sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Oportunismo político

O PCP propõe o aumento das deduções de despesas de saúde, educação, etc. em IRS. É evidente, porém, que essa medida iria favorecer especialmente os titulares de mais altos rendimentos, que são quem mais despesas dessas faz, em geral no sector privado (escolas e clínicas privadas), pelo que tal aumento da dedução seria além do mais um incentivo à fuga do SNS e da escola pública.
Os beneficiários e a direita política agradecem certamente a prestimosa e inesperada ajuda do PCP. Mistérios que o oportunismo político tece...

Reconhecer a independência do Kosovo - VII

Esta tarde, atravessando a ponte de Mitrovica.

Esta manhã, no Mosteiro sérvio de Zociste (protegido pelas forças da K-FOR), com o Padre Stefan (a 5 km de Rahovec/Orahovac)

Portugal não deve tardar mais a reconhecer a independência do Kosovo.
É a conclusão que trago reforçada ao fim de um dia a visitar enclaves sérvios no território kosovar, incluindo a parte norte de Mitrovica e de conversar com responsáveis locais, albaneses, sérvios e internacionais.
Impressionou-me particularmente a qualidade política do Presidente da Câmara de Mitrovica, Bajram Rexhepi,e dos seus esforços para, mesmo informalmente, manter contacto e procurar trabalhar conjuntamente com os responsáveis da parte norte da zona que obedecem a Belgrado.
Impressionou-me também a articulação inteligente de Oliver Ivanovic, o Secretário de Estado do Ministério Sérvio para o "Kosovo e Metohija", que terminantemente recusa a possibilidade de partição da parte norte do Kosovo, onde a maioria da população é étnicamente sérvia (50.000 pessoas, disse). Uma possibilidade volta e meia acenada por Belgrado. Uma possibilidade rejeitada por quem é sérvio do Kosovo (como Ivanovic), por que sabe que isso significaria inviabilizar todos os outros enclaves sérvios em território kosovar (onde vivem ainda mais sérvios do Kosovo do que na região a norte de Mitrovica).
O último estratagema a que se agarram as autoridades sérvias aqui, parece destinado a inflectir-lhes mais dano que vantagem. A Belgrado, mas sobretudo à população sérvia que vive a norte de Mitrovica - onde não há lei nem ordem, onde imperam contrabandistas e a criminalidade organizada, segundo reconheceu Ivanovic. Esse último estratagema visa impedir o posicionamento da europeia EULEX a norte de Mitrovica; em vez dela, as autoridades sérvias querem agora que fique a UNMIK, a missão das Nações Unidas, agarrando-se ao detalhe formal de que ela opera ainda no quadro da resolução 1244, que para Belgrado pressupõe a soberania sérvia. Sim, ironicamente estamos a falar da UNMIK, aquela mesma missão que os sérvios se fartaram vilipendiar e chegaram a atacar (dramaticamente em Mitrovica em 2004).
Ao mesmo tempo a Sérvia dá sinais contraditórios, de acomodação à realidade: Ivanovic admitiu que o reconhecimento da "independência" da Ossétia do Sul e da Abkhazia por Moscovo tinha representado um duro golpe para a sustentação internacional da posição sérvia sobre o Kosovo.
Outro sinal positivo é o que resulta de, por acordo entre a UNMIK e Belgrado, ter recentemente reaberto, com juízes e procuradores internacionais, o Tribunal de Mitrovica, situado na zona norte (aquele que foi fechado pelas reacções violentas sérvias de 17 de Março de 2008 e que depois os soldados portugueses da K-FOR estiveram a guardar durante meses).
E, mais importante ainda, a partir de hoje passarão a ser cobradas taxas aos passantes das fronteiras terrestres entre o Kosovo e a Sérvia. Isto foi acordado entre Belgrado e a UNMIK e a justificação de Ivanovic é que Belgrado estava a perder muito mais dinheiro para o seu orçamento do que o Kosovo, lucrando na realidade os contrabandistas.
Seja qual for a justificação, passar a cobrar impostos fronteiriços é uma primeira forma de reconhecimento por parte da Sérvia de que o Kosovo independente é uma realidade.


Portucaliptal

Há para aí uma praga que está a devastar a floresta de pinheiro bravo. Má selecção, esta. Não será possível mudar a preferência xilófaga para os eucaliptos?

