quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Valorizar as pessoas

O novo nome, "Qualifica", é bem menos imaginoso do que o primeiro, "Novas Oportunidades", mas só pode saudar-se o relançamento do programa de qualificação de adultos com défice de formação escolar e profissional, em boa hora lançado pelo Governo de Sócrates e em má hora descontinuado pelo Governo PSD-CDS.
Se há algo que um Governo não pode deixar de cuidar é da qualificação daqueles que não tiveram condições para alcançar níveis de escolaridade e de formação profissional apropriados. Não se trata somente de lhes proporcionar skills para competirem melhor no mercado de trabalho, mas também para se valorizarem pessoalmente como trabalhadores e como cidadãos.
No seu sentido substantivo, o princípio da igualdade quer dizer antes de mais igualdade básica de oportunidades de trabalho e de emprego. Num "Estado social", isso constitui um direito das pessoas e uma obrigação do Estado (aliás prevista na Constituição).

Trabalho de casa

1. Não faltaram desacertos na renovação da administração da CGD: demora de todo o processo, número excessivo de membros do board, falta de separação entre chaiman e CEO, vários membros com excesso de acumulação de posições noutras sociedades, falta de um mínimo de gender balance, etc.
Decididamente, faltou trabalho de casa. O juízo do supervisor europeu, o BCE, só podia ser severo.

2. A "união bancária" no seio da UE não trouxe somente novas regras sobre o governo dos bancos europeus; confiou também diretamente ao BCE a supervisão dos bancos mais importantes, de modo a criar uma supervisão uniforme e imune aos contextos políticos e económicos nacionais.
Os bancos públicos não fogem às novas regras. Ainda bem, pois assim fica reduzida a margem de politização e governamentalização da sua gestão.

Adenda
Tive a oportunidade de, logo no início, criticar o modelo de governação escolhido pelo Governo para a CGD, antecipando as principais críticas depois adotadas pelo BCE. O que me surpreende é que, sendo essas críticas relativamente óbvias, não tivessem sido evitadas.

Adenda 2
Não me parece politicamente sensato alterar as incompatibilidades previstas na lei, para possibilitar a renomeação de alguns dos nomes recusados pelo BCE. Por um lado, as leis não devem ser alteradas por oportunismo conjuntural; por outro lado, a administração da Caixa não pode parecer um cartel de representantes de interesses empresariais.

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Portucaliptal

Em janeiro deste ano o Governo anunciou na AR a revogação dentro de poucas semanas
da chamada "lei de liberalização do eucalipto" de 2013 - que foi um frete de Passos Coelho e Assunção Cristas à indústria de celulose e à CAP.
Todavia, passados todos este meses, não há notícia do diploma de revogação nem há nenhuma explicação pública para o atraso. O alegado partido dos Verdes - que supostamente exigiu essa medida ao Governo - também não tuge nem muge sobre o assunto. É importante recordar esse compromisso quando a vaga de incêndios florestais levou vários responsáveis municipais a reclamar a limitação da expansão do eucalipto.
Pelos vistos, quanto a medidas políticas do anterior Governo há reversões e reversões, provando-se mais uma vez que as conquistas políticas da celulose e da CAP são irreversíveis. Para mal do País.

Adenda
O Governo criou um grupo de trabalho para estudar medidas de reordenamento da floresta. Mas entre as medidas mencionadas não existe nenhuma referência à revogação da referida lei nem à revisão do regime dos plantios florestais. A palavra eucalipto deixou de constar do dicionário oficial...

Informação deficitária

1. No seguimento de um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, a Caixa Geral de Aposentações viu-se obrigada a divulgar a lista dos beneficiários do subsídio vitalício de titulares de cargos políticos, atribuídas ao abrigo de uma lei de 1985 (com diversas alterações posteriores).

2. Saúda-se a libertação da informação, que nenhuma razão justificava que se mantivesse reservada. Todavia, há duas omissões a assinalar:
- a CGA informa sobre o caso de um beneficiário que pediu a suspensão do subsídio (hipótese que não me recordo que a lei contemple), mas omitiu a identificação dos que renunciaram, que me parece mais relevante;
- a imprensa limitou-se a reproduzir a referida lista e a tecer alguns comentários críticos, sem sublinhar que a tal subvenção deixou de ser atribuída a partir da revogação da lei de 1985 no primeiro Governo de José Sócrates, que salvaguardou somente as situações criadas até final da legislatura então em curso, portanto até 2009.

