sábado, 28 de janeiro de 2006

De 80 a 8 bis

Eu também não concordo nada com o deputado Duarte Lima e a sua proposta de impedir escutas telefónicas como meios de investigação criminal (com devido e adequado controle judicial - que é o que tem faltado), em crimes de corrupção, tráfico de influências, fraudes fiscais e criminalidade económica em geral.
Mas o que mais inquieta no episódio é que, segundo a imprensa, ele terá sido longamente aplaudido por deputados de todos os partidos, excepto do PCP.
E um deputado do PS, Ricardo Rodrigues - por sinal o mesmo que se destacou no afã de dar por findas as audições no âmbito da comissão parlamentar de inquérito à gestão do caso Eurominas - segundo o «Público», «elogiou a 'eloquência', 'sapiência' e 'coragem' de Lima».
Assim se vê a sinergia do «centrão». «Et pour cause!...».

sexta-feira, 27 de janeiro de 2006

De 80 a 8

O deputado Duarte Lima propôs uma restrição drástica do uso de escutas telefónicas como meio de investigação criminal, que só seriam admissíveis em caso de «terrorismo organizado, de tráfico de droga e crimes de sangue».
Parece que foi muito aplaudido no parlamento. Por mim, não concordo. Seria passar de um excesso a outro, tornando praticamente ineficaz, por exemplo, a investigação dos crimes de corrupção, tráfico de influências, criminalidade económica, etc. Uma coisa é a necessidade de controlar a utilização das escutas e punir os abusos, outra coisa é privar as autoridades de investigação criminal e os tribunais de um meio imprescindível para a luta contra o crime.

Eurominas e armadilhas

"O Partido Socialista recusou a continuação das audições na comissão de inquérito ao processo Eurominas..." - assim se inicia um artigo no «Público» de hoje.
Não será também por exasperação contra atitudes suspeitas de cobertura/encobrimento de negócios duvidosos e comportamentos anti-éticos que muitos militantes e mais de um milhão de eleitores do PS escolheram censurar ou ignorar o PS nas eleições presidenciais?
É por estas e por outras que eu não concordo que se varram para debaixo do tapete os erros cometidos no processo das presidenciais, obviamente no intuito de poupar ao pedido de contas os seus principais responsáveis. (E, repito, eu nunca disse que Manuel Alegre foi «o responsável», o único). Debaixo de tapetes podem esconder-se erros, euros, minas, eurominas... e também armadilhas explosivas e decepantes.

Chirac à compita com Bush

Em reuniões no PE esta semana, na Sub-comissão de Segurança e Defesa e na Comissão de Negócios Estrangeiros, interpelei a Presidência austríaca e a Comissão sobre a falta de reacções do Conselho (ou pelo menos de Javier Solana) e da Comissão relativamente às alarmantes declarações do Presidente Chirac no passado dia 19 ameaçando usar armas nucleares contra Estados que apoiassem o terrorismo.
Sublinhei que esta posição do Presidente francês punha em causa a Estratégia Europeia de Segurança, violava as obrigações da França à luz do Direito Internacional e era totalmente contraproducente relativamente ao objectivo da não-proliferação de ADM, em particular num momento em que a comunidade internacional se acha confrontada com as pretensões iranianas.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2006

Hamas a mais

"Grande questão: que fazer no caso de o Hamas vir a fazer parte do executivo palestiniano, ou mesmo só se aquela organização extremista se tornar numa das forças políticas principais nas instituições da Palestina? Dilema sério... Como lidar com um movimento que pretende islamizar a Palestina - uma sociedade árabe conhecida pela sua laicidade - e destruir Israel; um movimento que foi responsável por centenas de mortos civis em atentados suicidas.
...
Se é difícil imaginar o Hamas à mesa com Israel, pensem nas relações entre este país e a OLP nos anos 70: agora todos rezam em Tel Aviv para que a Fatah ganhe as eleições - como mudaram as coisas numa geração... Como dizia Robert Malley, director do programa do Médio Oriente do International Crisis Group em Bruxelas recentemente, não se admirem se daqui a uns anos - do nada - descobrirmos que Israel e o Hamas andavam há que tempos a dialogar e chegaram a uma plataforma negocial. Não temos que gostar deles para nos sentarmos a uma mesa com eles."


As lúcidas e oportunas considerações acima não são minhas (mas subscrevo). Estão na Boina Frígia (http://boinafrigia.blogspot.com/), e foram posted ontem, mesmo antes de se saber que as eleições palestinianas revelariam ainda mais Hamas do que já se esperava.

O que dizem os outros (2): Manuel Alegre

«(...) A vitória e o milhão de votos servem para quê, ao certo? É provável que Manuel Alegre ainda não saiba bem, e só a ele compete decidir. O primeiro efeito que queria provocar, esgotou-se no acto eleitoral. E só continuará a produzir novos efeitos se Manuel Alegre deixar de acumular os cargos com a dissidência. De resto, a direita espera ansiosamente uma decisão sua, e espera que ele ajude a dar cabo do Partido Socialista, como Alegre muito bem sabe. O entalanço aumenta. E um Movimento de Cidadania pode precisar de filiados mas não precisa de deputados.» (Clara Ferreira Alves)

A minha visão das presidenciais

Está disponível na Aba da Causa o meu artigo no Público de 3ª feira sobre as eleições presidenciais, intitulado "Vencedores e vencidos".
Pelas reacções que recebi, há maus-ganhadores que acham que quando são eles a vencer, as eleições não se discutem. Apraz-me contrariá-los...

