segunda-feira, 27 de fevereiro de 2006

Obscenidade

É quase obscena a generalizada (louvem-se algumas excepções) tentativa de "compreensão" e de quase desculpa do horrendo e cobarde crime cometido por 14 jovens, assassinando a pontapé, à pedrada e a golpes de sevícias sexuais um pobre, desabrigado e desamparado travesti no Porto. Até o Ministério Públivo se absteve de os acusar pelo crime de homicídio, como se os autores não tivessem ao menos conciência de que ao abandoná-lo, como o fizeram depois das selvagens agressões, lhe iam causar a morte.
Há duas perguntas que ficam no ar: a leniência dos média seria a mesma, se a vítima não fosse um travesti? e também seria a mesma, se os autores não estivessem a cargo de uma instituição da igreja católica?

Correio dos leitores: Ainda a flçoresta

«(...) O aparecimento dos povoamentos puros de pinheiro manso no interior do Alentejo e do Algarve ficou a dever-se à grande adesão aos programas de apoio à florestação, financiados pela UE, por parte produtores florestais privados. Esses povoamentos jovens de pinheiro manso já estão a produzir os referidos bens indirectos com o melhoramento das características dos solos "esqueléticos" por acção da mineralização da "caruma" (que é lenta e por isso também tem um efeito de protecção física do solo e aumenta a taxa de infiltração por diminuir a velocidade de escorrimento da água) que ao aumentar os teores em matéria orgânica no solo, aumenta a sua capacidade de armazenamento de água e a sua fertilidade. As condições ecológicas criadas permitem agora a regeneração natural das quercíneas (sobreiro ou azinheira) sob coberto, cujas sementes estão a ser disseminadas pelas aves silvestres (pombos bravos, gaios, etc.) e mamíferos (javalis, etc.) que começaram a utilizar estas áreas como abrigo. Basta agora definir os objectivos estratégicos para estas áreas e adequar a gestão dos povoamentos de forma a atingir esses objectivos. A minha proposta (baseada no conhecimento do terreno) vai no sentido de iniciar um programa de desbastes visando a conversão dos pinhais em azinhais ou sobreirais sem no entanto alterar o grau de cobertura da área de projecção horizontal das copas (para manter a protecção dos solos que são muito sensíveis). Assim, utiliza-se o pinheiro como espécie precursora e a prazo (de 20 a 50 anos) obtém-se a unidade ecológica funcional adequada com as valias do uso múltiplo referidas pelo leitor Pedro Bravo. Até lá, devido às melhores condições, é esperado que os melhores arbustos melíferos vão ocupando gradualmente o seu lugar permitindo a apicultura.(...)»
Nuno de Almeida Ribeiro

domingo, 26 de fevereiro de 2006

Ainda irão?

Já está na ABA DA CAUSA o meu artigo, sob o título acima, a propósito do actual braço-de ferro com o Irão, que foi publicado na última edição do COURRIER INTERNACIONAL (24.2.06).

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2006

A palavra dos outros: a negação do holocausto

«It is hard to see what the Austrian court's sentence [contra David Irving] can add to that. Keeping Mr Irving in jail at most may stop him going to a conference that Mr Ahmadinejad is convening to ?rewrite and revise? the history of the holocaust. But against that small plus are two big minuses. One is that the sentence makes Mr Irving look a martyr. The other is that it makes the West look hypocritical: all too willing to bruise Muslim feelings, while protecting Jewish ones by law.
Laws against holocaust denial (which 14 countries have) were never a good idea. The best defence against neo-Nazis is reason and ridicule, not the criminal law. But at a time when the western world is battling to defend free speech against religious zealotry, they look particularly indefensible. It is punishment enough for Mr Irving that he has lost his professional credibility. He should not lose his liberty too.»

(The Economist, 23 Fevereiro de 2006)

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2006

Convicção serena

Da bancada da "sala do senado" do palácio de São Bento, durante uma audição promovida pelo grupo parlamentar do PS sobre a "escola a tempo inteiro", oiço e observo a serena demonstração de competência e convicção da Ministra da Educação, Maria de Lourdes Rodrigues. Impressionante!

Contar os custos

O Ministro das Finanças admitiu que os serviços públicos possam vir a ser obrigados a pagar rendas pelos espaços ocupados. Trata-se de uma medida que já estava incluída no programa de racionalização da despesa pública da ECORDEP (2002). Há dois argumentos a favor desta solução: (i) tornar mais transparentes os custos dos serviços públicos; (ii) incentiver à racionalização da ocupação dos espaços.
Mais um passo positivo na boa gestão financeira do sector público administrativo.

