terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Carga tributária

1. Os partidos da direita e a imprensa que lhe é afeta estão fazer um grande aranzel com a subida de alguns impostos no orçamento para 2016, quase todos impostos indiretos.
Ora é preciso anotar duas observações (i) a subida desses impostos é mais do que compensada com a descida de outros, a começar pelo IRS, o que até torna o sistema fiscal um pouco menos injusto; (ii) Portugal continua com uma carga tributária (impostos mais as contribuições para a segurança social) inferior à média da UE, como mostra a tabela junta relativa a 2013.


É certo que a nossa referência nesta matéria deveriam ser países como a Irlanda e a Espanha, que têm uma carga tributária inferior. Todavia, mesmo assim, não se pode dizer que ela seja insuportável entre nós.

2. Mais preocupante deveria ser o facto de a consolidação orçamental, ou seja, a redução do défice orçamental, estar ser feita quase exclusivamente à custa do aumento das receitas, com pouca ou nenhuma contribuição do lado da diminuição da despesa.
Sabendo-se que temos de continuar a reduzir substancialmente o défice orçamental (nominal e estrutural) e a aumentar o "saldo primário" (saldo orçamental descontado dos encargos da dívida pública), o mais provável é continuar a pressão para o aumento da carga fiscal nos próximos anos.

Equivoco (3)

Ainda em relação a este post, outro leitor argumenta que se eu tivesse razão quanto à gestão comercial da TAP, também as empresas de energia, por exemplo, só forneciam eletricidade a quem lhes conviesse comercialmente. Mas não tem razão.
A EDP - Distribuição é concessionária da rede de distribuição, que é um serviço público, e não opera num mercado concorrencial; além disso, a EDP - Serviço Universal,  como "comercializador de último recurso", está obrigada contratualmente a fornecer um serviço básico de energia elétrica aos consumidores que não estejam em condições de se abastecerem no mercado. Algo de semelhante ocorre nos demais "serviços de interesse económico geral" liberalizados (como o gás, as telecomunicações, etc.).
Ora, salvo a ligação aérea para os Açores e as demais condições contantes do acordo de privatização (onde não se conta a manutenção de um hub no Porto), a TAP não tem mais "obrigações de serviço público".

Equívoco (2)

Em relação ao post precedente, um leitor questiona a minha afirmação de que a TAP não recuperou a sua qualidade de empresa pública depois do recente acordo do Governo com os acionistas privados, pelo qual o Estado recuperou 50% do capital da empresa. Mantenho, porém, a minha posição, salvo melhor opinião, obviamente.
Primeiro, é o próprio texto oficial do acordo que diz expressamente que a empresa mantém o estatuto de empresa privada. Segundo, a TAP não é empresa pública nem na definição do direito da UE nem do direito interno português (que aliás são coincidentes). A gestão da TAP fica inteiramente nas mãos dos acionistas privados e o Estado não fica com nenhuma posição dominante no governo da empresa, já que não tem a maioria do capital, nem dos direitos de voto, nem tem o direito de nomear a maior parte dos membros do conselho de administração (muito menos da comissão executiva). (Nestas condições, o que se pode questionar é a legitimidade do direito de veto do Estado no conselho de administração...)
Acresce que a TAP não integra o conceito constitucional de setor público empresarial, que exige a titularidade e a gestão públicas; ora, o Estado não fica com a maioria do capital nem muito menos com a gestão da TAP.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Equívoco

O Presidente da CM do Porto quer que o Governo imponha à TAP a manutenção de alguns voos que a companhia quer descontinuar de/para o aeroporto de Pedras Rubras.
Saúda-se a militância de Rui Moreira pelos interesses da sua cidade e região, sendo de esperar que a empresa reanalise a sua decisão. A verdade, porém, é que a TAP já não é uma empresa pública - qualidade essa que perdeu com a privatização e que não recuperou com o recente acordo entre o Governo e os compradores - nem é uma empresa concessionária de serviço público, à qual o Governo possa dar ordens ou impor condições. De resto, mesmo enquanto empresa pública, a TAP era uma empresa que operava num mercado concorrencial, pelo que a sua gestão devia guiar-se por critérios comerciais. Impor a empresas públicas que operam no mercado a realização de operações contrárias à gestão comercial sempre constituiu uma das piores pechas da gestão pública, com pesados encargos para os contribuintes.

