quarta-feira, 16 de setembro de 2015

A crise também é de segurança e a UE está a falhar

"A Comissão tem de impor sanções à Hungria e a qualquer Estado Membro que recuse receber refugiados e impeça a abertura de vias legais e seguras para quem pede protecção.

Como pode o PPE manter nas suas fileiras o partido de Orbán que vergonhosamente criminaliza e ataca os refugiados, incluindo com gás lacrimogénio, trazendo do passado os piores demónios da Europa? 

Quem usa a segurança como desculpa para violar os direitos humanos, o direito internacional e as leis e valores europeus, está, de facto, a fazer o jogo dos criminosos terroristas do Estado Islâmico, que querem a civilização a andar para trás.

Esta é também uma crise de segurança, da nossa segurança, porque a UE não agiu para travar a guerra na Síria, Iraque, Libia  e a opressão noutros países, como está a falhar no combate aos terroristas do chamado Estado Islâmico - e por isso as pessoas fogem à procura de proteção na Europa. Foi o que confirmei nos 4 dias que, no final da última semana, passei no Curdistão iraquiano, onde todos me disseram que o êxodo não estancará enquanto o Estado Islâmico não for erradicado de Mossul e Raaqa. 

Não é só o inverno que está a vir: pessoas desesperadas - refugiados e migrantes - continuarão a vir, com ou sem arame farpado. Quanto mais muros erguer, mais cercada se sentirá  a Europa. Desunião e inacção são receitas para ruir. Não o permitiremos. O Conselho tem de assumir as suas responsabilidades e JÁ!"


(Minha contribuição para debate PE esta tarde sobre (in)decisões do Conselho face a crise por afluxo de refugiados)

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Impressionante perda


Vale a pena ler este estudo apresentado hoje no suplemento do Diário Económico: o que custa financeiramente ao País a emigração de quadros qualificados, somando o custo da sua formação e as receitas tributárias que eles deixam de pagar em Portugal.

E contudo permanece


Este é o cabeçalho do meu artigo da semana passada no Diário Económico. O título foi obviamente pedido emprestado a um verso célebre de Fernando Pessoa e traduz bem a circunstância de a divisão distrital continuar à espera de ser definitivamente enterrada desde 1976. Na verdade, mesmo esvaziada de qualquer substância ela permanece como base da representação parlamentar.

domingo, 13 de setembro de 2015

Comprar votos (2)

Tenho nas mãos uma "edição especial" da Revista Municipal da Câmara Municipal de Tondela (Viseu), acabada de publicar (indisponível online) por ocasião da feira industrial e comercial do município, que decorre por estes dias.
Para além das inúmeras aparições do presidente do executivo municipal (do PSD), o que é norma em publicações do género, o que chama a atenção é quantidade de visitas recentes de membros do Governo, nada menos que 9-nove-9, sendo quatro ministros e cinco secretários de Estado. Entre os ilustres visitantes governamentais conta-se inesperadamente o Ministro de Defesa (seguramente para se inteirar das condições defesa do município contra alguma invasão marciana...). Se a isto se acrescentar uma palestra com Marcelo Rebelo de Sousa, teremos uma ideia do grau de sectarismo e de proselitismo político reinante no poder autárquico "laranja".
Mas o mais grave é a escandalosa falta de escrúpulos na instrumentalização política do poder local pelo Governo PSD/CDS para efeitos eleitorais, já com as eleições parlamentares marcadas e com a pré-campanha em marcha. Imaginando que Tondela não é uma exceção e que a mesma peregrinação governamental se verifica em outros municípios do PSD e do CDS, teremos centenas de viagens governamentais à custa do erário público ao serviço da propaganda eleitoral da Coligação, em flagrante violação do princípio da neutralidade eleitoral dos poderes públicos.
Como já disse num post anteriora direita não se limita a considerar o Estado como coutada natural sua; acha também que tem o direito de utilizar o dinheiro dos contribuintes na véspera das eleições para cativar os eleitores.