Portucaliptal (2)

Mais papel, mais celulose, mais eucaliptos em Portugal. O Governo aplaude e apoia com um pacote de ajudas de Estado de quase 200 milhões de euros.
Os que, como eu, alimentavam alguma ilusão de que Portugal poderia alguma vez deixar de ser o eucaliptal da Europa podem perder toda a esperança. A fealdade e a monotonia da nossa paisagem rural vai agravar-se. Pobre país!

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2006

Correio dos leitores: "Porteucaliptal"

«(...) A florestação pode não ser uma virtude e os incultos podem ter um potencial económico não negligenciável. Senão vejamos. Falo em proveito próprio, é certo. Mas o interesse colectivo também parte de muitos interesses individuais. No interior do Alentejo e do Algarve, em Mértola e Alcoutim, o Estado tem enterrado fortunas, a subsidiar a plantação de pinhais mansos, em solos esqueléticos, num clima sequíssimo. Naquela aridez está a nascer o pinhal do interior alentejano. Não produz um pinhão, não produz madeira que se aproveite, apenas lenha reles e caruma boa para semear inçêndios no estio alentejano. Para isso sacrificaram-se os matagais, aonde se produzia o mel de rosmaninho, sem favor um dos melhores do mundo. Mel esse que tem uma Denominação de Origem Protegida, agora ameaçada de extinção por falta de pastagem para o produzir. Para além do mel, que também é uma riqueza de Portugal, o mato produz lenha, essências, ervas aromáticas e é a base de uma economia de recolecção, ela mesma agonizante, que inclui os espargos bravos, os cogumelos, as túberas, a aguardente de medronho. Património gastronómico do Alentejo. O mato é compatível com a caça e até com o pastoreio. É fonte de biodiversidade.
Estão por fazer as contas ao que se perdeu com a aventura de fazer desta região árida um pinhal. Impõe-se agora começar a pensar em reparar o estrago. Se tem havido dinheiro para gastar assim, mal gasto, é preciso que ele apareça para reimplantar matos de qualidade, onde os havia e deixou de haver, plantar alecrim, rosmaninho, medronheiro. Ordenar a limpeza da floresta, de modo a que o mato seja compatível com o combate e prevenção do fogo - é mais combustivel o pinhal do que o matagal - e compatibilizar os vários interesses, tornando o matagal uma alternativa de futuro economicamente apetecivel e sustentável.»

Pedro Bravo

Correio dos leitores: "Escola pública"

«Um dos argumentos dos professores é que não deveria fazer parte das suas funções "entreter alunos" ou dar informação sobre matérias que não as da sua especialidade, tendo de se adaptar e não estando isso previsto na sua carreira.
Isso levanta-me duas interrogações:
a) Que tipo de professores temos nós que não conseguem - além-currículos definidos - arranjar temas para debater com as suas turmas?
b) A adaptação que se lhes pede não será bem menor do que a adaptação que muitos professores não colocados (infelizmente, o Estado não pode empregar toda a gente) têm de arranjar como vendedores, caixas de supermercados ou escriturários? (...)»

Pedro Sousa

Ler os outros

«Ninguém sabe ao certo quantas pessoas estão, simultaneamente, a receber subsídio de desemprego e a trabalhar à socapa, juntando ao subsídio um salário do qual a Segurança Social não vê um cêntimo. Os interesses imediatos dos trabalhadores e dos empregadores conjugam-se nisso facilmente.
Sabe-se que muitas "reformas antecipadas" são obtidas (com mútuo proveito para trabalhador e empresa) através da alegação de invalidez ? que nem sempre existe. Noutros casos, a reforma antecipada surge como solução de reestruturação (admitida por lei), mas os reformados continuam a trabalhar para a mesma empresa, sob várias formas mais ou menos disfarçadas. Em casos especiais e mais elaborados, criam "empresas prestadoras de serviços" à que anteriormente os tinha nos seus quadros.»

