segunda-feira, 7 de março de 2016

Acumulação


O problema nem é tanto a possibilidade de os deputados poderem ter outras atividades (e rendimentos) profissionais em acumulação com o exercício do mandato parlamentar (embora eu defenda o mandato exclusivo e sempre tenha atuado de acordo com essa regra nas várias vezes em que fui deputado).
Há, porém, dois outros problemas:
- a penalização da remuneração dos deputados em acumulação em relação à dos que estão em dedicação exclusiva é ridícula (10%), sendo um convite à acumulação de funções;
- a maior parte dos deputados que acumulam são advogados, numa associação promíscua entre o poder legislativo e o poder judicial (o mandato forense está expressamente previsto na Constituição como parte da função judicial).

Adenda
A acumulação de funções dos deputados ao Parlamento Europeu é ainda mais escandalosa, pois prejudica mais a função parlamentar (dada a distância) e nem sequer importa nenhuma redução da remuneração. O inicial regime legal de dedicação exclusiva foi depois furtivamente revogado sem qualquer justificação.

Adenda 2
Ainda não ouvi de nenhum grupo parlamentar, como se impõe, uma proposta de aumento da diferença da remuneração dos deputados em acumulação de funções em relação à dos que se encontram em dedicação exclusiva.

Deontologia política

Uma coisa são as incompatibilidades legais, que não podem ser excessivas nem podem prever todas as situações, e outra coisa são os impedimentos deontológicos, que deveriam ser definidos num código deontológico e feitos valer por um conselho deontológico de alto gabarito moral e cívico.
De resto, há muito defendo que os partidos de governo deveriam adotar um código deontológico de conduta política para os seus membros no exercício de cargos públicos. Estou seguro de que as tentações seriam muito menores...

Forçar os limites

É evidente que que a ética política não permite aos ex-governantes fazer tudo o que a lei não proíbe. A "porta giratória" entre a política e os negócios nunca gozou do beneplácito da opinião pública. Mudar do conselho de ministros para um conselho de administração ou lugar afim não pode ser feito sem um adequado "período de nojo".
Embora entre nós a ética republicana seja frequentemente desrespeitada, o caso da clamor generalizado contra a ex-ministra Maria Luís Albuquerque mostra que não se pode abusar da complacência lusitana nessa matéria. Apesar de tudo, há limites.
Ainda bem!

quinta-feira, 3 de março de 2016

Amanhã estou aqui



Tema da minha apresentação: as compras públicas na Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP), em negociação entre a UE e os EUA - objetivos negociais neste capítulo, obstáculos, estado das negociações, provável resultado.

Problema bicudo


Início da minha coluna de hoje no Diário Económico. Ou por que é que o problema da ADSE não tem solução fácil.

Adenda
Num artigo no Observador, com o qual concordo em geral, Luís Aguiar-Conraria defende o regresso às contribuições obrigatórias para evitar o dessoramento financeiro da ADSE. Todavia, além de politicamente problemática, a contribuição obrigatória levantaria também problemas de conformidade constitucional, visto que obrigaria nos funcionários públicos a pagar duas vezes pelo serviço público de cuidados de saúde: pagarem o seu próprio subsistema de saúde quando já são beneficiários do SNS, que também pagam com os seus impostos, como qualquer outro contribuinte.
Por conseguinte, a ADSE só poderia ser tornada obrigatória... em substituição do SNS!

Sou contra

«Cavaco preside ao Conselho de Ministros, um dos últimos atos públicos na Presidência».

Sou contra, e isso não tem nada a ver com o facto de o PR ser Cavaco Silva. Já antes expliquei as razões por que não apoio o namoro entre São Bento e Belém, independentemente de quem forem os inquilinos dos dois palácios. A regra constitucional é a separação e não a promiscuidade dos poderes.

Hoje estou aqui


O Processo Civil não serve somente para garantir judicialmente o direito de propriedade e a liberdade e responsabilidade contratual. Serve também, por exemplo, para assegurar judicialmente os direitos de personalidade, incluindo os direitos ao nome e à identidade, à imagem, à honra, etc.,

E não se pode legalizar?

