia dos direitos económicos e sociais, pela 1ª vez afirmados na Constituição da República de Weimar (1919).
Identificar as origens do modelo social europeu com o fascismo ou o nazismo (que procuraram encontrar nas políticas sociais a legitimidade política que a ditadura lhes negava) revela um inaceitável enviesamento histórico. E a afirmação final de que «a reforma do "modelo social europeu" é o passo que falta para concluir a Guerra Fria» só pode soar àquilo que é, ou seja, uma tirada propositadamente provocatória.

segunda-feira, 24 de outubro de 2005

Alarme falso

Com chamada de 1ª página, o Diário de Notícias de hoje proclama que os «partidos permitem que autarcas mantenham privilégios até 2009» (notícia que ecoou noutros media). Argumenta o jornalista que a Lei n.º 52-A/2005, de 10 de Outubro, que revogou as pensões e subsídios de reintegração dos políticos, remete para 1 de Novembro a sua entrada em vigor, altura em que já terão tomado posse os autarcas recentemente eleitos, os quais ficarão no regime antigo até ao fim do mandato agora iniciado, por efeito de uma norma transitória da própria lei.
Mas não é assim. A lei não tem nenhuma disposição de entrada em vigor, pelo que se aplica a regra geral da "vacatio legis" (Lei n.º 74/98, de 11 de Novembro), que é de 5 dias, no Continente, e de 15 dias nas ilhas, pelo que a entrada em vigor é 15 e 25 de Outubro, respectivamente. A norma que referia a entrada em vigor no 1º dia do mês seguinte à publicação pertence à versão originária da Lei n.º 29/87, de 30 de Junho (Estatuto dos Autarcas), republicada em anexo à lei de alteração, mas que não tem agora nenhum relevo.
Um pouco mais de cuidado jornalístico teria poupado um alarme falso.

Tentações

Se vier a confirmar-se o anunciado veto do Tribunal Constitucional à realização do referendo sobre a despenalização do aborto na presente sessão legislativa, entendo que há duas tentações em que o PS não deve cair, por mais inconvincente que seja aquela decisão e por mais inesperada que seja a contrariedade.
A primeira tentação é a de resolver a questão por via legislativa, prescindindo do referendo. Para além de faltar a um compromisso eleitoral, que a indesejada demora não preclude, o PS daria o flanco a fáceis acusações da oposição de direita, que não deixaria, inclusivamente, de pressionar o Presidente da República a exercer o poder de veto. Em matérias destas são de estilo a paciência e a prudência. O referendo só deve ser dispensado se, na próxima oportunidade, quem o pode convocar o não fizer.
A segunda tentação seria aprovar medidas legislativas transitórias, tendentes, por exemplo, a suspender os processos pendentes, até à esperada despenalização, ou outras medidas paliativas -- que a direita até está ansiosa por aprovar, hipocritamente, só para tentar dispensar a descriminalização --, que só podem perturbar a clareza da alternativa em causa. Já que quem podia decidir decidiu que seja o povo a decidir, então que tudo seja por ele dicidido.

Do mal, o mais

No duelo entre as duas direitas na segunda volta das eleições presidenciais na Polónia ganhou o candidato conservador (incluindo o apoio dos círculos mais reacionários), em confronto com o candidato liberal. Curiosamente, ambos os partidos, depois de terem os mais votados nas recentes eleições legislativas, preparam-se para governar em coligação. Tudo em família, afinal...

domingo, 23 de outubro de 2005

Oficioso

Face ao zelo "cavaquista" do Expresso, Cavaco Silva não precisa de jornal oficial.

Lugares de encanto

Museu do Prado, Madrid.

sábado, 22 de outubro de 2005

Rejuvenescimento

Os funcionários públicos que recorreram à greve para protestar contra a elevação da idade de reforma argumentam que isso vai impedir o "rejuvenescimento" da função pública. A preocupação dos zelosos funcionários com a coisa pública mereceria todo o aplauso, se não fosse para desconfiar que a única ciosa que os preocupa é rejuvenescer as fileiras... dos reformados.

sexta-feira, 21 de outubro de 2005

"Democracia e socialismo"

Parece que a partido comunista chinês aprovou um documento sobre os progressos da "democracia socialista" naquele País!
Na terra do mais selvagem capitalismo, onde mais de 150 milhões de pessoas vivem na pobreza, falar em socialismo só pode ser uma provocação à história; e num país onde vigora um regime autoritário de partido único e onde faltam as mais elementares liberdades políticas, falar em democracia só pode ser uma anedota de mau gosto.