(A. Monteiro Fernandes, Diário Económico)

O exemplo espanhol

À última hora, quando parecia assegurado o êxito da OPA da Gas Natural sobre a Endesa, com o beneplácito do Governo espanhol, eis que da Alemanha surge o ataque surpresa da E-on, um potentado europeu e mundial da energia (electricidade-gás natural), com uma oferta de valor assaz superior ao da Gas Natural. Imediatamente bem recebida pela Endesa, a nova OPA constitui um choque para o Governo espanhol, que dificilmente poderá usar o veto que lhe proporciona a golden share que tem na Endesa, pouco depois de anunciar a intenção de abandonar as golden shares.
Será que isto pode dizer alguma coisa para o caso da OPA da Sonae sobre a PT? Não terá ela despertado também a cobiça de alguma telecom europeia sobre a vulnerável PT?

terça-feira, 21 de fevereiro de 2006

Oa "amigos" da escola pública

Os sindicatos da Fenprof decidiram convocar mais greve de vários dias contra as medidas governamentais relativas às "aulas de substituição" e ao alargamento do horário das escolas do ensino básico.
É evidente que os sindicatos têm todo o direito de defender os interesses dos seus membros e de lutar contra as medidas que os possam afectar. O que não se compreende é que procurem justificar a sua greve em nome de "uma escola pública de qualidade", como dizem os cartazes da referida força sindical, pois é evidente que neste caso os interesses privativos dos professores não coincidem com o interesse público na promoção da qualidade da escola pública, pelo contrário.
Com "amigos" destes, aliás, a escola pública não precisaria de inimigos!

Correio dos leitores: "Porteucaliptal"

«Os castinçais, os carvalhais, os sobreirais, os azinhais, os freixiais, os salgueirais e amiais ou combinações destas espécies também são susceptíveis aos fogos florestais (que são também ocorrências naturais) quando não são geridos. É o abandono combinado com uma actividade económica ligada ao fogo que conduz à situação actual, onde se obtém rendimento da floresta pela negativa com custos ambientais e económicos de grande dimensão espacial (pela área onde ocorrem) e temporal (por comprometerem a produção acumulada de dezenas/centenas de anos bem como as produções futuras).
Se não houver um programa de gestão para as áreas florestais (que implica uma economia associada à silvicultura) e pessoas para os executar, integradas num plano de ordenamento racional do território, não vamos conseguir sair do ciclo vicioso em que nos encontramos. Temos de reinventar uma economia agrária que cative as pessoas a viver no mundo rural.
A valorização dos bens e serviços indirectos da floresta (economia ambiental) como sejam o sequestro de carbono, produção de oxigénio, controlo de erosão com o aumento da infiltração da água (que é purificada quando passa pela rede de raízes), valorização da paisagem são a via para a activação da actividade florestal produtiva (onde a produção de madeira, cortiça e frutos também são fundamentais).
Num plano de ordenamento, fundamentado por exemplo nas bacias hidrográficas (baseado na protecção das linhas de água temporárias ou permanentes) e com uma alocação das espécies florestais de acordo com as suas características ecológicas e de produção, obteríamos um território mais valorizado e belo com os pinhais, castinçais ou eucaliptais limitados por faixas (largas) de povoamentos puros ou mistos de carvalhos, freixos, amieiros, salgueiros instalados nas linhas de água.
Já agora, para finalizar, no último inventário florestal nacional foram identificados cerca de 2 milhões de hectares de áreas incultas. Imagine o valor que estas superfícies podem ter, se forem florestadas no âmbito de um programa de sequestro de carbono em que os emissores (indústria, cidadãos, etc.) sejam estimulados a contribuir para o financiamento da florestação e gestão deste território. Não teríamos de pagar multas pela produção dos gases de estufa num período de 100 anos, ou nunca, se utilizarmos a energia de forma sustentada.»

Nuno de Almeida Ribeiro

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2006

Porteucaliptal

A Mata de Vale de Canas, em Coimbra, severamente devastada no grande fogo do verão do ano passado, que chegou a penetrar na cidade, vai ser reconstituída com... castanheiros. Aposto que, se nas restantes áreas ardidas o eucalipto e o pinheiro bravo fossem substituídos por espécies indígenas, estaria andado meio caminho para o controlo dos fogos florestais e para a recriação da beleza originária das matas do país.

Conflito de interesses

Parece que o movimento cívico independente nascido da candidatura presidencial de Manuel Alegre encara a hipótese de vir a concorrer no futuro a eleições autárquicas. Tendo o movimento dirigentes partidários entre os seus animadores e protagonistas, será que não se verifica aí um evidente conflito de interesses políticos?

