quarta-feira, 12 de outubro de 2016

O preço da "geringonça"

1. Numa entrevista radiofónica, em geral serena e equilibrada, o Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno Santos, normalmente identificado com ala mais à esquerda do PS, declarou que "nenhuma medida do atual Governo vai contra a matriz ideológica do PS".
Sem pôr em causa essa afirmação - felizmente, a "matriz ideológica" do PS é de largo espetro, desde uma social-democracia liberal até uma esquerda paredes-meias com as esquerdas radicais -, outra teria de ser a resposta se a questão fosse a de saber se o acordo governativo com a extrema-esquerda implicou o sacrifício de alguns pontos importantes da agenda política do PS.
Tal é o caso de propostas de reformas políticas estruturais com décadas (como a revisão da lei eleitoral para a AR ou do sistema de governo das autarquias locais) ou de outras propostas políticas que tinham lugar explícito no programa eleitoral do Partido (como o imposto sobre sucessões e doações de elevado valor, a redução da TSU para os salários mais baixos, a criação de um complemento de rendimento para os trabalhadores com rendimento abaixo do limiar da pobreza, a sujeição das pensões não contributivas a "condição de recursos", a desestatização e mutualização da ADSE, a aposta no investimento público como fator crucial de elevação do crescimento económico, etc.).
Acresce o impacto político sobre o PS, neste momento impossível de estimar, da "certificação" do BE e do PCP como partidos de governo, retirando-os da condição antissistémica de "partidos de protesto" a que estavam remetidos.

2. É evidente que todos os acordos de coligação governativa são transações que implicam cedências mútuas entre os intervenientes, tanto maiores quanto mais profundas forem as diferenças que os separam à partida, como era o caso. E é também óbvio que há reformas políticas impossíveis de acordar entre o PS e os partidos à sua esquerda, incluindo as duas acima referidas e a revisão constitucional (esta, de resto, não premente).
Embora o acordo não iniba inteiramente a realização de reformas significativas sem o apoio dos parceiros de coligação, fora das áreas negociadas, como sucede com a importante reforma do regime do serviço de transporte automóvel com condutor, a verdade é que o acordo de coligação se traduz numa enorme limitação à liberdade política do Governo, quer no que respeita à obrigação de tomar as medidas acordadas (com significativos custos orçamentais), quer sobretudo quanto à impossibilidade de tomar medidas que constituam "linhas vermelhas" para os parceiros de coligação.
No fim do dia, e abstraindo de questões de principiologia política e ideológica, tudo está em saber se as vantagens do acordo valem o preço que se tem de pagar por ele. Como se trata de um "acordo em movimento" e em permanente atualização, eis um balanço que só se vai poder fazer no final. Como dizia o outro, "prognósticos só no fim".
[revisto]

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Cadáveres adiados

1. No conflito entre os taxistas e as plataformas digitais de mobilidade (Uber, Cabify, etc.), o que está em causa é saber se as regras da economia de mercado se devem aplicar ou não aos serviços de transporte automóvel de passageiros com motorista.
Ora, as principais regras da economia de mercado são a liberdade de empresa e a concorrência: concorrência na entrada na atividade, concorrência na diversidade de oferta, concorrência nos preços, de acordo com as condições do mercado (oferta e procura).
O atual regime dos táxis contradiz ponto por ponto essas regras, cancelando toda a concorrência: contingentação na entrada, uniformidade da oferta, fixação administrativa dos preços. As plataformas eletrónicas respeitam integralmente aquelas regras.

2. Como demonstrou a Autoridade da Concorrência, não existe justificação para manter os serviços de transporte automóvel de passageiros à margem das regras do mercado, pelo que o serviço de táxis deveria ser no essencial liberalizado quanto à entrada na atividade, quanto aos preços e quanto aos tipos de serviço.
Ora, ao exigirem que as plataformas de mobilidade fiquem sujeitas a contingentação e a preços mínimos, os taxistas incorrem num contrassenso. Não devem ser aquelas a serem sujeitas ao regime dos táxis, mas sim tendencialmente o inverso. Os taxistas não querem "igualdade de armas", como alegam; querem proteger o seu negócio.
De resto, se há algo que merece objeção na proposta governamental tornada pública não é o reconhecimento expresso e a regulação mínima das plataformas de mobilidade, mas sim a manutenção intocada do regime dos táxis, que aliás é um resquício da antiga economia dirigida e protecionista do Estado Novo, tal como estabelecido nos anos 40 do século passado.
Afinal, o regime dos táxis mostra que há "cadáveres adiados" que insistem em sobreviver e mesmo em reproduzir-se!
[revisto]


Adenda
Note-se que defendo publicamente a sujeição dos táxis às regras do mercado pelo menos desde 2008, quando ainda nem se sonhava com a Uber e outras plataformas digitais de mobilidade.