quinta-feira, 20 de outubro de 2005

A «cabala» sobre o Iraque

O Financial Times ilustra mais uma vez o "anti-americanismo primário" que grassa na imprensa europeia nos tempos que correm. O diário britânico atreve-se a escrever que, no seguimento de uma intervenção no Senado americano de Condoleezza Rice (http://news.ft.com/cms/s/bbc31062-40d8-11da-b3f9-00000e2511c8.html), "senators appeared disappointed with her reluctance to lay out a clear path for the future."
Mais: naquilo que os apoiantes da invasão do Iraque em Portugal (onde estão eles, tão caladinhos, ultimamente?) certamente considerarão um delírio radical sem precedentes da parte do FT, o mesmo artigo sublinha o caos que caracteriza a política da Casa Branca em relação ao Iraque, dizendo que "the stated goals of the Bush administration appear to shift from week to week". Enfim, convenhamos que 2.000 mortos e 15.000 feridos americanos e incontáveis vítimas iraquianas chegarão para dar a volta à cabeça mesmo de um reputado jornal de centro-direita....
Preocupante ainda para os nossos (agora discretos) incondicionais de Bush, será o "anti-americanismo" que tolda o juízo de um dos principais colaboradores de Colin Powell, o homem que acompanhou o ex-MNE americano durante 16 anos no Pentágono e no Departamento de Estado: o Coronel Lawrence Wilkerson (certamente um perigoso esquerdista para espadachins "neo-cons" da nossa praça declarou: //news.ft.com/cms/s/afdb7b0c-40f3-11da-b3f9-00000e2511c8.html):
"What I saw was a cabal between the vice-president of the US, Richard Cheney, and the secretary of defense, Donald Rumsfeld, on critical issues that made decisions that the bureaucracy did not know were being made. ... Now it is paying the consequences of making those decisions in secret, but far more telling to me is America is paying the consequences.... I would say we are courting disaster." O Coronel apresenta a "cabala" daqueles falcões como explicação para a demora dos EUA em dar atenção às negociações com a Coreia do Norte e o Irão (apoiando a Europa). Quanto aos horrores de Abu Ghraib, o "esquerdalho" Coronel Wilkerson chama a atenção para o óbvio: "You don't have this kind of pervasive attitude out there unless you've condoned it."
O debate nos EUA, e acima de tudo no Congresso americano, está cada vez mais a expôr e confirmar os piores temores de alguns de nós sobre as causas e consequências desastrosas da política de Bush. Mas também incentiva esperança na sanidade racional de importantes sectores da sociedade americana.

Falar no ar

A mais original contribuição para a moda presidencialista agora em voga é seguramente a daqueles que acham que a mudança da forma de governo nem sequer precisa de alteração constitucional. Hoje, por exemplo, no Público, o sociólogo M. Vilaverde Cabral defende que o Presidente da República passe a presidir ao conselho de ministros (por sua decisão, subentende-se, à margem da vontade do primeiro-ministro) e assevera que nada na Constituição proíbe isso. Se coisas destas podem ser ditas por pessoas que, mesmo sem serem juristas, têm a obrigação de não falar no ar, o que mais poderemos esperar dos outros?

A quem possa interessar

O meu artigo desta semana no Público, intitulado "Deriva presidencialista", encontra-se dispoível, como habitualmene na Aba da Causa.

quarta-feira, 19 de outubro de 2005

Assim vão decaindo as instituições

Face à decisão estudantil de fechar a Porta Férrea a cadeado (aprovada numa "assembleia magna" de 300 pessoas...), o Reitor da Universidade de Coimbra resolveu cancelar a tradicional cerimónia solene de inauguração do ano académico.
Não se perde grande coisa, é verdade. Tudo bem, por isso? Tudo mal, evidentemente! Quando uma minúscula minoria consegue paralisar a vida de uma Universidade e torná-la refém dos seus caprichos, é conveniente lembrar que as instituições, por mais radicadas na história, também morrem. Por complacência e cobardia.

Super Mário

Nasceu o "Super Mário", o "blogue não oficial" de apoio à candidatura de Mário Soares à presidência da República, de cuja equipa redactorial faço parte, juntamente com outros conhecidos apoiantes deste novo desafio cívico e político do antigo Presidente.