O que dizem os outros

«O sacrifício do cavalo».

quarta-feira, 25 de janeiro de 2006

Cidadania alargada

Antigamente o voto era reservado aos cidadãos residentes no território nacional. Nas últimas décadas, porém, deu-se um alargamento da cidadania para além do território nacional (voto dos emigrantes) e para além da nacionalidade (voto dos imigrantes). O primeiro está razoavelmente garantido entre nós (direito de voto dos emigrantes nas duas eleições de âmbito nacional, ou seja, legislativas e presidenciais). Já o mesmo não sucede com o voto dos imigrantes, ressalvado o caso do direito de voto dos cidadãos europeus nas eleições para o PE e para as autarquias locais e dos cidadãos lusófonos em todas as eleições, desde que satisfeito o requisito de reciprocidade. O mesmo vale em relação aos cidadãos de outros países residentes em Portugal, mas somente em relação às eleições locais.
Trata-se de um regime muito restritivo, sobretudo no que respeita ao requisito da reciprocidade, visto que muitos países de que os imigrantes são oriundos não vêem com bons olhos a integração dos seus nacionais nos países de destino, pelo que não estão disponíveis para colaborar nessa integração. Mas ela é do interesse dos países de residência, para ajudar a coesão social e política nacional. Importa afastar o requisito da reciprocidade e alargar as eleições em que os imigrantes com residência de longa duração podem participar. Por isso merece todo o aplauso o artigo do Alto Comissário para a Imigração e as Minorias Étnicas, no Público de hoje (link só para assinantes).

terça-feira, 24 de janeiro de 2006

Trogloditas militares aqui ao lado?

É o que nota o New York Times em editorial de hoje. O jornal chama a atenção para os sentimentos muito pouco democráticos, a bordejar o golpismo, ainda instalados nos quadros das forças armadas da nossa vizinha Espanha.
Sublinhando a firmeza com que Zapatero tem actuado a este propósito (um dos oficiais foi preso e expulso das Forças Armadas), o editorial lamenta que o partido da oposição, o Partido Popular, não tenha conseguido demarcar-se deste tipo de atitudes, optando por encontrar desculpas para o comportamento dos trogloditas militares em vez de defender a ordem democrática. O PP nunca recuperou da derrota eleitoral de 2004. Nunca aceitou a legitimidade democrática dessa votação. "Já é tempo do PP olhar para a frente" diz o NYT.

Chamem o Volker outra vez!

Na América chegou o tempo de deitar contas ao que se gastou e se fez na reconstrução iraquiana. O resultado deste balanço, como se vinha antevendo, não pode ser mais desastroso. Para o Iraque e para a administração americana. Falta de pessoal habilitado, burocracia, lutas intestinas entre departamentos, secretismo, aumento constante dos custos de segurança, são apenas alguns dos epítetos do relatório oficial, ainda em fase de projecto, a que o New York Times teve acesso e hoje divulga.
É a primeira "história" oficial sobre o esforço de 25 milhares de milhão de dólares gastos pelo Governo americano no Iraque e pelas empresas envolvidas no "plano de reconstrução".
Ficou a saber-se que o planeamento da reconstrução do Iraque começou em segredo uns bons meses antes do início da guerra.
E confirmaram-se os interesses específicos neste processo da gigante Haliburton, empresa a que pertencia Dick Cheney antes de entrar para o governo de Bush.
Ainda a procissão vai no adro. Aguardemos o relatório definitivo.
E já agora para quando o relatório quanto à corrupção e desvio de fundos durante o governo liderado por Paul Bremer, de que a imprensa se tem feito eco? Porque não nomear Paul Volker, que conduziu o inquérito à ONU a propósito do programa "oil for food"?

Responsabilidades

O DN de 23.1.06, na página 7 («A coabitação de Sócrates com ...Alegre») imputa-me incorrectamente a afirmação de que Manuel Alegre seria «o responsável pela derrota da esquerda». Na página 12, (em «Mário Soares: como mais uma vez demonstrei, não desisto de lutar») no entanto, já me atribui que «se se confirmar a derrota da esquerda, Manuel Alegre é responsável».
Esclareço: em momento algum eu disse ou quis dizer que Manuel Alegre é «o responsável», o único, pela derrota. Disse sim, e mantenho, que Manuel Alegre é «co-responsável», ou «também responsável». E, portanto, «responsável» pela derrota (e até me lembro de ter dito «e bem responsável»).
Mas ele há mais responsáveis.
E as responsabilidades várias, julgo eu, deveriam ser discutidas nos órgãos próprios do PS - incluindo por Manuel Alegre, que neles tem assento. Juntamente com as ilacções a retirar do significado - crítico ou mesmo de censura ao PS - de um milhão de portugueses (alguns militantes e a maior parte eleitorado normalmente socialista) ter votado Manuel Alegre, contra o candidato apoiado pela direcção do PS.
É que eu acho que reconhecer erros é fazer prova de sanidade democrática. E acredito que um partido democrático deve ser diferente de um albergue espanhol.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2006