Adenda 2
Pela mesma altura critiquei o "corporativismo de esquerda", que leva os partidos de esquerda a defender interesses profissionais e corporativos contra a economia, em geral, e os interesses e direitos dos consumidores, em especial.

Adenda 3
Quando me refiro a "cadáveres adiados" no final do texto, é evidente que não tenho em mente os taxistas - como, por ligeireza, se diz nesta notícia -, mas sim o atual regime dos táxis, que há muito deveria ter sido revisto no sentido de abrir essa indústria ao mercado.

domingo, 9 de outubro de 2016

Est modus in rebus

É absolutamente descabida a ideia de que o responsável governamental dos assuntos fiscais não pode tomar medidas fiscais suscetíveis de beneficiar as empresas em geral só porque entre as beneficiárias poderiam estar duas empresas em que ele detém umas centenas de ações.
Só haveria algo de censurável se a medida fosse especialmente destinada a essas empresas, o que não é o caso, ou tivesse sido tomada só  para as beneficiar, o que não faz nenhum sentido na situação em causa. Também não estamos perante nenhuma decisão administrativa concreta relativa a essas empresas, em que seriam naturalmente aplicáveis as regras da imparcialidade administrativa.
Por aquela ordem de ideias, e por maioria de razão, a Ministra da Justiça estaria impossibilitada de adotar medidas favoráveis aos magistrados, por ser um deles; o Ministro do Ensino Superior estaria impedido de beneficiar a situação dos professores universitários, por ser um deles; o Ministro da Agricultura ficaria proibido de decidir políticas favoráveis aos agricultores, por ser um deles; etc.
O argumento é, portanto, manifestamente indefensável.

sábado, 8 de outubro de 2016

Doping orçamental

É evidente que o programa de incentivo ao pagamento das dívidas em atraso ao Fisco e à Segurança Social envolve um perdão fiscal, através do perdão de juros e eventuais custas processuais (que são tudo menos leves...), que é total no caso de pagamento de toda a dívida e parcial no caso de opção pelo pagamento em prestações. E também é óbvio que esta medida visa ajudar o saldo orçamental do corrente ano, em risco de exceder os limites acordados, pois o deadline foi cirurgicamente marcado para 20 de dezembro.
Nada há a censurar a este doping da receita fiscal na "última milha" da execução orçamental, tanto mais que ele também foi usado anteriormente por governos de direita, a última vez em 2013. O problema está em que na altura esse expediente foi criticado por quem agora o adota. Mesmo em política os double standards não costumam ser aplaudidos...

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

O corporativismo do "Estado Novo"


No próximo dia 13/10 vou estar na FEUC, a apresentar este livro de Álvaro Garrido sobre o Estado Novo e o corporativismo. Uma das chaves da longevidade da ditadura salazarista...

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Imaginação fiscal

1. Os compromissos da "geringonça" custam dinheiro e, na falta de dinamismo da economia, é preciso aumentar impostos para financiar a despesa adicional sem agravar o défice orçamental. A julgar pelas especulações da imprensa dos últimos dias, não falta imaginação fiscal.
Além do agravamento de algumas das variáveis de cálculo do IMI (exposição solar, etc.), que já era conhecido, há mais novidades na mesa. Resta saber se o orçamento as vai acolher todas...

2. A ideia de lançar um fat tax sobre produtos alimentares com excesso de sal, açúcar e gordura faz sentido. Além da receita fiscal que pode gerar, esse imposto combate as más práticas alimentares. Os impostos também podem e devem estar ao serviço de outros objetivos de política pública.

3. O mesmo se diga da extensão do imposto especial de consumo de bebidas alcoólicas ao vinho, que goza de uma injustificada isenção. Com a criação do fat tax, a isenção do vinho da tributação agravada das bebidas alcoólicas torna-se ainda menos explicável.