O raid

Será que o raid policial sobre o jornal 24 Horas se destinou a habilitar Souto de Moura com os elementos necessários para instruir finalmente o prometido inquérito sobre o caso dos registos abusivos de chamadas telefónicas descobertos no processo Casa Pia? E quanto mais tempo vão esperar o Presidente da República e a Assembleia da República pelos resultados desse inquérito?

Regresso

Depois de algumas semanas de escassa presença neste espaço, devido a acumulação de afazeres profissionais, estou de volta.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2006

Solana: pior a emenda que o soneto

Importava demarcar a União Europeia dos propósitos ofensivos dos "cartoons" dinamarqueses, importava declarar que a Europa rejeita a xenofobia, que os objectivos da acção externa da União Europeia são postos em causa quando se publicam provocações como as do tal jornal dinamarquês de extrema-direita. Importava acima de tudo sublinhar que a liberdade de expressão no espaço público europeu - uma das conquistas da nossa civilização e da humanidade - não é posta em causa quando se consideram certas mensagens como racistas, estigmatizantes e fora de qualquer consenso do debate civilizado. Importava mostrar que a Europa não alimenta a tese do confronto de civilizações porque acredita na universalidade dos direitos humanos.
Mas o Representante Especial do Conselho Europeu, a cara da Política Externa e de Segurança Comum da União, Javier Solana, não foi capaz de demarcar, na altura certa, a Europa deste tipo de discurso. Agora, à pressa para corrigir a ausência inicial das instituições europeias (Conselho e Comissão) neste debate, Solana decide emendar a mão. E a emenda é bem pior que o soneto.
Numa conferência de imprensa conjunta com o Secretário Geral da Organização da Conferência Islâmica (OIC) em Jeddah, Solana pronunciou-se ontem a favor da pretensão dos governos representados na OIC - a maior parte ditatoriais e violadores dos direitos humanos -de uma acção das Nações Unidas contra a "difamação da religião", indo até ao ponto de admitir que se incluísse linguagem contra a "blasfémia" nos estatutos do futuro Conselho dos Direitos Humanos da ONU (que deverá substituir a actual Comissão de Direitos Humanos da ONU)
Mas não se trata aqui de proteger 'a religião', qualquer religião. Não se trata até de considerar a religião como uma ordem de valores que deva ser mais respeitada do que qualquer outra. Não se trata, sobretudo,de por em causa a organização secular da ONU e de muitos Estados Membros da ONU (e estes não são apenas ocidentais, como demonstram países de população maioritariamente muçulmana como a Indonésia e a Turquia).
Trata-se, sim, de demarcar a Europa de mensagens de incitamento conflitual que tomem todos os membros individuais de um grupo - seja ele étnico, religioso, nacional, etc - por gente perigosa, pelo simples facto de pertencerem a esse grupo.
Goze-se com Jesus, Moisés, Maomé, se se quiser e faltar o bom senso. A liberdade de expressão permite-o. Mas quando programas na televisão sobre Jesus ou o Papa insinuarem que todos os católicos são pedófilos; mal um texto sobre Moisés for aproveitado para negar o holocausto; mal um cartoon sobre Maomé servir para apresentar o Islão como árabe e todos os árabes e muçulmanos como terroristas - chegámos aos limites da liberdade de expressão. Cabe então às forças políticas progressistas (não conto muito com a Direita para estas coisas irrelevantes da 'diversidade'), e às instituições da União, antes de mais, distanciar-se.
Javier Solana fê-lo tarde e mal, meteu os pés pelas mãos.
Solana passou claramente o prazo de validade. Nestes tempos conturbados, não chega um mínimo denominador comum para a UE. Para isso já temos Durão Barroso na Comissão.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2006

Teoria da evolução das espécies segundo Brad Pitt







nota parva em noite de insónia

Acabo de ver na RTP-Memória o João Gil no tempo da Ala dos Namorados, acompanhado do Nuno Guerreiro. Ao pensar que agora tem a Filarmónica Gil, com o Nuno Norte, dou-me conta da sua versatilidade musical: o homem passou de Maria Callas para Toto Cutugno.

