domingo, 13 de julho de 2014

Desconstrução do BE

Com a saída de uma das correntes fundadoras do BE, a sua ala menos sectária, prossegue a sua desconstrução, que os maus resultados eleitorais consecutivos anunciavam. Desertado por eleitores e militantes, o BE corre o risco de se reduzir a um pequeno grupo político cada vez mais fechado e  mais intransigente (como manda o mix troskista-maoista que está no seu ADN...), à medida que a sua força política e a sua capacidade de atração política se desvanecer.
Se António Costa ganhar a liderança do PS e conseguir criar uma alternativa mobilizadora à esquerda, a base eleitoral do BE pode sofrer mais uma forte contração e os seus dias como partido de protesto podem ser encurtados...

sábado, 12 de julho de 2014

"Novo impulso descentralizador"

Há quase um ano, na "Universidade de verão" do PS, defendi «um novo impulso descentralizador», traduzido na transferência de um novo pacote de competências do Estado para os municípios, designadamente o ensino básico, os centros de saúde, a proteção social e o emprego e formação profissional. A ideia não encontrou porém eco dentro do PS.
Por isso mesmo, não posso deixar de registar o projeto anunciado pelo ministro Poiares Maduro, de  que o «Governo está a estudar a transferência da gestão dos centros de saúde para os municípios, para descentralizar competências, que abrangem também escolas e a segurança social». Das quatro áreas que eu mencionava, só falta a da proteção social.
Finalmente, parece, passa-se da retórica da descentralização, sem nada dentro, para uma iniciativa de efetivo reforço do poder local.
É evidente que não vão faltar oposições e resistências, vindas dos "habituais suspeitos": dos serviços centrais em Lisboa, que vão perder funções; dos sindicatos, que vão deixar de ter somente o Governo como patrão contra quem protestar; dos próprios municípios, que vão ter de dar provas de que estão à altura de novos poderes e responsabilidades. As reformas em Portugal, mesmo quando virtuosas (ou sobretudo quando o são...), são uma empresa árdua. Aguardemos, pois, para ver se a ideia vinga.

Aditamento
Consultadas as 80 medidas para o programa de governo do PS, muito pormenorizado em outros aspetos, verifica-se que ele se limita a um vago compromisso de «Continuar a transferência de competências para os Municípios (...)» (nº 55), sem nenhuma especificação, o que é tudo e nada. De um partido que é tradicional defensor da descentralização, exigia-se mais. Ser "ultrapassado" pelo PSD nesta matéria é comprometedor...

Novo treinador, precisa-se!

Esta sondagem de opinião confirma o que já se sabia desde as eleições europeias: que assim o PS não vai lá.

Adenda
António J. Seguro diz que «até à crise criada por António Costa, o PS esteve sempre a subir [nas sondagens]».  Sim, essa "subida" deu-lhe o brilhante resultado de menos de 32% na "sondagem real" que foram as eleições europeias, confirmada logo depois por uma sondagem de 26/5 sobre as intenções de voto para as legislativas. E isso foi antes de Costa, não depois. Imputar a Costa o mau desempenho do PS é uma falácia, como mostrei antes; insistir nessa falácia é mau perder. Claramente, com a atual direção o PS vale 32%. É pouco, a um ano das eleições legislativas: dá quando muito para um "vitoriazinha"; se a direta for coligada, nem isso!
[revisto]

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Gostaria de ter escrito isto

Leonel Moura: «António Costa e a cultura», no Diário de Negócios de hoje.

Diferenças

Perante a minha demonstração da patética inconsistência e das fatais consequências da mais recente proposta de reestruturação da dívida pública  (aliás evidentes para qualquer observador desapaixonado), os seus defensores abstêm-se de contestar os argumentos e limitam-se à velha receita de chamar nomes aos adversários e de tentativa de desqualificação ideológica.
Também nisso nos distinguimos: por mais que discorde das ideias ou propostas de alguém, abstenho-me de atacar ou desqualificar os seus autores (pessoas que muitas vezes até prezo, pessoal, profissionalmente e, algumas vezes, até politicamente - o que não é caso na circunstância).
Há muito que não entro nesse tipo de "luta ideológica". O meu problema são as ideias e propostas de que discordo, não quem as defende. E francamente os insultos ideológicos não me impressionam minimamente, vindos de onde vierem, muito menos de quem os usa para disfarçar a falta de argumentos. Perdem tempo, por isso.