Inovação democrática à esquerda

Ao escrever na sua crónica jornalística no Público que «Primárias plebiscitam Romano Prodi como líder da oposição em Itália» (versão electrónica disponível somente para assinantes), Jorge Almeida Fernandes não faz jus à inédita iniciativa das forças de esquerda italianas, que decidiram submeter à votação do conjunto dos seus simpatizantes a escolha do seu candidato à chefia do Governo, em vista das eleições parlamentares do próximo ano. Por um lado, a noção de "plebisito" não tem propriamente conotações democráticas, visto que designa as formas populistas ou autoritárias de legimitação do poder político pessoal; por outro lado, as "primárias" italianas foram tudo menos um plebiscito, seja pelo número e notoriedade dos concorrentes, seja pela seriedade do debate e pela serena mobilização dos cidadãos que participaram no exercício. A elevada taxa de apoio a Prodi apenas reflecte a evidência de que o antigo primeiro-ministro e abtigo presidente da Comissão Europeia é quem está em melhores condições para colher o consenso da esquerda e dos seus eleitores.
Com o sucesso desta inovação, a esquerda italiana começa bem o seu assalto eleitoral ao poder de Berlusconi.

terça-feira, 18 de outubro de 2005

O mais poderoso grupo de interesses?

O lado bom da notícia é que o Governo decidiu, finalmente, pôr fim às restrições à liberdade de estabelecimento de farmácias (fim da distância mínima entre elas e da capitação populacional mínima). O lado mau é que se mantém o monopólio profissional dos farmacêuticos, a quem continua reservado o direito exclusivo de estabelecimento.
Depois de ter levado de vencida, com coragem e determinação, todos os grupos profissionais que lhe apareceram pela frente (professores, militares, polícias, juízes e demais profissões judiciárias), Sócrates resolve claudicar perante os farmacêuticos.
O que é que têm essa corporação, que é diferente das outras?

Os bairros que nos envergonham

Ali está a fotografia, uma imagem de miséria e ruína, uma mulher negra com o filho ao colo numa rua entre ruínas, na primeira página do International Herald Tribune. A legenda: «Um 'bairro de lata' na Amadora, Portugal, habitado por imigrantes recentes, no maior parte oriundos das antigas colónias portuguesas em África». O imagem ilustra um artigo sobre as bolsas de pobreza na Europa, e o título não podia ser mais comprometedor: «Na igualitária Europa, um mal escondido mundo de miséria»...

segunda-feira, 17 de outubro de 2005

Cartas dos leitores: Sessão legislativa

«Toda esta trapalhada sem sentido sobre estar-se ou não ainda na mesma sessão legislativa teria sido evitada se tivesse ficado estipulado que uma proposta de referendo recusada só poderia ser renovada 365 dias mais tarde. Em vez de se falar de "sessões legislativas" falar-se-ia de dias comuns, um conceito muito mais simples.
Ou não?»

Luís Lavoura

Comentário
Não se trata de garantir um intervalo mínimo de um ano para repetir uma iniciativa referendária que tenha sido rejeitada. O que a Constituiçãon veda é a multiplicação da mesma iniciativa, proibindo que a mesma iniciativa seja retomada no mesmo ano parlamentar. Porém, se tiver sido rejeitada no final de um ano parlamentar, ela pode ser repetida logo no início do ano parlamentar seguinte, ou seja, com um intervalo de dias ou semanas.

Impressões

Haverá porventura ambiente mais lúgubre do que um grande aeroporto deserto, numa noite de domingo? Bruxelas, por exemplo.

domingo, 16 de outubro de 2005

Irão e proliferação nuclear

Já está na ABA da CAUSA um texto meu sobre o tema acima, que o EXPRESSO publicou ontem, 15.10.05.

Ceuta, Melilla e Fortaleza Europa

Já está na ABA DA CAUSA o texto «FORTALEZA EUROPA" em que abordo mais em detalhe o problema com que a Europa está confrontada em Ceuta, Melilla e Lampedusa. O referido texto foi publicado pelo "COURRIER INTERNACIONAL" a 14.10.05.