4. Outro tanto não se pode dizer da ideia de o novo imposto sobre o conjunto do património imobiliário, complementar do IMI, vir a incidir sobre o património agregado dos cônjuges, independentemente do regime de bens.
Para além das objeções aqui levantadas anteriormente sobre tal imposto, a ideia de tributação conjunta não parece razoável (salvo comunhão de bens), visto que torna cada cônjuge contribuinte pelo património do outro. Além de se poder tornar num desincentivo ao casamento (ou um incentivo ao divórcio por conveniência), essa solução é discrepante com a recente possibilidade de tributação separada dos cônjuges em IRS: se há tributação separada dos rendimentos, porque é que há de haver tributação conjunta dos bens imobiliários, tornando património comum aquilo que o não é nem os cônjuges quiseram que fosse?

Magistratura presidencial

Foi talvez o melhor discurso do Presidente da República, o do 5 de outubro, ontem, nas comemorações da implantação da República, em Lisboa.
Primeiro, pela sua concisão e clareza, sem enxúndias oratórias nem ambiguidades oportunistas. Um modelo de alocução pública.
Segundo, pela exposição e defesa clara da principiologia republicana do poder político: legitimidade popular, igualdade e universalidade, primazia do interesse público sobre os interesses particulares, separação entre o poder político e o poder económico, discrição e virtude pessoal no exercício do poder.
Terceiro, porque desta vez o Presidente se cingiu inteiramente a uma magistratura de princípios, sem se envolver no comentário de circunstância da atualidade política, em que tantas vezes se enreda e em que banaliza e desgasta a autoridade do cargo.

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Eu queria que o próximo Conselho Europeu...

"Eu queria que o próximo Conselho Europeu abandonasse a deriva intergovernamental, anti-europeia, de Bratislava. Começando por reagir ao terramoto financeiro que o Deutsche Bank ameaça e às últimas notícias sobre o Brexit: uma coisa é o Reino Unido querer atirar-se para o abismo, outra é deixarmos que arraste a UE.
Queria que desmantelasse a anti-europeia "Fortaleza Europa" abrindo vias legais e seguras de acesso a refugiados e migrantes, sem os condenar a entregarem-se em mãos criminosas e à morte no Mediterrâneo; parando de replicar acordos imorais e ineficazes com governos repressivos como o turco; para travar a proliferação de muros, leis e referendos à la Orbán que, de facto, alimentam o negócio dos traficantes, ameaçando a nossa própria segurança.
Há muito que a Europa da Defesa se impõe, mas não irá longe sem estratégia nem determinação política. E têm faltado para passar mensagens dissuasórias à Rússia, que da continuada agressão na Ucrânia ao bombardeamento impiedoso em Alepo não pode sair impunemente.
Eu queria que, num assomo de coragem e réstia de sanidade europeista, a UE apoiasse o Alto-Comissário da ONU para os Direitos Humanos, exigindo restrições ao veto dos P5 no Conselho de Segurança face à evidência de crimes de guerra e contra a humanidade que destroiem hoje o que resta da Síria e da credibilidade da União Europeia".

Minha intervenção em debate plenário no Parlamento Europeu, hoje, sobre o próximo Conselho Europeu (Outubro 20/21)

Calais - sobretudo não calar...

"Em Julho chefiei uma delegação da Comissão LIBE a Calais. Encontrámos  duas realidades bem diferentes: em Grande-Synthe, por acção de um Presidente da Câmara com sensibilidade humanista; em Calais, por inacção de uma Presidente com discurso hostil a refugiados e migrantes. A abordagem faz toda a diferença para encontrar soluções dignas para gerir um afluxo que põe muita pressão nesta região de fronteira.

Apesar de as autoridades francesas aceitarem pedidos de asilo, as pessoas com quem falamos na "Jungle" não perdem esperança de atravessar para o Reino Unido, onde têm família, conterrâneos e pensam ter futuro, porque sabem que as redes de traficantes continuam activas e passar é apenas uma questão de poder pagar. Incluindo para as centenas de menores desacompanhados que o Reino Unido tarda em deixar reunificar às famílias.

 Etíopes com quem falei na "Jungle" disseram-me que centenas dos seus compatriotas haviam chegado nas semanas antes, 2 a 3 meses depois de partirem das suas aldeias, em jornadas perigosas arriscando as vidas. 