Teses

A distinção entre dirigentes políticos, incluindo entre governantes ou dirigentes partidários e os candidatos a sê-lo, não é somente o que separa as suas ideias e propostas políticas. A liderança é também, se não sobretudo, uma questão de espessura doutrinária, de estatura moral, de consistência estratégica, de flexibilidade táctica, de capacidade comunicativa e, last but not the least, de credibilidade política.
Independentemente das qualidades noutras áreas, não é líder quem quer ou quem se julga com direito adquirido a sê-lo!

Questão de Estado

Um velho amigo pede-me que me pronuncie sobre o «alarme nacional e internacional do BESI e do BES» e sobre a «descarada e inadmissível intromissão política do PR e do Governo (aliás coligação) em assunto de tamanha sensibilidade e gravidade».
Eis como vejo a situação:
- O caso do BES e do grupo BES, a que todos os dias se somam mais motivos de preocupação e mesmo de incredulidade, está a assumir a dimensão do escândalo, que deixa a léguas de distância os anteriores "casos" bancários entre nós.
- Julgávamos que o gangsterismo bancário estava limitado aos "banqueiros" arrivistas e aventureiros, do tipo BPN e BPP, que se aproveitaram do laxismo trazido pelo neoliberalismo nos anos 80 e do favoritismo político que as ligações partidárias permitiram; afinal, o caso BES/BESI mostra que a falta de escrúpulos e de deontologia bancária atinge o círculo dos banqueiros de mais alto pedigree.
- Para o bem e para o mal o BES era o "banco do regime", pela sua história, pelo seu peso, pelas suas participações em empresas-chave (PT, EDP, etc.), pelo seu estatuto de banco oficioso de todos os governos; a crise do BES arrisca-se, por isso, a assumir a dimensão de uma crise sistémica, sendo por isso uma questão de Estado, que exige uma solução radical.
- O BES tem de passar a ser um banco normal; tem de acabar a ligação umbilical entre o Banco e o Estado; a partidarização e governamentalização da gestão do novo BES, mantendo a "porta giratória" entre o Banco e a esfera política, não ajuda à solução, só agrava o problema; o Governo e o Presidente da República deveriam ter uma palavra forte nesse sentido.
- É meritório e bem vindo o empenho do Banco de Portugal em separar o Banco dos negócios escuros da família Espírito Santo, mas isso pode não bastar; no estado em que a situação chegou, toda a confusão é letal, pelo que se impõe a diluição do domínio accionista da família no Banco e a própria mudança do nome do Banco.
- Impõe-se também a mudança do sistema de governo do Banco, acabando com a confusão entre poderes deliberativos e executivos no mesmo órgão (o conselho de administração) e introduzindo um modelo de governo "à alemã", com a separação entre um órgão deliberativo e de supervisão e um órgão executivo, de modo a conferir mais transparência e mais responsabilidade à gestão do banco; a separação de poderes nunca fez mal em nenhuma organização.
- A economia de mercado, onde o sistema financeiro representa o motor cardíaco, precisa de uma estrita regulação e supervisão bancária; quando esta falha, o sistema derrapa, e a selva impera, como se tem visto desde o início da crise financeira há meia dúzia de anos; o escândalo do BES, culminando uma série de outros escândalos bancários entre nós, há-de ficar na história como a marca de uma era em que o Banco de Portugal "dormiu na forma e não cumpriu a sua missão de supervisor, colocando definitivamente o problema de saber se o supervisor dos bancos não deveria ser independente dos bancos, incluindo o próprio Banco de Portugal; o supervisor dos banqueiros não deve pertencer à corporação dos banqueiros.
- Numa economia de mercado bem ordenada não basta a lei e a regulação do Estado, não podendo abdicar-se da autorregulação e da deontologia profissional; já há muitos anos defendi (ver aqui) que a associação de banqueiros deveria aprovar um código deontológico e velar pelo respeito do mesmo; não tenho dúvidas de que os banqueiros portugueses que respeitam as leis e as regras da profissão não podem estar confortáveis com a situação; então, por que não saem a terreiro em favor do "saneamento moral" do sector, em vez de deixarem pairar sem contradita a ideia fatal de que banqueiro quer dizer negócios esconsos e enriquecimento sem regras?

