terça-feira, 17 de junho de 2014

Coesão da zona euro

«Despesa com reforma do Estado devia ser excluída do défice, defende vice-chanceler alemão».
A ideia é atraente, embora apresente dois senões: primeiro, não é susceptível de convencer os defensores do equilíbrio orçamental efectivo como valor inderrogável; segundo, mesmo que tal despesa não contasse para o défice orçamental, ela continuaria a contar para a dívida pública e a onerar os orçamentos nacionais.
Melhor, por isso, seria optar por programas nacionais de correcção dos desequilíbrios estruturais na zona euro,  mediante cofinanciamento pela União das necessárias reformas estruturais, entre as quais a reforma do Estado, nos países que tenham competitividade abaixo da média da zona euro. A coesão da zona euro interessa a todos os países que a compõem. Por isso, investir na redução dos desequilíbrios, mediante programas de duração adequada (dez anos, por exemplo), com metas claras e controlo efectivo, seria um investimento, não uma despesa para os países mais desenvolvidos.

Adeus, Iraque

Blair diz que a invasão anglo-americana do Iraque não é responsável pela actual crise no País. Mas Blair e Bush (e os que rejubilaram com a estúpida invasão) não podem negar a sua responsabilidade na criação das condições que levaram a esta tragédia iraquiana, culminando a crise permanente de que o País nunca mais saiu depois da invasão.
A verdade é que a invasão desmantelou o Estado e abriu o campo às seitas e às tribus. Ignorantes da História, Bush & Blair esqueceram que sem Estado as sociedades pré-modernas tendem a regressar ao estado da barbárie que hoje se vive no Iraque, e que mais vale um Estado autoritário, que preserve a paz civil e religiosa e a segurança, do que a anarquia belicosa das seitas e das tribos, na qual toda a liberdade e segurança individual deixam de existir.
Parafraseando um dito célebre da Revolução Francesa, muitas vezes é o Estado que liberta e é a falta dele que oprime.
Lamentavelmente, o fim do Iraque pode estar mais perto.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Neoliberalismo furtivo

O neoliberalismo não se manifesta somente na privatização de tudo o que é público e, em particular, no esvaziamento do Estado social. É também um desígnio compulsivo de enfraquecimento do Estado e da Administração.
Há dois projectos legislativos pendentes que se inscrevem nesse propósito de desarme do Estado. Um é o da revisão do Código de Procedimento Administrativo, que torna excepcional o chamado "privilégio de execução prévia" da Administração, que lhe permite executar as suas decisões de autoridade mesmo perante a oposição dos interessados, sem ter de ir previamente aos tribunais obter um título executivo (sem prejuízo obviamente de decisão judicial de suspensão da execução). Outro é a revisão do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, que vem retirar à Administração a possibilidade de invocar um interesse público de especial relevo para se opor à suspensão liminar desencadeada automaticamente pela impugnação judicial do acto administrativo em causa, passando a Administração a ter de esperar por uma decisão judicial sobre a suspensão.
Junta-se aqui a fome com vontade de comer: por um lado, a fome ideológica do fundamentalismo neoliberal, para quem o Estado não pode ter prerrogativas de autoridade face aos privados, em nome de uma suposta "igualdade de armas"; por outro lado, a vontade de comer dos advogados e jurisconsultos a quem o Governo encomenda estes projectos e que, em geral, estão habituados a litigar contra o Estado e a defender os privados contra o Estado.
Não haja equívocos: um Estado desarmado é a melhor receita para o triunfo dos interesses privados contra o interesse público. As grandes interesses e os seus advogados rejubilam com este neoliberalismo furtivo, de que todos fingem não se aperceber.
É de estranhar, por isso, o silêncio sobre estes projectos por parte da oposição, bem como da direita tradicional que preza a posição especial do Estado como garante do interesse público.

Parceria transatlântica

«Portugal é dos que mais ganha com parceria transatlântica [de comércio e investimento]».