Correio dos leitores: "Lições de democracia"

«Lições de democracia (dadas pelo povo soberano):
Para o PS - e em particular para o secretário-geral, eng José Sócrates: ter humildade para perceber o redondo engano em que se deixaram cair com o recurso à candidatura do dr Mário Soares. Ainda que se aceite que o dr Manuel Alegre pudesse não ser para o PS o melhor candidato ao cargo de PR, o recurso à figura patriarcal do dr Soares soou a tão desesperado que o eleitorado castigou forte e feio a "falta de recursos" de um partido que reclama ser o maior partido português, pluralista e tolerante, dando uma expressiva vantagem ao candidato enjeitado pelo partido do governo.
Para o dr Soares: ter humildade para saber quando a estrela começa a empalidecer (processo começado já na eleição para presidente do Parlamento Europeu) e é aconselhável dar o lugar aos mais novos (uma das vantagens da República em democracia também é poder alternar os eleitos, pelo menos do ponto de vista de quem elege). Uma vez que não temos em Portugal o equivalente à Câmara dos Lordes Britânica, esperemos que finalmente saiam para o prelo as famosas memórias há muito prometidas...
(...)»

Luís Malheiro

Correio dos leitores: Ilações

«Há que saber retirar algumas ilações do voto de 22 de Janeiro.
Em primeiro lugar, os eleitores que há onze meses deram a maioria absoluta ao PS, valorizaram a imagem de marca de Cavaco - o (pretenso) rigor e o conhecimento das questões económicas -, não dando crédito aos que antevêem algum perigo de instabilidade política. Compreende-se que assim tenha sido, já que o Primeiro-Ministro, pilar da actual maioria, não fez uma referência a este cenário.
Em segundo, parece inequívoco que os portugueses não quiseram conceder a Cavaco uma legitimidade plebiscitária, já que o resultado obtido não constitui o "raz-de-maré" que alguma direita reclamava, para assim desequilibrar a relação de poderes.
Em terceiro, os eleitores pretendem um Presidente que não tenha uma leitura minimalista dos seus poderes - como tantas vezes aconteceu com Sampaio - e chumbou quem se apresentou pela negativa e numa lógica de mera resistência, acima de tudo procurando barrar o caminho a Cavaco.
Em quarto, os cidadãos infligiram uma derrota pesada ao PS e a Mário Soares, assim manifestando incompreensão quer pelas circunstâncias que conduziram à divisão daquele quadrante, quer pelo regresso de Soares, já fora do seu tempo político. Um dia saberemos o que, verdadeiramente, se passou.
Em quinto lugar, os portugueses deram um sinal, mais uma vez, de cansaço face a quem tem uma existência e um discurso exclusivamente políticos. Neste sentido, estão em vantagem os que possuem créditos firmados noutras áreas da sociedade e que revelem alguma capacidade para mobilizar os cidadãos para objectivos mais concretos, com tradução na vida real. (...)
Algumas destas conclusões, inevitáveis, têm um sabor amargo. Desde logo, porque Mário Soares não nos parece merecedor do resultado que obteve. Será, pois, de enaltecer aqui a sua coragem, vitalidade e desprendimento inexcedíveis. Deve também assinalar-se que Manuel Alegre - que apoiei nas eleições internas do PS - não esteve, desta vez, à altura da sua obra e do seu percurso, cedendo ao populismo fácil do discurso "anti-aparelho". Face a tal discurso, sentar-se de novo na bancada parlamentar e nos órgãos do PS seria de uma insanável incoerência.
Mas a Direcção do Partido não é isenta de críticas. Quem assume o "mea culpa" pela estratégia prosseguida nas Autárquicas e nas Presidenciais? Por momentos, sou levado a pensar que o objectivo nem sempre foi vencer. São devidas explicações convincentes.
Aparte disso, o essencial é "abanar o Partido" e mobilizar o País para as reformas necessárias na sociedade. É que mal vai a democracia quando os Partidos se esgotem em si mesmos e não existam para responder às necessidades dos cidadãos.»

Eduardo Gravanita

Aqui entre nós...

...creio bem que para o PS e Sócrates foi preferível esta vitória fraca de Cavaco Silva à 1ª volta do que uma 2ª volta sem hipóteses de sucesso entre Cavaco e Alegre. Primeiro, porque, o resultado seria seguramente uma vitória muito menos apertada de Cavaco, reforçando o seu peso político; depois, porque para o PS e muitos votantes soaristas seria insuportável o constrangimento de ter de apoiar o candidato que se apresentou contra o partido e ajudou à pesada derrota do seu candidato oficial. Do mal, o menos...