Secessões

Já era de admirar que, divergindo das grandes potências que promoveram a separação e a independência do Kosovo, o Governo português mantivesse tanto tempo uma posição independente nessa questão, que pelos vistos agora vai terminar.
Todavia, se a questão é o reconhecimento de uma situação de facto, então o Governo deve também reconhecer, entre outras, a separação da Ossétia do Sul, que não é mais ilegítima do que a do Kosovo e que aliás até tem mais credenciais, desde logo maior antiguidade. Inversamente, a Rússia, depois de ter reconhecido a independência da Ossétia do Sul, não tem nenhuma legimidade para criticar o reconhecimento do Kosovo.
Haja moralidade, de ambos os lados...

Biden-Palin: um bom debate

Enganei-me!
O debate entre Biden e Palin não ficou, afinal, nos anais da comédia. Foi animado e correcto.
Nenhum dos candidatos se prestou a escorregadelas, nenhum cometeu erros que ficassem na memória ou determinassem uma alteração de posições das suas candidaturas.
Sarah Palin soube preparar-se para o exame e foi eficaz na defesa das suas posições, ainda que muito da sua sabedoria - em especial sobre política externa - possa ter sido colada com cuspo. Sobre ela incidiam expectativas muito baixas - e nesse sentido a sua prestação surpreendeu pela positiva. Mesmo para quem, como eu, detesta e repudia as ideias e posições que ela sustenta.
Joe Biden foi claro, incisivo e, inteligentemente, jamais se permitiu um deslize chistoso ou paternalista relativamente à sua opositora. Não admira que as sondagens o dêm como claro vencedor do debate.

Os inquilinos da CML

Para além da questão do necessário fundamento legal, não vejo nenhum fundamento nem moralidade política em um município disponibilizar casas para arrendamento a particulares, fora das atribuições em matéria de habitação social, como sucede no caso de Lisboa.
Por isso, independentemente do favoritismo na escolha dos beneficiários e do tratamento de favor quanto às rendas, trata-se desde logo de uma situação inaceitável, por estar fora das atribuições do município. O município deve, pura e simplesmente, acabar com essa situação, mesmo em relação aos casos existentes, já que ninguém deve poder invocar direitos nem interesses legítimos em situações de favor.

Mais uma prova do "neoliberalismo da UE"

«Bruxelas propõe licença de maternidade de 18 semanas».
A UE não se cansa de dar razão às acusações da esquerda anti-europeísta...

O debate Biden-Palin

Estão a adivinhar: tanto postanço sobre o Kosovo também tem a ver com o fazer horas e manter-me acordada para o debate/embate Biden-Palin (que aqui em Pristina é uma hora mais tarde que em Lisboa).
Não que preveja que este debate venha a alterar os dados da campanha que, espero, virá a dar a vitória a Obama.
Mas cheira-me que é daqueles que pode ficar na história, mesmo sem dar vantagem ou enterrar nenhuma das candidaturas. Na história da comédia, claro!

Reconhecer a independência do Kosovo - I

Estou em Pristina, integrada numa delegação da Subcomissão de Segurança e Defesa do PE que vem ver como está evoluir a situação no Kosovo e como está a actuar a EULEX – a maior missão civil da Política Europeia de Segurança e Defesa, suposta posicionar cerca de 2.000 elementos no Kosovo.
E, por coincidência, fui durante o dia recebendo telefonemas de jornalistas portugueses que não me sabiam aqui, mas queriam justamente conversar sobre o Kosovo.
Tudo porque se anuncia o próximo reconhecimento da independência do Kosovo por Portugal.
Finalmente!
A quem me falou fui dizendo o que penso, resultante de impressões com que fiquei de minha visita em Fevereiro último (dias antes da declaração de independência) - vd post aqui escrevi a 8.2.2008.
Impressões que estou a reforçar através dos contactos nestes dias com responsáveis da EULEX, da KFOR, da UNMIK, ministros do governo kosovar e representantes das ONGs e media locais. Na capital e não só. Amanhã e depois visitaremos enclaves de maioria sérvia. E amanhã também terei contacto com as forças portuguesas na KFOR e responsáveis portugueses na UNMIK.

Reconhecer a independência do Kosovo - II

E o que penso é que Portugal já devia ter reconhecido a independência do Kosovo no final da nossa última presidência da UE, quando o grosso dos outros países europeus reconheceu.
Porque a independência do Kosovo era, face à comunidade internacional, inevitável (mais, atrevo-me a dizer, do que a de Timor Leste) e irreversível: é um “fact of life”, goste-se ou não, concorde-se ou não..
E mais: é-o por responsabilidade da Europa, por acção e omissão.
Por mais que uns tantos insistam em culpar os americanos - as responsabilidades dos EUA ficam com eles e ninguém as pode negar.
Mas quem mandou os europeus alinhar com os EUA acriticamente, ainda por cima num território claramente europeu, aceitando até responsabilidades na UNMIK (a reconstrução e viabilização económica do território) que não foram minimamente cumpridas (e por isso o Kosovo vive hoje da economia paralela e da criminalidade organizada)?