Irremovibilidade

Independentemente da sua bondade jurídico-estatutária, o parecer do Conselho de Jurisdição do PS (cujo teor ainda se desconhece) no sentido de que o congresso extraordinário não é electivo do líder do Partido suscita desde já dois comentários políticos.
O primeiro é o de que, mesmo que o congresso extraordinário não implique em si mesmo a convocação de eleições para secretário-geral, há uma coisa os estatutos não proíbem e que ninguém poderia impedi-lo de fazer: proceder a uma avaliação da liderança e da situação do Partido e tomar posição sobre a necessidade de antecipar as referidas eleições, para resolver quanto antes a crise aberta no Partido (que de outro modo pode demorar muitos meses a resolver).
O segundo comentário diz respeito à "superblindagem" hiperpresidencialista do mandato do SG nos actuais Estatutos do PS. O mandato só cessa antecipadamente com a autodemissão do próprio. O SG é irremovível, seja o que for que ele fizer (ou não fizer) durante quatro anos, não havendo impeachment nem recall nem outro meio de o afastar, por maior que seja a insatisfação com o seu desempenho e por menos positivas que sejam as perspectivas eleitorais do Partido.  O que se pode questionar é se esta absoluta irremovibilidade faz sentido em termos de responsabilidade democrática e de democracia intrapartidária, sobretudo se nem um congresso extraordinário puder pôr em causa o SG em funções.

Aditamento
A agenda do Congresso também poderia incluir justamente a revisão dos Estatutos no pontos assinalados.

Aditamento 2
Um leitor argumenta que a regra da inamovibilidade do SG já existia antes da actual direcção (o que em si não a torna uma coisa boa). Mas é uma meia verdade: antes o mandato era de dois anos, passou a ser de quatro, um aumento de 100%. Não é bem a mesma coisa! Agora um SG, eleito no rescaldo de umas eleições legislativas, mantém o mandato irrevogavelmente até depois das eleições legislativas seguintes, suceda o que suceder! Ora, uma legislatura pode mudar muita coisa, no País e no partido (como se está a ver, aliás...).

Eleições "primárias"

Há quem conteste não somente a bondade e oportunidade das chamadas eleições primárias no PS para "candidato a primeiro-ministro" mas também a sua própria legalidade. Ora, quanto ao segundo aspecto, não me parece haver razões para a impugnação.
É certo que nem o referido cargo, nem a sua eleição directa, nem a participação dos simpatizantes estão previstos nos Estatutos; mas também não estão proibidos, devendo entender-se que estão cobertos pela liberdade de auto-organização e de acção dos partidos, como entidades de direito privado que são (e não organismos de direito público, que, esses sim, só podem fazer o que a lei permite).
É evidente que os órgãos estatutários só podem ser eleitos pelos membros do Partido. Mas, no silêncio dos Estatutos, nada impede o PS de consultar os militantes e os simpatizantes (os quais, aliás, têm previsão nos estatutos) sobre os candidatos a apresentar (ou a apoiar) pelo Partido a cargos políticos externos, desde o Presidente da República aos presidentes de junta de freguesia, desde o primeiro-ministro aos presidentes de câmara municipal. Ponto é que se respeitem não somente as necessárias regras de transparência e imparcialidade mas também própria definição e o estatuto de simpatizante, tal como previsto nos Estatutos, sem nenhuma modificação ad hoc. É verdade que o direito de participar em eleições internas não consta entre os direitos dos simpatizantes enunciados nos Estatutos, mas é princípio constitucional pacífico que os direitos podem sempre ser ampliados (salvo havendo norma em contrário, o que é o caso em relação aos cargos partidários propriamente ditos).
Por conseguinte, pense-se o que se quiser sobre a razão por que foram precipitadamente convocadas tais eleições "primárias" (contrariando posições anteriores) e sobre o efeito de precedente que elas vão criar (cujo impacto está por avaliar), elas não são em princípio ilícitas. Também aqui, nem tudo o que é politicamente controverso é ilegal.  

sexta-feira, 13 de junho de 2014

"Trabalho digno para todos"


Eis a capa do meu mais recente livro (título "roubado" a um programa da OIT), que está nas livrarias desde esta semana. É um estudo sobre o lugar dos direitos fundamentais dos trabalhadores na política de comércio externo da União Europeia.
Da apresentação:

Ao visitar pela primeira vez a sede da Organização Mundial do Comércio (OMC) em Genebra, senti-me intrigado pelos quadros e murais que no interior do edifício ilustram cenas do mundo do trabalho, entre os quais um mural intitulado A dignidade do trabalho, de Maurice Dennis, datado de 1931. Uma breve investigação clarificou o mistério: o referido edifício começou por ser a sede da Organização Internacional do Trabalho (OIT), aí instalada desde a inauguração do imóvel em 1926.
Inicialmente, a associação entre comércio internacional e trabalho, simbolicamente representada no Centro William Rappard, pareceu-me estranha, sabendo da tradicional segmentação do direito internacional e das organizações internacionais e conhecendo vagamente o contencioso entre ambos na história da OMC (e do GATT, que a precedeu). Mas a curiosidade académica levou a melhor, instigando-me ao estudo dessa relação, tão conflituosa quanto eletiva, entre o comércio internacional e os direitos dos trabalhadores.
O presente livro constitui o resultado desse desafio.

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Precipitação

É evidente que, ceteris paribus, a redução do número de deputados de 230 para 180, tal como proposto agora pelo PS, produziria uma significativa redução da proporcionalidade do sistema eleitoral para a Assembleia da República, agravada, aliás, pela criação de círculos uninominais. Esse resultado só poderia ser contrariado redesenhando o sistema eleitoral, por exemplo criando um círculo nacional de mais de 50 deputados (equivalente ao actual círculo de Lisboa).
O que a proposta inesperadamente apresentada pelo PS mostra é que ideias avulsas, desenquadradas de uma visão global do sistema eleitoral, só criam equívocos e dão o flanco a acusações tão fáceis quanto eficazes. Em política a precipitação e a impreparação podem ser fatais.
Como aqui se assinalou, não havia necessidade...

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Brincar com a economia

Com um ano de atraso em relação ao prazo fixado na lei (que eficiência em tempos de urgência!), a  Ministra da Justiça anunciou os traços do novo estatuto da Ordem dos Advogados, em que se rejeita a ideia de sociedades multidisciplinares com outras profissões.
Independemente de saber se tal proibição tem fundamento na lei-quadro das ordens e se não contraria o memorando com a troika, a decisão é errada. Primeiro, não procede o argumento da deontologia própria dos advogados, pois ela tem a ver com a prestação individual de serviços e não com a forma de organização empresarial dos advogados, sendo sempre possível estabelecer as necessárias "paredes chinesas" para preservar o sigilo e a autonomia de cada profissão; de resto, há sociedades pluriprofissionais em vários países, sem problemas de maior. Segundo, a proibição frustra a principal vantagem das sociedades pluriprofissionais, que é a de oferecer aos clientes empresariais soluções multi-serviços integradas (advocacia, contabilidade e revisão de contas, consultoria fiscal, etc.), que é um importante contributo para a eficiência na prestação de serviços empresariais e para a competividade da economia.
A Ministra, também ela advogada, cedeu manifestamente perante o atavismo proteccionista da profissão. O interesse geral da economia foi mais uma vaz sacrificado ao interesse corporativo das profissões.

Adenda
Será que o Ministro da Economia e o Primeiro-Ministro concordam com esta solução nada reformista?