Adenda
Como era de prever, o Governo não vai interferir nesta matéria.

Voltar ao mesmo

Voltou a tolerância de ponto para os funcionários públicos no Carnaval.
Contando a mesma dispensa de trabalho na véspera do Natal e do Ano Novo, são mais três dias de férias do que no setor privado. Se a isso somarmos a recuperação das remunerações, o retorno às 35 horas de trabalho semanal e o fim da possibilidade de despedimento, estamos a assistir a uma cornucópia de boas notícias para a função pública.
O problema vai ser quando os trabalhadores do setor privado, invocando a Constituição e a equidade política, reclamarem o mesmo tratamento.

sábado, 6 de fevereiro de 2016

Aliados da onça

Os três partidos da extrema-esquerda parlamentar que apoiam o Governo do PS já anunciaram todos que vão apresentar propostas de alteração ao orçamento, sendo de temer que vão consistir quase todas em aumentos de despesa, que poriam em causa o delicado equilíbrio em que assenta o orçamento resultante da negociação com Bruxelas.
Ora, tal como o PS fez questão de salvaguardar lealmente os compromissos que tinha com esses partidos no acordo que fez com a Comissão Europeia também eles deveriam respeitar agora esse compromisso, abstendo-se de apresentar propostas que aumentem o défice acordado com Bruxelas. Se o não fizerem, obrigam o PS a votar contra essas propostas, tornando-se o "mau da fita", ou, pior do que isso, pode acontecer que o PSD vote alguma dessas propostas de despesa dos infiáveis aliados do PS, só para "encalacrar" o PS...

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Sob vigilância (2)

A principal virtude do compromisso com a Comissão Europeia que salvou o orçamento está na necessária tranquilização dos mercados da dívida e das agências de rating, perante um temido relaxamento da disciplina orçamental ou subida do risco da dívida pública portuguesa.
De facto, Portugal não pode de nenhum modo deixar criar um clima de incerteza orçamental que ponha em causa a (única) notação de rating positiva, a da DBRS canadiana, que é a garantia imprescindível do financiamento exterior do Estado e dos bancos nacionais a juros baixos.
Por isso, é essencial agora não deixar descarrilar a execução orçamental, deixando entrar pela janela aquilo que a Comissão Europeia não deixou entrar pela porta. Desnecessário será dizer que ainda mais importante do que a vigilância da Comissão Europeia em Bruxelas é a da delegação da DBRS em Lisboa.
Esquecer isso pode ser fatal.

Sob vigilância (1)

Como ontem aqui se previra , a Comissão Europeia deu passagem ao orçamento apresentado por Lisboa - consideravelmente corrigido quanto às metas do défice nominal e estrutural -, embora com uma forte advertência sobre o risco de incumprimento das regras orçamentais da UE e sobre a necessidade de monitorização de Bruxelas sobre a execução orçamental.
O laborioso e bem-sucedido compromisso poupou o País a um choque de consequências imprevisíveis com as instituições europeias e e o orçamento a que se chegou mantém Portugal na rota da consolidação orçamental, da redução do desequilíbrio das contas públicas e da contenção da dívida pública.

Fraudes

Aplauso para esta medida que visa um maior controlo das baixas por doença, que diminuem ilicitamente a assiduidade laboral e pesam muito nas finanças da segurança social. Infelizmente há muitos médicos que continuam a colaborar impunemente nesta fraude às obrigações laborais e à segurança social.
Mas há outra área que deveria exigir também maior rigor é o das aposentações por incapacidade, quer na definição dos seus pressupostos quer na verificação destes.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Receitas alternativas


Abertura da minha coluna semanal de hoje no Diário Económico. Ou como arranjar receitas públicas alternativas sem mais impostos.