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Promessas eleitorais

Já em modo de campanha eleitoral interna, António José Seguro assevera que se for primeiro-ministro irá repor o valor dos salários na função pública e das pensões como prioridade imediata (o Governo já prometeu o mesmo mas de forma faseada, em 5 anos...).
O que falta explicar, porém, são duas questões-chave: primeiro, saber como financiar uma tal medida, no valor de muitas centenas de milhões de euros, considerando aliás a necessidade de continuar a tarefa de consolidação orçamental do país e de redução do endividamento público; segundo, mesmo se houvesse margem orçamental suficiente, por que razão consumi-la em salários e pensões, em vez de a destinar prioritariamente a recuperar os malefícios da austeridade lá onde ela é mais prejudicial ao crescimento da economia (educação, investigação científica, qualificação profissional, valorização de recursos) ou a financiar investimento público reprodutivo.
A promessa de repor à cabeça o valor de salários da função pública e das pensões pode render uns votos entre os beneficiários crédulos. Mas sem a resposta às duas questões referidas, ela é tudo menos convincente.

Certidão de óbito de uma ideia indefensável

Alguns economistas, com o conspícuo Francisco Louça à cabeça, vieram explicar o mistério da reestruturação da dívida, que reduziria milagrosamente a dívida pública a menos de metade e eliminaria de uma penada o défice orçamental.
Primeiro, prolonga-se por muitos anos o prazo da amortização da dívida e deixa de se pagar juros (cortados para 1%!) a todos os credores, incluindo os pequenos aforradores. A consequente ruína dos bancos nacionais (que detêm grande parte da dívida e que perderiam milhares de milhões de euros com a dita "reestruturação") seria resolvida expropriando os seus acionistas, credores e grandes depositantes, e transferindo os bancos "reestruturados" para as mãos do Estado, numa "nacionalização a frio".
Este revolucionário blueprint para um maciço confisco e coletivização patrimonial, que pela sua dimensão faria empalidecer a nacionalização de 1975, não se dá, porém, ao trabalho de explicar como é que isto poderia deixar de resultar em fuga maciça de capitais, corrida aos depósitos, caos no sistema financeiro, expulsão do País e dos bancos portugueses dos mercados externos (e internos) da dívida e, no fim, saída do euro e da UE, para não falar do inferno judiciário decorrente da vaga de impugnação das decisões por inconstitucionalidade, mais os milhares de pedidos de indemnização (os autores esqueceram o pequeno pormenor de que o confisco é inconstitucional...).
É evidente que nenhum governo responsável alguma vez poderia perfilhar uma ficção destas, para não falar da sua rejeição liminar pela UE.
A mirífica proposta tem porém uma enorme virtude: mostrar à saciedade, em versão autêntica, o que está por detrás e a que conduziria a ideia de "reestruturação da dívida" em versão radical. É também a sua certidão de óbito. RIP!

Adenda
No meio disto, o que surpreende é que jornais de referência tenham "comprado" esta história improvável, com direito a "editorial" e tudo, como se ela tivesse pés para andar.

Adenda 2
Declaração de interesses: Possuo umas quantas ações em dois bancos nacionais, que obviamente me apressaria a vender a desconto mal fosse desencadeada a "reestruturação", tal como todos os acionistas, numa vaga que afundaria o mercado de capitais e faria colapsar rapidamente o sistema financeiro.

Adenda 3
Os demais subscritores da "manifesto da reestruturação da dívida" subscrevem também esta proposta?

Reduzir a tributação do trabalho

Já por várias vezes me manifestei a favor da redução dos custos não salariais do trabalho, nomeadamente da TSU das empresas (que é uma espécie de "imposto" sobre os postos de trabalho), como instrumento de criação de emprego e de competitividade externa da economia (ver, por último, aqui). Apraz-me verificar que essa é também uma das propostas da OCDE no seu relatório sobre o País.
O Primeiro-Ministro diz que não há margem orçamental para tal redução. Mas a verdade é que o IRC está a ser reduzido, o CDS insiste na redução do IRS (eleições à vista!...) e está a ser revista a tributação ambiental. O que falta, portanto, é a perceção da prioridade daquela redução...