Os desafios de Costa

Os desafios de António Costa no seu repto à liderança  do PS não se travam somente dentro do Partido, pelo contrário. Enuncio os principais, do meu ponto de vista:
1. Como responder ao sentimento de défice de liderança e à frustração de muito eleitorado tradicional do PS em relação ao Partido (que se mostrou claramente nas eleições europeias)?
2. Como afirmar a necessária autonomia e marca pessoal do seu projecto de liderança sem alienar nem frustrar o apoio das várias correntes do PS, com significativas diferenças de posições entre si?
3. Como mobilizar o centro político, onde se ganham todas as eleições, a partir de um programa de esquerda e sem perder o apoio não somente da esquerda do PS mas também dos eleitores que podem ser tentados pelo radicalismo do Bloco ou do PC?
4. Como cativar os eleitores à esquerda, sem acenar com concessões políticas ao PCP e ao Bloco, que arruinariam qualquer perspectiva de governabilidade ou mesmo de credibilidade?
5. Como construir uma convincente alternativa do governo e demarcar-se da coligação PSD/CDS, sem ceder à tentação fácil de tergiversar sobre as obrigações de disciplina orçamental e de melhoria da competitividade económica do País, que não podem ser postas em causa?
6. Como garantir a sustentabilidade do Estado social -- sobretudo do sistema de pensões -- num quadro de rigor das finanças públicas que veio para ficar e de condições sociais cada vez mais exigentes (escassez de natalidade e envelhecimento da população)?
7. Como assegurar a autoridade do Estado em geral e a sua capacidade de desempenho, num quadro de rigor financeiro, perante a conhecida resistência dos aparelhos e das corporações do Estado à mudança (José Sócrates que o diga!) e perante a oposição social e ideológica à redução do perímetro institucional do Estado, mesmo quando as situações a impõem (autarquias sem população, escolas sem alunos, tribunais sem processos, etc.)?
8. Como rejeitar liminarmente qualquer flirt com ideias insensatas como a denúncia do Pacto Orçamental e outras quejandas e com fábulas como a "reestruturação" ou "mutualização" da dívida pública, sem abdicar de uma posição exigente sobre a necessidade, ao nível da União Europeia, de reforçar a coesão e reduzir os desequilíbrios dentro da zona euro (essenciais para a sua própria sustentabilidade)?
9. Como conceber e conduzir uma forte política europeia do País e maximizar o seu impacto e visibilidade nas instituições europeias -- lá onde são tomadas, cada vez mais, as decisões com maior impacto no País --, que vá além da escola do "bom aluno" complacente ou do mau aluno recalcitrante?

Adenda
Convenhamos que, mesmo para um especialista em "quadratura do círculo", os desafios são muitos e as soluções não são assim tão evidentes...

terça-feira, 10 de junho de 2014

Um pouco mais de respeito, sff

Qualquer que seja a avaliação sobre o desempenho político de Cavaco Silva como "moderador" do sistema político -- e o autor destas linhas não tem sido propriamente leniente nas críticas --, nunca se pode esquecer que ele não é chefe do Governo, mas antes Presidente da República e comandante supremo das forças armadas. E foi na qualidade dessa alta magistratura do Estado que ele presidiu hoje às cerimónias do 10 de Julho e passou pela ingrata situação da indisposição que interrompeu o seu discurso.
Superou a embaraçosa situação com dignidade e não merece o tratamento aviltante com que é hoje visado nas "redes sociais" por algumas criaturas sem educação cívica nem respeito pela dignidade alheia. Disgusting!

O problema é nosso!

Diz um reputado comentador político: «Se o memorando [com a troika] e o Tratado Orçamental são "inconstitucionais", o problema é deles».
Errado, o problema seria nosso!
Faz parte dos princípios pacíficos do direito internacional que nenhum Estado pode invocar o seu direito constitucional interno para não cumprir uma obrigação internacional. No caso da UE, as coisas ainda são mais estritas, dado o princípio da primazia do direito da União na ordem interna dos Estados-membros, princípio aliás reconhecido entre nós pela própria CRP, que assim admite a sua "auto-derrogação" em caso de conflito com o direito da União.
Portanto, se acaso Portugal não pudesse respeitar uma obrigação face à UE por razões constitucionais internas, só tinha dois caminhos para evitar a consequente sanção: ou desvincular-se do compromisso externo (saindo da UE...) ou mudar a Constituição (o que aliás já fez várias vezes, justamente para acomodar constitucionalmente a integração na União).

Aditamento
De resto, não vejo nada de obviamente inconstitucional nem no Memorando em si mesmo nem no Tratado Orçamental. A Constituição é menos "regulamentar" do que se quer fazer crer...

Um pouco mais de contenção, sff.