Uma vitória fraca

A vitória de Cavaco Silva é obviamente inatacável sob o ponto de vista da sua legitimidade democrática. Mas é uma vitória politicamente fraca. Foi uma vitória à tangente, a mais magra de todos presidentes até agora; foi uma vitória assente numa forte abstenção, principalmente no campo socialista; foi uma vitória em queda acentuada, ficando a anos-luz das expectativas de vitória esmagadora do início (basta reler os bloggers e colunistas do campo cavaquista de há umas semanas). Dá a impressão de que com mais uns dias de campanha e a vitória escaparia.
Esta vitória fraca não lhe deixa grande margem para o intervencionismo presidencial que ele e os seus apoiantes acalentavam. Se a política tivesse lógica, seria de esperar uma moderação dos propósitos de activismo presidencial do candidato eleito. Tal como Mário Soares no seu primeiro mandato, o mais lógico seria uma presidência contida, sem obstaculizar o governo de Sócrates, esperando tirar proveito próprio do previsível sucesso deste na superação da crise económica e financeira. Mas será que Cavaco Silva é previsível?

A abstenção que venceu

Cavaco Silva ganhou com a menor margem de sempre (0,6%), em todas as eleições presidenciais até agora. E ganha com a maior taxa de abstenção registada na primeira eleição de um candidato (só ultrapassada nas reeleições de Soares e de Sampaio, quando o desfecho da eleição não estava em causa). A junção das duas coisas com uma outra quase certa -- a abstenção deve-se sobretudo ao eleitorado de esquerda -- torna claro que a esquerda só pode queixar-se de si mesma. Perdeu por falta de comparência de uma parte dos seus...

Despromoção

O problema com Cavaco Silva não é só ele ser o primeiro presidente oriundo da direita política, nem o enigma sobre a sua prática presidencial. É ele suceder a quem sucede: 10 anos de um presidente maior do que o País (Mário Soares); 10 anos de um dos presidentes mais cultos e "aristocratas"(no verdadeiro sentido da noção) que já tivemos (Jorge Sampaio). Ter agora um presidente que não ultrapassa os limites de uma cultura economista e tecnocrática é uma enorme sensação de despromoção...

sábado, 21 de janeiro de 2006

PGR na AR

Surpresa? Não.
Apenas a reter e não esquecer: PSD e PCP aliaram-se na defesa deste PGR.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2006

Correio dos leitores: "Presidenciais da instabilidade"

«Relativamente às eleições presidenciais, gostaria de referir alguns aspectos que considero relevantes:
1) Estamos perante um acto eleitoral que visa eleger um dos seis candidatos para o cargo de Presidente da República e não um Governo ou um Primeiro-Ministro. Porém, muitos ainda ignoram os poderes presidenciais e confundem os cargos;
2) Para uma melhor decisão, deveremos olhar para o cargo e, tendo em atenção o que esse cargo representa e os poderes que o Presidente pode exercer, escolher qual dos candidatos que, no nosso entender, melhor pode servir o país e mais garantias nos dá de exercer correctamente os poderes que lhe são conferidos pela Constituição. Porém, muitos insistem em escolher primeiro o candidato que mais agrada e só depois "escolhemos" e pensamos que poderes melhor se encaixam nesse candidato (há até quem fale em mudar para um regime presidencialista);
3) Tendo em conta os poderes que podem ser exercidos, considero que nenhum dos candidatos tem o perfil necessário, neste momento, para ser Presidente, nem me transmite garantias de estabilidade. Garcia Pereira, Francisco Louça e Jerónimo de Sousa representam uma oposição frontal a este Governo e o cargo presidencial seria um meio para fazerem oposição, levando inevitavelmente a um conflito institucional e grave. Manuel Alegre leva a cabo uma "vendetta" política por não ter sido escolhido pelo PS, o que provocaria, de igual modo, um conflito entre ele e o Governo. Mário Soares durante dez anos mostrou virtudes como Presidente mas parece-me já sem todas as condições para exercer cabalmente o cargo. Cavaco Silva e ao contrário do que muitos pretendem fazer crer, não será um pacificador nem colaborará ou ajudará este Governo. Basta ouvir as suas afirmações para se perceber que tentará impor as suas ideias, sobretudo as económico-financeiras, ao Governo, imiscuindo-se nas suas competências reservadas. Se este não as aceitar, teremos também um gravíssimo conflito ou, nas palavras do revoltado mas lúcido Santana Lopes, "um sarilho institucional".
4) Olhando para os seis candidatos que se me apresentam, mais fico convencido que quem melhor poderia exercer o cargo presidencial e os poderes que lhe são atrbuídos, seria, pelo seu perfil, pela sua experiência, pelo seu percurso político e moderação, o Prof. Dr. Diogo Freitas do Amaral. Até esteve para avançar, pena não ter tido apoios partidários...
5) Há quem diga demagogicamente que Cavaco Silva será, dos seis candidatos, aquele que melhor compreenderá e mais colaborará com este Governo. Só um distraído vai na cantiga. Se assim fosse, não diria que "o país está sem rumo" nem que iria propor ao Governo alterações à política que está a seguir.
6) Por último, diz-se que uma das razões de as sondagens darem uma vitória folgada a Cavaco Silva prende-se com um descontentamento em relação às medidas do Governo. Não me parece lógico, pois se tal fosse verdade as sondagens que periodicamente são realizadas não mostrariam um PS mantendo as percentagens nem a vantagem sobre o PSD que conseguiu nas últimas eleições legislativas. Nem Cavaco teria sondagens tão animadoras, pois é visto (enganadoramente) como um apoiante das medidas deste Governo. É uma questão de lógica, que muitos ignoram, com claras intenções político-partidárias.
Só me resta dizer que, quem quer que venha a ser o próximo Presidente, este Governo terá que ser bastante coeso, determinado e corajoso, como tem sido até ao momento.»