Invocando uma decisão judicial, o Ministro do Ambiente, que tem a seu cargo o setor dos transportes, declarou no parlamento que a Uber é ilegal.
Que seja, o problema consiste justamente em saber por que é que há-de continuar a ser ilegal, em vez de alterar a lei e legalizá-la. Muitas atividades económicas à margem de atividades estabelecidas começaram por não ter base legal, como, por exemplo, a venda de medicamentos fora das farmácias.

quarta-feira, 2 de março de 2016

E depois?

Segundo se recolhe deste texto sobre a ADSE, o Tribunal de Contas estimou que em 2014 teria bastado uma contribuição de 2,7% da remuneração dos beneficiários para financiar o sistema; mas face às contas de 2015, já teria sido necessária uma contribuição de 3,1%.
Por este andar, no ano corrente, a atual contribuição de 3,5% já será integralmente consumida. E depois? Sobe-se a contribuição? Reduzem-se os benefícios?

E agora?

O Ministro das Finanças informou que a redução do tempo de de trabalho semanal no SNS vai custar entre 28 e 40 milhões de euros, só no segundo semestre deste ano. A multiplicar por dois no orçamento do próximo ano...
Se a isto juntarmos a despesa adicional em ministérios com muita gente como a segurança interna e a educação, facilmente se chega aos 100 milhões, contas por baixo. Como o Ministro das Finanças tem dito e redito que o regresso às 35 horas não pode implicar aumento da despesa com pessoal, em que é que ficamos? As 35 horas ficam para depois ou começa a preparar-se já o orçamento retificativo?

terça-feira, 1 de março de 2016

Substituição

Era de temer à partida que os custos políticos (e financeiros) da substituição intempestiva do presidente do CCB poderiam ser superiores às eventuais vantagens. Há matérias em que não pode haver lugar nem para caprichos nem para estados de alma.

domingo, 28 de fevereiro de 2016

Nos próximos dias vou estar aqui


Debate internacional sobre as negociações da Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP na sigla inglesa) entre a UE e os EUA. O Programa está aqui: https://www.wiltonpark.org.uk/wp-content/uploads/WP1443-Programme.pdf 

sábado, 27 de fevereiro de 2016

Pobre Língua

Compartilho da indignação que vi numa página de Facebook acerca dos frequentes erros grosseiros de Português no discurso de governantes, incluindo ministros, e outros responsáveis públicos (quase todos com cursos superiores).
É inadmissível ouvir dizer, por exemplo, "intervIU" em vez de "intervEIO", "havIAM pessoas" em vez de "havIA pessoas", "ir DE encontro a" em vez "ir AO encontro de", "acÓrdos" em vez de "acÔrdos", "compeTIvidade" em vez de "compeTITIvidade", "MELHOR colocado" em vez de "MAIS BEM colocado", "AONDE estás" em vez de "ONDE estás", etc. Isto sem falar dos tratos de polé da pronúncia típica do lisboês vulgar (que já ilustrei aqui)...
Um verdadeira carnificina do Português, com erros que dariam lugar a palmatória na escola primária de há umas décadas. Quando é que se resolve levar a sério o ensino do Português no ensino básico (a começar pela preparação dos professores)?

Social-democracia

1. Decididamente a austeridade orçamental é politicamente letal para os partidos que a têm de implementar no Governo. Foi assim na Grécia, em Portugal, na Espanha. Mesmo na Irlanda, onde a economia está a crescer 7%, sem paralelo na UE, e o emprego e os rendimentos estão a recuperar rapidamente, a memória da austeridade foi mais forte do que a retoma económica. Os dois partidos de Governo perderam em conjunto mais de 20 pp, ganhos pelos partidos da oposição.

2. Especialmente graves são as perdas do Partido Trabalhista, que fica abaixo dos 10% e se vê claramente suplantado pelo Sinn Fein, da esquerda radical, descendo de segundo para quarto partido no Parlamento.
Para complicar as coisas, o desempenho dos partidos socialistas e afins noutros países da UE também não é famoso, tirando a Itália, a Roménia, a Suécia, Malta e pouco mais. É óbvio que os tempos não vão fáceis para a social-democracia europeia.