«Teresa Leal Coelho defende “sanções jurídicas” aos juízes do Tribunal Constitucional».
O que para aí vai, nas cabeças esquentadas do PSD contra o Tribunal Constitucional!
Primeiro, as decisões do TC, por mais que dificultem a tarefa do Governo quanto à disciplina orçamental a que o País está obrigado perante a UE, não a tornam absolutamente impossível: o Governo pode sempre encontrar a necessária alternativa orçamental (provavelmente mais impostos). Segundo, mesmo quando um país não possa cumprir uma obrigação perante a União por causa de uma decisão do TC, os responsáveis pela eventual sanção pecuniária aplicada pela União não seriam os juízes do Palácio Rattton mas sim o País, ou seja, o orçamento (o mesmo é dizer, de novo os contribuintes)!

Campeões

O Diário Económico dá conta das conclusões de um estudo comparado sobre a austeridade em vários países da UE e da sua contestação judicial, sendo óbvio que Portugal é o campeão das decisões de ilegalidade dessas medidas, apesar de os sacrifícios terem sido bem mais duros noutros países, como a Grécia.
Sendo os princípios constitucionais relevantes os mesmos (Estado de direito, igualdade, proporcionalidade, etc.), a que se deve a diferença?

Aditamento
Diz-se na peça do Diário Económico que na Grécia "não há tribunal constitucional", o que é meia verdade. Primeiro, há justiça constitucional, visto que, como sucede entre nós, qualquer tribunal pode recusar-se a aplicar uma lei se a considerar inconstitucional; depois há um Tribunal Superior Especial, com competência, entre outras, para dirimir conflitos de jurisprudência constitucional entre os dois tribunais supremos ordinários, ou seja, o Tribunal de Cassação (supremo tribunal de justiça) e o Conselho de Estado (supremo tribunal administrativo). Esse tribunal superior especial é correntemente qualificado como "tribunal constitucional superior".

Aditamento 2
Na Grécia não foram considerados inconstitucionais nem os cortes de pensões (apesar de terem chegado a atingir 40%) nem os cortes de remuneração, salvo para as forças armadas, a polícia e... os juízes!

Comissário

«Costa defende que próximo comissário europeu português deve ser socialista».

Muito antes das eleições europeias defendi um pacto entre os dois principais partidos no sentido de acordarem que por princípio o membro português da Comissão Europeia deve ser oriundo do partido que ganha as eleições europeias. A escassez da vitória do PS não retira força ao argumento.
No mínimo, é de exigir que doravante o nome do comissário nacional seja concertado entre o Governo e a oposição. A Comissão tem um mandato de cinco anos e o actual Governo tem somente mais um ano de mandato; e mesmo se os comissários são independentes dos governos nacionais, cada comissário é sempre a presença nacional no executivo da União. Não faz sentido ser um "favorito" do governo nacional em funções no momento da designação.

domingo, 8 de junho de 2014

Diferenciação

O precipitado ataque de António José Seguro a António Costa ontem na sua página de facebook, marcado pela imoderação e pelo ressentimento pessoal, é um péssimo começo de campanha na disputa da liderança do PS. Nem António Costa nem os seus apoiantes podem cair na tentação de ripostar no mesmo registo. Costa deve marcar a diferença também aí, com serenidade e elevação, sem ataques pessoais nem golpes baixos.
Numa disputa intrapartidária há adversários mas não pode haver inimigos. Mesmo as guerras civis devem ter regras. E ambos os contendores devem ter em conta que depois da refrega interna o PS deve ser capaz de reagrupar as "tropas" de ambos os lados sob direação do novo líder para a batalha política das próximas legislativas. Aniquilar adversários ou arrasar pontes com artilharia destrutiva não ajuda...

sábado, 7 de junho de 2014

Causa e consequência

Assacar a responsabilidade da queda do PS nas sondagens ao desafio de António Costa à liderança socialista é uma falácia. As sondagens limitam-se a reflectir a dinâmica negativa criada pelo decepcionante resultado do PS nas eleições europeias (que foram uma sondagem ao vivo!). Logo no dia seguinte uma sondagem dava menos de 30% ao partido nas legislativas e foi imparável a ideia de que, tal como está, o PS não constitui um alternativa política convincente ao Governo PSD/CDS (ver este meu post).
A candidatura de Costa não é a causa das desventuras do PS nas sondagens (que aliás vêm de trás), mas sim consequência da frustração da opinião pública com o PS que as sondagens revelam.

