Blogue fundado em 22 de Novembro de 2003 por Ana Gomes, Jorge Wemans, Luís Filipe Borges, Luís Nazaré, Luís Osório, Maria Manuel Leitão Marques, Vicente Jorge Silva e Vital Moreira
sábado, 21 de novembro de 2015
Neopresidencialismo (2)
Sem dúvida! Mas o PR só tem os poderes que a Constituição lhe dá e no nosso sistema constitucional o PR não tem competência para governar (ou para co-governar), como nos sistemas presidencialistas (ou semipresidencialistas em sentido próprio), mas sim para supervisionar o regular funcionamento do sistema de governo, como poder autónomo, separado do poder executivo. Por isso, a admissão de um poder presidencial de (co)determinação das orientações dos governos criaria um "ruído" institucional que seria constitucionalmente incomportável.
2. E ainda bem que é assim. Sempre ensinei aos meus alunos de direito constitucional e de ciência política que um grande handicap democrático dos sistemas presidencialistas (e semipresidencialistas) é a irresponsabilidade política total ou parcial do governo, visto que o Presidente é, por via de regra, politicamente irresponsável.
É para tentar corrigir essa "falha democrática" dos sistemas presidencialistas (e em geral daqueles em que os presidentes podem assumir poderes executivos) que em alguns casos se prevê a possibilidade de revogação do mandato do presidente mediante votação popular (caso de alguns estados federados dos EUA ou da antiga Constituição de Weimar, na Alemanha) ou que se verifica a tentação de instrumentalizar a condenação penal dos presidentes (impeachment) como meio de responsabilização política (como se verifica neste momento no Brasil).
Mas é pior a emenda do que o soneto!
Neopresidencialismo
2. Se o PR pode eventualmente ter alguma margem de discricionariedade na nomeação dos governos - se houver mais do que uma alternativa politicamente elegível na circunstância -, já não tem nenhuma liberdade para determinar a sua orientação política ou para predeterminar o seu programa de governo (como já expliquei aqui).
Embora possa demarcar-se da previsível ou anunciada orientação do Governo ou emitir alertas ou advertências ou tentar mesmo um gentleman' agreement com o Primeiro-Ministro, não pode porém fazer nenhuma imposição dessa natureza como condição da nomeação, que de resto não poderia depois sancionar em caso de incumprimento .
3. A tese que defende esse poder presidencial começa por não ter nenhuma base política (pois o PR não é eleito para isso) nem constitucional (pois não cabe na sua missão constitucional). O PR não pertence ao "poder executivo", não tem funções governativas nem pode determinar a orientação dos governos. sob pena de violação da separação de poderes e da autonomia política dos governos.
Os governos não dependem da confiança do PR, mas somente da AR. Ao condicionar as opções de fundo de um novo governo, o PR tornar-se-ia coautor da mesmas e corresponsável pelo governo, sendo também alvo do seu escrutínio parlamentar. Ora, o PR não é responsável perante a AR nem os governos podem invocar o patrocínio ou a tutela presidencial.
Sensatez
sexta-feira, 20 de novembro de 2015
Contra o financiamento público do ensino privado
Eis abertura da minha coluna desta semana no Diário Económico.
Adenda
Um leitor pergunta o que é que eu tenho contra os colégios privados. A resposta é: rigorosamente nada! Só quero que eles sejam sustentados por quem os frequenta e não com os impostos de quem não os frequenta e acha que o Estado só tem obrigação de sustentar a escola pública.
Antologia da desfaçatez política
Em contrapartida, o Governo do PSD+CDS, sendo minoritário, tinha a garantia antecipada de ver o seu orçamento chumbado pela oposição, e mesmo assim foi nomeado e queria ficar a governar.
É mesmo precisa muita desfaçatez!
terça-feira, 17 de novembro de 2015
Prioridade absoluta
2. Infelizmente, alguns países europeus resolveram repetir uma década depois na Síria e no Líbia a ilusão "neocon" no Iraque de usar a intervenção externa para mudar regimes e instaurar pela força uma mirífica democracia naqueles países. O trágico resultado foi a criação do Estado Islâmico e o cortejo de horrores que culminou na horripilante chacina de Paris.