Adenda
Chamam-me a atenção para que a invasão governamental não poupa os municípios de outras cores políticas, fazendo-se "convidados" para tudo o que seja inauguração ou evento público...

sábado, 12 de setembro de 2015

Direitos humanos em Angola: PE apreensivo

No dia 10 de Setembro, o PE aprovou uma resolução sobre a situação dos direitos humanos em Angola, por 550 votos a favor, 14 contra e 60 abstenções.
O texto com recomendacoes, acordado entre os principais Grupos políticos no PE, levou em conta o relatório que redigi e fiz circular pelos meus colegas eurodeputados, sobre a minha visita a Luanda em Julho passado. Pode ler-se aqui: http://www.anagomes.eu/pt-PT/home.aspx

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

"Re-energia"


Até o Financial Times!

Exceção comunista

Toda a gente, incluindo a própria direita, reconhece a vitória de Costa sobre Passos Coelho no debate televisivo entre ambos.
"Toda agente", não! O PCP não tem esse opinião, achando que o debate foi "inconclusivo". Na sua conhecida obsessão anti-PS o PCP nunca poderá reconhecer nenhuma vitória socialista. É mesmo de suspeitar se não preferia uma vitória da direita...

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Compra de votos

O Governo prossegue escandalosamente a compra de votos com dinheiro público em plena campanha eleitoral. Depois de há pouco tempo o Ministro da Educação ter anunciado um pacote de muitos milhões de euros de subsídio aos colégios privados, veio agora a Ministra da Agricultura anunciar mais uns milhões de subsídio aos produtores de leite, a título de dispensa de cobrança da contribuição para a segurança social durante três meses.
A direita não se limita a considerar o Estado como coutada natural sua; acha também que tem o direito de utilizar o dinheiro dos contribuintes na véspera das eleições para cativar os eleitores.

Fundamentalismo troikista

Um dos mais comprometedores momentos da derrota de Passos Coelho no debate de ontem foi a sua despudorada tentativa de denegar a responsabilidade e o apoio do PSD na vinda da troika.
Ora, é indesmentível que; (i) se não foi o PSD que chamou a troika (ainda foi Sócrates, já depois de demitido), foi o PSD que tornou deliberadamente inevitável a assistência externa, ao rejeitar o PEC IV e ao fazer cair o Governo do PS; (ii) o PSD pediu e saudou publicamente a vinda da troika, participou nas negociações do programa de assistência (e gabou-se publicamente de o ter influenciado decisivamente), concordou com ele e comprometeu-se a cumpri-lo sem reservas caso viesse a ser governo; (iii) depois de ser governo, o PSD não só cumpriu zelosamente o programa como se ufanou publicamente de ir "além da troika" nas medidas de austeridade orçamental (mais corte de despesa e mais aumento de impostos), ao arrepio das suas próprias promessas eleitorais, e provocando o aprofundamento da crise económica e social .
Tudo isto é público e notório. Mas mais do que desmentir factos históricos incontroversos, o que é lamentável na conduta do líder do PDS é a falta de pudor político em tentar denegar a sua anterior afeição pela troika. Há quem tenha aceitado a troika e a austeridade orçamental à contrecoeur como mal necessário; mas há os que, como Passos Coelho, saudaram a sua vinda e seguiram o seu programa (e foram além dele!) com entusiasmo religioso...

Adenda
Como confirma o Público, com factos à mão, «o PSD, e Pedro Passos Coelho, solicitaram, oficialmente, e defenderam a vinda da troika».

Força anímica

A clara vitória de António Costa no debate de ontem com Passos Coelho não só contraria a dinâmica de vitória que a coligação de direita artificialmente ensaiava como dá ao PS a força anímica que a campanha eleitoral até agora não revelava.
A disputa eleitoral (re)começa verdadeiramente agora.