Construir muros e continuar a recusar abrir vias legais e seguras para refugiados  e migrantes é continuar a dar negócio às redes traficantes: para além de imoral e violador dos direitos humanos, é ineficaz e só agrava a segurança europeia. Calais pode ser em qualquer praia da Europa..."


Minha intervenção em debate plenário no Parlamento Europeu, ontem, sobre  a situação de migrantes, refugiados e população local em Calais

 

Conflitos de Interesses

"A contratação do ex-Presidente da Comissão pela Goldman Sachs, o caso do Comissário Cañete e a ocultação de interesses offshore pela ex-Comissária Kroes alimentam o discurso populista e eurofóbico porque alimentam a justa desconfiança e a ira dos cidadãos. 

É inadmissível que Barroso continue a receber pensão paga pelos contribuintes, enquanto serve a Goldman Sachs - que visitou à socapa em 2013, quando era Presidente da Comissão Europeia. Uma comissão de ética ad hoc não basta: o caso Barroso deve ir ao Tribunal de Justiça.

 É preciso reforçar regras sobre “portas giratórias” entre sector público e privado, alargar os períodos de nojo e incompatibilidades. São precisas sanções por violação das mais elementares regras de transparência e ética. São precisos registos detalhados dos interesses financeiros de lobistas e consultores junto da Comissão, do Parlamento e do Conselho.  As medidas propostas pela Comissão são manifestamente insuficientes. 

Restabelecer a confiança dos cidadãos exige reforma firme e radical. Na Comissão de Inquérito do PE sobre os Panamá Papers e os Bahamas Leaks vamos trabalhar para isso."


Minha intervenção em debate plenário no Parlamento Europeu, ontem, sobre "Conflitos de Interesses"

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

40 anos da CRP


No próximo dia 7/10 vou participar na sessão evocativa dos 40 anos da CRP promovida pela Universidade Católica do Porto, com intervenção no painel sobre a "constituição económica".
O programa integral pode ver-se aqui.

sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Negócio da China

Excelente negócio o das autarquias do Grande Porto, que vão passar a governar os STCP, apesar de estes continuarem propriedade do Estado e de este continuar a assegurar os custos da enorme dívida e os custos dos novos investimentos.
De facto, adquirir a gestão dos transportes urbanos sem ter de financiar ao menos os novos investimentos necessários (que vão continuar a ser suportados pelos contribuintes de todo o País) é efetivamente um "negócio da China". Quando são os outros que pagam, nada é caro...
Há de haver uma explicação para o facto de os transportes de Lisboa e do Porto não serem da responsabilidade, incluindo financeira, dos respetivos municípios e serem cofinanciados pelos contribuintes do resto País, que já financiam integralmente os seus próprios transportes urbanos. Será que este singular privilégio decorre do facto de quase todo o pessoal político viver em Lisboa e no Porto?

Mudar algo para que tudo fique na mesma

Enjeitando de todo em todo as recomendações do grupo de peritos nomeados para pensar o futuro do sistema de saúde dos funcionários públicos, o Governo preferiu seguir as posições do sindicatos da função pública e dos partidos da aliança parlamentar e manter a ADSE na esfera pública, agora sob a forma de instituto público com participação dos beneficiários na sua gestão.
Continua a ser um enigma saber porque é que um Estado que constitucionalmente tem de manter um SNS universal (ou seja, para toda a gente) há de assegurar paralelamente um sistema de saúde privativo para o seu pessoal. A única explicação para essa regalia é a de que os funcionários públicos são uma importante constituency eleitoral...

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Desastre

Previu-se aqui que o PSOE iria pagar cara a teimosa irresponsabilidade na rejeição da formação do governo em Espanha.
As eleições regionais na Galiza e no País Basco do fim de semana passado confirmam uma grave queda eleitoral do partido, provocando um movimento para destituição do secretário-geral, Pedro Sánchez. Quanto mais cedo melhor, antes que o desastre se acentue.

Estado de direito?

Recuando em relação à proposta inicial de demolição de todas as construções clandestinas na Ilha da Culatra (ressalvado o núcleo piscatório com o mesmo nome), na Ria de Faro/Olhão, o Governo vai fazer demolir somente as construções em zonas de risco.
Do mal o menos, dir-se-á. Mas num Estado de direito não devia ser possível construir nem legalizar edificações em terrenos do domínio público marítimo, que para mais integram uma reserva natural, que por isso deveria ser renaturalizada.