Quando o que separa não desune

O Jornal de Negócios resolveu inventariar as divergências entre as minhas posições e as do dirigente nacional do PS Porfirio Silva sobre alguns temas da atualidade (por vezes misturando alhos com bugalhos). Nesse exercício o jornal refere também algumas caraterísticas que compartilhamos. Faltam, porém, duas essenciais: somos amigos e vivemos bem com as nossas divergências políticas (que certamente não vão ficar por aqui...).
Felizmente, no PS, por via de regra, é assim!

Cartão amarelo

O mais provável, e desejável, é que a Comissão Europeia não rejeite a nova versão (muito) corrigida do orçamento que hoje vai ser aprovado pelo Governo.
Em vez de penalizar o facto de ele ficar aquém da meta preestabelecida quanto ao "défice estrutural" (mesmo assim recalculado e reduzido em 0,4%) e quanto à contenção da dívida pública, a Comissão deve premiar o esforço de aproximação feito pelo Governo, mercê da receita adicional criada pelo aumento de vários impostos, que também reduz o défice nominal para 2,4% (era 2,8% no primeiro draft). Por isso, a Comissão deve abster-se de uma cartão vermelho, que pareceria excessivamente punitivo, e limitar-se a um cartão amarelo, com advertências sérias sobre as insuficiências remanescentes no orçamento aprovado, como fez em relação a outros países.
Resta esperar que a execução orçamental não venha a descarrilar e que não cheguemos a setembro a necessitar de um orçamento retificativo...

Adenda
No entanto, as arrasadoras perspetivas da Comissão Europeia desta manhã sobre Portugal fazem duvidar sobre se existem condições para leniência de Bruxelas em relação ao orçamento que está em via de aprovação no Conselho de Ministros...

Adenda 2
Também muito pessimistas as perspetivas do FMI. Decididamente, o exercício orçamental de Lisboa complica-se.

Os que têm e os que não têm

1. É de aplaudir duplamente esta medida do novo orçamento relativa ao valor da dedução fiscal por cada filho em sede de IRS: primeiro, porque a dedução vai ser significativamente aumentada; segundo, porque ela passa a ser igual para todos os contribuintes, independentemente do rendimento de cada um e do número de membros do agregado familiar, ao contrário do "quociente familiar" estabelecido pelo anterior Governo.

2. Resta, porém, o defeito de todas as deduções fiscais, que só beneficiam quem tem rendimento suficiente para pagar IRS, deixando de fora justamente as muitas famílias de menores rendimentos e que por isso mais necessitam de apoio para criar os filhos. Afinal, nem toda a gente tem direito ao prémio financeiro por ter filhos. Como em quase tudo, há os have e os have nots.
Por isso, como há muito defendo, em vez de benefícios fiscais, era mais justo um subsídio de valor equivalente para todas as famílias.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

"Soberania orçamental"

Ao contrário do que tantas vezes se ouve e lê, a UE não controla previamente os orçamentos nacionais antes dos parlamentos nacionais. Só verifica o cumprimento das regras da União sobre o défice orçamental, nos termos dos Tratados.
O montante das receitas e despesas públicas, bem como a origem das primeiras e a aplicação das segundas - ou seja, toda a política orçamental em sentido próprio -, continua a ser inteiramente da responsabilidade dos governos e dos parlamentos nacionais.
A União monetária e a moeda comum implicaram obviamente a perda da política monetária e da política cambial pelos Estados-membros que integram a zona euro, mas só afetaram a política orçamental quanto ao défice e ao endividamento, não quanto às opções e prioridades substantivas em matéria de receitas e de despesas públicas.

A UE e a situação na Líbia

União Europeia e Estados Membros falharam em agir como Europa coesa e coerente para ajudar os governos de transição líbios na tarefa que devia ter sido prioritária, sem a qual era óbvio que não funcionariam Estado, nem governação: a construção de forças de segurança sob comando nacional, o que implicava desmobilizar as milícias, não deixar que fossem infiltradas por redes criminosas e terroristas, explorando os arsenais de Khadafi no "bazar de armas" que ainda aqui hoje denunciou o Presidente da Nigéria.

