Blogue fundado em 22 de Novembro de 2003 por Ana Gomes, Jorge Wemans, Luís Filipe Borges, Luís Nazaré, Luís Osório, Maria Manuel Leitão Marques, Vicente Jorge Silva e Vital Moreira
domingo, 1 de fevereiro de 2015
Antologia do cinismo político
«É a primeira vez que os portugueses têm um Governo que os defende na União Europeia, e esse governo é o de Alexis Tsipras. Portanto, (...) são os únicos ministros que na União Europeia cuidam dos portugueses».Engana-se portanto quem pensa que os nossos representantes políticos em Bruxelas são quem nós elegemos. Afinal, delegámos esse poder aos gregos!
Deve ser por isso que a principal das medidas do novo governo grego em prol dos interesses portugueses é pregar um calote de 500 milhões de euros quanto à divida que a Grécia tem para Portugal, pela nossa participação no primeiro resgate da Grécia em 2010/11. Não se poderia imaginar maior desvelo dos nossos novos defensores sem mandato em Bruxelas...
Edificante! Como é que haja quem leve a sério políticos destes?!
sábado, 31 de janeiro de 2015
Vertigem grega (4)
A ver se percebemos o que vai na cabeça do Syriza:
-- o programa de contra-austeridade. já em execução avançada, vai custar, segundo as próprias estimativas, cerca de 12 mil milhões de euros em despesa adicional e perda de receita; o financiamento deste programa é puramente ficcional (tipo "luta contra a evasão fiscal e o contrabando");
-- que se saiba, os cofres do Estado vão ficar vazios dentro de semanas; a Grécia depende, portanto, de fundos externos para poder manter o Estado em funcionamento;
-- todavia, ao romper com o programa de ajustamento negociado com a troika, a Grécia prescinde ostensivamente da última fatia do empréstimo acordado, no valor de 7 mil milhões de euros, como se vê na notícia do Le Monde acima;
-- ora, a Grécia está excluída dos mercados da dívida pública, dados os juros proibitivos, agravados com a vitória do Syriza (acima dos 10%);
-- acresce que, durante o corrente ano a Grécia vai ter de reembolsar cerca de 22 mil milhões de euros de empréstimos externos, que começam a vencer já em Março; sem fundos próprios, tendo renegado a assistência financeira da troika e sem poder ir ao mercado refinanciar-se, a Grécia só pode entrar em default.
Conclusão: a única explicação para este enigma é que o Governo Syriza se prepara para cessar pagamentos internos e externos, encaminhando-se deliberadamente para a bancarrota e para a saída do euro.
sexta-feira, 30 de janeiro de 2015
Vertigem grega (3)
Neste artigo no Financial Times, G. Rachman explica por que é que "a versão grega de economia voodoo pode desmoronar-se -- e rapidamente". A pergunta óbvia é: "de onde vai vir o dinheiro"?
Adenda
O Governo grego recusa-se desafiadoramente a negociar uma extensão do programa de assistência financeira, sem abdicar do seu próprio programa de reversão da austeridade orçamental, cujo custo, seguramente subavaliado, importa em 12 000 milhões de euros, e não tem nenhum financiamento garantido. O Syriza encaminha a Grécia alegremente para o estampanço financeiro (e depois económico e político).
quinta-feira, 29 de janeiro de 2015
TTIP
Vou estar amanhã neste colóquio em Guimarães (Caldas das Taipas) sobre o acordo de comércio e investimento entre a UE e os Estados Unidos, cujas negociações acompanho desde o início.
Adenda
Eis um pequeno relato jornalístico do colóquio.
Vertigem grega (2)
"Não reconhecemos nem o memorando nem a troika" - diz ministro da Administração Pública do novo Governo grego ao Le Monde.
Mas foi da troika e com base no memorando assinado com ela que a Grécia recebeu centenas de milhões de euros de empréstimos que lhe permitiu evitar a bancarrota, manter o Estado a funcionar, pagar salários e pensões e repor a economia nos trilhos.
É evidente que isto só pode ser lido como uma declaração de guerra à UE e ao FMI. Depois de repudiar o acordo, será que o próximo passo na vertigem grega é dizer que também não reconhece a dívida?
Vertigem grega (1)
Sabendo-se que o encerramento do atual programa de assistência está pendente do desembolso de uma fatia importante da ajuda financeira -- que é vital para a Grécia manter capacidade orçamental --, como é que o governo grego pensa convencer os emprestadores a libertarem o dinheiro se a Grécia repudia ostensivamente as obrigações decorrentes do acordo e rompe unilateralmente o acordo?