Reconhecer a independência do Kosovo - III

Ao que sei, Portugal não reconheceu antes a independência do Kosovo por uma razão principal: porque o Presidente da República Cavaco Silva não quis.
Por causa daqueless medos difusos, de quem não percebe bem muito o mundo em que vivemos (”ai que os nossos soldados na KFOR, “tadinhos”, podem ser atacados!....”). Ou por razões aparentemente lógicas, históricas e legalmente fundamentadas, invocando o que seja: principios, precaução, bom senso e solidariedade (com os “nuestros hermanos”, com a Sérvia, etc...)
E Portugal não reconheceu então, também, por uma razão acessória: o governo PS não quis comprar (mais) uma guerrazita com o PR.
Compreende-se, tanto mais que, de facto, não faziamos grande diferença para o Kosovo, para a UE e para o exterior, tão discretinhos conseguiramos tornar-nos no final da nossa presidência da UE...
Como não fazemos agora diferença nenhuma, se de repente, “out of the blue”, desgarradamente, sem explicarmos o que mudou, reconhecermos a independência do Kosovo (só confirmaremos até, porventura, a nossa irrelevância...)

Reconhecer a independência do Kosovo - IV

Sugeri a quem me ligou que apurasse junto do Governo e Belém o que havia de repente mudado para a posição nacional ser agora revista.
Pelo meu lado, admito que a Geórgia tivesse pavlovianamente alterado os sentimentos primários de Belém, sobretudo tendo em conta que o PR em Nova Iorque, na semana passada, privilegiara subitamente contactos com líderes de países balcânicos.
Para mim, a cena do reconhecimento das “independências” da Ossétia do Sul e da Abkazia pela Russia só mostra que Moscovo não estava a falar a sério quando ameaçava com as penas do inferno para quem reconhecesse o «precedente» da independência do Kosovo. De facto, só confirma o que eu previ em Fevereiro passado: que os russos nunca seriam mais papistas que o Papa (a Sérvia) a espadeirar pelo Kosovo... Como se tem visto, a Sérvia agita-se perfunctoriamente no TIJ e na ONU, mas nada de lançar uma guerra contra Pristina (nem sequer os fornecimentos de energia eléctrica cortou), para não comprometer, inteligentemente, um futuro europeu para si e para os restantes estados balcãs, Kosovo incluído....
A verdade é que se quis retaliar efectivamente retaliar contra o «precedente» do Kosovo, Moscovo não fez mais mais do que dar tiros no seu próprio pé: abriu assim a “caixa de Pandora” dos separatismos internos que não lhe faltam....
Para mim, o pretexto do “perigoso precedente” também acenado a pretexto da Espanha, Grécia, Chipre e outros países europeus que tardam em reconhecer a independência do Kosovo, também se volta contra quem o invoca: eu, por exemplo, se fosse castelhana empenhava-me era em enfatizar as diferenças entre o Kosovo e o País Basco e a Catalunha e em arguir que o Kosovo não constitui precedente nenhum para essas regiões autónomas....

Reconhecer a indepenência do Kosovo - V

Pelo meu lado ainda, rejeitei, chocada, a tese avançada por um dos meus interlocutores jornalistas de que esta súbita reviravolta portuguesa se devesse à necessidade de grangear mais apoios para a candidatura ao Conselho de Segurança da ONU nas eleições a ter lugar em 2010.
Essa razão, de tão rasteira que é, nem me atrevo eu a imputar ao Presidente Cavaco Silva.
Por que carga de água razões de fundo e respeitáveis, ainda que enganadas nas premissas, haveriam agora de ser mandadas às urtigas pelo oportunismo de promover uma presença efémera Portugal no CSNU?
Uma presença que de pouco vale, realmente, para o prestígio e influência internacional do país (diz quem lá esteve em 97/98, trabalhou para lá estarmos e se desunhou e divertiu à brava por lá estarmos).
De facto, ter assento no CSNU só expõe negativamente os países que não têm política externa coerente e consistente em todos os azimutes...
Nem chego ao ponto de fazer aquela pertinente e embaraçosa pergunta que António Guterres nos fazia, ao diplomatas que se esmifravam para pôr Portugal no CSNU em 1996, para provar que a relevância de estar no CSNU era afinal ...irrelevante : “Ora, diga-me lá: que países estão actualmente no CSNU além dos P5?"