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Ir à origem


A declaração desta criança síria diz tudo: o origem da vaga de refugiados que se dirigem à Europa está principalmente na guerra na Síria, que começou por deslocar milhões de pessoas dentro do País e para os países vizinhos (Líbano e Jordânia).
A Europa e os Estados Unidos têm grossas culpas no cartório na onda de refugiados que arriscam a vida (e tantas vezes a perdem) no Mediterrâneo, ao terem contribuído para a destruição do Estado e para a instalação da violência, da guerra civil e do caos no Iraque, na Líbia, na Síria (para não falar na criação do "Estado Islâmico"). A reposição da autoridade do Estado e da paz civil nesses países é a primeira condição para resolver o problema do refugiados que ameaça submergir a Europa.
Entretanto, até pela sua responsabilidade na situação, a Europa tem a obrigação de cuidar dos desesperados que chegam, com humanidade e meios adequados.

A dimensão regional


Só pode considerar-se pertinente e oportuna esta iniciativa das candidaturas do PS dos círculos eleitorais da região Centro, expressa num compromisso de ação comum à escala regional.
Na verdade, embora disputadas numa base distrital (salvo nas regiões autónomas), as eleições parlamentares não podem ignorar o quadro regional, onde se equacionam e se resolvem os problemas de ordenamento territorial, de desenvolvimento regional e de coesão territorial. Além disso, a iniciativa consubstancia o tradicional compromisso do PS com a regionalização administrativa do País.

Adenda
Quando em 1975 a lei eleitoral par a Assembleia Constituinte escolheu os distritos como base territorial dos círculos eleitorais, mantendo a solução do Estado Novo, a opção fazia sentido. O distrito era uma autarquia local com órgãos e atribuições próprias (embora diminutas) e era também a sede da representação territorial do Estado (governador civil) e de quase todos os serviços desconcentrados da Administração do Estado. Nada disso se mantém, hoje em dia. Os distritos deixaram de ser autarquias locais (agora substituídos pelas CIMs) e os serviços regionais do Estado estão hoje sediados na maior parte ao nível regional (NUTS II). A extinção dos governos civis constituiu a machada final na divisão distrital. Só por atavismo é que eles se mantêm como base da representação parlamentar e, consequentemente, como base da organização dos partidos.

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Obsessão

1. Mesmo tendo em conta a obsessão anti-PS do PCP, há momentos em que os dirigentes comunistas "se passam", como esta tirada de Jerónimo de Sousa, segundo a qual o PS no governo "fez sempre politicas de direita" (sendo que no dicionário político da casa "políticas de direita" são todas as que o PCP não sufraga...).
Mas será que o PCP pode negar que todos os avanços do Estado social em Portugal, a começar pela CRP de 1976, têm marca do PS: o SNS, a primeira lei de bases da segurança social, o sistema de educação pré-escolar, o rendimento mínimo garantido, a subvenção solidária para idosos pobres, a universalização do ensino secundário, etc.?

2. Se há alguma coisa incontornável na política portuguesa é que para o PCP o inimigo principal é o PS, não a direita. Mesmo que o não diga, assim o pratica. E nesse contexto, qualquer disponibilidade do PCP para entendimentos governativos com o PS não pode ser tomada a sério (mesmo que fizessem algum sentido, o que não é o caso, dado o fosso que separa os dois partidos).

"Sem sombra de divergência"

O primeiro debate eleitoral revelou a total convergência entre o PCP e o BE. Ambos igualmente radicais e fundamentalistas; ambos igualmente anti-europeus; ambos igualmente anti-PS.
Tendo-se tornado tão anti-UE e antissocialista como o PCP,  o BE abdicou definitivamente da sua autonomia política face ao PCP, convertendo-se num eco deste. Como no mais, as pessoas preferem o original às imitações.

Um pouco mais de rigor, sff

Uma das maiores ficções económicas da propaganda da coligação de direita diz respeito às exportações e ao saldo da balança comercial externa.

a) É verdade que todos os anos Portugal bate o record das exportações. Mas, com exceção de 2009 (em que a crise internacional deprimiu o comércio internacional), Portugal bate o record de exportações todos os anos desde há duas décadas, como se vê pela tabela junta (copiada daqui)
Há duas coisas a sublinhar: (i) ao contrário do mantra repetido à exaustão pela direita, Portugal manteve consistentemente ganhos de competitividade externa, com especial intensidade nos anos que precederam a crise entre 2005 e 2008 (por acaso, os primeiros anos do governos Sócrates...); (ii) aparentemente, a "desvalorização interna" promovida pelo programa de ajustamento da troika conseguiu recuperar o ritmo de crescimento das exportações apesar da recessão interna, aumentando por isso o peso das exportações no PIB.