(Ricardo Sardo)

quarta-feira, 18 de janeiro de 2006

A minha Presidente

A globalização tem destas coisas. Aproxima-nos mais das dores e das alegrias dos outros. Das suas derrotas e da suas vitórias. Dos seus candidatos a presidente ou a primeiro-ministro. Já se torna frequente nas eleições americanas esperarmos pelos resultados com tanta ansiedade como se fosse o nosso presidente (sabe-se lá porquê!).
Domingo o meu coração estava no Chile. E finalmente a notícia no ecran: Michelle Bachelet vence na segunda volta. Pela sua experiência de governação, pela coragem da sua vida, pela sua postura e pela sua campanha ela tornou-se a Minha Presidente. Pela segunda vez na vida festejei as eleições chilenas. Este domingo não «choveu em Santiago».

PE não aceita acordo sobre perspectivas financeiras

Dentro de uma hora, no Plenário do Parlamento Europeu, votarei a favor de uma resolução que rejeita na sua forma actual o acordo sobre perspectivas financeiras alcançado no último Conselho Europeu.
Na declaração de voto que abaixo transcrevo explico porquê e sugiro meios de se ultrapassar rapidamente o impasse:

"O PE tem não só direito, mas verdadeira obrigação, de exercer as suas competências de co-decisão no processo de definição das perspectivas financeiras para o período 2007-2013, que devem permitir relançar o crescimento e o emprego por toda a Europa.
Em Dezembro último, o Conselho ignorou este direito/obrigação e esqueceu que precisava do PE para assinar o Acordo Inter-Institucional indispensável para a entrada em vigor do orçamento plurianual.
Mais grave ainda, o Conselho esqueceu-se também de assegurar o financiamento de políticas centrais para a aplicação da Estratégia de Lisboa e para a actuação responsável da Europa no mundo. Além do insuficiente tecto orçamental que determinou, contra a proposta da Comissão, o Conselho preferiu distribuir dinheiro pelos Estados Membros numa lógica merceeira e nacionalista de "retorno".
Em consequência, a Comissão acha-se sem recursos para financiar políticas de cidadania, incidindo em particular sobre a juventude, a educação, a pesquisa e o desenvolvimento, a cultura; para financiar o Fundo de Ajustamento à Globalização, tão apregoado pelo Presidente Barroso; e ainda para financiar compromissos assumidos (designadamente pelo Conselho) no quadro da acção externa da União, incluindo missões de paz e a contra-proliferação de armas de destruição maciça.
Por isso votei a favor desta resolução em que o PE rejeita o Acordo na sua presente forma e exige o início de um processo negocial para encontrar os recursos que faltam..
O Conselho deve por isso mandatar a Presidência austríaca para negociar com o PE reservas de flexibilidade que permitam garantir os recursos necessários para financiar todas as políticas europeias deixadas "descalças" pelo Conselho. E para acordar numa clausula de revisão que permita em 2008 não apenas revisitar as despesas - incluindo um mais acelerado desvio de recursos da PAC para políticas de competitividade e inovação - mas também reconsiderar os próprios recursos orçamentais da União.
Não se trata de reabrir o acordado em Bruxelas em Dezembro. Mas antes de o suplementar com os meios necessários para financiar políticas e acções indispensáveis para uma Europa mais coesa e competitiva e mais responsável e credível como actor global".

terça-feira, 17 de janeiro de 2006

Socialistas por governos paritários

No sul da Europa, Zapatero indicou o caminho. Agora é a recentemente eleita presidente do Chile, Michelle Bachelet, que anuncia a formação de um governo paritário no seu país.Decididamente algo está a mudar nos políticos, que percebem finalmente que as mentalidades mudaram e que os cidadãos já não querem que se continuem a perder os talentos das mulheres na vida política. Os preconceitos, se os há contra a competência das mulheres, estão na cabeça de certos políticos, não dos eleitores.
Zapatero e Michelle perceberam isto mesmo. Os eleitores hoje em dia querem uma participação das mulheres em cargos de direcção política em igualdade com os homens.
Quem não percebe isto é parolo - não percebe o que se passa no Mundo.
Na Alemanha, a Chanceler Merkel, para já, surpreende pela positiva.
Em África, na Libéria, uma mulher, Ellen Johnson Sirleaf, foi eleita para a presidência. Nos Estados Unidos veremos o que trará o futuro, tudo apontando para um combate político entre duas mulheres para suceder a Bush: Hillary e Condollezza. Em Portugal, o que eu queria, como socialista, é que fossem os políticos da minha família política a já ter percebido ou estar rapidamente a apreender esta realidade. Em coerência com o historial socialista na luta política em defesa da igualdade.
Os socialistas Zapatero e Michelle, em países nada nórdicos, dão exemplo.
Por quê continuar a cultivar a parolice aqui em Portugal?