3. A curiosidade dos média deveria estender-se a outras situações de "pensões" e subsídios especiais por exercício de cargos públicos, como as de juiz do Tribunal Constitucional, que aliás continuam em vigor, bem como dos titulares de cargos na União Europeia, até para detetar situações de acumulação.

terça-feira, 16 de agosto de 2016

Custos públicos, benefícios privados


De vez em quando há quem ponha o dedo na chaga dos incêndios florestais. A verdade é que ao longo de décadas fomos inundando o país com uma floresta ao serviço da indústria de celulose, com enormes extensões contínuas de pinheiros e sobretudo de eucaliptos, sem paralelo em qualquer outro país europeu. Nos últimos anos, o eucalipto representa mais de metade de todas as novas plantações florestais!
Enquanto a indústria de celulose realiza pingues lucros e os proprietários fundiários retiram fáceis rendas, o país paga centenas de milhões de euros por ano na prevenção e no combate aos incêndios, sem contar com os demais custos humanos e ambientais (erosão e degradação da paisagem).
Sem reverter de vez a política florestal, pondo termo à eucaliptização selvagem do país, todos os planos de prevenção e de luta contra os incêndios estão votados ao fracasso, não passando de exercícios de ilusão política.

Adenda
Também o presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo vem pedir a limitação da plantação de eucaliptos. Cresce o movimento contra a eucaliptização galopante do País.

sexta-feira, 29 de julho de 2016

"Ultra vires"

A Comissão Europeia entende que Portugal tem de fazer um esforço adicional para realizar a meta orçamental deste ano e permite-se indicar quais as medidas a tomar (nomeadamente a subida do IVA de alguns produtos e serviços com taxas reduzidas). Ora, a Comissão pode fixar o limite do défice orçamental mas não tem nenhum poder de dizer ao País como deve alcançá-lo. Isso cabe às autoridades nacionais decidir.
Também o Presidente da Repúblico, ao saudar publicamente a não aplicação de multas pela União Europeia, achou por bem enunciar quais devem ser agora as prioridades políticas do Governo. Ora, o PR não tem poderes de superintendência política sobre o Governo, cuja condução política compete exclusivamente ao Primeiro-Ministro e ao Conselho de Ministros.
Gostaria de ver o Governo mais assertivo publicamente quanto à sua autonomia face a Bruxelas e Belém.

quinta-feira, 28 de julho de 2016

Equidade fiscal

Apesar de ter aliviado a meta do défice para este ano, que passa a ser de 2,5% (0,3% acima da meta oficial inscrita no orçamento), a Comissão Europeia entende que mesmo assim Portugal tem de fazer um esforço adicional para realizar esse objetivo, e sugere a elevação do IVA de bens e serviços com taxas reduzidas.
Se tal for necessário, ouso sugerir agravamento do IVA sobre:
 - a hotelaria, de 6% para 13%, visto que os hotéis não são seguramente serviços de primeira necessidade (pelo menos os de 4 e 5 estrelas) e não se entende que paguem menos IVA do que os restaurantes;
- as touradas: quem gosta desse espetáculo bárbaro não se importará de pagar uma sobretaxa;
- a compra e venda de eucaliptos, para compensar as lesões ambientais que a eucaliptização galopante do país provoca.

Excesso de zelo


Segundo esta notícia do Jornal de Negócios, a Comissão Nacional de Proteção de Dados considera "claramente inconstitucional" a transmissão ao fisco de certos dados bancários.
Duvido de tal inconstitucionalidade, e pelo menos não vejo onde é que ela é "clara". Primeiro, ao contrário do título da notícia, o Fisco não vai passar a ter acesso às contas e seus movimentos; são os bancos que transmitem a informação necessária, limitada a saldos e aplicações financeiras. Segundo, não é evidente que o "sigilo bancário", que não goza de explícita proteção constitucional, faça parte da "reserva da intimidade da vida privada", efetivamente protegida pela Constituição. Terceiro, uma vez que é a própria Constituição a remeter para a lei a definição de "dados pessoais", não se vê por que é que a prossecução de um interesse público tão importante como a luta contra a evasão fiscal não possa justificar uma delimitação mais restritiva dessa noção para este efeito.