Resposta ao Augusto

Querido Augusto,
Só agora li a carta que me enviaste ontem através do «Público».
Como explico num artigo que encontrarás na «Aba da Causa» e que escrevi para o «Courrier Internacional» no dia 6 (antes de saber se o MNE falara e o que haveria de comentar Nuno Pacheco em editorial), a passagem pela Indonésia ensinou-me algumas coisas.
Antes de mais, a não tomar por islâmico tudo o que se apresenta como tal e, sobretudo, a não provocar incidentes por desdém religioso. Fez-me ainda entender como se pode desencadear uma espiral de violência insultando sentimentos religiosos dos muçulmanos (ofender-lhes o Profeta é gratuitamente desrespeitoso - e muito diferente de contestar violações de direitos humanos decorrentes de certas interpretações da Sharia). Sobretudo no contexto actual em que milhões de muçulmanos vivem na pobreza e oprimidos, tendo boas razões para se queixar dos dois pesos e duas medidas das democracias ocidentais que, em boa parte, sustentam no poder os seus opressores.
Como é evidente, tens todo o direito de discordar de mim e de me censurar. Espanta-me é que possas pensar que eu pudesse ter escrito o que escrevi, ao criticar um editorial de Nuno Pacheco, por subscrever «os principios da cataquese» do Prof. Freitas do Amaral.
Eu - e tu deverias sabê-lo, já era assim nos nossos tempos de liceu, que evocas - ando na política por convicções: não me sujeito a «outras ordens de políticas» e, muito menos (vacinada que fiquei pelo maoismo) a ordens de outros políticos.
E por isso só apoiei Freitas do Amaral na exacta medida do que deixei registado. Não subscrevi, nem subscrevo, tudo o que ele possa ter invocado em comunicado do MNE - o qual, de resto, eu não conhecia quando escrevi o que escrevi sobre o editorial do «Público». O que me chegou - e a distância, em Bruxelas não facilita ver tudo o que se publica, na íntegra e na hora - foram relatos das agências indicando que o MNE se/nos distanciara dos propósitos ofensivos do jornal dinamarquês que publicou os «cartoons». Era isso, apenas, que eu afirmei (e mantenho) que o Prof. Freitas do Amaral andou bem em fazer, quando outros responsáveis europeus só cuidavam de condenar a violência - obviamente condenável - contra embaixadas da Dinamarca. E era contra esse aspecto principal da actuação de Freitas do Amaral que Nuno Pacheco se insurgia, inclusivamente perguntando «se os povos muçulmanos nos tinham pedido alguma coisa», como se fosse preciso um tal pedido para o Governo fazer o que devia fazer - que era demarcar Portugal dos propósitos insultuosos dos «cartoons» (sem prejuízo de eles continuarem a ser publicados por quem quer que fosse).
Não era - não é, no meu entender - a liberdade de expressão na Europa que estava em causa (liberdade pela qual muita gente nos países muçulmanos luta, com o meu apoio activo). O que estava em causa era o incitamento à perseguição religiosa e racista visada pelos «cartoons» num contexto de crescente estigmatização contra os muçulmanos, instigada pela extrema-direita na Europa e no mundo. E nesta leitura estou, de facto, acompanhada pela palestiniana Leila Shahid, que citas. Segundo ela (Deutsche Welle,de 8/2), os desenhos foram «the straw that broke the camel's back para os muçulmanos, empurrados «ao limite» pelos desenhos, o que deveria ser entendido «no contexto islamofóbo» e «na linguagem islamófoba» prevalecentes hoje a nível mundial.
Na tua carta lembras as récitas de ópera que vimos na geral do Coliseu, já lá vão uns 35 anos. Claro que antes do 25 de Abril nunca lá ouvimos a «Flauta», onde o genial Mozart canta as virtudes da tolerância. Mas era Mozart o que tocava no carro, ontem de manhã, quando parei em frente da Sinagoga Portuguesa de Amesterdão. Estava fechada. Chovia. Mas parei na mesma. Para evocar, nestes tempos conturbados de incitamento preconceituoso, o sofrimento dos judeus portugueses - os que conseguiram sobreviver e exilar-se para fugir à Santa Inquisição. Tão «santa», quanto Bin Laden será «islâmico» e os «cartoons» dinamarqueses «inocentes» e «libertadores».
Retomemos, então, Mozart...
Com a amizade de sempre
da
Ana

domingo, 12 de fevereiro de 2006

Fazer o jogo do terrorismo

«Foi também na Indonésia que apreendi como é injusto e contraproducente estigmatizar todos os muçulmanos e o Islão pelas interpretações mais reaccionárias deste».
«Quem se empenha em concretizar a profecia do "choque de civilizações", como os fundamentalistas de todos os quadrantes, deita mão à xenofobia e à ofensa de sentimentos religiosos. Quem o justifica, a qualquer pretexto, inclusivé o da liberdade de expressão, faz objectivamente o jogo dos terroristas»-

são extractos de um artigo que escrevi dia 6 para o «COURRIER INTERNACIONAL» (publicado a 10/2) sobre os "cartoons" dinamarqueses estigmatizantes dos muçulmanos. Já está também na ABA DA CAUSA.