Obviamente Mário Soares

Porque Portugal precisa de um Presidente da República que o represente bem no mundo. Que ajude a projectar uma imagem progressista do país - dos portugueses que não escondem problemas, atrasos ou desvios, sem soçobrar na lamúria, com consciência histórica das capacidades que têm para procurar soluções sustentáveis.
Cá dentro, um tal Presidente incentivará a auto-estima de que os portugueses carecem para enfrentar os desafios do desenvolvimento económico e da competitividade internacional. Ao contrário de quem só sabe prometer oásis ou agitar o fantasma da crise: assim se propagandeou o «Portugal de tanga», transformando a profecia em realidade.
Portugal precisa na Presidência da República de um defensor dos Direitos Humanos, do Estado de Direito democrático e do Direito Internacional. Com cultura política humanista e internacionalista. Com coragem e ousadia. De quem queira contribuir para controlar a globalização, por um mundo melhor, mais justo e mais seguro para todos, aproveitando as oportunidades extraordinárias, mas também intuindo a voragem desreguladora que alarga o fosso entre ricos e pobres, entre quem progride e quem se sente excluido. Para isso é preciso ser europeista e saber trabalhar em articulação com parceiros e aliados: sem complexos, tanto para afirmar uma visão portuguesa, como para liderar a sua transformação para responder a novos desafios.
Portugal precisa de um Presidente atento às questões que interpelam a sociedade, por incómodas ou dilemáticas que sejam. Que tenha ideias e capacidade de as expressar, curiosidade intelectual e sensibilidade social e cultural. Um Presidente que sempre tenha lido livros, jornais e revistas, oiça rádio, vá ao teatro e a exposições, veja telejornais e hoje até espreite blogues.
Não serve quem se contente em engulir títulos da imprensa em pastilha liofilizada. Quem julgue compensar a limitação de horizontes escudando-se atrás de consultores, conselheiros, aconselhadores e assessores, muitos de interesses duvidosos e revanchismo garantido. Quem tenha um dia sugerido que nunca tinha dúvidas e raramente se enganava. Quem vista farpela tecnocrata, disfarce falhas de relacionamento em rodomas académicas, dissimule impulsões de governar e recorra à hibernação durante anos para não se expôr e para adensar calculadamente o mito do salvador.
Portugal precisa de um Presidente que não se abstenha de intervir. Não para bloquear quem governa e fomentar conflitos institucionais. Mas para exercer a «magistratura de influência» com que os portugueses o investem ao elegê-lo. Para incentivar, alertar ou fazer ponderar quem governa. Para desentorpecer a consciência colectiva. Para ajudar a derimir conflitos, moderar disputas ou enfrentar desafios civilizacionais.
Um Presidente que intervenha, mas não para se substituir ao governo. Não para ditar estratégias ou inventar Secretários de Estado... Antes para ajudar a persuadir o governo, a máquina da administração pública, os empresários e os trabalhadores portugueses que é também cá que é preciso investir para compensar deslocalizações gananciosas, é aqui que é preciso inovar, instruir, qualificar, criar postos de trabalho, racionalizar processos burocráticos e administrativos, inventar e usar novas tecnologias, desenvolver o conhecimento científico e a partir de Portugal descobrir novos mercados exteriores, diversificar produções, serviços e estratégias comerciais, criar mais riqueza e re-investir para tornar a sociedade mais equilibrada e justa.
Um Presidente que intervenha não para exercer poderes que não tem. Mas psicologicamente apetrechado para exercer todos os que tem, segundo a Constituição, para defender a Democracia, o Estado de Direito e o regular funcionamento das instituições democráticas. Integralmente, no tempo certo, sem angústias paralizantes, sem tergiversações debilitantes, ouvindo quem tiver de ouvir.
Em suma: Portugal precisa de um Presidente da República que exerça as competências que a Constituição lhe atribui e deixe o Primeiro Ministro governar durante toda a legislatura, como decidido pelo povo em Fevereiro. Um Presidente que não crie mais factores de crispação na sociedade portuguesa. Um Presidente que não dê alibis ao primeiro governo socialista com maioria absoluta no que respeita à obrigação de governar bem Portugal. Mário Soares reune obviamente todas as qualidades para ser esse Presidente. Provou-o em 10 anos de exercício. E não lhe falta vitalidade, como demonstrou calcorreando de novo o país de lés a lés e nos debates televisionados.
Mário Soares nada tem a ganhar com a Presidência: prestígio nacional e internacional, reconhecimento histórico, nada mais um mandato lhe acrescenta. Pelo contrário, arrisca perder. Corre porque nunca parou. Corre porque está vivo. Corre porque entende, e bem, que Portugal ainda precisa dele.