Sem surpresa

Quem leu este meu post bem crítico da lei sobre a municipalização (relativa) dos transportes públicos do Porto pode compreender melhor as razões do veto político do Presidente da República, que convergem no fundamental com o meu argumento.
Caso a maioria parlamentar de esquerda que aprovou o diploma insistisse em confirmá-lo (no que não acredito...), seria curioso saber se não se justificaria a fiscalização da sua constitucionalidade, na medida em que a proibição de concessão desses serviços a empresas privadas consubstancia uma restrição da autonomia municipal e uma violação da igualdade entre os municípios nesse aspeto.

Adenda
Quanto a uma possível confirmação parlamentar do diploma, cabe perguntar se não será exigível uma maioria de 2/3, na medida em que ao estabelecer uma reserva de setor público para os referidos serviços, o diploma em causa tem a ver com os limites entre os setores económicos, que é um dos casos em que a confirmação parlamentar de diplomas vetados exige aquela maioria qualificada (CRP, art. 136º-3).

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Leniência

Além de se abster de aplicar multas pelo défice excessivo nos anos anteriores, a Comissão relaxou a exigência de consolidação orçamental para o corrente ano, quer quanto ao défice nominal - cujo alvo passa a ser 2,5% do PIB -, quer quanto ao défice estrutural, que já não tem de ser reduzido em 0,2%, como estava estabelecido.
Fica assim de lado a meta oficial de 2,2% inscrita no orçamento deste ano, que praticamente já ninguém fora do Governo acreditava que fosse possível alcançar, dado o arrefecimento da retoma económica e os seus inevitáveis impactos orçamentais negativos. Mas é óbvio que concedendo esta nova meta orçamental menos exigente, a Comissão Europeia vai ter mão pesada no caso de ela não ser cumprida.
Além disso, com o alívio relativo das metas orçamentais deste ano, vai ser muito mais árduo conseguir realizar as metas do plano de estabilidade orçamental relativas ao próximo ano. Por isso, o orçamento de 2017 torna-se um exercício ainda mais exigente do que já era.
Em Bruxelas não há leniência grátis...

Adenda
O aumento de défice deste ano de 2,2% para 2,5% vai traduzir-se num acréscimo do endividamento público em cerca de 500 milhões de euros. Embora muita gente tenda a esquecer, mais défice significa mais dívida.

Sensatez

É sensata a decisão da Comissão Europeia de não aplicar multas a Portugal e a Espanha pelo incumprimento de défices passados e de, em vez disso, assegurar o cumprimento da disciplina orçamental este ano e no próximo. Primeiro, como aqui se defendeu desde o início, as sanções não faziam sentido; depois, porque mais importante do que punir incumprimentos passados é evitar incumprimentos presentes e futuros.

Adenda
A Comissão decidiu não aplicar as multas mas não abdicou da possibilidade de suspender as fundos comunitários no próximo ano, se não forem cumpridas as metas orçamentais deste ano.

segunda-feira, 25 de julho de 2016

Reversão


Lead da minha coluna no Diário Económico digital da semana passada. Contra a renacionalização da política de comércio externo da UE.

Prémio

Esta sondagem eleitoral da Aximage, hoje publicada, constitui boa notícia para o PS, que sobe muito em relação a anteriores estudos de opinião, aparecendo pela primeira vez com grande vantagem em relação ao PSD e somando mais votos do que o PSD e o CDS juntos, o que permitiria a investidura de um governo minoritário, salvo aliança de conveniência de todas as oposições. Além disso, com estes resultados o PS faria maioria absoluta só com o BE e talvez mesmo só com o PCP, o que lhe daria maior margem negocial na hora de formar um novo Governo com apoio parlamentar maioritário. O problema está em que no nosso sistema de governo cabe ao PR convocar eleições antecipadas, o que só ocorre normalmente em situações de crise política...
Estes resultados são tanto um prémio para a política "amiga dos cidadãos" do Governo (fim da austeridade, recuperação de rendimentos, salário mínimo, simplificação administrativa, etc.) como uma punição para a ineficácia da oposição da direita, que continua desprovida de mensagem consistente, baseada num discurso "tremendista", à espera de um desastre da "geringonça".