Como seria de esperar, os mercados reagem negativamente (fuga de depósitos, afundamento bolsista dos bancos, pulo dos juros da dívida grega). A ominosa expressão "crise de liquidez" insinua-se.
Decididamente, a julgar por estes primeiros indícios, as coisas podem vir a correr mesmo mal na Grécia.
Adenda
Parece que a estratégia do governo grego é partir para o confronto a todo o vapor, antes de qualquer negociação com a UE. Resta saber se o aventureirismo do Syriza não arrisca precipitar uma crise financeira insolúvel no país (provocada pela fuga de capitais e pelo afundamento dos bancos) mesmo antes de Bruxelas a Frankfurt terem podido esboçar algum plano de contingência.
quarta-feira, 28 de janeiro de 2015
Alívio
Adenda
Infelizmente, ao contrário da expetativa do deputado Vitalino Canas, as primeiras medidas do governo do Syriza não são nem "moderadas" nem "pragmáticas". Pelo contrário!
Adenda 2
Respondendo à interpelação de um leitor: mesmo aceitando (sem concordar) que a vitória do Syriza é uma "questão que só diz respeito aos gregos", o que me "faz espécie" são aqueles que entre nós combatem o BE e que depois festejam a vitória do BE grego. Ainda por cima receio bem que as coisas vão correr mal na Grécia e que a identificação com o Syriza não vai ser propriamente um ativo político.
A questão grega
Eis o cabeçalho da minha coluna semanal de hoje no Diário Económico. Sobre a questão grega, evidentemente.
Flexibilidade condicionada
Pode discordar-se, mas é essa a única leitura da recente comunicação da Comissão sobre a não contagem de certos investimentos no cálculo do défice para efeitos do Pacto de Estabilidade e Crescimento da UE. E além disso, tem lógica.
Não pode beneficiar dessa flexibilidade quem esteja em défice excessivo. Não se pode ter as duas coisas ao mesmo tempo. Na visão da UE é a redução do défice que abre margem para flexibilidade orçamental e não o contrário. Com essa posição a Comissão coloca pressão sobre Portugal e outros países com défice excessivo (como a França) para saírem dessa situação quanto antes, a fim de beneficiarem de maior margem para investimento público.
O Syriza da Madeira
Pelos vistos, também há quem gostaria de pregar um calote aos credores da enorme divida acumulada pela Madeira, apesar da cornucópia de transferências financeiras da UE e da República. Na verdade, se há algo entre nós de parecido com a Grécia em matéria de irresponsabilidade financeira e de viver acima das capacidades é a Madeira.
Adenda
Quando o PSD verbera a gestão orçamental dos anteriores governos (onde se aliás se incluem os seus...) deveria penitenciar-se antes de mais pela verdadeira orgia orçamental que foi a Madeira durante décadas.
terça-feira, 27 de janeiro de 2015
Somos todos gregos...ou queremos ver-nos gregos?
A vitória do Syriza este fim-de-semana é histórica para a Grécia e para toda a Europa. É uma vitória da democracia, como todos terão de reconhecer, incluindo os que tudo fizeram para intimidar e condicionar o voto dos gregos, como o governo alemão.
Mas, acima de tudo, é um claríssimo sinal de que a Europa tem de mudar.
O povo grego ergueu-se contra a humilhacao e o sofrimento que lhe estão a ser impostos e veio dizer que quer um caminho alternativo.
É uma salutar chicotada democratica dada a uma Alemanha que hoje domina a Europa, embalada pela sua própria prosperidade e pelas patranhas que lhe vendem os seus governantes de que está a salvar os pobrezinhos dos "pigs" sulistas, enquanto o que verdadeiramente faz é salvar os ricos bancos alemães dos seus próprios desvarios.
Mas importa que a escolha dos gregos se transforme num verdadeiro terramoto político e acelere o abandono do fanatismo austeritário que tão devastador tem sido para a Europa e para a Democracia europeia.
O reconhecimento do falhanço da receita austeritária já está explícito no programa de investimento publico que a Comissão Juncker acaba de lançar e que implica uma leitura flexível do chamado Pacto Orçamental. E já está explícito nas medidas que o BCE finalmente anunciou de injecção de liquidez na economia, por via de compra directa de obrigações do tesouro aos Estados Membros da zona euro, fazendo uma interpretação extensiva do seu próprio mandato, apesar da oposição da Alemanha.