Adenda
Obviamente, há quem prefira a redução dos custos salariais do trabalho, a qual, ao contrário as redução da TSU empresarial, não precisa de ser compensada com receita tributária alternativa. O que surpreende é ver alinhar contra a redução dos custos não salariais dirigentes sindicais que supostamente deveriam pôr a criação de emprego entre as suas principais prioridades.

Rever o método de revisão

A disparatada proposta de revisão constitucional dos deputados do PSD/Madeira (na verdade da autoria do chefe do governo regional da Madeira), apresentada quase no final da atual legislatura e portanto sem nenhuma viabilidade, revela mais uma vez a necessidade de alteração do sistema de revisão constitucional vigente, que permite a qualquer deputado desencadear um procedimento de revisão constitucional a qualquer momento (salvo nos períodos de "defeso constitucional"), por mais inoportuna ou descabida que ela se apresente.
Em primeiro lugar, para que seja iniciado um procedimento de revisão constitucional deve passar a ser exigida uma deliberação da própria AR nesse sentido, só depois havendo lugar à apresentação de projetos de revisão. Em segundo lugar os projetos de revisão só devem poder ser subscritos por grupos parlamentares ou por conjunto de deputados em número não inferior a 10, de modo a conferir maior seriedade e responsabilidade ao processo.
[Revisto]

terça-feira, 8 de julho de 2014

O despudorado assalto do PSD ao BES

"Não alinho na campanha orquestrada por certa imprensa e comentadores avençados para louvar Primeiro Ministro e Ministra das Finanças por terem recusado o pedido de Salgado para o Estado, através da Caixa Geral de Depósitos, lhe facultar um empréstimo que salvasse o Grupo do incumprimento. É que Primeiro Ministro e Ministra não tinham mesmo espaço para aceder: além do furor da população portuguesa, seriam linchados pela Troika post Troika (isto é, as instituições e parceiros da UE), sobretudo depois do BES/GES ter recusado financiamento do resgate para evitar, justamente, a inspecção da saúde financeira do Grupo.
Mas entretanto, nestes últimos dias, Governo e BdP esmeraram-se a dar-me razões para reforçar as minhas críticas: se antes, no mínimo, não fizeram o que era devido, agora reincidem no indevido. Porque é de bradar aos céus o assalto ao BES pelo PSD que engendraram".


Extracto da minha crónica de hoje no "Conselho Superior" Antena 1, que se pode ler na íntegra aqui http://aba-da-causa.blogspot.be/2014/07/o-despudorado-assalto-ao-bes-pelo-psd.html

domingo, 6 de julho de 2014

Empobrecimento

Até agora o BES era o "banco do regime", agora passou a ser o banco do PSD.

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Teses para daqui a um ano

A pouco mais de um ano de distância das próximas eleições parlamentares, não é ocioso especular sobre os possíveis cenários políticos do ponto de vista do PS. Eis as minhas teses:
- O mais provável é não haver maioria absoluta, não só porque o sistema proporcional não facilita a sua obtenção mas também porque os resultados das eleições europeias a tornam quase impossível;
- Parece estar excluído à partida um governo minoritário, não somente porque nas atuais circunstâncias isso seria suicidário para o partido que tal ousasse (veja-se o triste fim do Governo Sócrates II) mas também porque o Presidente da República deve vetar tal solução;
- No caso do PS, na perspetiva de uma vitória sem maioria absoluta, a política de alianças governativas torna-se sempre uma questão contenciosa entre os partidários de alianças à esquerda e os partidários de coligações à direita; desta vez não será diferente, pelo contrário: já começaram a ser disparadas as primeiras salavas de cada lado;
- Como é tradicional, e inteiramente compreensível, o líder do PS vai mais uma vez abster-se cuidadosamente de tomar compromissos prévios nessa matéria, não somente para evitar alienar apoios em qualquer dos lados e enfraquecer a luta pela maioria absoluta, mas também para preservar a maior margem de poder negocial na formação do Governo, tendo em conta o quadro pós-eleitoral; não há nenhuma razão para pensar que desta vez vá ser diferente, qualquer que seja o líder.
- Mesmo que, se ganhar as eleições, o líder do PS se disponha a equacionar uma aliança à esquerda (o que é provável no caso de António Costa), essa hipótese fracassará necessariamente, por duas razões fundamentais: (i) porque nem o PCP nem o BE, como "partidos de protesto" que são, aceitarão assumir responsabilidades governativas, para mais no quadro de contenção orçamental a que o País está obrigado; (ii) porque é evidente que muita coisa decisiva separa a esquerda radical do PS: a economia de mercado; a democracia representativa; a disciplina orçamental; last but ot the least, as obrigações decorrentes da pertença ao Euro e à União Europeia.
- Numa coligação de governo é tão importante o driving seat como a relação de forças entre o partido liderante e o "partido júnior", não apenas quanto à composição do Governo mas sobretudo quanto ao seu programa; aqui António Costa tem toda a razão quando sublinha que uma "vitória forte" (que podemos traduzir como próxima de, ou superior a, 40%) constitui uma diferença decisiva em relação a uma "vitória fraquinha" (que podemos traduzir como abaixo dos 35%).