Reconhecer a independência do Kosovo - VI

A minha posição é hoje, como já era em Fevereiro último, a de que Portugal deve reconhecer a independência do Kosovo e frizar que é um caso sui generis, do qual ninguém deve extrapolar precedente nenhum.
- Porque o povo kosovar, massivamente, em sucessivas eleições, disse querer a separacão da Sérvia, entidade que o massacrou e oprimiu.
- Porque é um «fact of life» que a Europa ajudou a criar, quando fez adoptar no CSNU a resolução 1244, que já admitia um estatuto futuro, separado da Sérvia, para o Kosovo - por isso posto, e deixado durante oito anos, sob protectorado da ONU.
- Porque a Europa tem a responsabilidade e a capacidade de viabilizar um Kosovo democrático e auto-sustentável economicamente (com base nos recursos humanos, minerais e outros que o Kosovo tem, mas não estão aproveitados). E a Europa tem também o dever e interesse próprio de não deixar que se consolide uma economia assente na criminalidade organizada no meio do´continente europeu.
- Porque Portugal tem o dever e o interesse de participar na construção de um Kosovo democrático e auto-sustentável e de contribuir para a integração europeia de toda a região balcãnica, Sérvia incluida – a melhor maneira de afastar o espectro da guerra. E isso não se faz apenas através dos contigentes de soldados que temos – e bem – na KFOR. Faz-se, far-se-á sobretudo, através da EULEX. E não reconhecendo a independência do Kosovo, Portugal tenderá a pôr-se de fora da EULEX – para onde devia em especial mandar mulheres (em cumprimento da resolução 1325 do CSNU). Mulheres que tem em abundância nas profissões e com as experiências mais necessárias e requisitadas pela EULEX - polícias, juízes, procuradores, juristas.....
Em resumo: sou pelo reconhecimento. Quanto antes. Julgo é que, para sermos credíveis, convem explicar o que mudou agora relativamente ao que nos impediu de reconhecer antes. Ou seja, as razões substantivas por que mudou a posição portuguesa.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Via CTT e os equívocos de Pacheco Pereira

Na habitual saga contra tudo o que possa ser pensado e realizado sem a sua bênção tecnológica, Pacheco Pereira tem-se referido inúmeras vezes, de modo enganoso, ao serviço Via CTT. Aqui vão alguns esclarecimentos úteis sobre a matéria:

1 Ao contrário do que Pacheco Pereira tem repetidamente afirmado, o Via CTT nunca pretendeu “dar um e-mail a cada português”; isso seria, aliás, completamente absurdo, na medida em que o mercado oferece inúmeras soluções gratuitas para hospedagem electrónica; não é por aí que a info-exclusão se reduz nem o negócio dos CTT floresce;

2 O Via CTT pretende sim alocar a cada cidadão português uma caixa postal electrónica onde, à semelhança do correio físico, cada um pode receber e processar toda a sua correspondência transaccional (facturas, extractos, avisos e outros registos de tipo B2C e A2C) num só recipiente digital, unicamente alimentado pelos CTT – seguro, gratuito, universal e cómodo, como nenhum outro;

3 Ao contrário do que Pacheco Pereira supõe, a introdução do Via CTT, em 2006, pouco teve que ver com desígnios propagandísticos do Governo, antes constituindo um movimento estratégico por parte dos Correios – a um tempo, de ataque e de defesa perante a ameaça das plataformas digitais; o Governo limitou-se a apoiar, sem quaisquer custos para o orçamento de Estado, o seu lançamento público, enquadrando-o na matriz de concessão do serviço postal;

4 O investimento realizado no serviço Via CTT foi exíguo – na ordem do milhão de euros em custos directos de produção, fora as despesas de processamento e armazenagem, proporcionais ao número de clientes –, inteiramente auto-financiado e substancialmente inferior ao que a generalidade das grandes empresas já torraram nas suas plataformas digitais proprietárias;

5 A adesão dos consumidores ao Via CTT tem progredido lentamente (como em todas as suas concorrentes), não pela falta de atributos ou de utilidade do serviço, mas antes por razões bem mais prosaicas: desconhecimento, iliteracia informática, indiferença ou, muito simplesmente, indisponibilidade para romper com o correio físico (a razão mais poderosa);

6 Todos os portugueses são perfeitamente livres de aderir, gratuitamente, ao serviço Via CTT, se assim o desejarem e na modalidade que desejarem; há capacidade para dez milhões (o que é muito diferente da falácia pueril do “e-mail para todos os portugueses”); mas nada os obriga nem os constrange, nem sequer as efabulações de Pacheco Pereira.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Barroso faz-se de lucas: os EUA que travem a crise!