b) É verdade que desde 2013 foi conseguido, pela primeira vez em décadas, um saldo positivo da balança comercial (exportações versus importações de bens e serviços). Mas importa ter em conta dois dados menos reconfortantes: (i) esse resultado foi menos consequência do aumento das exportações (cujo ritmo se mantém idêntico ao período antes da crise e parece mesmo estar a perder força) mas sim à conteção das importações, em consequência da depressão da procura interna entre 2009 e 2013; (ii) os últimos dados revelam que, em consequência do disparo da procura interna, as importações estão a crescer bem mais do que as exportações, pondo em risco o saldo da balança comercial externa, que começa a ceder a olhos vistos. Por isso, a convicção governamental de que em 2015 vai continuar a verificar-se um saldo positivo da balança comercial poderá revelar-se demasiado ousada.

Upgrade


Com a discreta elevação de Mário Centeno a novo porta-voz para as questões económicas é evidente que o PS ganhou maior visibilidade e credibilidade na disputa eleitoral com a coligação de direita.

A estrela que empalidece (2)

O provável falhanço da meta do défice orçamental (ver post anterior), mantendo Portugal em défice excessivo mais um ano, não se limita a manchar indelevelmente a estrela da Ministra das Finanças e do Governo em geral.
É também uma derrota estratégica, pois se havia uma prioridade do programa de ajustamento e de toda a austeridade orçamental era a consolidação orçamental e o fim do défice excessivo. E, sobretudo, esse falhanço retira toda a credibilidade política ao programa de Governo da coligação de direita para o próximo quadriénio, que assenta nesse pressuposto, ao mesmo tempo que credibiliza os pressupostos do programa de Governo do PS, construído sobre a previsão da Comissão Europeia de um défice superior a 3% em 2015.

A estrela que empalidece (1)

Os últimos dias não têm corrido politicamente bem ao PSD. Primeiro, foram os estatísticas económicas sofríveis; depois, o tropeção de Paulo Rangel sobre a justiça;  a seguir, a confissão de Passos Coelho sobre a profunda desigualdade social no País; agora, é o claro risco de falhanço da meta do défice orçamental, em que a Ministra das Finanças e o Primeiro-Ministro têm investido todo o seu crédito político.
A UTAO, o organismo independente de monitorização das finanças públicas, não deixa grande margem para dúvidas, como se lê no Jornal de Negócios de hoje:


O Governo ainda não reagiu às conclusões da UTAO. No  Ministério das Finanças devem fazer-se horas extraordinárias para congeminar os instrumentos para maquilhar as contas públicas. Em ano eleitoral vale tudo...

terça-feira, 1 de setembro de 2015

Treinador de bancada

Sou de opinião de que o PS deve manter-se parcimonioso e responsável em matéria de promessas eleitorais, devendo ater-se estritamente ao seu programa eleitoral. É conveniente evitar compromissos avulsos e reativos em plena campanha eleitoral, que só podem criar ruído e confundir os eleitores.

Foguetes fictícios

O PSD voltou a lançar foguetes eleitorais pelas estatísticas económicas recentemente publicadas pelo INE relativas ao segundo trimestre. Mas a retoma económica que reivindica é pelo menos frustrante, pela lentidão, e problemática, pelas suas caraterísticas.

a) O crescimento homólogo do PIB (1,5%), além de ficar aquém das previsões (e muito abaixo da Espanha e da Irlanda), é tudo menos são, porque grandemente baseado na procura interna, fortemente alavancada no crédito barato; mesmo assim, a este ritmo, o País vai demorar varios anos antes de recuperar o PIB de 2010 (neste momento o fosso ainda permanece em 5,5 pp!).

b) A taxa de desemprego lá vai diminuindo (o que é bom); mas mais importante do que a taxa de desemprego (que só mede os que procuram emprego, desprezando os que emigraram e os que desistiram de procurar emprego) é o nível do emprego, ou seja, o número de pessoas empregadas. Ora, permanece um enorme fosso em relação ao nível de emprego de 2011, tendo sido eliminados milhares e milhares de postos de trabalho.

c) A balança de transações externa (bens e serviços) mantém-se superavitária, mas a perder gás, com as importações a crescer bem mais do que as exportações; a este ritmo não tarda a reposição do défice externo.