UE e Estados-Membros continuam a enterrar a cabeça na areia, tudo reduzindo a lutas tribais entre líbios: continuam em denegação da "guerra por procuração" conduzida em terreno líbio por potências rivais sunitas -  Egipto e Emiratos, atrás da Arábia Saudita que financia os grupos salafistas,  contra Turquia e Qatar, que apoiam a Irmandade Muçulmana. "Guerra por procuração" que organiza a desintegração da Líbia e a expansão do Daesh e outros grupos terroristas no terreno.

 O Acordo Político Líbio que o Representante do SGNU Martin Kobler conseguiu negociar oferece uma oportunidade que o povo líbio,  a UE e a região não podem desperdiçar: é uma oportunidade "in extremis" para impedir a escalada da violência. Um ataque terrorista organizado a partir da Libia contra europeus não ficará sem resposta. E ninguém saberá controlar os impactos de uma  intervenção militar externa.

Para o Acordo  Político Líbio e o Governo de Acordo Nacional vingarem é vital que a UE imponha imediatamente  sanções direccionadas contra qualquer indivíduo ou organização, líbio ou estrangeiro, que boicote o Acordo e o governo.

A Europa tem de assumir que é sua obrigação e interesse vital investir na segurança da Líbia. A erradicação de santuários terroristas implica trabalhar na desmobilização, desarmamento e reintegração de qualquer milícia, no combate ao tráfico de armas e de seres humanos, e na formação de forças de segurança líbias sob comando  unificado. Sem  se restabelecer segurança, não haverá transição democrática na Líbia, nem capacitação para a governação, nem respeito pelos direitos humanos, nem gestão dos recursos petrolíferos, nem controlo de fluxos migratórios. 

A UE tem de se empenhar na Líbia  e interessar-se pelo povo líbio. Só assim assegurará a sua própria  segurança e a segurança da região.


(Minha intervenção em debate esta tarde no PE sobre a situação na Líbia)

 

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Um pouco menos de hipocrisia política, sff

É indescritível a hipocrisia política do PSD e do CDS na tentativa de fugir às suas responsabilidades no caso das remunerações estratosféricas atribuídas aos administradores da ANAC, a autoridade reguladora da aviação civil.
De facto, nos termos da lei-quadro das autoridades reguladoras de 2013, tais vencimentos foram fixados por uma comissão de vencimentos, a qual, de acordo com a mesma lei, é composta por três membros, um em representação da própria autoridade reguladora, outro em representação do Ministro das Finanças (que pertencia ao PSD) e outro em representação do Ministro da tutela (que era o ministro da Economia, do CDS). Portanto, os representantes do Governo tinham a maioria na referida comissão de vencimentos, e ninguém acredita que não atuassem de acordo com instruções ou pelo menos com a cobertura dos respetivos ministros.
Por conseguinte, o PSD e o CDS não podem sacudir a água do capote do seu Governo nesta indecente história!

Reposicionamento

Não se podem ignorar os sinais de mudança no PS, nem o seu significado. O acordo de governo com o PCP e o BE, a aposta na eliminação acelerada da austeridade orçamental (mesmo pondo em risco a necessária consolidação das contas públicas), a reversão da privatização e concessão de empresas públicas problemáticas, o discurso político mais aguerridamente ideológico, a adoção de Sampaio da Nóvoa como candidato presidencial oficioso e o atual embate com a Comissão Europeia sobre o orçamento - incluindo acusações públicas à União Europeia que seriam improváveis há pouco tempo -  são traços que destoam do tradicional posicionamento do PS no centro-esquerda moderado, aproximando-o dos partidos à sua esquerda.
Concordemos ou não com este reposicionamento do PS na cena política (que não acompanho), trata-se porventura da mais importante evolução política do PS desde que Mário Soares "meteu na gaveta" o socialismo tradicional e abraçou decididamente uma orientação social-democrata no quadro da União Europeia. Aguardemos os próximos capítulos...