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Fundamentação precisa-se

Tenho defendido reiteradamente que um partido de governo como o PS só pode defender na oposição posições que seria capaz de tomar se fosse Governo.
Por isso não posso deixar de ficar surpreendido com o pacote "medidas para relançar a economia" ontem apresentadas pelo líder do PS no debate parlamentar sobre o "estado da Nação". De facto, das cinco medidas propostas, só uma delas (a subida do salário mínimo) não implica ou perda de receita pública ou aumento da despesa pública. Ora, sabendo-se que o País está vinculado perante a UE à redução do défice público e da dívida pública e sabendo-se que o PS sempre criticou o Governo justamente pelo seu falhanço em respeitar as metas nesses dois domínios, como poderia o PS, se fosse Governo, levar à prática as medidas que agora propôs sem aumentar o défice e a dívida, ou sem aumento de impostos para compensar a perda de receita e o aumento da despesa pública que decorreriam das suas propostas?
Ao contrário do PCP e do BE, para quem as questões orçamentais não importam (porque nunca contam assumir responsabilidades governamentais), o PS tem a obrigação de fundamentar cabalmente todas as propostas com implicações orçamentais.

quarta-feira, 2 de julho de 2014

A "herança socrática"

Ao contrário de outros, que agora "saem do armário" em que por conveniência se esconderam para virem alinhar com o coro da direita contra os governos Sócrates, não poupei a sua governação a críticas substantivas na altura própria, por exemplo no caso das SCUT, que condenei repetidamente, ou a ausência de resposta a alguns "cancros" das finanças públicas, como os transportes públicos ou a ineficiência do SNS.
Mas considero que só por ódio ou cegueira política é que se pode tentar apagar ou vilipendiar a posteriori a sua obra de reforma e de modernização do Estado e da economia, que nem as corporações e grupos de interesses afectados conseguiram travar nem a prolongada crise e o Governo PSD-CDS conseguiram apagar. Os ganhos que o País obteve até à eclosão da crise em matéria de educação, de saúde, de proteção social, de redução da pobreza, de eficiência económica, de racionalização do Estado, de disciplina orçamental, etc. não se suprimem por decreto, nem pelo ressentimento dos que não lhe perdoam a perda de privilégios e de regalias, nem pelo oportunismo dos que permaneceram calados à espera da sua queda.
Aquando da sua saída, fiz um balanço da sua governação, que se encontra arquivado no Aba da Causa. Diferentemente de outros, não tenho nada a alterar, passados estes quatro anos. E nem o facto de hoje não acompanhar algumas das suas opiniões em matéria orçamental me faz mudar de opinião sobre o passado.

Onde estão as prioridades do Conselho Europeu?

"Senhor Presidente, 

Como explica que ao Conselho Europeu, na agenda estratégica que aprovou, não identifique como prioridade combater o "dumping" fiscal e os paraísos fiscais, que são instrumentais para capturar governantes e administrações e constituem o sistema circulatório  da crise, da fraude e da evasão fiscais,  da corrupção, do branqueamento de capitais e da criminalidade organizada para sugar recursos aos Estados e à União, desviando-os do crescimento económico e da criação de emprego?

Nessa perspectiva, porque não olha o Presidente Durão Barroso para o nosso pais - Portugal - onde a troika austericida não quis saber dos riscos de corrupção e deixou correr privatizações, PPPs, swaps e outros contratos ruinosos e suspeitos de corrupção - como o que o seu governo celebrou para comprar submarinos? E onde a troika deixou proteger com obscenas amnistias fiscais ricos e poderosos banqueiros que fugiram ao pagamento de impostos...