Laicismo

O pensamento laico anda há séculos a defender a separação entre o Estado e as igrejas, entre a política e a religião. Isso quer dizer oposição tanto à instrumentalização religiosa do Estado como à instrumentalização política da religião.
Pelos vistos, o Bloco de Esquerda não aprendeu isso.

Adenda
A líder bloquista veio conceder que o cartaz tinha sido "um erro", não porém por ser uma estupidez ou uma provocação gratuita, mas sim "por não ter sido compreendido"! Portanto, os outros é que são de compreensão limitada. Decididamente, é preciso topete!

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

O namoro de São Bento a Belém


Este é o lead da minha coluna semanal de hoje no Diário Económico. A favor de uma estrita separação entre o Presidente da República e o Governo.

Democratização do ensino superior


Eis uma boa notícia. É pela via da generalização das bolsas de estudo que mais estudantes oriundos de famílias com menos recursos podem chegar ao ensino superior.
Sempre defendi que a "democratização do ensino superior" não é incompatível, como defende a extrema-esquerda, com o pagamento de propinas (por quem tem meios para as pagar). Aliás, quanto mais elevadas forem as propinas maior margem orçamental existe para financiar o aumento das bolsas de estudo.

O imbroglio político espanhol

Dois meses passados sobre as eleições de dezembro, ganhas pelo PP com escassa maioria relativa, continua sem haver qualquer perspetiva de formação de um governo suscetível de obter investidura parlamentar. Decididamente, o fim do bipartidismo PP-PSOE e a fragmentação parlamentar não favorecem a governabilidade.
Depois da desistência de Rajoy - dado o isolamento político do PP -, o PSOE aceitou o desafio de tentar formar governo e conseguiu negociar com o Ciudadanos um extenso acordo, que acaba porém de ser rejeitado pelas esquerdas radicais (IU e Podemos), que romperam negociações com o PSOE.
Parece assim frustrar-se, como era mais previsível (dadas as manifestas incompatibilidades), a esperança dos que viam em Espanha a possibilidade de replicar uma aliança de governo das esquerdas, como em Portugal.
A previsível derrota parlamentar do Governo liderado pelos socialistas, às mãos da direita do PP e da extrema-esquerda do Podemos e da IU (onde é que vimos já este tipo de aliança!?), levará provavelmente a novas eleições, aliás de resultado assaz incerto.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Tempestade económica e social

1. Numa situação económica cada vez crítica desde há meses, o Brasil apresenta uma combinação explosiva de recessão e de inflação. A crise económica prenuncia uma pesada crise social, provocada pela perda acentuada de poder de compra, em resultado da redução da atividade económica e do emprego, do aumento dos preços (por causa da enorme desvalorização do real) e da austeridade orçamental (por causa da quebra na receita pública). Como se isto não bastasse, as agências de rating continuam a baixar a notação da dívida pública brasileira, aumentando os respetivos juros e os correspondentes encargos orçamentais.

2. Não faltaram os que (entre os quais me conto) ao longo destes anos de prosperidade económica e de melhoria da situação social advertiram para a falta de bases sólidas para um crescimento sustentado: reduzida competitividade económica, baixa produtividade, défice gritante de infraestruturas, protecionismo externo e auto-exclusão das cadeias de produção globais, crescente dependência das exportações de matérias-primas e agro-industriais, aumento excessivo da despesa pública e degradação das contas públicas, débil controlo da inflação, sistema político disfuncional, oneroso, ineficiente e vulnerável à corrupção, etc.
As advertências não foram ouvidas, as reformas não foram feitas e o País caminhou irresponsavelmente contra a parede.

3. Para tudo correr mal, só falta que a crise económica e a iminente crise social culminem com uma crise política de todo o tamanho. A fragilidade do suporte político da Presidente Dilma Roussef no Congresso e fora dele e a degradação do apoio popular do PT não auguram nada de bom.