Mas tudo vai agora depender do respaldo que o novo governo grego venha a encontrar na Europa e em particular nos países que mais estão a sofrer com a crise.
Há pouco mais de uma semana, escrevia o já velozmente empossado Primeiro Ministro Tsipras, num artigo de opinião no El País, que a mudança tinha de vir do sul. Muito do que acontecer daqui para a frente - e espero que o Syriza saiba estar à altura das suas responsabilidades no governo em Atenas e na governação da União Europeia - vai depender da forma como actuem agora os governos dos outros países do sul da Europa também brutalmente afectados pela crise.
Do Governo Passos Coelho e Portas, porém, não temos a esperar senão mais do mesmo: o talibanismo do bom aluno servil junto da Senhora Merkel e o oportunismo despudorado, quando toca a colher os beneficios das mudanças que antes disse impossíveis e até combateu: é a atitude de incentivo e contribuição zero ao programa Juncker e ao programa de "quantitative easing" do BCE, transformada subitamente, a posteriori, com PM e VPM a procurarem cavalgar e capitalizar as mudanças. Sobre o que a Grécia disse querer nas urnas, ouvimos já Passos Coelho escarnecer, vergonhosamente, como "conto de crianças". Ele prefere os contos de terror que os portugueses têm a contar da sua governação....
Ora, já que a voz do Governo português não se ouve em Bruxelas ou Berlim, ou só se ouve para ecoar a melodia ilusória de que "Portugal está no bom caminho" que convém à Senhora Merkel para continuar a levar no engodo o povo alemão, é imperativo que se faça ouvir a voz da oposição portuguesa, e do PS em particular, desmentindo a narrativa mentirosa, expondo os reais efeitos da crise em Portugal e apoiando a mudança radical que Tsipras quer promover.
Nada vai ser mais central do que o que fazer à dívida soberana, que na Grécia como cá aumentou exponencialmente com as troikas do austeritarismo e do empobrecimento forçado. A Grécia pode precisar de mais um perdão da dívida que é totalmente impagável, já esta acima dos 170 % do PIB - e não será nada de novo já teve duas, em 2010 e 2012 com acordo europeu. Portugal precisa certamente de renegociar a sua dívida, que hoje acima dos 130% constitui uma canga arrasadora dos esforços feitos pelos portugueses para sair da crise.
A solução para não pode mais ser fragmentada, tem de ser europeia e reforçar em vez de enfraquecer o euro: precisamos de um Fundo Europeu de Redenção para gerir e amortizar colectivamente as dívidas públicas europeias, incluindo a alemã que também esta acima dos convencionados 60%.
Não podemos deixar que se empurre para fora da UE a Grécia, como alguns maldosamente querem. É preciso fazer compreender ao povo alemão que sem Grécia e sem euro lá se acabaria a sua galinha dos ovos de ouro.
Qual Grexit, qual carapuça! Só salvando o euro, salvaremos a Europa.
(Notas transcritas da minha crónica de hoje no Conselho Superior, ANTENA 1)
A primeira derrota
Não creio que algum dos governos convidados esteja disponível para integrar esse "sindicato dos devedores", até porque nenhum deles defende o não pagamento, como propõe o Syriza (com as consequências já à vista na subida dos juros da dívida grega). A sede para a discussão de qualquer afeiçoamento da dívida (maturidades, juros, etc.) é obviamente o Conselho da União e o BCE.
Grécia (7)
A perceção errada tem a ver com o facto de o sistema eleitoral grego dar um bónus de 50 deputados ao partido vencedor, pelo que só 250 dos 300 deputados do parlamento é que são repartidos entre as diferentes listas concorrentes. Sem esse generoso bónus, o Syriza teria ficado a mais de 50 deputados da maioria e teria tido mais dificuldades em formar governo.
Adenda
A propósito uma solução dessas seria impossível em Portugal, por ser obviamente contra a regra da proporcionalidade. Entre nós, a maioria absoluta só se alcança com cerca de 45% dos votos.
segunda-feira, 26 de janeiro de 2015
Grécia (6)
Estranha coligação e mau sinal...
Grécia (5)
Por isso, começa a haver condições para algum alívio da austeridade orçamental e para amenizar a enorme crise social. Em vez de reverter os ganhos efetuados no campo da consolidação orçamental com o seu radicalismo antiausteridade, o Syriza deveria capitalizar os seus efeitos positivos.
Grécia (4)
No final, entre aceitar essas concessões e romper com a UE, o Syriza acabará por conformar-se com primeira alternativa. Resta saber se a vida do governo será longa...