O "efeito Costa"

Depois da sondagem de hoje no Expresso sobre a disputa da liderança no PS, penso que não é somente o PSD que tem motivos para recear o "efeito Costa" na polarização de uma alternativa política mobilizadora ao actual Governo. Também o PCP, o MPT e o Livre, que nas últimas eleições beneficiaram do défice de atracção do PS, têm razões para temer pelos seus resultados eleitorais nas próximas legislativas.
Ou me engano muito, ou as eleições directas "abertas" para a liderança do PS não vão interessar somente os militantes e genuínos simpatizantes do Partido...

Aditamento ao post precedente

9. Os limites à justiça constitucional valem para todas as maiorias e todos governos, não deixando de se aplicar aos governos de que não gostamos. Um princípio constitucional óbvio é o da igualdade de tratamento dos governos perante do Tribunal Constitucional...
10. Criou-se no nosso país a ideia de que todas as medidas governamentais a que nos opomos têm de ser inconstitucionais; e os partidos de oposição, activos promotores desta "constitucionalite" invasiva, em vez de explicarem por que é que elas são politicamente más, limitam-se a acoimá-las de inconstitucionais, prontos a recorrer a "São Ratton" como última instância. O debate político virou debate constitucional.  Não creio que seja propriamente salutar esta cooptação constitucional do espaço político.

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Limites da justiça constitucional

1. A possibilidade de declarar judicialmente uma lei inconstitucional faz parte integrante do Estado de direito constitucional, mas constitui, por definição, uma excepção ao princípio democrático e à separação de poderes, na medida em que aniquila uma decisão do legislador. Por isso, não pode ser abusada. Há que buscar um equilíbrio entre o princípio da constitucionalidade e o princípio democrático (que, aliás, é ele mesmo um princípio constitucional básico).
2. Num Estado democrático todas as leis são em princípio legítimas, salvo quando se demonstre que são contrárias à Constituição. Não é preciso demostrar que são conformes à Constituição: o "ónus de prova" recai sobre a inconstitucionalidade. Por isso, em caso de dúvida razoável, as leis não devem ser declaradas inconstitucionais.
3. Uma norma legal pode ser inconstitucional não somente por afrontar uma norma propriamente dita da Constituição (proibitiva ou preceptiva) mas também por contrariar um princípio constitucional (princípio da protecção da confiança, por exemplo). Todavia, dada a menor densidade jurídica dos princípios e a sua relativa indeterminação (aliás, maior nuns do que noutros), os princípios constitucionais só devem ser invocados isoladamente como fonte de inconstitucionalidade e sobrepor-se ao princípio democrático em casos-limite, de manifesta incompatibilidade com aqueles.
4. De resto, os próprio princípios cosntitucionais precisam de ser "harmonizados" e hierarquizados entre si (por exemplo, o principio da igualdade tributária e o da progressividade do sistema fiscal, o princípio da soberania nacional e o da integração europeia, etc.). Não há princípios constitucionais absolutos.
5. A Constituição não regula tudo nem tem solução para tudo, deixando uma ampla margem de liberdade de decisão ao legislador e aos decisores políticos (por isso é que há eleições e alternativas políticas...). Sendo certo que toda a actividade do Estado, mesmo aquela que goza de discricionariedade política, está sujeita aos princípios constitucionais, uma interpretação destes que tenda a equipará-los a normas constitucionais corre o risco de restringir indevidamente a margem de liberdade de conformação do legislador (que é própria de uma democracia liberal).
6. As decisões do legislador e do Governo geram responsabilidade política e podem levar ao seu afastamento pelos cidadãos nas eleições seguintes. As decisões do Tribunal Constitucional, não. Por isso a "discricionariedade judicial" na aplicação dos princípios constitucionais não pode equivaler a um juízo de mérito político (este é reserva do poder político eleito).
7. Obviamente as decisões de inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional são para cumprir, ponto. Mas a ideia de que não podem ser discutidas ou mesmo contestadas, sob pena de desafio à autoridade do Tribunal, não faz nenhum sentido. A interpretação constitucional do Tribunal Constitucional não é vinculativa, nem sequer para o próprio, no futuro.
8. Discordar de uma decisão de inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional não significa de modo algum sufragar políticamente a norma em causa. (I)legitimidade constitucional e (de)mérito político não são a mesma coisa (sendo essa uma distinção crucial). Nem tudo o que é politicamente defensável está imune à censura constitional e nem tudo o que é politicamente censurável é inconstitucional.