Quando Portugal paga pela dívida, que aumentou brutalmente nestes 3 anos, juros muito mais elevados do que pagam Espanha e Irlanda. E quando até o insuspeito de esquerdalho FMI já veio admitir que melhor teria sido Portugal renegociar a dívida em 2011 - o que espera o Presidente da Comissão Europeia para propor um plano de mutualização da gestão das dívidas em excesso em 15 dos 18 membros da Eurozona, ou, pelo menos, de renegociação de parte delas?"


NOTA: está foi a minha intervenção, esta manhã, na primeira sessão plenária da nova legislatura do Parlamento Europeu, no debate com Van Rompuy e Durão Barroso sobre as conclusões do último Conselho Europeu

O mal não justifica o mal

Sempre apoiei a luta palestiniana pela libertação dos territórios ocupados em 1967 e pela constituição de um Estado palestiniano ao lado de Israel. Defendo que os palestinianos têm direito de lutar contra a criminosa ocupação e colonização israelita, inclusive por meios armados.
Mas também considero absolutamente condenáveis atos como o recente sequestro e assassínio de três jovens israelitas que nem sequer tinham algo a ver com as forças de ocupação. Atos destes só retiram legitimidade à causa palestiniana e dão pretexto à retaliação terrorista das forças israelitas. Além de injustificáveis, são contraproducentes.

terça-feira, 1 de julho de 2014

O Conselho de Estado do estado a que chegamos

"Veremos se no Conselho de Estado se discute e recomenda a absoluta urgência de se fazer uma reforma fiscal de fundo e transversal (e não apenas sectorial,  como foi a que vergonhosamente incidiu apenas sobre o IRC beneficiando as maiores empresas), para distribuir com transparência, equidade, progressividade e previsibilidade a tributação e de forma a por cobro ao actual sistema que  incentiva a evasão e fraude fiscais e que compensa e protege os maiores criminosos fiscais, como os banqueiros do BES beneficiados por obscenas amnistias fiscais.
Veremos também se no Conselho de Estado se vai discutir e delinear uma estratégia para o país sair do estado desesperado em que Troika e coligação o deixaram. Veremos se o Conselho de Estado assenta numa orientação para renegociarmos no quadro europeu as dívidas soberanas impagáveis - a nossa e a de outros países - e para lograrmos uma substancial redução dos juros que o país paga, incompreensíveis e iníquos face aos pagos pelos nossos parceiros Espanha e Irlanda, que também tiveram de recorrer a resgates. Agora que até já o FMI -  insuspeito de esquerdalho - vem admitir que teria sido melhor para Portugal ter avançado com a reestruturação da dívida soberana, continuar entrincheirados, como continuam Governo e Presidente da República, no reduto teutónico avesso à renegociação, não é bandeira patriótica ou ideológica: é, simplesmente, estupidez criminosa".


(Notas da minha crónica de hoje no "Conselho Superior" da ANTENA 1 - transcritas na íntegra na ABA  DA CAUSA, aqui:http://aba-da-causa.blogspot.fr/2014/07/o-conselho-de-estado-do-estado-que.html

O "costismo"

Perante a extensão e heterogeneidade dos apoios que vem somando a cada dia que passa, António Costa tem de cuidar em não se deixar condicionar nem identificar com nenhum deles, devendo recusar-se a aparecer como expressão de uma tendência ou de uma facção contra outra, desde logo pela transversalidade daqueles apoios, dentro e fora do PS.
Na geografia da disputa para a liderança do Partido, ele não deve deixar posicionar-se nem à esquerda nem à direita da actual direcção, mas sim acima dela. Perante os diversos "ismos" com que se costumam identificar as correntes e "sensibilidades" dentro do PS (soaristas, guterristas, ferristas, socratistas, etc.), ele deve protagonizar uma nova síntese mobilizadora, um novo mainstream, ou seja, o "costismo".