Uma nova estratégia da UE para África

Nos dois minutos que me couberam, comentei da seguinte forma o anúncio pelo Comissário Louis Michel de «Uma nova estratégia para África», no Plenário do Parlamento Europeu no passado dia 12:

"Ceuta e Melilla demonstram que a prática europeia para África, apesar da retórica, está a fracassar. Este não é um problema só espanhol-marroquino, nem pode ser tratado só sob o ângulo do controlo da migração ilegal. É um problema de toda a União e questiona a nossa credibilidade em matéria de direitos humanos.
Precisamos efectivamente de uma estratégia nova e coerente para África.
Uma estratégia que redobre a eficácia da política de desenvolvimento, fazendo-nos cumprir os Objectivos da Declaração do Milénio, o que implica dar-lhe expressão adequada no orçamento da União e uma melhor articulação da Comissão com os Estados-Membros. Implica também promover o comércio justo e para isso rever a Política Agrícola Comum, de impacto tão desastroso para os países em desenvolvimento.Implica combater a corrupção - e isto é uma via com dois sentidos.
Precisamos de uma estratégia que ponha a União Europeia na linha da frente da concretização do novo conceito da responsabilidade de proteger, incrementando as capacidades europeias na manutenção e construção da paz, em apoio conjugado da acção da União Africana. E combatendo a impunidade dos responsáveis por crimes contra a humanidade, através Tribunal Penal Internacional e outros Tribunais. Casos-teste são, desde já, Hissène Habré, Charles Taylor, e os responsáveis por Darfur.
Precisamos de uma Europa mais eficaz no apoio aos processos eleitorais, à sociedade civil, às ONG, às instituições democráticas, ao "empowerment" das mulheres e pela boa governação em África.
Precisamos, por fim, duma União Europeia que promova a paz e a segurança global, travando o passo ao terrorismo também em África. Atacando as causas profundas do terrorismo, mas atacando também, de uma vez por todas, a proliferação de armas no continente africano. Armas exportadas, entre outros, por europeus, que assim alimentam os conflitos que destroem África.
Ceuta, Melilla e Lampedusa questionam a segurança em África e a nossa segurança também. Os migrantes e os refugiados que fogem, fogem porque desesperam! Desesperam, também, pelo silêncio e inacção da Europa. Como no conflito do Sahara Ocidental. É desse desespero e raiva que se alimentam as hostes do terrorismo internacional, cujos recrutas conseguem penetrar, por mais que a Europa aumente os muros nas suas fronteiras."

sábado, 15 de outubro de 2005

Histórias que ficaram por contar

Memórias de mulheres cujos maridos um dia abalaram para Peniche ou Caxias. Memórias esquecidas ou nunca totalmente reveladas. Como aquela de que a Cruz Vermelha nunca apoiou as famílias dos presos políticos antes do 25 de Abril. Porém foi rápida no apoio às famílias dos agentes da PIDE no período que se lhe seguiu. Memórias de quem está sereno mas não esquece, hoje à noite recuperadas numa excelente reportagem coordenada por Daniel Cruzeiro para SIC.
(Imagem do Forte de Peniche publicada in EscritaCom Luz)

"Direito ao subsistema"

Os funcionários dos grupos parlamentares, que até agora beneficiavam do subsistema de saúde dos serviços sociais do Ministério da Justiça (!?), privilégio que vão perder, não querem ficar sem alternativa, porque acham que «não podem ficar sem subsistema».
Têm toda a razão, evidentemente! Sem subsistema como é que se distinguiriam dos demais trabalhadores?

Razões

Segundo a imprensa, o Tribunal Constitucional vai chumbar a convocação do referendo sobre a despenalização do aborto, aderindo assim à bizarra teoria de que a Assembleia da República ainda se encontra na mesma sessão legislativa que antes das férias parlamentares, pelo que a iniciativa do referendo não pode ser renovada antes de 15 de Setembro do próximo ano.
Quer dizer: segundo as regras constitucionais gerais, uma iniciativa referendária reprovada por exemplo em 15 de Julho (ou mesmo em 14 de Setembro...) pode ser renovada logo a 15 de Setembro seguinte; mas no caso de uma AR resultante de eleições antecipadas a iniciativa já não pode ser renovada, mesmo que, como na situação concreta, a iniciativa tenha sido rejeitada meio ano antes, ou mais. Vá-se lá saber qual é a lógica substantiva disso...
No TC há por vezes razões que a razão constitucional desconhece.