Adenda
Vale a pena ler esta esta entrevista de Carlos Pimenta sobre o assunto.

Adenda 2
Nestas situações o principal problema consiste em que, enquanto os beneficiários dos "interesses estabelecidos" têm uma intensa motivação para lutar por eles, os defensores do património público e do interesse coletivo não têm mais do que um interesse difuso - e nas mais das vezes sem repercussão pública -, faltando, portanto, um efetivo countervailing power (embora não deixe de surpreender a comprometedora passividade dos grupos e dos partidos ambientalistas...) Perante essa assimetria, não admira a tendência dos governos para cederem aos primeiros, bem mais ruidosos, ainda que à custa do interesse coletivo.

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

É bom saber...

... que o Governo português subscreveu com vários outros governos uma carta à Comissão Europeia a apoiar o empenho nas negociações do acordo de comércio e investimento entre a UE e os Estados Unidos (TTIP).
Quando os populismos de vários matizes se juntam à habitual hostilidade da extrema-esquerda e da extrema-direita contra a política de comércio externo da UE, é reconfortante saber que há governos que não cedem à vaga protecionista e nacionalista.

Adenda
Entretanto, a convenção especial do Partido Social-Democrata alemão votou, por mais de 2/3, a aprovação do acordo de comércio e investimento entre UE e o Canadá (conhecido pela sigla CETA), o que se traduz numa decisiva derrota para a esquerda populista alemã (e europeia, em geral), que apostava no não do SPD como passo para a rejeição do acordo.

Adenda 2
Sem surpresa para quem conhece o que a casa gasta, a Esquerda Unida Europeia, que integra o PCP e o BE, votou no Parlamento Europeu contra o "acordo de parceria económica" entre a UE e vários países da África Austral, entre os quais Moçambique, apesar de o acordo ser considerado pelos interessados como vantajoso para os seus países. O dogma ideológico da extrema-esquerda contra a liberalização das relações económicas internacionais prevalece sobre qualquer outra consideração!

Esta sexta-feira vou estar aqui, em Quelimane


É a primeira vez que lá vou!
Decididamente, o ensino superior chega hoje em todo o lado. Como se lê na Wikipedia, a Universidade Pedagógica é uma universidade pública de Moçambique, vocacionada para a formação de professores e com estabelecimentos espalhados por todas as províncias.

sábado, 17 de setembro de 2016

A ordem jurídica do mercado


Na próxima semana vou estar qui, no Maputo, a falar sobre regulação pública numa economia de mercado.

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Sem razões para festejar

Apesar de ficar bem acima da meta orçamental (2,2%) e mesmo acima do mínimo exigido pela Comissão Europeia (2,5%), a projeção da Conselho de Finanças Públicas para o défice orçamental deste ano (2,6%) é bem menos negativa do que a generalidade das previsões até aqui, que atiravam para os 3% ou mais.
Do mal o menos, diz-se. Mas, a confirmar-se este resultado, não é somente a meta do défice orçamental nominal que ficará pelo caminho; falhará também o corte prometido (aliás, modesto) no "défice estrutural" e, pior de tudo, não se verificará a redução do rácio da dívida pública (com consequências negativas, aliás já visíveis, sobre as taxas de juro).
Se é bom saber que os piores augúrios não se confirmam, a verdade é que, se os dados não melhorarem até ao fim do ano, haverá poucas razões para festejar.

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Abuso de autoridade

Mesmo se já esperado, tendo em conta os antecedentes, nem por isso o alargamento pela PGR do prazo para a investigação do "processo Sócrates" se torna menos grave, pelo contrário.
Com mais seis meses, o processo aproxima-se dos quatro anos, uma enormidade em termos de garantias penais dos investigados, indefinidamente à espera de uma acusação que não vem (mas mói) ou de poderem voltar à sua vida normal como cidadãos e que não têm de ser sacrificados pela incompetência ou a teimosia investigatória do Ministério Público.
Diz a Constituição que somos um Estado de direito, que tem no direito à segurança e nas garantias penais (incluindo o direito a um julgamento em tempo razoável) o seu núcleo duro. Pelos vistos, pelas bandas da Rua da Escola Politécnica, em Lisboa, há um poderoso feudo do Estado imune às obrigações do Estado de direito e à CRP!