Fundamentos do Estado constitucional

«A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição» (Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, 1789, art. 16º).

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Preparativos de guerra?

Ontem o Governo emitiu sinais preocupantes de que prepara uma guerra a sério com o Tribunal Constitucional.
Primeiro, há a declaração preparatória de que «não podemos viver em permanente sobressalto constitucional».
Segundo, há a insinuação de que os juízes não têm sido «bem escolhidos», o que é a pior maneira de tentar deslegitimar a autoridade do Tribunal.
Terceiro, há o anúncio do pedido ao Presidente da República para suscitar a fiscalização preventiva da constitucionalidade dos novos diplomas sobre remunerações da função pública e sobre pensões antes do verão, deixando entender que se eles não passarem o exercício orçamental para 2015 pode tornar-se inviável.
É impressão minha ou o Governo avisa nas entrelinhas que, caso as coisas não corram de feição, pode suscitar uma crise política e desencadear eleições antecipadas, levando o "bloqueio do Tribunal Constitucional" a votos?
Não tendo sufragado pessoalmente várias das decisões do TC (nomeadamente a última), sinto-me autorizado a fazer uma advertência séria ao Governo: há jogos políticos perigosos, que sabemos como começam mas não sabemos como acabam. Quando eles põem em causa instituições "não maioritárias", que não devem fazer parte do jogo político, a tendência é para acabarem mal...

Questões constitucionais (4)

Depois de ter excluído todos as receitas propostas para os alegados males da justiça constitucional, pedem-me que tire a "moralidade" do meu exercício.
É simples: considero que as "emendas" propostas são piores do que o "soneto". Parafraseando um dito célebre, o nosso  Estado de direito constitucional pode ser o pior do mundo..., se excluirmos as alternativas. E quase quatro décadas depois da sua criação ele passou bem o teste de tempo. É melhor não mexer na arquitectura!
Quanto à actual controvérsia sobre o chamado "activismo judicial" do Palácio Ratton, só duas observações: (i) não vale a pena exagerar o seu impacto por razões de oportunidade política; (ii) precisamos de um debate mais aberto, menos ideológico e menos "clubístico" das decisões do TC. Os exemplos dos Estados Unidos e da Alemanha mostram que não há nenhuma vantagem na sacralização dos areópagos constitcionais e que a razão crítica é o melhor antídoto contra os excessos judiciais (que aliás não se revelam somente na justiça constitucional...).

Questões constitucionais (3)

Não falta também a velha e relha proposta de suprimir o Tribunal Constitucional e transferir a justiça constitucional para o Supremo Tribunal de Justiça.
Mas não vale a pena gastar latim com uma hipótese que não tem o mínimo sentido, muito menos entre nós, como já foi demonstrado inúmeras vezes (e que aliás provavelmente nada mudaria nas orientações da justiça constitucional). De resto, a solução do tribunal constitucional está cada vez mais espalhada ao nível mundial.
Solução imprópria, portanto.

Questões constitucionais (2)

Há quem ouse aventar uma revisão constitucional radical, com uma solução "à húngara": excluir as questões orçamentais e tributárias da fiscalização da constitucionalidade.
Só que não é solução defensável, pura e simplesmente. As normas orçamentais e tributárias também podem atentar contra as normas e princípios constitucionais. A sua imunidade constitucional seria um retrocesso inadmissível.
Hipótese excluída, portanto!

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Questões constitucionais (1)

Com a recente decisão do Tribunal Constitucional voltaram à liça os que acham que "não se pode governar com esta Constituição" e que por isso "se impõe uma revisão constitucional".
Tenho uma má notícia para eles: as decisões orçamentais do TC não se têm baseado em normas precisas mas sim em princípios constitucionais -- como a igualdade, a protecção da confiança, a proibição do excesso, etc. -- que obviamente não são susceptíveis de revisão, por serem parte integrante da própria ideia de Estado de direito constitucional. Aliás, alguns nem sequer se encontram expressos na Constituição...
O problema não está nos princípios mas sim na sua interpretação e aplicação concreta.
Esqueçam, portanto!