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Um pouco mais de rigor, sff


Tenho discordado tanto do Governo que me apraz desta vez defender o Primeiro-Ministro de uma acusação injusta, como este título do Expresso digital.
De facto, como se recolhe da próprio corpo da notícia, Costa nunca disse que não aumentaria nenhum imposto, tendo falado somente em «não aumentar os impostos sobre o trabalho, nem os impostos indiretos sobre alguns bens essenciais». Por conseguinte, excluindo o IRS e o IVA sobre bens "alguns" bens  essenciais, o Governo pode aumentar todos os demais impostos sem ir contra o referido compromisso (o que, aliás, já anunciou há dias em relação aos impostos especiais sobre os combustíveis e o tabaco).
Além desses impostos protegidos, só há que contar com a promessa eleitoral de não aumentar a carga fiscal geral. Mas com a já decidida redução da sobretaxa do IRS e do IVA na restauração, há margem para subir outros impostos num montante equivalente à descida daqueles.
Resta saber quais...

Voltar ao mesmo (2)



1. Eis um fenómeno para o qual já tinha aqui alertado anteriormente. A inflação do crédito ao consumo não traz somente mais endividamento das famílias; também aumenta o endividamento externo da economia portuguesa (pois os bancos financiam-se lá fora, por causa da insuficiente poupança doméstica) e pressiona as importações de bens de consumo (viagens, automóveis, eletrodomésticos, etc.).
Era bom não repetir a "desbunda" do crédito ao consumo nos 10 anos que precederam a crise financeira, cujos efeitos ainda estão connosco.

2. Há quem pense que o "fim da austeridade" pode aliviar a pressão sobre o crédito ao consumo, dado que as pessoas passam a ter mais rendimento disponível. Penso o contrário: o aumento do rendimento pode trazer mais margem para endividamento.
Esperemos o pior se não houver um travão ao crédito ao consumo.

Adenda
O aumento do imposto de selo  é uma boa medida para travar os excessos do crédito ao consumo, tornado-o mais caro, equivalendo a um aumento seletivo da taxa de juro. Falta um travão idêntico para o crédito à compra de habitação, que também voltou a crescer desproporcionadamente.

António Costa agradece

Passos Coelho vai voltar a recandidatar-se à liderança do PSD, continuando a ser por isso o seu candidato a primeiro-ministro, quando vier a ser o tempo disso.
Não me parece boa ideia para o PSD. Primeiro, Passos Coelho não goza de grande crédito político depois de ter liderado o "Governo da austeridade" e depois de ter falhado a hipótese de novo Governo a seguir às eleições de 4 de Outubro passado, onde o PSD terá tido pouco mais de 30% (se descontarmos os votos do CDS na PàF). Segundo, o que tem pautado os êxitos políticos do PSD nestes quarenta anos é a sua capacidade para se demarcar do seu passado imediato, investindo em novos líderes em cada ciclo político; ora nas próximas eleições Passos Coelho aparecerá como um líder já "requentado", sem nada de novo a propor. Terceiro, na história da República democrática de 1976, só Mário Soares é que conseguiu voltar a ser primeiro-ministro depois de ter perdido o poder (1976-78 e 1983-85): mas é evidente que Passos Coelho não pode competir com o carisma e autoridade política que Soares tinha, não se vendo como pode vencer a resistência dos portugueses em ver velhas caras de regresso ao poder.
A não ser que o Governo de Costa naufrague fragorosamente a curto prazo, o mais provável é que o tempo governativo de Passo Coelho já tenha passado e que o PSD tenha de arranjar novo líder antes de poder regressar ao Governo. Entretanto, Costa (e Cristas) agradecem a continuidade no principal partido da oposição...

Adenda
A divisa eleitoral de Passos Coelho, "Social-democracia sempre!", só pode conceber-se como anedota política, num partido que se pauta politicamente por um liberalismo vagamente social. A frase "Passos social-democrata" é um notório oxímoro.