Só cá faltava mais esta demonstração do carácter do Dr. Durão Barroso.
O Presidente que há quatro anos está à frente da Comissão Europeia e, qual avestruz de cabeça enterrada na areia (vd meu post de 22.9 "CE - avestruz de cabeca enterrada no ... casino"), não a fez mexer nem um dedinho – apesar de instado/a há mais de um ano pelo Parlamento Europeu e, pelo menos, pela Senhora Merkel - para regular, supervisar, disciplinar o funcionamento da banca europeia e os produtos e métodos altamente “tóxicos” em que esta negociava e lhe grangeavam lucros faraónicos (sobretudo para os gestores de topo).
Pois o Dr. Durão Barroso, que tem estado caladinho desde que esta crise financeira global estalou, veio agora finalmente dar um ar de sua graca: não para reconhecer responsabilidades e prometer acção reparadora e disciplinadora a nível europeu (e não apenas de cada Estado Membro individualmente), relativamente os agentes e mercados financeiros.
Não, nada disso – o Presidente Barroso veio admoestar os EUA para resolverem sem demora a crise financeira mundial que criaram.
A lata é inesgotável! Já a vimos no Dr. Barroso a propósito da invasão do Iraque, de Guantanamo, da tortura e das prisões secretas: primeiro atira-se de cabeça, irreprimivel e acriticamente, atrás da mais reaccionária e demente Administração americana. Depois, quando as coisas ostensivamente dão para o torto, faz de lucas, nada era com ele: a responsabilidade é de outros, a eles cabe apanhar os cacos!....
Ninguém evidentemente contesta que cabem aos EUA, desde as teses da era Reagan, principais responsabilidades pela crise financeira global que agora estoirou.
Mas na Europa os principais reponsáveis políticos e económicos, aqueles que foram governo (incluindo gente que se dizia socialista) e foram atrás das teses neo-liberais que pregavam contra o Estado, a favor da desregulação e praticavam a supervisão ficcionada, não podem agora tirar o cavalinho da chuva e mandar as culpas só para os americanos.
Se há desregulação, comportamentos gananciosos aventureiros e criminosos da banca e de fundos de investimento europeus, a culpa não é dos americanos – mas sim dos governantes e reguladores europeus que desregularam ou deixaram desregular e que afrouxaram a supervisão, incentivando o abuso e o excesso.
O Dr. Durão Barroso, por exemplo, não só foi Primeiro Ministro de Portugal num período de privatização por tuta-e-meia de bens, serviços e empresas públicas (as OGMA, por exemplo), e de vê-se-te-avias para a desregulação e para o relaxamento da supervisao. Há quatro anos que é Presidente da Comissão Europeia e nada fez para antecipar e prevenir os perigos da ganância e da roda livre no mundo da banca e das finanças europeias e mundiais, para travar o processo de desregulação a nível europeu, para afastar as ameaças resultantes do descontrole e opacidade de “private equities”, “hedge funds”, “sovereign funds” e dos famigerados “off-shores”.
Estão enganados aqueles que pensam que o Dr. Barroso e outros com idênticas ou ainda mais responsabilidades vão escapar sem que lhes sejam pedidas contas na Europa. Além das que têm de ser pedidas aos governos que continuarem inertes a ver a crise afundar a economia europeia.

A crise, os gurus, as raposas e os galinheiros...