Prognósticos

Já há quem faça prognósticos sobre a próxima decisão do Tribunal Constitucional acerca da CES dos pensionistas a partir da recente decisão sobre as remunerações da função pública.
Infelizmente a jurisprudência do TC em matéria orçamental não deixa grande margem para prognósticos seguros, mas não vejo que as situações sejam semelhantes. No caso da redução das remunerações dos funcionários o Tribunal achou que se tratava de uma acumulação excessiva
de sacrifícios, uma redução que agravava um corte anterior e que se somava à perda de outros rendimentos (horas extraodinárias, etc.). No caso dos pensionistas não se trata propriamente de uma nova redução de pensões, que não houve, mas sim do agravamento de um encargo tributário já existente e que aliás se destina ao próprio sistema de segurança social e não ao orçamento do Estado.
Pode seguramente questionar-se politicamente o enorme encargo que a CES representa, sobretudo para as pensões mais elevadas. Resta saber se é constitucionalmente ilícito que os pensionistas sejam chamados a contribuir de forma mais exigente para a auto-sustentabilidade financeira do seu próprio sistema de pensões (evitando novos encargos para os contribuintes em geral). Afinal, trata-se de "mutualizar" parcialmente o financiamento do sistema de pensões, isentando as pensões mais baixas.

De te fabula narratur

Penso que o PS devia ser um pouco mais prudente na sua efusão de júbilo acerca das decisões orçamentais do Tribunal Constitucional, só porque elas colocam o Governo em dificuldades. Há-de vir o dia em que o PS seja governo e também tenha de lamentar o excessivo constrangimento do policy space naquilo que é suposto ser o núcleo duro da política, que é a política orçamental e o critério de repartição dos encargos públicos.

Assumir erros para "desempastelar"

"Julgo ser fundamental - e esta é percepção que me ficou dos contactos com cidadãos, por todo o país, na recente campanha eleitoral - que se discutam as razões do "empastelamento" que Antonio Costa vê nos resultados eleitorais do PS, a ponto de avançar finalmente para disputar a liderança: esse empastelamento não tem, de facto, tanto a ver com quem é o líder, mas com as garantias políticas que o PS oferece aos portugueses.
Não basta saber se há diferenças nas propostas políticas de Costa relativamente a Seguro, ou se é só questão de estilo: eu espero sobretudo ver o que têm Seguro e Costa para dizer aos portugueses sobre os erros cometidos pelo PS nos anos de governo que antecederam o resgate e o memorando da Troika. É que se o PS tem muito de que se orgulhar do que fez nos Governos Sócrates - do reforço da escola e saúde públicas, aos investimentos na qualificação, na ciência, na tecnologia, nas energias renovaveis, no simplex, na reforma da segurança social, etc... - também tem que assumir que cometeu erros: da nacionalização do BPN deixando de fora a SLN, a PPPs e a SWAPS lesivos para o Estado (como os negociados por Maria Luis Albuquerque), o falhanço de fazer investigar e punir responsáveis por negócios corruptos (os submarinos são só um exemplo), ao próprio respaldo de Barroso para segundo mandato na Comissão Europeia, etc...
Assumir que se cometeram erros é indispensável para mostrar que se aprenderam as lições e que se procurará não voltar a cometer semelhantes erros - isso é fundamental para o PS "desempastelar" e recuperar credibilidade junto dos portugueses, lidere quem lidere".

(Extracto da minha crónica de ontem no Conselho Superior - ANTENA 1, já transcrita na ABA da CAUSA - http://aba-da-causa.blogspot.be/2014/06/assumir-erros-para.html)





segunda-feira, 2 de junho de 2014

De vez em quando...

... as monarquais trazem boas notícias, com a abdicação do rei de Espanha.
Mas sabe a pouco: Juan Carlos não anunciou que era o último rei de Espanha, a qual vai permanecer como uma democracia limitada, onde as pessoas não nascem iguais como cidadãos.