Ana Gomes

sábado, 14 de janeiro de 2006

O gato, os ratos... e as ratazanas

O Presidente altera-se subitamente no cadeirão de onde segue a telenovela nacional de que também é protagonista: ralha ao gato, chama o PGR, pede inquéritos (mas não cabeças, esclarecem ajudantes...)
Acordou finalmente, ou vai ser como das outras vezes, vira-se para o outro lado e volta a fechar os olhos?
È que pode ter eminências psiquiátricas em casa a «fazer-lhe» a cabeça, mas não deve ter perdido os reflexos e a sabedoria do excelente e experiente advogado que foi.
E bastava ter lido a carta que o Juíz Rui Teixeira entregou na AR e desencadeou o interrogatório e prisão de Paulo Pedroso para perceber a tremenda incompetência e malevolência que emergiam da investigação e da prossecução.
Bastava também ter assistido à inacção e desinteresse do MP pelos processos desaparecidos nos anos 80 e pelas «Deneuves» do Parque, em contraste com a perseguição difamatória lançada contra Ferro Rodrigues, para perceber que uma sórdida urdidura estava em marcha, tendo no MP e na PJ servidores tão zelosos como incompetentes (um dia chegaremos às ratazanas mandantes...). Tudo amplificado pela cumplicidade voraz dos media.
Uma urdidura que, incidindo sobre Ferro Rodrigues e Paulo Pedroso (por razões que hão-de perceber-se quando se identificarem as ratazanas) visava muito mais do que o PS e aqueles seus dirigentes: visava desacreditar o Estado de Direito e a Justiça, para invalidar o processo Casa Pia e impedir que levantasse outras pontas. Para continuar a deixar na sombra, impunes, os criminosos que durante décadas abusaram (uns) e descuraram (outros e outras) as crianças à guarda naquela Casa.
Eu, que nem sou especialista, só li o Perry Mason em pequena, vi a urdidura, disse-o ...e logo senti a rataria a correr freneticamente para me cilindrar.
O Senhor Presidente não a viu? Continuava psiquiatricamente hipnotisado - só isso explica de repente não reconhecer velhos e verdadeiros amigos. Ou nem sequer ter acordado quando a monstruosidade lhe bateu à porta de casa, com uma carta anónima no processo "denunciando-o"; e com as fotografias de outras altas figuras do Estado e até do Cardeal Patriarca (só escapou o inefável PGR) nos albuns de mostrados às «crianças que não mentem» das desveladas Donas Catalina e Dulce. Um leve estremunhar, uma careta de desagrado belenense. E logo rebolou para o outro lado, voltando às asas de Morfeu.
Tão profundamente, que teve de substituir Durão Barroso e conseguiu fazê-lo sempre de olhos fechados: para evitar o embaraço de uma vitória em eleições do amigo de repente desconhecido (o PS de Ferro Rodrigues acabara de ganhar as europeias com 45% dos votos), encomendou o país à paródia santanista.
Azar: quatro meses depois a paródia virara «vaudeville» rasca. Estremunhado, viu-se mesmo forçado a convocar eleições. Do embaraço o menos - o amigo desconhecido já batera com a porta, esclarecido sobre certas «amizades».
Entretanto Paulo Pedroso e outros arguidos são despronunciados por decisão de tribunal superior sustentada em grosseiros erros na investigação e instrução. O PGR dislata como só ele sabe e pode, admitindo insuficiências na investigação e escutas em barda, mas queixando-se de pressões e falta de elementos para sustentar a urdidura. Ferro Rodrigues deita-lhe à bigodice que lhos levou, mas ele desviara a investigação para quem já demonstrara incompetência, preconceito e parcialidade.
O mais recente episódio da telenovela nacional, revelando que as escutas são patrioticamente abrangentes e detalham até para quem fala a familia presidencial, parece ter quebrado o entorpecente.
Mas será que o Presidente acordou mesmo, nesta ponta final? Esperará ainda que o indigente gato desta telenovela, apesar de tão obviamente constipado, surdo e cego, cace ratos ? Ou que ele apareça guilhotinado na ratoeira? E quem vai afinal dar cabo das ratazanas?

(revisto em 18.1.06)

sexta-feira, 13 de janeiro de 2006

Basta o que basta

Se forem verdadeiras as escandalosas notícias sobre os registos pormenorizados das comunicações telefónicas de várias personalidades políticas alheias ao processo na investigação do processo Casa Pia, o destino do PGR só pode ser a demissão imediata. O que, aliás, surpreende é que seja preciso demiti-lo.

Aníbal Cavaco Deus Silva

Um antigo ministro de Cavaco sobre as presidenciais: «Precisamos de um Presidente que veja tudo e que saiba tudo». A omnividência e a omniciência sempre foram propriedades divinas. Felizes os povos que podem eleger Deus para Chefe de Estado...

Zangam-se as comadres.....