A Goldman Sachs não tem só Presidentes.
Tem dezenas de Vice-Presidentes. Fora os que já teve.
Um deles foi o inefável Dr. António Borges, guru do PSD para a economia e finanças.
Que hoje é membro da European Corporate Governance Forum, um organismo - vejam lá - estabelecido pela Comissão do Dr. Barroso supostamente para zelar pelas boas práticas financeiras nos Estados membros da UE!!!... (lá sentido de humor têm eles, esta de porem raposas a guardar os galinheiros, dá no que deu - toparam eles que a crise vinha lá? actuaram eles para prevenir, para a travar? ....) .
Já se percebeu: o Dr. António Borges deixou a Goldman Sachs, à semelhança dos seus patrões americanos, e trata agora de influir mais na governação em que pode influir – a portuguesa, concretamente.
Recorde-se a ajuda que este guru da finança terá prestado à Dra. Manuela Ferreira Leite, quando era Ministra das Finanças do governo Durão Barroso-Portas, a inventar a a solução de vender por conta os créditos fiscais do Estado ao CityGroup. Uma solução desastrosa para o erário público – isto é, para os contribuintes portugueses, que mesmo sem o saber, estão ainda hoje a pagá-la com língua de palmo.
Não espantaria, assim, se tivesse sido o guru Borges de novo a inspirar a líder do PSD a vir ontem espadeirar contra o Primeiro Ministro por tentar tranquilizar os portugueses quanto às suas poupanças, garantindo a “boa resistência” da banca portuguesa (bem pode, bem pode garantir, que a malta tende a acreditar pouco...).
Quanto ao fundo da questão, as razões da crise, a Dra. Manuela nada disse – pudera, pois se o tempo dela no governo foi um ver-se-te-avias na desregulação e no afrouxamento da supervisão do Estado sobre a banca e não só. Por inspiração de gurus como o Dr. Borges e não só...
Quanto a soluções para a crise, a líder do PSD entrou muda e saiu calada: pois se a sua sabedoria financeira, como se viu quando estava no governo e sob a inspiração iluminada da Goldman Sachs via Dr. Borges, se confina a determinar a que prego se hão de ir empenhar os anéis. E de anéis estão os pregos cheios, nos dias de crise que correm....

Quem governa afinal? A Goldman Sachs...

O Congressista Dennis Kucinich (Democrata), que vota contra o pacote de salvação Bush-Paulson, disse à jornalista Amy Goodman (nossa conhecida pelo que se bateu para denunciar o massacre de Santa Cruz em Timor Leste) para o programa “Democracy Now!”:
«Nós somos o Congresso dos Estados Unidos da América. Nós não somos o Conselho de Administração da Goldman Sachs. A Goldman Sachs está a lutar para sobreviver. E sabem, o seu antigo patrão é agora o Secretário do Tesouro dos EUA. Ele está em posição de direccionar os fundos de modo a ajudar a reforçar a sua própria situação financeira. Isto é, estamos perante um claro conflito de interesses. Isto é qualquer coisa que precisa de ser dita».
De facto Hank Paulson foi até há dois anos, antes de assumir a pasta de Secretário de Tesouro da Administração Bush, o Presidente-Executivo da Goldman Sachs. E vários dos seus antecessores naquele cargo governamental também vinham – adivinhem lá! ... de big bosses da Goldman Sachs...
Segundo a notava BBC World Service ontem, é política da Goldman Sachs pôr os seus homens que rapidamente enriqueceram a passar a outra actividade, ao fim de algns anos: a infiltrar-se na governação para mais influenciar e prosseguir a defesa dos interesses da liberalização financeira e da ...Goldman Sachs, evidentemente.

terça-feira, 30 de setembro de 2008

"Social-democracia" à portuguesa (2)

Ao ver filiadas no PSD a defender no programa Pros & Contras as posições mais retrógradas sobre a família, o casamento e o divórcio, é caso para dizer que a referência da social-democracia no nome do partido constitui um inaceitável abuso de semântica política.
Depois queixem-se de que não saem dos 30% de intenções de voto...

"Social-democracia" à portuguesa (1)

O nosso PSD apoia oficialmente a candidatura Republicana à Casa Branca.
Mas existe algo no reaccionarismo ideológico do Partido Republicano, incluindo Sarah Palin, que não envergonhe um partido que se reclama da social-democracia europeia, por mais afastado que esteja das suas origens?!

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

EUA: uma Administração "lame rat"