Voltar ao mesmo


Este gráfico, retirado do Financial Times, mostra e evolução dos "custos unitários do trabalho" desde 2007 em vários países da UE, entre os quais Portugal. Verifica-se que todos os países tiveram aumentos acentuados dos custos laborais até 2010 e que desde então eles têm vindo a diminuir na Irlanda, na Grécia, em Portugal e na Espanha, ou seja, nos países que passaram por planos de austeridade orçamental mais severos.
Neste gráfico, os custos laborais em Portugal baixaram para o nível de 2007, tendo descido relativamente menos do que nos referidos países. Infelizmente, o esboço orçamental para 2016 apresentado pelo Governo prevê uma subida dos custos laborais superior ao crescimento da produtividade, o que não pode deixar de degradar a competitividade externa da economia portuguesa, como sucedeu na década que precedeu a crise.

domingo, 31 de janeiro de 2016

Separação de poderes


1. Mais uma reversão, portanto.
E quanto vai custar ao orçamento do SNS a manutenção da MAC em funcionamento, sem nenhuma vantagem para o SNS nem para as utentes, só por causa dos protestos e da conveniência do pessoal?

2. O recuo na extinção da MAC, por mudança de posição do Governo, veio no seguimento de uma providência cautelar judicial, constituindo o primeiro caso em que os tribunais decidiram suspender um ato de governo que devia considerar-se coberto pela sua liberdade de decisão política na definição da rede de estabelecimentos do SNS. Até agora temos permanecido imunes aos perigos da judicialização da política de saúde. O precedente da MAC significa que essa era pode estar em vias de terminar.
Valha-nos São Montesquieu, patrono da separação de poderes!...

E o esbulho continua

Há algumas semanas contestei aqueles que ingenuamente pensaram que a reversão da concessão dos transportes públicos de Lisboa e do Porto não ia custar nada ao Estado. E mais recentemente vim protestar contra a responsabilidade do Estado por esses transportes, defendendo a sua passagem para a responsabilidade municipal ou intermunicipal.
Fica agora a saber-se, pelo esboço de orçamento para 2016, que só a Carris de Lisboa e os STCP vão custar ao orçamento do Estado mais 223 milhões de euros! Ou seja, os contribuintes de todo o país vão continuar a suportar os défices dos transportes coletivos de Lisboa e do Porto.
E ninguém protesta contra este escândalo? Nenhum dos municípios que pagam os seus próprios transportes coletivos se rebela contra este esbulho nacional em benefício de Lisboa e ao Porto!? Por que é que os transportes coletivos de Lisboa e do Porto hão-de continuar a hipotecar o equilíbrio do orçamento do Estado?

sábado, 30 de janeiro de 2016

Bónus (2)

Tão injustificável como a redução do IVA na restauração para 13% é a manutenção do IVA da hotelaria em 6%, que o poderoso lobby hoteleiro conseguiu obter e preservar! Valem as mesmas razões (ver post anterior), a dobrar.
Não consigo entender, sob qualquer ângulo de equidade tributária, muito menos sob um ponto de vista de esquerda, que uma estada num hotel de luxo pague o mesmo IVA que os bens alimentares de primeira necessidade.
Quanto as contas públicas continuam sob pressão, exige-se um pouco mais de justiça fiscal!

Adenda
O Governo poderia ter compensado a descida do IVA na restauração para 13% com uma subida do IVA na hotelaria para a mesma taxa. Além da equiparação fiscal de atividades afins, seria um razoável compromisso em termos orçamentais. Mas pelos vistos, não é somente a celulose que constitui um lobby intocável neste país...