Comendas

A propósito da adenda a este post, um leitor amigo pergunta por que recuso condecorações.
Há três razões: (i) porque sou nesse aspeto um fundamentalista republicano, avesso a distinções honoríficas oficiais; (ii) porque não quero fazer parte da mesma lista de agraciados com criaturas a quem não reconheço nenhuma virtude cívica; (iii) last but not the least, porque não quero sentir-me inibido de criticar nenhum Presidente da República por ter sido condecorado por ele (e não tenho poupado nenhum...).
Dito isto, penso que todos os meus amigos que foram condecorados o foram merecidamente.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

SNS paralelo

Parece que há propostas de alargar a cobertura da ADSE aos empregados do setor empresarial público, bem como aos filhos dos beneficiários até aos trinta anos, aos pais e aos cônjuges!
O Estado, que é responsável pelo SNS financiado por impostos, vai assim construindo e ampliando um SNS paralelo financiado por contribuições dos utentes.
Percebe-se o propósito de aliviar a pressão sobre o SNS e sobre o orçamento. Mas esta situação suscita dois problemas:
- onde é que está a base constitucional que permite ao Estado gerir um seguro de saúde privativo para os seus funcionários e familiares, discriminando os demais cidadãos?
- se a ideia é oferecer um seguro de saúde público paralelo ao SNS, por que não universalizar a ADSE e transformar o SNS numa oferta subsidiária para quem não adira à ADSE (além de fornecedor de cuidados de saúde à ADSE, em concorrência com as clínicas privadas, como já hoje sucede em parte)?
Ou me engano muito ou pode estar na agenda o princípio do fim do SNS tal como o conhecemos e tal como decorre da Constituição...

Adenda
Boa pergunta: Técnicos do Estado querem saber o que acontece ao SNS com alargamento da ADSE.

Imprudência

Parece-me uma grande imprudência, para não dizer leviandade política, suscitar oficialmente nesta altura a questão das reestruturação da dívida pública, como quer a extrema-esquerda parlamentar. Qual é o credor disposto a emprestar mais dinheiro a um país que admite a possibilidade de não vir a pagar o capital ou os juros nos prazos acordados?
Provoquem os credores e depois queixem-se que os juros da dívida sobem, por causa dos risco acrescido...

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Antologia do nonsense político

«Passos acusa PS de “ajoelhar” perante a Europa.»
E, como sabemos, o Governo de Passos Coelho, esse bateu ruidosamente o pé a Bruxelas durante quatro anos, ombreando galhardamente com outros chefes de governo como Tsipras nessa nobre luta patriótica contra o novo imperialismo filoteutónico que dá pelo nome de UE. Ainda hoje as muralhas do "bairro europeu" em Bruxelas ostentam os profundos estragos provocados pela ousada artilharia de Lisboa!...
Será que os dirigentes partidários não se dão conta do nonsense das suas afirmações puramente oportunistas?

A Comissão Europeia não é eleita?


Eis a abertura da minha coluna desta semana no Diário Económico. Contestando a acusação de que a Comissão Europeia "não é eleita".

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Mãos largas

1. Todos os dias há notícias de mais facilidades orçamentais para grupos determinados de beneficiários. Ainda ontem a imprensa noticiava que o Estado vai passar a assumir os custos dos doentes das regiões autónomas enviados pelos respetivos serviços regionais de saúde para o Continente e que vão ser congeladas este ano as propinas do ensino superior.
Não se sabe onde é que há folga orçamental para mãos tão largas. Há duas perguntas que precisam de resposta: (i) Os ministros dos departamentos em causa (Saúde e Ensino Superior) concordam com este assalto ao seu orçamento? (ii) O  Ministro das Finanças valida essa "corrida geral ao orçamento" por parte de todas as "constituencies" setoriais com voz no Parlamento?

2. Não está em causa somente o impacto negativo dessas medidas sobre os já escassos orçamentos do SNS do Continente e sobre as escolas de ensino superior público, respetivamente. Trata-se em ambos os casos de medidas injustas. Não há nenhuma razão para que os contribuintes do Continente sejam chamados a substituir os das regiões autónomas no financiamento dos respetivos serviços regionais de saúde e para que os estudantes do ensino superior com meios económicos bastantes sejam dispensados de contribuir, nos termos da lei em vigor há muitos anos, para financiar o investimento no seu futuro profissional (contribuição, aliás, que só cobre um ínfima parte dos respetivos custos).