O Plano Paulson, apresentado pela Administração Bush, acaba de ser derrotado na Câmara dos Representantes do Congresso americano e as consequências já estão a sentir-se devastadoramente na bolsa de NY e restantes pelo mundo fora.
141 democratas votaram a favor (94 contra) - mais uns tantos do que os 125 que os negociadores democratas haviam prometido ao governo e seus contrapartes republicanos. E votaram por compreender a magnitude da crise económica que o Plano se propunha alcançar e não querer ser acusados de inviabilizar o suster da crise. Votaram a favor apesar de saberem que boa parte do povo americano não aceita, nem compreende, o "bailout" que o Plano Paulson implica: não aceita que se salvem os bancos, fundos e seguradoras que criaram a crise, atirando-lhes mais dinheiro dos contribuintes, ao mesmo tempo que muitos cidadãos continuam a perder as suas casas e empregos e muitas pequenas e médias empresas a fechar portas.
Quem roeu a corda foram os Representantes republicanos e praticamente na proporção de 2 para 1 (66 a favor e 132 contra), votaram contra o "deal"bi-partidário, ontem re-anunciado, de um plano dito de salvação da economia suplicado de joelhos pela Administração Bush-Cheney.
Uma Administração que só tornou o mundo mais perigoso e injusto e que só arruinou e descredibilizou os EUA globalmente.
Uma Administração que já não consegue sequer obter a lealdade dos congressistas do seu próprio partido face a uma emergência desesperada, apresentada como crucial para a salvação da economia nacional.
Uma Administração"lame duck" dizem muitos, apontando para grave crise de liderança que este episódio ilustra. "Lame rat" seria terminologia mais apropriada.

1º debate: Obama/McCain

"Ambos os candidatos concordaram, no entanto, que os EUA precisam de recuperar credibilidade no mundo e para isso é fundamental acabar com a tortura em que Bush os enlameou (chato, muito chato para o embaixador americano em Portugal, que acha que é tudo invenção....)."
É um extracto de um artigo que escrevi para o "Jornal de Notícias" sobre o primeiro debate Obama/McCain e que já pode ser lido integralmente na ABA DA CAUSA.

Inquietação

Os resultados das eleições parlamentares austríacas são preocupantes. O Partido Social Democrata ganha com menos de 30%, mercê de uma queda ainda maior do Partido Popular, ao passo que dois partidos da extrema direita somas quase 30% dos votos.
Já se sabia que os tempos de crise favorecem o extremismo político. No caso da Áustria, porém, trata-se sempre da extrema-direita...

Impunidade

Ficou-se a saber agora que, durante anos e anos, o município de Lisboa oferecia discricionariamente casas municipais a beneficiários avulsos, com rendas de favor.
O problema é que a arbitrariedade acaba normalmente premiada com a impunidade.

Crítica assimétrica

Sim, esta minha ideia não é imune à crítica.
Em todo o caso, embora controversa, a ideia de bonificar transitoriamente os juros dos empréstimos à habitação das famílias com menos rendimentos é seguramente mais justa do que a bonificação socialmente indiferenciada que vigorou durante muitos anos para o crédito à habitação dos jovens, ou do que as auto-estradas isentas de portagem (SCUT), ou do que a quase gratuitidade do ensino superior independentemente dos rendimentos, ou do que estacionamento gratuito de automóveis particulares em lugares públicos.
E quanto a esses casos de subsídio aos que não precisam não vejo os liberais rebelarem-se...

sábado, 27 de setembro de 2008

Parabéns, Catarina!


Parabéns Catarina Albuquerque, a brilhante jurista da PGR e negociadora internacional portuguesa que acaba de ser nomeada Relatora para a Água do Conselho dos Direitos Humanos da ONU!
Um lugar da maior importância e sensibilidade política que Catarina vai desempenhar tão brilhantemente quanto conduziu as dificeis e prolongadas negociações que levaram à conclusão do Protocolo ao Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais.
A água, ou a falta dela, como sabemos mas não ligamos muito, cada vez mais vai estar no cerne da conflitualidade no mundo e logo de graves violações de direitos humanos.
É fantástico que seja uma mulher e portuguesa quem agora é encarregue de estudar as implicações das disputas sobre água nas situações de direitos humanos já identificadas e a identificar.
É fantástico, mas não cai do céu, nem do voluntarismo pontual de qualquer governo para repentinamente promover no sistema da ONU uma candidatura portuguesa: é sobretudo o resultado das extraordinárias qualidades profissionais, da longa experiência diplomática (que não é apanágio só de diplomatas de carreira) e da brilhante capacidade de operar e criar consensos em negociações internacionais de Catarina de Albuquerque.
O mérito de sucessivos governos (através do MNE, M. Justiça e PGR), foi sobretudo o de sempre deixarem ir Catarina para a frente, mesmo sem a apoiar muito, substantivamente, mesmo sem perceberem o que ela fazia e como tinha potencial para ir longe (umas cartinhas aqui e ali, são o mínimo). Sem perceberem que não se colocam peças no topo da ONU (ou da UE) sem se investir de baixo, de longe, persistentemente, na promoção de profissionais capazes, para serem testados e reconhecidos dentro do sistema .
No MNE, o mérito foi saber chamar peritos de fora para investir nas delegações a organismos especializados, como a Comissão dos Direitos Humanos. O mérito cabe sobretudo a uma pessoa, que concebeu essa estratégia, nos anos 80 : o Embaixador Costa Lobo. Fez-nos descobrir e revelar ao mundo a excepcional Marta Santos Pais, que hoje dirige o Instituto Inocenti da UNICEF, em Florença. Fez-nos descobrir e revelar ao mundo esta determinada, divertida e aguerrida Catarina Albuquerque.