É altura de os Estados Unidos e os países europeus assumirem a opção que a Rússia não tardou a perceber, ou seja, que a prioridade absoluta tem de ser a destruição da barbárie que é o Estado Islâmico (como há meses venho a defender nesta tribuna) e que não faz sentido, nas atuais circunstâncias, continuar a enfraquecer a capacidade do Estado sírio para recuperar o controlo do seu território.
Entre Damasco e Rakka, entre um moderado autoritarismo laico e uma totalitária e assassina teocracia islâmica (e não há outra alternativa, como se provou), não tenho dúvidas!
sábado, 14 de novembro de 2015
UE a falhar na crise dos refugiados, como na luta contra terrorismo
"A UE está a falhar na crise dos refugiados, tal como está a falhar no combate contra uma das causas fundamentais dessa crise: o terrorismo do Daesh. Os Governos da UE estão a enganar os cidadãos quanto à sua defesa e segurança, com derivas nacionalistas que fragmentam a União e impedem acção coordenada. A resistência a acolher e proteger os refugiados que chegam da Síria, Iraque e vizinhança constituem ameaça existencial aos valores e princípios da UE, além de fazer o jogo dos terroristas, que visam precisamente destruir a democracia, no mundo árabe e na Europa. Os desafios de segurança com que estamos confrontados só se vencem com convergência estratégica, partilha e sinergia de recursos e de capacidades. Precisamos desesperadamente de mais União, não de menos."
Era parágrafo final de um artigo que escrevi em Outubro, depois de uma visita ao Curdistão iraquiano, e que propus ao EXPRESSO, PUBLICO e DN. Nenhum teve interesse em publicar. Pode ler-se agora na ABA DA CAUSA: http://aba-da-causa.blogspot.ae/2015/11/este-foi-um-texto-que-escrevi-em.html
sexta-feira, 13 de novembro de 2015
Suma hipocrisia política
2. Para além do excesso trauliteiro, impróprio de partidos de governo, o que espanta é a suprema hipocrisia disto tudo.
Ninguém deve ter dúvidas de que, numa situação inversa - ou seja, em que o PS tivesse ganho umas eleições com maioria relativa e o PSD e o CDS, tendo concorrido separados, somassem uma maioria parlamentar na AR -, esses partidos fariam precisamente o que agora tão veementemente condenam, ou seja, chumbariam na AR o governo minoritário do PS e fariam um acordo de governo entre si para o substituir.
3. Convém acrescentar que a referida situação nunca se verificou até agora. Apesar de ter havido vários governos minoritários do PS, a direita unida nunca teve maioria absoluta para os derrubar; mesmo assim, o PSD chegou a apresentar uma moção de rejeição contra o Governo Guterres II em 1999. Em todo o caso, não está excluído que aquela hipótese se possa verificar no futuro.
Adenda
É evidente que, se perguntados sobre o que fariam nessa hipótese, eles negarão a pés juntos. Mas, para além de ninguém acreditar neles, sempre ficaria a declaração registada para memória futura.
Divergências
1. A não ser que o caso fosse de "sangria desatada", o Governo demitido deveria ter deixado o caso TAP para o seu sucessor. Todavia, consumada a privatização, parece-me evidente que o PS não vai poder votar a favor desta iniciativa do PCP, que teria enormes custos para a empresa e para o País. Por mais que o PS discorde da privatização da maioria do capital, só pode aspirar a negociar o papel do Estado na empresa com os seus novos donos.
2. Esta primeira divergência entre o PS e o PCP, que não vai ficar solteira, mostra por que é que não podia haver um governo de coligação à esquerda. Resta saber se a repetição de divergências como esta não vai perturbar o clima das relações dentro da "maioria de esquerda", com os danos colaterais que se podem imaginar...
quinta-feira, 12 de novembro de 2015
Passou-se mesmo!