sábado, 23 de julho de 2016

I Governo constitucional

Passam hoje 40 anos da tomada de posse do I Governo Constitucional, três meses depois das primeiras eleições para a AR (25/4/1976) e um mês depois das posteriores eleições presidenciais (27/6/76). Ficava assim completa a arquitetura do novo regime constitucional ao nível do Estado.
Ainda nesse mesmo ano realizaram-se também as primeiras eleições regionais nos Açores e na Madeira (junto com as eleições presidenciais) e as primeiras eleições locais (12/12/76). Só faltaram as eleições europeias, que vieram mais tarde (1987), depois da adesão à CEE em 1986.
Foi um ano cheio em termos eleitorais, sem paralelo na nossa história!


Adenda
Nesta fotografia há duas notas a assinalar: não havia nenhuma mulher entre os ministros e fumava-se na sala de sessões da AR em plena tomada de posse, mesmo sem cinzeiros à mão.

sexta-feira, 22 de julho de 2016

Ficção política

Mesmo que fosse politicamente desejável (não é o meu caso...) trazer o BE e o PCP para dentro do Governo, a ideia de substituir o atual Governo do PS por um governo de coligação formal de todas as esquerdas não me parece politicamente viável.
Primeiro, estes meses mostraram o fosso intransponível entre o PS e os seus parceiros de maioria parlamentar em matérias tão decisivas como a UE, a disciplina orçamental e a dívida pública. Segundo, os dois partidos da extrema-esquerda não têm nenhum interesse em comprometer-se politicamente no Governo, visto que só lhes interessa "sacar" do PS as vantagens acordadas, sem terem de pagar o preço pela corresponsabilização em outras politicas, num quadro de solidariedade governamental e de apoio ao Governo sem derrogações.
Mesmo que cada um desses partidos aceitasse colaborar com o PS num governo comum (o que é muito problemático...), já nenhum deles concebe compartilhar com o outro uma mesa de conselho de ministros num "ménage a trois" com o PS. Imaginar um ministro do BE ao lado de um ministro do PCP pertence à ordem da ficção política.

Adenda
Noto agora que a proposta é para concretizar somente depois das autárquicas do próximo ano, o que pressupõe que nessa altura o PS ainda terá força política bastante para um segundo ciclo governativo e que o Presidente da República estaria disponível para aceitar a demissão e reconduzir o primeiro-ministro para um segundo Governo. Saúda-se a confiança...

For the record

O Presidente da República não podia ser mais claro ao afirmar que, independentemente da sua viabilidade constitucional, com ele em Belém não haverá referendos sobre a UE nem sobre tratados da UE ou tratados afins (como o Tratado Orçamental). Por isso, os antieuropeístas escusam de especular sobre isso.
Regista-se e aplaude-se o compromisso presidencial. Há matérias que pela sua própria natureza pertencem à reserva da democracia representativa e da responsabilidade partidária, preferivelmente por maioria qualificada, devendo ficar imunes às conjunturais paixões plebiscitárias.

quinta-feira, 21 de julho de 2016

Ai, a dívida!

1. Nas duas tabelas abaixo reproduzidas, retiradas da Nota Mensal sobre a Dívida Pública de junho da UTAO, colhem-se os seguintes dados sobre os juros da dívida pública portuguesa desde o início do ano, relativos a títulos a 10 anos:
   - Portugal é o único dos países referidos que teve um considerável aumento dos juros (tabela 2, última coluna);
  - Portugal é, de longe, o País que mais viu agravar a sua diferença para a Alemanha (tabela 3, última coluna).

2. É por isso que é essencial reforçar o desempenho orçamental e o controlo do endividamento público, a fim de melhorar a notação de risco da dívida pública portuguesa e baixar os juros
Se os juros sobem apesar da rede de segurança mantida pelo BCE na compra de dívida pública no mercado secundário, o que poderá suceder quando esse programa cessar?

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Pro memoria

Que em 2016, na Europa, uma maioria de deputados aprove a subsidiação pública das touradas e ponha o dinheiro dos contribuintes ao serviço desse bárbaro espetáculo que é a tortura sangrenta de animais para gáudio público --, eis o que é uma vergonha nacional.
Resta a consolação de que os seus nomes ficam registados para memória futura, expostos à devida exprobação dos vindouros.