sábado, 11 de fevereiro de 2006

brothers in arms



Martin Gore, "el grande creador de toda la música pó" & Father Dave Gahan - o concerto da minha vida foi anteontem à noite no Pavilhão Atlântico. Nova eucaristia marcada para daqui a 5 meses, em Alvalade. No sermão, será recordado que a máquina é necessária para se chegar à alma.

o episódio que me assombrou o dia todo

E depois há a história da mulher à beira dos 40 anos, que foi violada aos 7, e que todas as noites em que os cigarros acabam na sua casa da margem sul, veste uma mini-saia, produz-se de forma provocante, e vem comprar um maço a meio da noite, ao Cais do Sodré. Leva o seu tempo, olha nos olhos os homens que habitam a toca do lobo, como quem acusa o mundo de perfídia, e tenta o destino uma e outra vez.
Debaixo daquela capa ostensiva, sob a superfície do trauma, toda ela é pureza.

Correio dos leitores: Madeira

«É com espanto e indignação que constato a complacência do Presidente da República perante a situação ocorrida com um deputado eleito pelo PS à Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, cuja sanidade mental foi posta em causa de uma forma infame, com a complacência do Presidente da referida Assembleia.
Será que o actual Presidente da República vai levar até ao fim um mandato sem um rasgo de ousadia na aplicação dos preceitos constitucionais? Será que aqui o Sr. Presidente acha que o juramento de cumprir e fazer cumprir a Constituição não o obriga a intervir? Será que a coragem demonstrada por João Carlos Gouveia, deputado do PS eleito pelo concelho de São Vicente vai ser pretexto para mais um atentado à liberdade de expressão na Madeira, agora com o beneplácito do Sr. Presidente da República?
Se a resposta às questões acima colocadas for o silêncio do Sr. Presidente, e a atitude do PSD na Madeira não for devidamente repudiada o regime democrático em Portugal está em causa.»
D. Caldeira

Ignorância e preconceito

O editorial de ontem de José Manuel Fernandes no Público sobre os supostos perigos do projecto de cartão único de cidadão e de pré-preenchimento da declaração de IRS pelos serviços tributários seria bastante mais fundamentado e despreconceituoso, se tivesse em conta que: (i) o resenseamento eleitoral é legalmente obrigatório entre nós, pelo que a inclusão do número de eleitor no cartão único de cidadão nada tem de intrusivo; (ii) os serviços tributários dispõem legalmente de dados sobre os rendimentos das pessoas, cujo fornecimento é obrigatório por parte das entidades que pagam remunerações e serviços, pelo que a sua inclusão automática na declaração de IRS só facilita a vida dos contribuintes.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2006

E todavia mexe

A Bélgica tornou-se o 14º país da UE a aprovar a Constituição europeia, não se deixando contaminar pelo voto negativo nos referendos dos seus vizinhos do Norte e do Sul (Holanda e França) no ano passado.
Entretanto, apesar do apelo à reflexão sobre o destino a dar ao tratado constitucional, lançado pelo Conselho Europeu há vários meses, em Portugal o tema tem merecido um completo silêncio oficial. Por que se espera?

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2006

Umbiguismo...