É oficial: a direita "passou-se mesmo dos carretos". Depois de ter mostrado ao longo destas semanas que se está marimbando para as regras mais elementares da democracia parlamentar, vem agora mostrar que se está marimbando também para a própria estabilidade constitucional, propondo a abolição ad hoc de uma dos peças essenciais do nosso sistema de governo, só para satisfazer o seu ressentimento e revanchismo político, como se não pudesse esperar seis meses pelas eleições que exige. O País que se lixe!
O PS não deveria sequer responder a esta tonteria irresponsável, mais própria dos pequenos grupos radicais do que de um partido com as responsabilidades do PSD. Alguém devia aconselhar uns comprimidos para a azia política...
Podem esperar sentados!
1. Esta notícia esquece que as eleições de 4 de outubro retiraram maioria parlamentar à direita, que também perdeu condições de governar.
Penso que a nova maioria parlamentar deve cessar imediatamente o financiamento público do ensino privado, salvo nos estritos casos (se é que há algum hoje em dia) de falta comprovada de escola pública nas proximidades e a título transitório, enquanto faltar oferta de ensino público (que é obrigação do Estado assegurar). Fora dessas condições o financiamento público do ensino privado é constitucionalmente descabido e politicamente insustentável nas atuais condições de frugalidade orçamental.
O Estado tem uma estrita obrigação constitucional de manter a escola pública, não o ensino privado, não podendo desviar verbas que faltam àquele para subvencionar este. Era o que faltava!
2. A liberdade de ensino, no estreito sentido de liberdade de criação e de frequência de escolas privadas em vez da escola pública está tão garantida em Portugal como a liberdade de optar por serviços de saúde privados em vez do SNS, por arbitragem privada em vez dos tribunais oficiais, por serviços de segurança privados em vez da PSP, etc. Em nenhum desses casos existe algum dever de financiamento público desses serviços privados.
A liberdade de frequentar escolas privadas não implica nenhum direito de o fazer à custa do orçamento do Estado, muito menos à custa da escola pública. Para favor já bastam as deduções de despesas de ensino em sede de IRS.
"Parlamentarismo racionalizado"
Eis abertura da minha coluna de hoje no Diário Económico, sobre a demissão parlamentar do Governo minoritário de Passos Coelho numa lógica de "moção de censura construtiva", que é uma peça essencial do chamado "parlamentarismo racionalizado".
Será que esse precedente vai vingar doravante como nova "praxis" das moções de rejeição parlamentar dos governos, evitando as "moções de censura negativas"?
Espetacular!
Esta notícia tem um duplo "picante". Primeiro, dá gozo ver o outrora campeão da anti-austeridade, o governo do Syriza, a ser vítima de uma greve geral por causa da austeridade agora aplicada por ele-mesmo. Segundo, verifica-se que o próprio Syriza apoia a greve contra o seu próprio Governo, seguramente com o virtuoso propósito de dar-lhe força para não cumprir as obrigações que assumiu no III plano de resgate que teve de pedir.
Espetacular, o contorcionismo, a duplicidade e o cinismo politico da esquerda radical quando chega ao governo!...
Adenda
Um leitor matreiro diz que ainda há de ver algo de semelhante em Portugal, ou seja, uma "greve geral" da CGTP apoiada pelo PCP (como sempre), mas desta vez com o benévolo objetivo de incentivar o Governo do PS (que por uma vez o PCP diz apoiar) a travar o "necessário combate" contra a "austeridade imposta por Bruxelas". Bem imaginado!
Sem alternativa (2)
2. Independentemente da questão de saber se o PR tem poderes constitucionais para ditar condições sobre a composição ou sobre o programa dos governos antes de os nomear (e não se vê onde eles estejam previstos na Lei Fundamental), a verdade é que isso só faria sentido se o PR pudesse ameaçar com a dissolução parlamentar ou tivesse outra alternativa de Governo.