Bónus

Sempre fui contra a redução do IVA nos restaurantes, pelo menos enquanto se mantiver a necessidade de consolidação orçamental. Continuo a pensar que é uma enorme imprudência orçamental, por várias razões:
- a taxa real de IVA é muito inferior à taxa legal, por causa da enorme evasão fiscal, pois a maior parte das refeições não é faturada;
- é enorme o custo orçamental da redução do IVA para 13%, implicando uma perda de receita de centenas de milhões de euros;
- o setor da restauração está em plena pujança, estando a crescer a dois dígitos, pelo que não precisa de nenhum estímulo fiscal;
- não existe nenhum problema de competitividade externa, como mostra a invasão do país por turistas estrangeiros;
- não existe nenhuma razão social para essa redução do IVA, pois os frequentadores de restaurantes não são propriamente as pessoas mais pobres.
Nestas circunstâncias, a redução do IVA é um bónus indevido aos donos e aos clientes dos restaurantes, à custa da travagem na consolidação orçamental do país.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Arquitetura da supervisão financeira


"Lead" da minha coluna semanal de ontem no Diário Económico. Sobre a revisão do sistema nacional de supervisão financeira, que tão má tem dado de si.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Credibilidade

Não vale a pena desvalorizar. As observações de Bruxelas ao esboço de orçamento para 2016 suscitam obviamente dois problemas: primeiro, a consolidação orçamental proposta fica longe das metas do Tratado Orçamental quanto à redução do "défice estrutural"; segundo, a Comissão Europeia não acredita muito (e nisso não está sozinha...) nas projeções económicas que fundamentam as metas orçamentais, nomeadamente quanto ao crescimento do PIB.
Parece-me claro que o segundo problema é mais grave do que o primeiro. Urge afastar qualquer suspeita séria de que o novo orçamento assenta em pressupostos pouco sólidos.

Adenda
Este relatório da UTAO põe diretamente em causa os critérios do esboço orçamental. Acumulam-se as nuvens no horizonte deste orçamento...

Discordo

Diz esta notícia que António Costa vai propor ao novo Presidente da República encontros regulares com outros membros do Governo, além do próprio Primeiro-Ministro.
Discordo. Sempre defendi que as relações entre o PR e o Governo cabem exclusivamente ao Primeiro-Ministro, que é quem constitucionalmente tem a obrigação de informar Belém sobre  as posições e políticas governamentais e a quem o PR pode dirigir os seus eventuais conselhos ou observações. Nada justifica relações paralelas com outros ministros à margem do PM, já que o PR não se deve imiscuir em políticas setoriais.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Onde se ganham eleições

Marcelo Rebelo de Sousa fez o que tinha de fazer para ganhar as eleições, ou seja, despartidarizar a sua candidatura e jogar tudo ao centro, pois os votos da direita toda (39% em outubro passado) não lhe asseguravam nenhuma vitória.
O PS seguiu o caminho contrário, investindo todas as fichas numa candidatura assumidamente inclinada à esquerda (a fazer lembrar a de Maria de Lurdes Pintasilgo há trinta anos), que em vez de disputar o voto do centro procurou rivalizar com o BE no apelo ao voto da esquerda. Parece óbvio que MRS ganhou as eleições com a contribuição de votos de centro-esquerda que há três meses votaram no PS.
Quanto a esquerda aliena o centro, perde.

Motivo de preocupações

As eleições de ontem, que deram a vitória a Marcelo Revelo de Sousa à primeira volta, deviam ser um motivo de preocupação para a esquerda em geral, que não conseguiu forçar uma segunda volta, e para o PS em especial, que perdeu em todos os tabuleiros (como adverti antecipadamente).
Na verdade:
- os dois candidatos reconhecidos pelo PS não conseguiram agregar, longe disso, a votação do partido em outubro passado, já de si pouco expressiva;
- apesar do maciço apoio a Sampaio da Nóvoa, que ajudou ao naufrágio da candidatura de Maria de Belém, o candidato oficioso do PS teve bem menos de metade dos votos de MRS;
- em contrapartida, o bom resultado da candidata do Bloco de Esquerda vai seguramente levar os bloquistas a "cantarem de galo" e a subir a parada no preço a obter pelo seu apoio ao Governo do PS;
- a enorme derrota do PCP, por sua vez, vai provavelmente causar abalos internos na liderança de Jerónimo de Sousa e levar os comunistas a acentuarem as suas reticências em relação ao Governo do PS e a mostrar a sua força no terreno sindical e das lutas sociais.
O perigo para o Governo do PS não vai vir de Belém, mas sim dos parceiros de coligação.