Acordos parlamentares

Uma das caraterísticas da nossa democracia constitucional é o conjunto de mecanismos destinados  a conter a "omnipotência das maiorias", nomeadamente através de poderes de veto do PR e da exigência de maiorias qualificadas para a aprovação de certas leis ou para a eleição parlamentar de certos cargos públicos.
Nestes casos, torna-se indispensável a negociação de acordos parlamentares entre os dois principais partidos a fim de obter essas maiorias. É fácil de compreender que a quebra desses gentlemen's agreements parlamentares - como sucedeu hoje na frustrada eleição do novo presidente do Conselho Económico e Social - abala a confiança institucional sem a qual nenhuma democracia parlamentar pode funcionar.
Há mais numa democracia parlamentar do que o cumprimento da Constituição e do regimento da AR...

Chapeau!

1. Antes de ter ultrapassado o PCP nas urnas, o Bloco de Esquerda já o tinha vencido há muito no terreno do debate político e da luta ideológica, mercê da sua presença dominante nos meios jornalístico e universitário.
Já disse uma vez, sem grande exagero, que se tivesse os votos correspondentes à sua influência nos média, o Bloco ganharia as eleições. O PCP bem pode ter maior número de militantes, mais o controlo da CGTP, o que lhe dá um incomparável poder de mobilização e de protesto social, mas que tem cada vez menor poder multiplicador nas eleições; o Bloco não compete em nenhum desse fatores mas tornou-se uma assinalável máquina de luta política e eleitoral.

2. A constituição da "geringonça" governamental veio aumentar a assimetria entre o poder ideológico dos neocomunistas do Bloco e o dos velhos comunistas do PCP.
Enquanto os primeiros não perderam tempo nem têm escrúpulos em cooptar em seu proveito as medidas do Governo, como se este fosse seu, enchendo o país com cartazes a celebrar as suas conquistas e inundando as televisões com porta-vozes seus a celebrarem o triunfo da narrativa "anti-austeritária" e antieuropeísta, o PCP não consegue esconder o seu constrangimento com a sua integração na maioria governamental, e os seus poucos militantes com acesso às televisões mostram-se incapazes de descolar da linguagem tradicional, cada vez menos convincente.
Tirando partido com mestria das oportunidades que a nova situação política (e o PS) lhe proporcionam no Parlamento, nas tribunas públicas, nas televisões e nas instituições, o Bloco é o grande triunfador político da "geringonça", mercê da falta de contestação da banda do PS (cortesia da aliança parlamentar) e do crescente acantonamento político do PCP.
Independentemente de saber se é um triunfo duradouro, há que reconhecê-lo. Chapeau!

terça-feira, 19 de julho de 2016

Táxis

A Autoridade da Concorrência pôs em consulta pública um estudo onde propõe a liberalização dos táxis, incluindo a liberdade de entrada na atividade, a concorrência nos preços e a possibilidade de diversificação da oferta quanto ao binómio qualidade-preço.
Tendo sido porventura a primeira pessoa a defender publicamente a liberalização da atividade, só tenho que saudar a posição da AdC e esperar, sem excessiva expetativa, que o Governo lhe dê seguimento (ao contrário do que sucedeu com idêntica recomendação da AdC quanto à liberalização das farmácias, que ficou na gaveta, até agora...).

Caso encerrado, salvo factos supervenientes

A solene garantia dada pelo Governo português a Bruxelas, com números e projeções em riste, de que apesar do preocupante abrandamento da economia, a execução orçamental corre de acordo com o previsto e de que as metas orçamentais deste ano vão ser alcançadas, mercê das "almofadas" incluídas no próprio orçamento, retira à Comissão e ao Conselho qualquer margem para exigir neste momento quaisquer "medidas adicionais", por mais fundadas que sejam as suas dúvidas quanto às garantias de Lisboa. Agora, o ónus de prova pertence a Bruxelas.
Caso arrumado, portanto, pelo menos até outubro, quando o quadro da execução orçamental estiver a 3/4 do ano financeiro.