Ora, como vimos no post antecedente, nas circunstâncias existentes Belém não tem outra opção senão nomear o Governo resultante do acordo que levou à rejeição parlamentar do novo executivo de Passos Coelho (numa lógica de "moção de censura construtiva"), Não tendo alternativa, o PR também não tem poder para condicionar nem a composição nem o programa do novo Governo.
Adenda
Aliás, se o PR imprudentemente decidisse interferir na composição ou no programa do Governo PS, e se António Costa aceitasse essa ingerência, sacrificando a autonomia do executivo perante o Presidente, então Cavaco Silva tornar-se-ia automaticamente corresponsável pelo eventual inêxito do Governo, pondo em causa a estrita irresponsabilidade constitucional do segundo perante o primeiro.
Sem alternativa (1)
Um governo demitido pela AR só pode manter-se em funções pelo tempo necessário para o PR nomear outro (salvo se puder optar pela dissolução da AR, o que não é o caso). Demitido o Governo pela AR, o PR tem obrigação constitucional de nomear outro, por duas razões: (i) porque seria um verdadeiro desafio à autoridade do parlamento (contempt of parliament) manter em funções deliberadamente um governo rejeitado pela AR e que, portanto, perdeu toda a legitimidade para continuar em funções ; (ii) porque o "regular funcionamento das instituições" - que compete ao Presidente assegurar - supõe naturalmente um governo em plenitude de funções.
2. Nas circunstâncias, o Presidente só poderia evitar a nomeação de António Costa, se tivesse outra alternativa de governo no atual quadro parlamentar. Ora, essa alternativa não existe, tanto mais que ao demitir o novo Governo de Passos Coelho, os partidos da oposição fizeram-no justamente na base de um governo alternativo que tem o seu apoio maioritário.
Direita birrenta
Só assim se compreende que tenha insistido no debate de propostas feitas pelo Governo antes da sua rejeição parlamentar, quando a Constituição é explícita quanto à sua caducidade com a demissão do Governo (CRP, art. 167º-6).
Depois de ter contestado as regras mais elementares da democracia parlamentar, a direita contesta agora diretamente as mais inequívocas normas constitucionais. Um despautério!
quarta-feira, 11 de novembro de 2015
O Semestre Europeu e a injustiça fiscal...
terça-feira, 10 de novembro de 2015
Um pouco mais de chá democrático, sff (2)
De acordo com as regras da democracia parlamentar não é assim necessariamente, quando quem ganha não tem maioria absoluta. Mas é assim que as coisas se passam entre nós. E foi isso o que sucedeu mais uma vez; o PSD foi chamado a formar governo, fez uma coligação com o CDS, o Governo foi nomeado e empossado e encontra-se agora a prestar provas na AR, como a Constituição manda. Portanto, o seu "direito a formar governo" foi integralmente respeitado. Não foi nem "usurpado" nem "expropriado".
2. O que o Governo minoritário de direita não tem (nem nenhum outro o tem) é um alegado direito de não ser rejeitado pela AR, se não tiver uma maioria absoluta de apoio, como é o caso. Trata-se de uma regra mínima da democracia parlamentar, onde os governos dependem da confiança parlamentar. Se a direita não obteve maioria absoluta nas eleições nem conseguiu um acordo pós-eleitoral para suprir esse défice de representatividade parlamentar, não pode impedir o funcionamento das regras constitucionais. Esse poder da AR é que eles não podem cancelar, como pretendem. É a vida, numa democracia constitucional!
3. A bancada governamental e a sua bancada parlamentar bem podem carpir-se, berrar, protestar, insultar os adversários, achincalhar as instituições, como têm feito neste debate lamentável.
Só revelam mau perder e défice de formação democrática (bem maior do que o seu défice de representação parlamentar).
segunda-feira, 9 de novembro de 2015
Um pouco mais de chá democrático sff.
Esta acusação é um dislate político, que mostra o desespero e a falta de chá democrático da direita quando as coisas não lhe correm bem. Quando perde o poder até as boas maneiras políticas perde.