Num momento de confusão e incerteza quanto ao futuro do Iraque, em que tanto tropas britânicas como americanas preparam estratégias de retirada, multiplicam-se os ataques pessoais entre responsáveis pela precipitada e desastrosa campanha militar iniciada em 2003.
Agora é nem mais nem menos Paul Bremer, responsável pelo governo provisório da coligação ocupante até Junho de 2004, fiel executor da política de Bush e dos falcões da administração americana, que tenta sacudir a água do capote. Segundo o «Financial Times», Bremer acusa as autoridades militares de tentarem agora transformá-lo em bode expiatório dos insucessos do pós-guerra. Ele, que, segundo diz, defendera que o Iraque precisaria de pelo menos 500.000 militares no terreno para pacificar o país. Rumsfeld é que, segundo ele, teria sido responsável por ter enviado um número muito inferior. Quanto aos políticos iraquianos, as críticas de Bremer são desdenhantes - e bem reveladoras: «eles não conseguiam organizar uma parada, quanto mais um país».
Neste lado do Atlântico o quadro também não é edificante. Um dos mais graduados oficiais britânicos que serviram no Iraque acusa agora os militares americanos de «insensibilidade cultural», muito perto do que chamou «racismo institucional». Nada mais nem menos do que o Brigadeiro Nigel Aylwin-Foster, Sub-Comandante das forças britânicas que treinavam o exército iraquiano. Ele explica, em artigo publicado na revista militar americana «Military Review», que os chefes militares americanos nunca perceberam que os seus homens precisavam de conhecer a cultura árabe e técnicas de combate à insurreição. O que, no seu entender, ajudou a engrossar a insurreição iraquiana. «Em vez de tentar conquistar "hearts and minds" viam a destruição do inimigo como um objectivo estratégico em si», quando o objectivo deveria ter sido «perceber como gerir a população». Comentário seco vindo dos States, segundo o «Daily Telegraph»: em>«Insuportável snob britânico».
Tony Blair também não escapa à fúria das comadres amofinadas. Sir Michael Rose, o General que comandou em tempos a força das NU na Bósnia, apela agora ao «impeachment» do Primeiro Ministro britânico. «As consequências da guerra têm sido desastrosas tanto para o povo iraquiano como para o Ocidente em termos dos nossos interesses na guerra contra o terrorismo. Os políticos têm de ser responsabilizados e na minha opinião Blair deveria ser "impeached". Isto para prevenir que no futuro os políticos tratem levianamente a questão de levar um país a entrar em guerra».
Cheira mesmo a fim de reinado. E não é só em Londres...

quinta-feira, 12 de janeiro de 2006

Correio dos leitores: O plebiscito

«Ao longo de uma campanha eleitoral já longa, formei a convicção de que Cavaco Silva, através de uma encenação estudada, procura protagonizar a esperança e explorar a nossa tentação messiânica.
Fá-lo ao tentar capitalizar o descontentamento, lançando farpas ao Governo quando, ele próprio, preconiza uma política orçamental ainda mais restritiva e contraccionista.
Fá-lo, também, ao dizer que "sabe aquilo de que o País precisa" e que pretende "fixar as prioridades", sem ousar enunciá-las, apenas lançando sugestões como a da criação da Secretaria de Estado para o Investimento Estrangeiro, irrelevante na substância mas reveladora da forma como pretende domesticar o Governo.
Fá-lo, ainda, ao dizer que velará pelo "bom governo" e não se coibirá de avaliar a acção executiva, a par e passo, bem como de propor políticas e medidas legislativas concretas, "cabendo ao Primeiro Ministro convencê-lo do contrário" (vide entrevista ao JN).
Dito isto, sou de opinião de que uma vitória à primeira volta constituiria um plebiscito ao homem. Dessa "legitimação" e da subsequente dinâmica de agregação da direita até à imposição de um presidencialismo "de facto", à margem e ao atropelo da Constituição, iria um só passo.
Atente-se, aliás, nas palavras ontem proferidas por Eanes - aquele que, a partir de Belém, criou o partido "regenerador", que acabou vendendo a sigla a um grupo neo-fascista: "a vitória à primeira volta seria muito importante pela capacidade de manobra que permitiria".
O desequilíbrio efectivo de poderes a favor de um Presidente factualmente legitimado para fazer o contraponto da acção governativa, num contexto de crise e de crispação crescente com o Chefe de Estado e o Primeiro Ministro, sobre o qual recai o ónus das dificuldades sentidas pela população, conduziria facilmente à dissolução do Parlamento, abortando o projecto reformista iniciado pelo PS.
Nestes termos, para além de interrogar sobre o silêncio do Engº Sócrates, pergunto-me como é possível que a esquerda - míope e anestesiada pelas querelas - não seja capaz de se mobilizar pelo essencial (por exemplo, através de manifestos e iniciativas públicas que ultrapassem o espaço de cada candidato) e provoquem o necessário sobressalto e reflexão sobre a natureza e propósitos da candidatura de Cavaco Silva.
Lamentavelmente, é Santana Lopes, ressabiado e no seu estilo narcisista, quem acaba de colocar na ordem do dia o risco da instabilidade e da subversão do equilíbrio de poderes, contra os quais temos de nos bater até ao limite das nossas forças. Se Mário Soares consegue antever este perigo (e outros não) é, desde logo, porque lhe sobra em lucidez e experiência o que aos outros falta.»

Eduardo Gravanita

Três equívocos

Passei para a Aba da Causa o meu artigo desta semana no Público, com o título em epígrafe, uma reflexão sobre a campanha presidencial.