Adenda
Perguntam-me se acredito na inocência de Sócrates. Não acredito nem deixo de acreditar; não tenho elementos para tomar posição e, pelos vistos, nem o MP os tem ainda, pois vai adiando a decisão quanto à acusação. Ora, não é Sócrates que tem de provar a sua inocência; é ao MP que compete provar a sua culpa em tribunal de forma concludente (beyond any reasonable doubt). Não basta a condenação nas páginas dos tabloides (cortesia do MP).
De qualquer modo, a questão não é essa. Inocentes ou culpados, todos têm direito às garantias constitucionais em matéria penal e processual penal. Os ex-primeiros ministros não são exceção.

Sim, mas...

1. No dia em que se anuncia um imposto sobre o património imobiliário de elevado valor, recordo esta minha entrevista de 2012. Não mudei de ideias.


2. Sendo defensável em termos de justiça fiscal, como imposto que incide sobre quem mais património predial tem, este novo imposto suscita, porém, alguns problemas políticos.
O primeiro problema resulta do facto de que, ao contrário do imposto sobre sucessões e doações, este novo imposto não consta explicitamente do program eleitoral do PS nem do programa de governo, o que o torna vulnerável à acusação de "aumento inesperado de impostos".
Em segundo lugar, não se trata de um imposto extraordinário, como sugeri em 2011 - e nessa altura bem justificado era para aliviar a pressão orçamental do País -, mas sim como imposto ordinário, para ficar, o que sublinha os demais problemas referidos.
O terceiro problema tem a ver com o facto de o novo imposto poder afetar as expetativas de estabilidade fiscal dos investidores estrangeiros que foram atraídos por programas específicos de captação de investimento em imobiliário (nomeadamente os vistos "gold"), os quais também se tornarão menos atrativos com este agravamento fiscal.
Por último, o problema mais relevante tem a ver com a discriminação fiscal, visto que o novo imposto incide somente sobre bens que já estão sujeitos a um imposto sobre o património (o IMI) - sendo portanto uma espécie de "imposto complementar" -, deixando de fora o património mobiliário, que é a principal forma que revestem hoje as grandes fortunas. Como justificação desde novo imposto imobiliário, não basta o argumento utilitário de que, ao contrário dos bens e valores mobiliários, os prédios e edifícios não se podem esconder nem exportar...

Adenda
Para evitar equívocos, tenho a declarar que, tendo em conta o limiar de tributação de que os proponentes deste novo imposto falam - património individual de valor superior a meio milhão de euros - não me contarei seguramente entre os seus contribuintes, pelo que não tenho interesse pessoal na questão...

Adenda 2
O Governo esclarece que o imposto estava previsto no programa do Governo. Ora, o que o programa prevê é «ponderar a introdução da progressividade no IMI», que é um imposto municipal, não propriamente a criação de um novo imposto do Estado sobreposto ao IMI. É de admitir que os efeitos sobre os contribuintes possam ser semelhantes, mas não é a mesma coisa.

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

SNS

Não creio que António Arnaut tenha inteira razão quando "considera que o setor privado é a «maior ameaça» ao SNS, «se não for domesticado», e defendeu que este seja «posto na ordem»".
Claro que os serviços de saúde privados (e os públicos, dada a sua autonomia) têm de ser devidamente regulados pelo Estado, e é para isso que deve servir a Entidade Reguladora da Saúde.
Mas o setor privado só tem a expansão crescente que tem entre nós porque o Estado lhe proporcionou condições favoráveis, à custa do SNS. Basta citar a manutenção e alargamento da ADSE, os seguros de saúde oferecidos por instituições públicas, a comparticipação nos medicamentos receitados na clínica privada, a acumulação de funções de médicos do SNS no privado, as "convenções" generosas, a externalização de cirurgias e outros serviços, o "cheque dentista", etc. etc.
A pior ameaça ao SNS está no insuficiente compromisso do Estado (subfinanciamento, ineficiência na gestão, captura partidária das instituições, falta de firmeza perante as corporações da saúde, etc.). O setor privado limita-se a tirar partido do espaço que o Estado lhe deu, das fronteiras porosas entre o público e o privado e das insuficiências do SNS (nomeadamente as listas de espera). Em vez de julgar as consequências, tratemos das causas.