Se é este o panorama e o balanço da legislatura, por que é que o PSD deita foguetes eleitorais?
[revisto]

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

E não há responsáveis?!


Há ocasiões em que convém não negar as evidências mais gritantes, como esta constatação tardia de Passos Coelho sobre a profunda desigualdade social do País.
O líder do PSD esqueceu-se, porém, de acrescentar que Portugal está bastante mais desigual do que era em 2011 e que a responsabilidade politica lhe pertence, como Primeiro-Ministro.

Desperdício público (2)

Nem de propósito, o Público de hoje revela que os edifícios dos tribunais encerrados na reforma do mapa judiciário continuam desocupados e sem destino. É um escândalo. Trata-se em geral de edifícios nobres, espaçosos e bem localizados nas povoações. Em suma, valiosos. Se o Ministério da Justiça não tem serventia para eles, deve ser obrigado a cedê-los para outros usos públicos ou a colocá-los no mercado.
Infelizmente o mesmo se passa com muitas das escolas encerradas. E os exemplos poderiam multiplicar-se (como, por exemplo, o antigo hospital pediátrico de Coimbra). Se há exemplo gritante de incúria e incompetência no setor público ele está justamente na gestão do património imobiliário.

Desperdício público

1. Segundo o Expresso, reproduzindo números oficiais, «o Estado é proprietário de 22.957 imóveis, entre edifícios e terrenos, dos quais 75% estão ocupados. Para além destes, os vários ministérios da máquina estatal arrendam a privados 2033 imóveis que custam ao erário público 123 milhões de euros.»
Ou seja, o Estado mantém desocupados mais de 5000 imóveis (edifícios e terrenos), mais do dobro dos que tomou arrendados a privados por mais de 120 milhões de euros. Uma gestão patrimonial verdadeiramente ruinosa! Acresce que muitos dos edifícios abandonados do Estado estão a degradar-se e a perder valor. Se o Estado não precisa deles, por que os não vende ou arrenda?
(Só no local litoral onde costumo passar férias de verão existem pelo menos cinco edifícios abandonados pertencente à Marinha ou aos Portos).

2. Desde há muito defendo uma gestão integrada do património imobiliário do Estado, afetando-o a uma entidade de gestão centralizada, a quem os serviços pagariam uma renda. Orçamentalmente neutro (porque o Estado receberia de um lado as rendas que pagaria por outro), este sistema permitiria não somente racionalizar o uso dos edifícios afetos ao Estado mas também revelar mais cabalmente os custos dos serviços públicos, independentemente de funcionarem em edifícios públicos ou arrendados.
Além disso acabaria com o atual "feudalismo patrimonial", segundo o qual cada ministério considera ciosamente como sua propriedade exclusiva os imóveis do Estado que estão a seu cargo.

domingo, 30 de agosto de 2015

Dupla revelação

1. Ficámos a saber, por revelação do eurodeputado Paulo Rangel, que as investigações criminais sobre Ricardo Espírito Santo e sobre Sócrates existem por obra e graça do Governo PSD-CDS. Ora, como é suposto que, de acordo com a Constituição, a investigação criminal é conduzida de forma independente pelo Ministério Público sem ingerência governamental, impõe-se urgentemente que a Procuradora-Geral da República esclareça que não recebeu nenhuma instrução ou recomendação do Governo (Ministro da Justiça ou Primeiro-Ministro) sobre os dois casos.
De outro modo fica a pairar uma grave dúvida sobre o respeito da separação de poderes pelo atual Governo.