Como tenho dito várias vezes, o acordo de governo feito à esquerda pode ser o pior do mundo, politicamente falando, mas é inatacável sob o ponto de vista da legitimidade constitucional e da moral política. Decididamente, a direita deveria aproveitar o próximo afastamento do Governo para fazer reciclagem democrática num curso elementar de democracia parlamentar.
Adenda
Não sou fã da solução de governo que aí vem, longe disso. Mas só para ver o destrambelhamento da direita na iminência da perda do poder e a perda do verniz democrático, vale a pena.
Nem mais um euro (2)
Mesmo que o contrato de privatização não chegue a ser assinado, a proposta de reversão custará desde logo muitos milhões de euros de indemnização de custos e dinheiro adiantado pelos compradores. Depois, como a companhia necessita urgentemente de capital, terá de ser o Estado a proporcioná-lo; e como a Comissão Europeia só autorizará essa ajuda de Estado (se autorizar...) com significativas contrapartidas, o preço vai ser a diminuição substancial da dimensão e das operações da TAP. No final, uma TAP mais cara e de escala mais reduzida.
Não consigo ver as vantagens deste negócio. Como referi aqui, a má gestão pública e o controlo sindical da TAP já custaram ao País muito dinheiro ao longo das últimas décadas. Por minha parte, não estou disponível para contribuir com mais um euro para voltar ao mesmo. Para esse peditório já dei.
Adenda
Para uma visão preocupante da reestruturação das empresas aéreas europeias ver esta elucidativa notícia.
Benefício da dúvida
Penso que não existe a "química" necessária à solidez das alianças duradouras e à simples lealdade e confiança imprescindível em toda a cooperação política não ocasional. É menos aquilo que as une (o Estado social e os direitos dos trabalhadores, mesmo aí com diferenças assinaláveis) do que aquilo que as separa (democracia liberal, economia de mercado, papel do Estado na economia, disciplina orçamental, União Europeia, euro, alianças internacionais). Há décadas de hostilidade recíproca acumulada e, muitas vezes, de inimizade e de ressentimento antissocialista militante por parte da extrema-esquerda.
Não ignoro os milagres que a necessidade e o voluntarismo político podem gerar. Mas a necessidade é má conselheira e o voluntarismo é muitas vezes vizinho do oportunismo e da reserva mental. Poderá haver alguma sinceridade no apoio da esquerda radical a um governo social-democrata, ainda por cima numa situação em que o Estado não pode abrir os cordões à bolsa para financiar dispendiosas políticas sociais?
Nestas situações, no entanto, é de bom tom deixar em aberto o benefício da dúvida. Também gostaria de estar enganado!
Eleições em Myanmar - a Lady, os Generais, e os mais...
Seguem-se as eleições de 8 de Novembro, que poderão vir a ser as mais abertas e competitivas que o povo de Myanmar já conheceu, mas se desenrolam num contexto legal, institucional e político que não corresponde aos padrões internacionais exigidos para eleições democráticas: a Constituição, imposta pela Junta Militar em 2008, reserva a militares 25% dos assentos nas Câmaras Alta e Baixa da Assembleia Nacional e das Assembleias Regionais e sectores da governação; a Comissão Nacional de Eleições não é independente; credenciação de candidatos e registo de eleitores prestaram-se a manipulações antes, durante e depois da votação - não se sabe quantos eleitores estão inscritos, quantas as mesas de voto, como vai ser controlado o "voto antecipado". Para não falar nos milhares (milhões ?), designadamente das minorias étnicas, não registados e, portanto, impedidos de votar.
Mas estas são contingências aceites pela histórica NLD (Liga Nacional para a Democracia), que acredita chegar ao poder finalmente. E pela comunidade internacional, que não desperdiçou a oportunidade de, pela primeira vez, observar o processo, ajudar na capacitação da máquina eleitoral e na educação cívica, sempre democraticamente muito compensadora.