Sem precedente

O montante orçamental em causa é seguramente pouco significativo, mas isso não diminui o potencial político inovador do primeiro "orçamento participativo" a nível nacional, pelo qual os cidadãos vão ser consultados e depois chamados a votar os projetos a financiar com as verbas reservadas para o efeito nas suas regiões.
Atá agora com considerável expressão no poder local, em dezenas de municípios, o chamado orçamento participativo é um instrumento privilegiado para chamar os cidadãos a intervir na esfera pública e a decidir diretamente o financiamento de certas políticas públicas. O nome é enganador, pois não se trata de participar na decisão orçamental do Governo e do Parlamento, mas sim de a exercer diretamente, sendo por isso uma espécie de referendo informal atípico.
Seja como for, há que saudar esta iniciativa, que de resto cumpre um compromisso do programa eleitoral do PS e do programa do Governo. Oxalá seja bem sucedida como têm sido a experiência ao nível municipal,  e venha para ficar, servindo também para ajudar a generalizar este mecanicismo de intervenção popular aos orçamentos das regiões autónomas e de todos os municípios do País.

segunda-feira, 18 de julho de 2016

O homem errado no lugar errado

Na agreste luta pela liderança do Labour britânico, tudo indica que Corbin, apesar de detestado pelos deputados do Partido e da sua gritante inépcia como líder, vai ganhar de novo, mercê da mesma aliança da base sindicalista e do esquerdismo intelectual que já no ano passado o tinha eleito.
Os Tories vão rejubilar com a recondução do líder trabalhista, cujo esquerdismo e cuja falta de apelo eleitoral manterão o Labour na oposição por muitos e maus anos. De partido de governo o Partido Trabalhista torna-se um mero partido de protesto. Triste destino...

domingo, 17 de julho de 2016

Deriva antidemocrática

Demissão sumária de centenas de juízes e possível reposição da pena de morte, eis a lamentável "fuga para a frente" da Turquia, depois do golpe de Estado, contra os mais elementares princípios do Estado de direito e os direitos fundamentais, tais como defendidos pela UE.
Na sua sanha de depuração dos "inimigos internos", a Turquia afasta-se provocatoriamente do consenso do Estado de direito democrático europeu. A UE e os aliados da Turquia na NATO, incluindo Portugal, vão fechar os olhos a esta repressiva deriva antidemocrática?!
Ou será que só vemos derivas antidemocráticas quando elas ocorrem em Moscovo, em Caracas ou em Luanda?!

Adenda (18/7)
Esta segunda-feira, a União Europeia diz que vai enviar uma mensagem forte à Turquia sobre a defesa do Estado de direito. Esperemos que seja bem forte e que seja devidamente convincente.

Só não via quem não queria

Há três semanas publiquei na minha coluna do Diário Económico digital uma análise ao modelo de governo escolhido para a nova administração da CGD, criticando explicitamente o número excessivo de administradores e a eliminação da separação de poderes entre o chairman e o administrador executivo, concentrando todo o poder numa mesma pessoa.
Vejo agora que o BCE tinha exposto as mesmas objeções numa carta até agora não conhecida. Jurando que desconhecia na altura a posição do BCE, limito-me a comentar que aquelas objeções eram, e são, tão evidentes, que só não via quem não queria.

Aqui ao lado

1. Apesar de um bom desempenho económico, a situação orçamental espanhola é bem mais complicada do que portuguesa.
Com um défice superior a 5% em 2015, ainda sem orçamento aprovado este ano, sem governo nem perspetivas de vir a ter um governo com maioria parlamentar, a eventual amenização da sanção da União Europeia por incumprimento da disciplina orçamental no ano passado pode vir acompanhada de pesadas condições quanto às metas orçamentais no corrente ano e no próximo.
Rajoy apressou-se a anunciar um aumento das receitas fiscais, no valor de 7500 milhões de euros. Mas parece que a Comissão Europeia exige bastante mais. Citando fontes europeias, o El País fala numa correção orçamental de 10 000 milhões de euros!

2. O facto de a situação espanhola ser mais preocupante pode ajudar Portugal a receber uma sentença mais leve no procedimento de défice excessivo (PDE) em vias de conclusão.
Mas ilude-se quem pensa que ela virá sem condições quanto ao desempenho orçamental deste ano e do ano que vem, a não ser que o Governo convença a Comissão de que, apesar dos fatores em contrário, desde logo o sensível abrandamento da economia, o País não está está em risco de derrapagem orçamental, .
A 27 de julho se saberá...