2. Era inevitável que, em desespero de causa, o PSD não resistiria a tentar explorar politicamente a situação de José Sócrates para efeitos eleitorais. Só que importa recordar que Sócrates continua sem ser acusado de qualquer crime depois destes meses todos de frenética investigação em todas as direções e que, apesar da escandalosa incontinência com que o Ministério Público alimenta a "sua" imprensa com pormenores sobre a investigação, até agora não foi imputado ao antigo Primeiro-Ministro um único acto concreto que consubstancie os crimes de que é suspeito.
O que estas declarações revelam é que, se a investigação sobre Sócrates até agora não produziu nada, para além da sua prolongada prisão preventiva, a sua existência é porém indispensável para permitir estes "números" de baixa política. Mas, por isso mesmo, o PSD deveria ter o pudor político de não reivindicar para o Governo o mérito da investigação...

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

IVA

O líder do PS assumiu, perante a associação dos empresários de hotelaria, o compromisso de manutenção do IVA do setor em 6%.
Ora, se o PS tem desde há muito um compromisso firme de baixar o IVA da restauração para 13%, o lógico seria equiparar as duas atividades, em tudo similares, até para compensar a perda de receita provocada pela descida do IVA da restauração. Além disso, não se compreende que as dormidas em hotéis de 4 ou 5 estrelas paguem taxa mínima de IVA, junto com medicamentos e alimentos básicos. Terceiro, numa comparação europeia verifica-se que somente uma meia dúzia de Estados-membros da UE aplica à hotelaria taxa tão baixa e que os nossos competidores turísticos mais diretos (Espanha, Itália e França) praticam taxas superiores (9% ou 10%), além de o seu nível de preços ser à partida bem superior (pelo que a hotelaria portuguesa continuaria competitiva mesmo com uma taxa de IVA um pouco superior).

Adenda
Defendo há muito uma simplificação do IVA, com apenas uma taxa reduzida em vez de duas, situada algures entre as duas atualmente existentes (6% e 13%), bem como redução dos bens e serviços que beneficiam de taxa reduzida. Isso permitiria reduzir a taxa normal ou aumentar a receita do IVA, ou uma combinação da ambas as coisas.

Um pouco mais de rigor, sff



O semanário Sol faz hoje uma simulação da distribuição dos deputados à luz das sondagens eleitorais existentes, aventando que pode haver um empate entre o número de deputados do PS e os da coligação PSD/CDS (100 para cada lado).
Só que o mapa eleitoral junto pelo semanário na capa (imagem junta) ilustra as eleições de 2011 (sem o dizer), ganhas pelo PSD, e não, como seria de esperar, os resultados da projeção do jornal para as próximas eleições.
Ora, na hipótese de distribuição adiantada pelo próprio jornal é evidente que o PS terá mais deputados do que o PSD na maior parte dos círculos eleitorais (e até mais do que os dois partidos da coligação em vários deles), pelo que muitos dos distritos pintados a laranja neste mapa  acabarão na noite eleitoral com a cor rosa do PS.
[revisto]

Adenda
Note-se que, mesmo que os dois partidos da direita viessem a ter em conjunto mais deputados do que o PS (o que, aliás, já sucedeu nas eleições de 2009 e em outras eleições anteriores), isso não conferiria ao PSD o direito a ser chamado a formar governo em primeira linha, se ele não tiver mais deputados do que o PS (porque a coligação eleitoral desaparece com as eleições e são os partidos individualmente que são chamados a formar governo). Mas naquela hipótese é evidente que os dois partidos da direita somados ficariam com o poder de chumbar à partida, ou de derrubar em qualquer moimento, um eventual governo minoritário do PS. Essa circunstância tornaria um tal governo especialmente vulnerável.