Grécia (3)
O Financial Times pergunta se Tsipras vai ser um Lula ou um Chávez.
A resposta é: nenhum! Ambos tinham dinheiro para gastar, o que o líder grego não tem.
Grécia (2)
Adenda
Faltava o partido de Marinho e Pinto. Subitamente parece que "todos somos Syrisa" (salvo seja, no que me diz respeito).
O patrono
Todavia, como mostra o economista Jeffrey Sachs, a narrativa de Krugman não parece poder explicar a retoma económica apesar da travagem mais ou menos forte da despesa pública, não somente nos Estados Unidos e no Reino Unido, mas também -- poderíamos acrescentar -- um pouco por toda a União Europeia, incluindo Irlanda, Espanha, Portugal, etc.
Os nossos teóricos da "espiral recessiva", que entretanto já meteram a expressão na gaveta, vão ter de se explicar...
domingo, 25 de janeiro de 2015
Grécia (1)
Porque, de facto, o programa do Syriza é pura e simplesmente irrealizável, num país que está sob assistência financeira, quer na parte em que propõe um generalizado calote na dívida pública (eliminação de grande parte da dívida, moratória indefinida sobre a parte restante, pagamento só em caso de crescimento económico futuro...), quer na parte em que defende a rejeição imediata do Memorando da troika e a sua substituição por um Plano de Reconstrução Nacional com um custo orçamental estimado de doze mil milhões de euros, a ser supostamente financiado por receitas tão etéreas como a recuperação de dívidas fiscais atrasadas, luta contra a evasão fiscal, etc.
Estando o país dependente de uma fatia remanescente do empréstimo da troika, não se vê como é que o vai obter com propostas destas. Tempos atribulados, os próximos na Grécia!
Prémio imerecido
Sim, o Governo pode estar "embaraçado" pela mudança de tom na política orçamental (pela mão da Comissão) e da política monetária (pela mão do BCE) na UE, mudança por que não se bateu. Mas, no fundo, o Governo há de pensar que, mesmo sem ter investido nela, pode ser beneficiário político dessa mudança, na medida em que uma e outra podem melhorar as perspetivas da economia europeia e da economia nacional: mais desvalorização do euro, nova baixa das taxas de juro, mais consumo, mais investimento, mais emprego, mais exportações, menos encargos da dívida pública, mais receita fiscal, maior margem orçamental, etc.
Mesmo se imerecido, o Governo pode apropriar-se do prémio.
sábado, 24 de janeiro de 2015
Estranha simpatia
Com que é que o PS simpatiza no Syriza?!
Adenda
Julguei que as simpatias do PS na Grécia iam para o PASOK, o partido socialista grego, principal vitima do desmoronamento da ficção económica e orçamental que a Grécia era e que a crise de 2008 pôs a nu.
Contradição
No caso do BE, isso é ainda mais estranho, visto que quase todas as suas propostas políticas são para aumentar a despesa pública e a sua realização exigiria seguramente uma duplicação da carga fiscal.
sexta-feira, 23 de janeiro de 2015
Miguel Galvão Teles (1939-2015)
Homenagem a um grande jurista, grande cidadão e grande amigo. Adeus, Miguel!
Adenda
Um notável texto do antigo Presidente da República, Ramalho Eanes, sobre MGT. Um grande elogio fúnebre!
quinta-feira, 22 de janeiro de 2015
"Choque de competitividade"
Este é o cabeçalho da minha coluna semanal de ontem no Diário Económico. Na minha análise há um conjunto de condições favoráveis à retoma económica na UE e em Portugal.
As autoestradas CCC
A notícia em epígrafe (tirada do Diário Económico de hoje) dá conta da correção de um dos maiores erros políticos das duas últimas décadas, que foi o das autoestradas SCUT (sem custos para utente), mas na verdade CCC (com custos para o contribuinte), que foram um dos cancros das finanças públicas.
Durante mais de uma década combati quase sozinho o disparate. Nunca consegui compreender por que é infraestruturas de alto valor acrescentado haveriam de ser de uso gratuito para os utentes, sendo pagas por todos através de impostos, incluindo muita gente que não tem carro e que nunca beneficiou da sua existência.
quarta-feira, 21 de janeiro de 2015
Reestruturação da dívida
Assim se faz discretamente a "reestruturação da dívida", sem pregar calotes aos credores. Esperemos que a evolução política na Grécia não volte a pôr em causa a confiança dos mercados na estabilidade do euro e na dívida soberana.