Condecoração indecorosa

A condecoração de Sousa Lara pelo Presidente da República é indecorosa. Não sei que serviços dignos de registo prestou à República. Sei o de-serviço grosseiro e mesquinho que lhe prestou como membro do Governo ao vetar oficialmente uma obra de José Saramago. Premiar uma tal personagem é uma provocação a todos os que se orgulham de ostentar merecidamente uma condecoração da República.

Adenda
Importa esclarecer que não possuo nenhuma condecoração. Mas com comendadores destes fico contente por ter declinado receber uma. 

Jogada arriscada

Há batalhas políticas que não devem ser travadas, já porque é pouco provável ganhá-las, já porque, mesmo sendo ganhas, os custos políticos seriam sempre muito elevados ("vitórias de Pirro").
É que se passa com a guerra aberta publicamente pelo Governo contra o governador do Banco de Portugal, cuja posição está blindada pela independência garantida pela UE aos bancos centrais nacionais. É óbvio que o Governo pode tentar forçar Carlos Costa a demitir-se, mas os custos "reputacionais" dessa operação arriscada de politização do BP poderiam revelar-se excessivamente onerosos para a necessária estabilidade e credibilidade do sistema nacional de supervisão bancária.

Adenda
No caso dos chamados "lesados do  BES", cabe exclusivamente ao BdP, como "autoridade de resolução", determinar o perímetro das responsabilidades a transferir para o novo banco. O Governo não devia imiscuir-se nessa matéria. Se o Governo quiser indemnizá-los à custa dos contribuintes, é um assunto seu (e deles!), em que não deve envolver o BdP.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Boa ideia


Foi boa a medida do anterior Governo de estimular o pedido de fatura no pagamento de bens e serviços. A ideia do atual Governo de substituir o prémio - títulos da dívida pública em vez de automóveis - pode ser menos apelativa mas é política e socialmente mais apropriada.
Num país com baixos níveis de poupança e em que a esmagadora maioria da dívida pública está em mãos estrangeiras -- aumentando assim o risco de exposição a crises de confiança - é importante dar visibilidade e incentivar a poupança interna e apostar nos títulos da dívida pública nacional como meio prioritário de aforro.

Contra a tradição

1. Só vejo uma justificação política plausível para o Primeiro-Ministro convidar o Presidente da República cessante a presidir ao Conselho de Ministros, a saber, obrigar Cavaco Silva a chefiar por umas horas o Governo que ele não quis e que só nomeou porque não tinha alternativa e mostrar-lhe que ele parte e o Governo fica.
Duvido, porém, que haja uma boa justificação institucional para associar o PR a decisões governamentais, tornando-o politicamente corresponsável pelas mesmas.

2. É certo que a Constituição admite explicitamente essa possibilidade, mas não é por acaso que na prática ela não se tem verificado, com uma ou duas exceções cerimoniais ao longo destes quarenta anos.
Trata-se de um resquício do semipresidencialismo da versão inicial da Constituição (1976-1982), quando o Governo era politicamente responsável perante o PR e quando este podia demitir livremente o Governo; nesse quadro constitucional era natural que o Primeiro-Ministro quisesse associar o PR a decisões governamentais, obtendo preventivamente a sua cobertura política. Essa justificação deixou de existir depois de 1982, quando o Governo deixou de depender politicamente do PR e este deixou de poder interferir na esfera governativa.

3. A eventual presidência do Conselho de Ministros pelo PR só obscurece a necessária separação entre o papel de Belém, como árbitro e supervisor imparcial e neutro do sistema político, e o papel do Governo como responsável único pelo condução política do País. O árbitro não pode interferir, muito menos dirigir, o jogo, ainda que ocasionalmente. E tampouco pode ser co-envolvido ou deixar-se envolver na responsabilidade política do Governo perante a AR, visto que ele é politicamente irresponsável.

4. Desde 1976, o PS nunca deixou de combater qualquer deriva presidencialista do sistema de governo ou qualquer ingerência presidencial na esfera governativa e de reivindicar a autonomia dos governos face ao PR e a exclusiva responsabilidade política dos governos perante o parlamento. A presidência do conselho de ministros pelo PR casa mal com essa virtuosa tradição política.