Golpe de Estado (3)

Mais um pensamento de Morais Sarmento:
Pergunta: «O que sugere é quase um golpe de Estado ao actual sistema...»
Resposta de MS: «A encruzilhada em que o país se encontra exige mais. Há um programa presidencial que se deve sobrepor à acção dos governos, balizando-o. E é pelo respeito por essas balizas que o Presidente da República passa a avaliar o desempenho de qualquer governo. E daqui decorre um ponto essencial: o mandato presidencial tem de ser para dez anos e não para cinco. E a única maneira deste processo ser possível é legitimá-lo na eleição presidencial. Os portugueses têm de legitimar este projecto e este modelo de funções presidenciais

Golpe de Estado (2)

Eis uma das pérolas da entrevista de Morais Sarmento:
Pergunta: «Mas o Presidente entraria na esfera do Governo..»
Resposta: «Apresentando-se desta forma ao país [ou, seja com um programa de reformas], o Presidente deixa de estar às quintas-feiras a receber o primeiro-ministro para comentar a situação do país e passa a estar às quintas-feiras a receber o PM para julgar em que medida o Governo está ou não a cumprir as directrizes. Enquanto estes pontos forem respeitados na livre decisão do Governo [sic], tudo bem. Quando qualquer destes pontos for tocado, o Governo terminou nesse dia. Com ou sem maioria

Golpe de Estado

Os sinais já eram muitos, quanto à propensão presidencialista da direita, na perspectiva da vitória de Cavaco Silva.
Mesmo o circunspecto e prudente Rui Machete tinha vindo advogar o reforço dos poderes presidenciais, incluindo a presidência das reuniões do conselho de ministros, em substituição do primeiro-ministro, sempre que estivessem em causa matérias mais importantes. Mas perante esta espantosa entrevista de Morais Sarmento, é agora imposssível ignorar o que vai na alma da direita. Com a brutalidade a que nos habituou como ministro, MS diz as coisas preto-no-branco: o Presidente da República (quer ele dizer Cavaco Silva, que ele já dá como eleito) deve sobrepor-se ao Governo, definir-lhe balizas e dissolver a maioria, se não for obedecido!
De duas, uma: ou Cavaco Silva desautoriza convincentemente esta proposta de golpe-de-Estado, ou temos de começar a temer que a eleição de CS pode constituir uma efectiva mudança de regime...

Correio dos leitores: Assembleias municipais

«[Não tem sentido] falar de "lógica democrática" referindo-se às Assembleias Municipais. Essas Assembleias são largamente constituídas pelos presidentes das juntas de freguesia. Ora, não só isto não tem proporcionalidade (por exemplo: pode acontecer que todas as juntas de freguesia tenham uma maioria PS, mas que em todas elas o PSD tenha uma votação quase igual à do PS), como, ainda por cima, há freguesias de tamanho muito diferente. Em Lisboa há a freguesia do Castelo, que tem 300 eleitores ou coisa parecida, e a de Benfica, que tem 50.000 eleitores ou perto disso. Ambas são representadas na Assembleia de Freguesia por uma pessoa - a qual, no caso da freguesia do Castelo, tipicamente nem lá mora!
Sejamos honestos. Controle pela Assembleia Municipal, está muito bem. Mas não falemos de "lógica democrática" neste contexto!»

Luís Lavoura

Correio dos leitores: Crise de valores

«Todos os dias pessoas com quem falo comentam, preocupadas, o tempo e a vida que hoje vivemos, explicando a conversa à luz da crise de valores que gera a visão materialista da vida de hoje, em particular da protagonizada pelos jovens normalmante associados a um certo idealismo.
(...) Vem isto a propósito do triste espectáculo a que tenho vindo a assistir com o recrutamento de gente para as mesas de voto. A troco de dinheiro os jovens acotovelam-se e "metem cunhas" para estar nas mesas e não descansando enquanto não recebem o preço. Por isso, quando fui votar não me foi possível deixar de ver, não um conjunto de jovens interessados na prevalência de valores democráticos, mas antes mercenários (que me desculpem aqueles que o fazem por convicção) apostados em "ganhar algum". Não faço a mínima ideia de quanto custa isto ao erário público mas será certamente muito dinheiro.
Longe vão os tempos em que via nas mesas de voto de Coimbra, cidade onde então vivia, gente conhecida pela sua intervenção democrática e generosidade. Gente que ainda por cima corre agora o risco de se ver confundida....se quiser continuar a participar.
Estar nas mesas deveria ser um serviço à Comunidade prestado ao menos uma vez na vida. A batalha pela Educação não se ganha apenas na escola.»

Amadeu C. Monteiro (Castelo Branco)