Umbiguismo - é o mínimo que se poderá dizer do editorial de hoje de Nuno Pacheco no "Público" e do ataque que faz às declarações do MNE português a propósito das reacções às caricaturas dinamarquesas.
Freitas do Amaral esteve bem ao demarcar o Governo português e Portugal do conteúdo insultuoso e do propósito estigmatizante de todos os muçulmanos visado nas caricaturas. Fez o que o Governo de direita dinamarquês deveria ter feito inicialmente e não fez. Por incompetência, arrogância e por calculados interesses políticos internos - dependente, como é, do apoio da extrema-direita racista e xenófoba detrás do jornal que publicou as caricaturas. Incompetência e arrogância que levou o PM Andreas Rasmussen ao extremo de durante meses recusar receber os embaixadores de países muçulmanos - e logo ali podia ter acabado com o problema, distanciando-se dos propósitos ofensivos dos "cartoons" e também rejeitando, como é óbvio, qualquer ingerência ou sanção contra o jornal (o que eventualmente apenas caberia aos tribunais).
Freitas do Amaral fez o que a Europa deveria ter feito mais cedo. Porque a primeira vez que a Europa (Solana e a Presidência) se referiu à questão foi no fim-de-semana passado e apenas para condenar a violência contra as embaixadas da Dinamarca (obviamente condenável). Mas nem uma referência ao conteúdo gravemente ofensivo das caricaturas. E à demarcação da Europa da tolerância, do respeito pelos direitos e liberdades fundamentais face à insensibilidade política e propósitos insultuosos e estigmatizantes das caricaturas.
O que está em causa não é a liberdade de expressão. Esta não é, nem nunca foi a questão central - ninguém foi impedido de publicar o que quer que fosse. Mas a liberdade de imprensa deve ser exercida com responsabilidade e bom senso. E quem não se revê em publicações estigmatizantes e insultuosas deve demarcar-se.
O que está em causa é o aproveitamento da liberdade de expressão por uma direita, xenófoba, defensora da Europa 'clube cristão', apostada em fomentar o ódio religioso. Uma Europa desmemoriada (ou, ominosamente, talvez não...) das caricaturas nazis que antecederam a perseguição dos judeus. Lembro a Nuno Pacheco as declarações do rabino-chefe da França que disse "partilhar a raiva dos muçulmanos em relação a esta publicação" e "compreender a hostilidade [em relação às caricaturas] no mundo árabe". O que estas caricaturas (e uma delas em particular) insinuam é que a maior parte dos muçulmanos são árabes e a maior parte dos árabes são potenciais bombistas-suicidas. Citando um artigo escrito por Bradley Burston no "Haaretz" (um dos mais respeitados diários israelitas) no passado dia 6 ('The new anti-semitism, cartoon division'),: "esta mensagem é obscena. É racista. Desrespeita as convicções fundamentais de um em cada seis seres humanos no planeta. Nesse sentido, o que estas caricaturas fazem é profanar o direito à liberdade de expressão, transformando-o no direito a promover o ódio."
O que também está em causa é o aproveitamento deste incidente e dos sentimentos ofendidos de milhões de muçulmanos por parte de extremistas islâmicos, que querem a derrota da democracia, das liberdades e princípios e valores de direitos humanos. Quem não entende isto, não percebe que vivermos na era da globalização impõe especiais obrigações de tolerância e respeito pela sensibilidades dos outros. Penso-o eu, que sou ateia e que sempre defendi a universalidade dos direitos humanos e combati o relativismo cultural invocado para a contestar.
Quando Nuno Pacheco considera as declarações do MNE "afectadas por uma cegueira que toca as raias do absurdo" e que "há quem dê mais importância a uns desenhos do que à vida humana", o jornalista está a ser demagógico, simplista, e acima de tudo, esquece-se das responsabilidades que advêm de se ser Ministro dos Negócios Estrangeiros de um país europeu. Na mesma linha, os PMs turco e espanhol, em carta publicada em conjunto no "International Herald Tribune" de 5 de Fevereiro, qualificaram as caricaturas de "profundamente ofensivas" e salientaram que "não existem direitos sem responsabilidades e respeito por sensibilidades diversas."
Nuno Pacheco pergunta se "os povos muçulmanos pediram a Portugal qualquer coisa" e responde à pergunta, retórica, com um rotundo "não". Independentemente da reacção fora da Europa, independentemente e para além de embaixadas queimadas e muito antes sequer de reflectir sobre a reacção no mundo muçulmano às caricaturas, a Europa pode e deve condenar este tipo de manifestações de xenofobia, baseando-se pura e simplesmente na tolerância, no respeito pela diversidade e na experiência dolorosa de horrores passados. São esses os fundamentos da "raison d'être" da União Europeia.

(Carta enviada à direcção do "Público", em reacção ao editorial de hoje)

terça-feira, 7 de fevereiro de 2006

Assim de repente, o que me ocorre dizer



é que a grande questão em "Munich" não é averiguar se Spielberg fez um filme pró-israelita ou pró-palestiniano, mas sim constatar que a película é medíocre.

Pop-down

A França pode muito bem ser a pátria iluminista por excelência mas sempre que passo pelos seus canais musicais percebo que - no que respeita à música pop - parecem ter ficado, precisamente, parados nesse tempo.