Antologia do wishful thinking

«Seguro vê apoio "crescente" rumo a "grande vitória"».
Ou: o que só ele próprio vê,,,

segunda-feira, 30 de junho de 2014

Quando os tribunais constitucionais erram

O Supremo Tribunal dos Estados Unidos, que também tem a última palavra em matéria de justiça constitucional, acaba de considerar inconstitucional, por unanimidade, uma lei estadual do Massachusetts que estabelecia uma zona de interditação de manifestações, de cerca de 11,5 metros, em frente das clínicas que praticam abortos, de modo a proteger as mulheres que a elas recorrem contra assédios anti-abortistas por parte de grupos radicais pro-life, muito frequentes nos Estados Unidos.
Embora reconheça que essa buffer zone se destina a proteger a liberdade e a segurança das mulheres em causa, o Tribunal considerou "excessiva" a limitação imposta à liberdade de expressão anti-abortista, por aplicação do princípio da proporcionalidade.
O New York Times, que critica a decisão (com toda a razão), lembra que o próprio Supremo Tribunal é protegido por uma proibição de manifestações em toda a vasta praça em frente à instituição, muito superior aos tais 35 pés de largura. Quando os tribunais abusam dos princípios constitucionais, as decisões deixam de ser convincentes...

Uma coisa não vai sem a outra

Sejamos sérios: enquanto houver défice orçamental há aumento da dívida pública (e mais encargos com ela). A oposição pode e deve criticar o Governo por aumentar a dívida muito mais do que o previsto (o que é verdade) mas não pode ao mesmo tempo defender maior "flexibilidade" quanto ao défice.
Uma coisa não bate com a outra. Defender mais défice é propor mais dívida. O aumento desta só pode ser estancado com a redução do défice orçamental. Qaunto mais depressa, melhor!

O contrário da "espiral recessiva"

Contrariando mais uma vez as teses da ligação automática entre quebra de rendimento e efeitos recessivos, os mais recentes números do INE mostram que no primeiro trimestre deste ano o consumo privado aumentou apesar da redução do rendimento disponível (devida principalmente aos novos cortes orçamentais).
A par do seu efeito dinamizador da economia, o crescimento do consumo privado tem porém dois aspectos negativos: (i) sacrificando a poupança interna, ele diminui a capacidade de financiamento endógeno da economia; (ii) dadas as limitações da economia nacional, o crescimento do consumo interno traduz-se no aumento das importações e no desequilíbrio das contas externas.
Afinal, a retoma da procura interna não é isenta de preocupações...

Disputa civilizada versus guerra civil

As contendas políticas intrapartidárias, como a que agora ocorre no PS, correm sempre o risco de descambar em guerra civil, de onde ninguém sai vencedor e todos perdem. Por isso, são bem-vindas as declarações dos candidatos que recusam esse registo e procuram moderar os termos da disputa socialista; prouvera que Costa não fique desacompanhado nesse desiderato.
Há um segundo aspecto a ter em conta, que tem a ver com a conduta dos apoiantes de cada campo. É evidente que nenhum candidato é responsável pelas posições nem muito menos pelos excessos verbais dos seus apoiantes. Mas têm a obrigação de não os encorajar e, se for caso disso, de os desautorizar. Há silêncios que compromentem...

sábado, 28 de junho de 2014

Comprometedor mistério

Dizer que a solução dos males do País -- desemprego, quebra de rendimentos, austeridade orçamental, etc. -- está no crescimento económico é ao mesmo tempo uma evidência e um sofisma.
Evidência, por que é óbvio que sem crescimento robusto não há criação de emprego, nem aumento da receita fiscal, nem maior poder de compra. Sofisma, porque o problema está justamente em como alcançar o crescimento económico. O problema não pode ser apresentado como solução.
Ora, antes de mais, não há crescimento sem investimento. Numa economia de mercado, aliás numa situação em que o Estado padece de constrangimentos orçamentais, o crescimento só pode assentar no investimento privado. Mas só há investimento se houver capital disponível (o que numa economia com reduzida taxa de poupança, tem de vir em boa medida do exterior) e se houver razoáveis chances de rendibilidade. E só há rendibilidade se a economia for eficiente e competitiva.
O que exige portanto dos líderes políticos não é repetir mil vezes "crescimento", mas antes que apresentem as medidas necessárias para o desencadear, fomentando a competitividade da economia portuguesa. Não há soluções salvíficas nem instantâneas. Mas nisso reina em geral o mais comprometedor mistério...