O "momento Syriza" do Labour


Tudo indica que dentro de duas semanas, poucos meses depois de uma inesperada derrota às mãos do Partido Conservador, o Partido Trabalhista britânico vai dar uma guinada à esquerda elegendo Jeremy Corbin como líder, que tem feito assentar a sua candidatura na rejeição do "blairismo" (que garantiu três vitórias consecutivas ao Labour) e na ressurreição dos velhos dogmas da esquerda (nacionalizações, gasto público baseado no endividamento, desarmamento unilateral, etc.).
Não admira por isso que essa estratégia seja denunciada pelos moderados, como Peter Mandelson,  como uma orientação radical, uma fuga para a frente, um "momento Syriza", que vai transformar o Labour num "partido de protesto" insuscetível de ganhar eleições e, portanto, incapaz de voltar a ser Governo.

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Razão política e Constituição

Sem surpresa para quem tinha advertido, o Tribunal Constitucional declarou inconstitucional o acesso dos serviços secretos a metadados das comunicações eletrónicas privadas. A adoção dessa medida (que a luta contra o terrorismo aconselha) vai ter de esperar por uma revisão constitucional.
Como tenho dito muitas vezes ao longo dos anos, há duas verdades inconvenientes sobre a relação entre a razão política e a Constituição: por um lado, nem tudo o que é politicamente censurável é desconforme com a Constituição (ilusão em que caem muitas vezes as oposições); por outro lado, porém, nem tudo o que é politicamente razoável (como é o caso) é conforme com a Constituição (ilusão em que sucumbem por vezes os partidos de Governo, mesmo quando estão transitoriamente na oposição...).

Mistificação

Só a habitual mistificação política deste Governo é que pode explicar o argumento do Ministro da Educação de que os governos PS "gastavam mais dinheiro a financiar escolas privadas", na tentativa de justificar o subsídio de cerca de 150 milhões de euros que ele agora lhes disponibiliza (ver o meu post anterior).
Primeiro, ele não cita números para provar o que diz, o que também é habitual. Segundo, o mínimo que se exigiria é que ele tivesse cortado nesses subsídios pelo menos numa proporção igual à do corte orçamental da educação, que como se sabe foi enorme, sob pena de a austeridade orçamental só afetar a escola pública mas não o financiamento público das escolas privadas. Terceiro, enquanto anteriormente o financiamento dos colégios privados só podia ser dado a título supletivo, em caso de insuficiência de oferta da escola pública (situação que deve ser hoje muito excecional, dada a redução do número global de alunos), o Ministro revogou esse requisito legal, para ficar com mãos livres para subsidiar qualquer colégio privado, mesmo em caso de redundância da oferta pública.
Trata-se portanto de uma mudança radical de filosofia. Como decorre claramento das declarações do presidente do grupo de interesse em causa, a Associação de Estabelecimentos do Ensino Particular e Cooperativo, o propósito é dar ao financiamento público dos colégios privados “uma expressão sistémica e não apenas um carácter residual, como agora é o caso”.
Quem tivesse dúvidas de que estamos perante uma verdadeira privatização do ensino público, bem pode perdê-las.

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Privatização do ensino público

1. Começa a ser posto em prática ostensivamente o grande desígnio da direita desde há muito, que é a privatização do ensino público, substituindo a escola pública pelo financiamento público de escolas privadas.
Até agora, isso só poderia ocorrer em caso de falta de escolas públicas, portanto a titulo subsidiário. Mas esse requisito legal desapareceu com o atual Governo, passando a ser um decisão discricionária o número de escolas privadas a financiar com dinheiro dos contribuintes, à custa da escola pública, em flagrante contradição com o direito constitucional de todos à escola pública e com a obrigação constitucional do Estado de o assegurar.

2. Vejo a esquerda alarmada com o risco de privatização da segurança social e do SNS. Não vejo a mesma denúncia em relação à privatização do ensino público, apesar de esta estar efetivamente em curso e ser muito mais grave do que aquelas, por permitir o financiamento público do ensino confessional, que está constitucionalmente afastado no ensino público.
Os sindicatos de professores, normalmente tão lestos a invocar em vão a defesa da escola pública quando se trata de defender os seus interesse corporativos, "não tugem nem mugem"; e tampouco o fazem os partidos de esquerda, a começar pelo PS, que deveriam estar na primeira linha de defesa da Constituição e do principio republicano do ensino público.