PS - E quantas mais mulheres portuguesas de grande qualidade profissional - diplomatas, juristas, policias, militares, cientistas, etc... -não enxameariam hoje essas organizações internacionais, se houvesse a política de as lançar e nelas investir para as promover no sistema!Se Portugal aplicasse devidamente a resolução 1325 do Conselho de Segurança da ONU. Se já tivesse a funcionar um Plano Nacional de Acção para a aplicar.

Afeganistão: levantando o véu

É o nome de uma extraordinária reportagem da CNN - Special Investigations Unit (Lifting the Veil), conduzida por Sharmeen Obaid Chimoy, que recomendo vivamente.
Cobre muito do que vi e senti quando visitei o Afeganistão em Maio passado.
Documenta a brutal opressão das mulheres no Afeganistão de hoje, apesar de ligeiras melhorias em relação ao tempo dos Talibans.
Um devastador veredicto sobre tudo o que tem estado errado na operação NATO/EUA! E a raiva é que ela poderia dar certo se proteger e melhorar as condições de vida da população civil - e das mulheres e crianças em particular - fosse o objectivo das forças estrangeiras, em vez de uma derrota militar machista sobre os Taliban/Al Qaeda. Que cada dia se reforçam, como vemos, beneficiando dos erros NATO/EUA.

O debate aconteceu e Obama venceu

O debate aconteceu:
Mc Cain reconheceu que estava a derrapar na opinião pública e acabou por dar uma cambalhota, aparecendo afinal, apesar de ainda não haver "deal" sobre o "pacote de salvação" dos 700 mil milhões.
O debate esclareceu:
na economia e na política externa ficaram claras as diferenças que separam os dois candidatos -menos na forma enfrentar a crise financeira, mas claramente quanto aos impostos, nas prioridades orçamentais, no sistema de saúde, no investimento na educação, nos desafios energéticos, nos gastos na defesa; no Iraque, no Irão, no Afeganistão, na luta contra o terrorismo, na atitude face à Russia e na recuperação do papel dos EUA no mundo. A escolha ficou mais acessível para quem hesita ainda: quem quiser mais de Bush, em versão primeiro mandato, vota McCain. Quem quiser mudar de políticas e procurar melhorar a economia da America e a sua posição no mundo, vota Obama.
O debate produziu um ganhador: Barack Obama. Calmo, conhecedor, ofensivo q.b. sem ser agressivo.
O debate produziu um perdedor: JohnMc Cain. Que era quem precisava de ganhar com vantagem para compensar uma semana desastrosa e não ganhou nada (segundo as sondagens de várias cadeias de televisão, claramente perdeu). Além de surgir agressivo, paternalista, desfocado, agarrado ao passado.

PS 1 - Viram como Mc Cain embuchou com a do Zapatero que o Obama lhe enfiou? Qual retaliar pela retirada de Iraque, qual carapuça: o homem julgou que lhe estavam a falar nalgum sul-americano pouco recomendável!...

PS 2 - O Biden já comentou o debate. A Palin está aferrolhada, não vá meter mais água e afundar ainda mais a campanha de McCain. Esse pratinho não perco eu: o debate entre candidatos a vice-presidentes que se segue.

Descentralização regional

Juntamente com João Cravinho, participei anteontem à noite num colóquio sobre a regionalização, na série organizada pela Câmara Municipal do Porto. Algumas das ideias que defendi encontram-se referidas nesta notícia e nesta.

Dilema

A última reunião do Ecofin deu explicitamente luz verde aos Estados-membros para utilizarem a política orçamental como instrumento de ajuda à economia. Nesse sentido, a França acaba de anunciar o deslizamento do calendário de redução do défice nos próximos dois anos.
E Portugal? Vai manter as metas de redução do défice estabelecidas em 2005, que fixaram em 1,5% o limite do défice do próximo ano (o que retira margem para qualquer alívio fiscal ou para aumento da despesa pública), ou vai abandonar esse objectivo, a fim de expandir o investimento público e as despesas sociais, de modo a ajudar a economia e a atender às dificuldades sociais que a crise agrava?