É longa a lista de insuficiências, irregularidades e violações da lei e do "fair play" eleitoral relatadas aos observadores internacionais, como os do Parlamento Europeu que eu chefio e se articulam com a Missão de Observação Eleitoral da UE, no terreno desde Setembro. Uma lista indissociável da polarização e das contradições entre forças nacionalistas (NLD e USDP, dos militares no poder) e as representativas das minorias étnicas. E também por via do extremismo religioso do budismo dominante, contra a minoria muçulmana, em particular os Rohingya, no Arakan.
Mas nada impedirá o povo de ir votar no domingo. A promessa eleitoral da NLD é só uma: mudar para haver governação democrática, diálogo, reconciliação nacional, paz. Nas reportagens da BBC antecipa-se uma "landslide" que torne a Lady, impossibilitada constitucionalmente pelos generais de ser Presidente, em determinante "Kingmaker" (capacitação política da veterana liderança da NLD é investimento esperado de UE e EUA). Defensores de direitos humanos e outros actores e activistas birmaneses preferem a NLD a ganhar moderadamente, de forma a não assustar os generais, que podem usar o extremismo budista e muitos outros recursos para inviabilizar a governação NLD. Diálogo e compromisso também são fundamentais com a que seguirá sendo a mais poderosa instituição do país, a militar - que organizou e quer controlar a transição para o poder civil."
Esta é a versão integral do artigo que escrevi para o "Diário Económico" na noite antes do acto eleitoral que se realizou no Myanmar (Birmânia). Versão que teve de ser cortada para caber no limite de 2000 caracteres.
Sent from my iPad
sábado, 7 de novembro de 2015
Nem mais um euro
Nem mais um euro do orçamento para os transportes de Lisboa e do Porto! Os transportes públicos urbanos devem ser uma responsabilidade municipal ou intermunicipal, não do Estado.
Adenda
Além disso, com a regresso às mãos do Estado, os transportes de Lisboa e do Porto, pela importância eleitoral dessas cidades vão voltar a ser carne para canhão das famosas "greves gerais" da CGTP (que na verdade não passam de greves do setor público), como é tradicional. Só esta medida vale o acordo para o PCP!
Portucaliptal
Mas é pouco. Como propus antes, urge parar o financiamento público do eucalipto (o que é um escândalo) e, em vez disso, passar a taxar a sua plantação. Em vez de gastar dinheiro a ajudar a dar cabo dos solos e da paisagem do país, o Governo passaria a receber algum dinheiro com a praga.
Um governo, vários acordos
Pontos firmes são os seguintes:
- não vai haver um governo de coligação à esquerda liderado pelo PS, mas sim um governo do PS apoiado externamente em "acordos de sustentação parlamentar" com o PCP e com o BE;
- também não vai haver um programa comum de governo, mas sim um programa de governo do PS que incorpora os compromissos pontuais por ele assumidos com os de mais partidos;
- tampouco há um acordo de sustentação parlamentar a três, mas sim acordos bilaterais separados, parcelares e distintos do PS com o PCP e com o BE (deixo de fora o PEV que é uma simples sucursal do PCP), porque estes não se entendem entre si.
2. Pontos que se podem inferir são os seguintes:
- tudo indica que não vai haver à partida uma manifestação formal de apoio parlamentar ao Governo do PS por parte do PCP e do BE expresso numa moção de confiança;
- aparentemente, nem sequer existe um compromisso firme antecipado do PCP e do BE de não porem em causa a trajetória prometida pelo PS quanto ao saldo orçamental (défice nominal, défice estrutural, saldo primário) e da dívida pública ao longo da legislatura, pelo que cada orçamento vai ter que ser negociado entre as partes, mantendo o PCP e o BE a chave do poder negocial.
3. Se entendo bem, portanto - e sob reserva de desconhecimento do teor dos acordos firmados -, o PCP e o BE obtiveram alguns ganhos significativos quanto ao termo da austeridade orçamental, comprometendo-se para já somente a deixar passar o Governo, sem porém se vincularem antecipadamente a apoiar outras medidas governamentais com que não concordem, incluindo os orçamentos.