Adenda (18/7)
O Governo espanhol argumenta que não precisa de medidas adicionais porque o forte crescimento económico (mais de 3%) vai fazer baixar naturalmente o défice orçamental (aumento das receitas fiscais e diminuição das despesas sociais). Mas este argumento contraria toda a racionalidade orçamental da UE: é justamente porque em Espanha o ciclo económico está em alta, que o saldo orçamental nominal deveria ser zero ou mesmo positivo, a fim de respeitar a norma sobre o equilíbrio do saldo estrutural (que é o saldo orçamental nominal descontado dos efeitos do ciclo económico).

sábado, 16 de julho de 2016

Mais um problema

O golpe de Estado militar e o seu sangrento esmagamento confirmam que a Turquia não possui uma democracia consolidada. O possível reforço do poder musculado de Erdohan e a impiedosa depuração das forças armadas e do aparelho de Estado não vão alterar esse dado, pelo contrário.
Uma das consequências do golpe de Estado vai ser o congelamento por tempo indeterminado do projeto de adesão à UE, cujas perspetivas aliás nunca foram boas; outra vai ser a complicação das relações entre a Turquia e a UE, se o autoritarismo ou a instabilidade política se instalarem Ancara.
Mais um problema sério à beira da União, como se já não tivesse muitos...

sexta-feira, 15 de julho de 2016

Invenção

Na sua patética cruzada demagógica contra o Tratado Orçamental, o Bloco de Esquerda alcunha-o de "tratado das sanções", como se fosse ao abrigo dele que Portugal e Espanha estão agora sujeitos a um procedimento sancionatório da União. Mas isto é pura invenção bloquista.
Na verdade, o Tratado Orçamental limita-se a apertar os requisitos da disciplina orçamental da zona euro, sem estabelecer nenhumas novas sanções para os casos de défice excessivo. Efetivamente, as sanções por défice excessivo estão diretamente previstas no próprio Tratado de Funcionamento da União (art. 126º), segundo procedimento regulado em legislação ordinária da União. O Tratado Orçamental só deu mais protagonismo decisório à Comissão no procedimento sancionatório, à custa do Conselho.
Desse modo, para acabar com as sanções por incumprimento da disciplina orçamental da União, não bastaria descartar o vilipendiado Tratado Orçamental; seria preciso sair da União -, que é obviamente o objetivo não confessado do Bloco.

quinta-feira, 14 de julho de 2016

"Liberalismo ordenado"

1. Afirmar que o "ordoliberalismo" alemão tem "marcas de autoritarismo" não tem nenhum fundamento histórico nem doutrinal. E o mesmo se passa quando se mistura aquele conceito com o mais tardio "neoliberalismo" da Escola de Chicago.
Nascido contra o autoritarismo económico de Estado do nazismo, o ordoliberalismo apresentou-se também desde o início como um "novo liberalismo", por afastar o regresso ao liberalismo clássico e ao abstencionismo económico do Estado, na medida em que preconizava a defesa ativa da concorrência contra os cartéis e a concentração do poder económico. "Liberalismo com regras"contra "liberalismo laissez faire".
Por isso, o ordoliberalismo esteve na base da economia de mercado regulada, normalmente associada ao chamado "capitalismo renano", uma da modalidades menos "neoliberais" do capitalismo contemporâneo.

2. Não é menos infundada a associação do ordoliberalismo com o neoliberalismo no campo social. Pelo contrário, a noção de "economia social de mercado", que tem origem no ordoliberalismo (e que o neoliberalismo propriamente dito rejeita), resulta justamente do "casamento" entre a economia de mercado regulada e o Estado social (direitos dos trabalhadores, direitos sociais, direitos dos consumidores, etc.), que goza de consagração constitucional na Alemanha.

3. Desde o Tratado de Lisboa, a noção de economia social de mercado está na base da "constituição económica" da UE (TUE, art. 3º-3).
Os adversários da economia de mercado e os ultraliberais têm todo o direito de não gostar. Mas a qualificação social da economia de mercado caracteriza bem o modelo económico e social europeu, conjugando a liberdade económica individual, que a economia de mercado (regulada) proporciona, e o bem-estar social, que o Estado social e os direito sociais asseguram.
[revisto]