Aditamento
O mesmo vale para a ideia da "reindustrialização", que tampouco é uma panaceia. O problema está de novo em saber como tornar mais competitiva a indústria, o que tem a ver com o custo dos factores (incluindo o trabalho), com a produtividade, com os impostos, etc. Sem propostas nesses pontos, a ideia-força da reindustrialização não passa de um slogan eleitoral. Vazio...

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Mais democracia europeia

A nomeação de Jean-Claude Juncker como presidente da Comissão Europeia deve ser saudada como um passo decisivo no caminho de uma genuína democracia parlamentar europeia.
De facto, tendo os partidos europeus submetido aos cidadãos os seus candidatos à presidência da Comissão nas eleições europeias, a nomeação do candidato do partido mais votado, o PPE, só era de excluir caso ele não tivesse condições para obter o apoio de uma maioria parlamentar no Parlamento Europeu, o que não é o caso, estando em vias de concretização uma "grande coligação" entre o PPE e o PSE.
Erraram por isso todos os analistas e políticos que apostaram noutras soluções e que desvalorizaram a sujeição de candidatos ao sufrágio dos cidadãos europeus, ignorando a dinâmica criada por essa inovação. A nomeação de Juncker é também uma "bofetada" nos defensores do intergovernamentalismo no sistema de governo da UE, bem como nos que, como o Tribunal Constitucional alemão, tentaram desvalorizar a legitimidade democrática do Parlamento Europeu.
A nomeação do candidato do partido vencedor das eleições parlamentares europeias e a negociação de uma verdadeiro "governo de coligação" baseado numa maioria parlamentar aproxima decididamente o sistema de governo da União do modelo de democracia parlamentar vigente na maior parte dos Estados-membros.
Tendo eu defendido sempre essa solução desde o Tratado de Lisboa e lutado por ela na legislatura do PE que agora termina e tendo saudado os passos da sua concretização (por exemplo, aqui), só tenho razões para me sentir satisfeito.

Coesão da zona euro


O Diário Económico de ontem dava conta das hipóteses daquilo a que chama "flexibilização" da disciplina orçamental em consideração no âmbito da União Europeia, nomeadamente aquela que eu próprio aqui defendi há dias, ou seja, o cofinanciamento pela União de programas de reforma estrutural por parte dos países menos competitivos.
Julgo que Portugal e outros países com défice de competitividade e sem meios suficientes para financiar as necessárias reformas deveriam defender vigorosamente esta via e a sua concretização tão rápido quanto possível.

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Cogestão (2)

Em Portugal nunca vingou a cultura da cogestão empresarial, tendo prevalecido uma cultura de “luta de classes”, mesmo ao nível da empresa.
Na Assembleia Constituinte de 1975, a cogestão foi defendida pelo então PPD, tendo sido derrotada por uma aliança táctica entre o PCP (mea culpa...) e o PS (que na Assembleia Constituinte tinha uma considerável influência trotskista). Vingou a noção de "controlo de gestão”, que ainda consta da Constituição e que com o tempo veio a ser esvaziada de sentido prático, à medida que as comissões de trabalhadores foram desaparecendo.
Tanto a CGTP como a UGT denunciaram sempre a ideia de cogestão como “colaboracionismo de classe”. E apesar de a Constituição estabelecer imperativamente a participação dos trabalhadores na gestão das empresas do sector público, isso nunca foi levado à prática, configurando uma situação flagrante de inconstitucionalidade por omissão, que porém nem os sindicatos nem os partidos reivindicaram.

Cogestão (1)

O Diário Económico de ontem publicou as declarações de um administrador e de um representante dos trabalhadores na Volkswagen, ambos pertencentes ao "conselho de supervisão" da empresa-mãe, no contexto do modelo de cogestão alemão (Mitbestimmung em alemão, que o jornal traduziu para o correspondente termo inglês “codetermination”, como se não houvesse versão portuguesa da noção!).
A cogestão é um elemento essencial da noção alemã de “economia social de mercado”, conferindo aos trabalhadores um direito de representação no “parlamento” das empresas, conjuntamente com os representantes dos acionistas, tornando os trabalhadores em codecisores e corresponsáveis das empresas em que trabalham. A cogestão é um dos principais factores da relativa "paz social" na Alemanha, contribuindo para reduzir os conflitos de trabalho e as greves, para vantagem de ambas as partes na relação laboral.