Adenda
Prescindi de utilizar a exotérica expressão "acordo de incidência parlamentar", que - vá-se la saber porquê - se tornou usual no nosso jargão político.
quinta-feira, 5 de novembro de 2015
"Semipresidencialimo" ou "poder moderador"?
Este é o lead da minha coluna de hoje no Diário Económico. Haverá alguma vantagem em qualificar de "semipresidencialista" um sistema de governo que apresenta os principais traços do sistema parlamentar sem possuir nenhum dos traços essenciais do sistema presidencialista?
Ser de esquerda
Adenda
Ser a favor de um generoso Estado social é fácil. O problema é que são cada vez menos os que estão dispostos a pagá-lo...
Contraproducente
Não tem razão. Como referi há uns meses, usando o conhecido critério da relação entre o salário mínimo e o salário mediano, a verdade é que o nosso SMN está muito bem colocado no ranking europeu. Num país onde os salários são em geral muito baixos não se pode esperar que o salário mínimo seja alto.
Considero o salário mínimo uma garantia necessária de um mínimo de dignidade na remuneração do trabalho e sou a favor da sua atualização periódica; mas o seu valor não pode afastar-se tanto da produtividade do trabalho não qualificado que acabe por vitimar aqueles mesmos que pretende proteger. Apesar de tudo, é preferível ter um emprego menos bem remunerado do que não ter emprego nenhum porque as empresas menos competitivas deixam de poder pagar.
Adenda
Conhecido o aumento do salário mínimo no anunciado programa de governo do PS - quase 20% nos próximos quatro anos (de 505 para 600 euros) -, é fácil verificar que ele fica muito acima da projeção de crescimento económico acumulado (cerca de 7 %) e da inflação acumulada (cerca de 5%) no mesmo período de tempo (extrapolando as previsões da Comissão Europeia até 2017).
quarta-feira, 4 de novembro de 2015
O PCP não quer acordo nenhum?
Neste comunicado hoje tornado público, na fase crítica das negociações com o PS, o PCP insiste em objetivos imediatos que ele sabe serem obviamente inaceitáveis, como, entre outros, o aumento de salário mínimo nacional para 600 euros já em 2016.
Com uma baixa produtividade e com um desemprego elevado, uma subida excessiva do SMN (que já é relativamente elevado em termos comparados) seria irresponsável, pois não só não passaria na concertação social como iria causar mais desemprego e mais falsos recibos verdes.
Ou se trata de uma chantagem política de última instância sobre o PS, que parece disposto a pagar um preço alto pelo acordo, ou o PCP vem declarar urbi et orbi que não está a fim de entrar no jogo...
Adenda
De um leitor: «Apenas para lhe dar outra perspetiva sobre essa situação: eu não excluiria a possibilidade de se tratar de retórica para militante/eleitor CDU ver, num momento em que as coisas podem estar quase fechadas com um resultado final bem diferente do ora reivindicado».
Minha resposta: «Sim, provavelmente é isso. E depois dizer: "Lutámos até à última por isto mas os malandros dos socialistas recusaram".»
Pântano político
No entanto, lidas as declarações atribuídas ao PM, ele limita-se a dizer o óbvio, ou seja, que se o seu Governo não passar na AR ele se mantém em funções de gestão até ser substituído, o que aliás não é um direito, mas sim uma obrigação constitucional. O resto da peça, ou seja, que ele aceitaria ficar indefinidamente em gestão caso o PR não nomeasse um novo governo, é especulação jornalística.
Como expliquei aqui e aqui, uma tal situação seria constitucional e politicamente insustentável. Aliás, mesmo que o PR caísse nesse abuso de poder qualificado, no que não acredito, duvido que o PM aceitasse de bom grado permanecer em funções indefinidamente depois de rejeitado pela AR, privado de poderes efetivos e sujeito à humilhação política quotidiana de ter de executar as decisões de uma maioria parlamentar hostil, essa em plena efetividade de funções.
Pela lógica das coisas, Passos Coelho deve ser o primeiro a não aceitar um pântano político desses.