O estado da União

O que eu diria ao Presidente Juncker se tivesse conseguido tempo de palavra no debate no PE esta manhã sobre o "estado da União":

 "Presidente Juncker,
O Brexit obriga-nos a usar a oportunidade.
A governação da Zona Euro exige redenção da divida. Urge riscar a estupidez do Pacto de Estabilidade e Crescimento e po-lo a trabalhar para o investimento público e privado. Não a sancionar estupidamente Portugal e Espanha.
Precisamos de Justiça. E de justiça e harmonização fiscais na UE: de aplicar o Imposto sobre as Transações Financeiras e de reaver fundos parqueados em paraísos fiscais, via evasão fiscal, corrupção e crime. De processar governos capturados, que recusam recuperar biliões dados  em "ajudas de Estado" a multinacionais, à custa das PMEs e dos cidadãos contribuintes.
Precisamos de Recursos Próprios suficientes para a União investir na economia digital, verde, circular, criando empregos decentes, por mais Igualdade e mais Europa social.
Precisamos de Políticas Comuns de Asilo e de Migrações e de sancionar governos que recusam receber refugiados e violam Schengen e o  Estado de direito.
Precisamos da União da Defesa, norteada por valores europeus, para tornar a UE relevante pela Paz, segurança, democracia, direitos humanos, desenvolvimento sustentável na Síria, Libia, Palestina/Israel e globalmente. Precisamos de um lugar permanente para a UE no Conselho de Segurança, desencadenado assim a sua reforma.
Este é o caminho para eficazmente combatermos terrorismo, alterações climáticas e outras ameacas transnacionais globais. Para travar nacionalismos violentos e racistas. E para recuperarmos a confiança dos cidadãos."

terça-feira, 13 de setembro de 2016

A UE e as suas obrigações para com Refugiados e Migrantes

"A Cimeira das Nações Unidas para os Refugiados e Migrantes será teste à cooperação para responder ao maior desafio global que enfrentamos: o de valer a milhões de pessoas forçadas a deixar os seus países em busca de protecção e dignidade.

Governos europeus - uns mais que outros - não têm estado à altura das suas obrigações morais e legais como membros da UE. Refugiados e migrantes estão a sofrer às portas da Europa e em solo europeu horrendas violações dos direitos humanos, em especial mulheres e menores desacompanhados. Milhares entregam as suas vidas a redes de traficantes e de outra criminalidade organizada, que os nossos governos fazem prosperar ao recusar abrir vias legais  e seguras para quem precisa de pedir asilo ou trabalho. Assim se põe em causa não apenas a credibilidade, mas, realmente, a própria segurança da Europa.

O processo de recolocação decidido pelo Conselho Europeu marca passo, só 3.000 de 160.000 pessoas foram reinstaladas - há 6 meses que um grupo de 470  Yazidis desespera perto de Idomeni, Grécia por chegar a Portugal, que reitera poder recebê-los...

O pacto UE-Turquia fomenta a abertura de novas rotas de negócio para os traficantes e implica deportar pessoas impedidas sequer de pedir asilo ou reunificação familiar. 

Como se não bastasse, a UE quer replicar o modelo com regimes causadores da opressão e da miséria de que fogem refugiados e migrantes - como o da Etiópia que está desbragadamente a matar etíopes, Senhora Alta Representante, perante o silêncio cúmplice da UE.

Construir mais muros, como o anunciado em Calais, para além do desperdício de recursos, é ineficaz e vai contra tudo aquilo em que a União assenta".


(Minha intervenção no debate plenário do Parlamento Europeu, esta tarde, sobre a Cimeira da ONU sobre Migrantes e Refugiados)

Compromisso

Em entrevista à CNBC, o Ministro das Finanças declarou que «fará tudo para evitar segundo resgate».
Não se duvida obviamente da seriedade do compromisso - que nunca é de mais reiterar -, de evitar novo pedido de assistência externa, que aliás já devia ter sido varrido das hipóteses em risco. Mas o país espera que "tudo" seja também o necessário e o suficiente para garantir esse objetivo.

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Era o que faltava!

1. O comentador político Marques Mendes - que também é conselheiro de Estado nomeado pelo Presidente da República - considera que o Governo "provoca" e "afronta" o Presidente da República ao aprovar a obrigação de os bancos informarem o Fisco acerca dos saldos de contas bancárias de mais de 50 000 euros, de que Marcelo Rebelo de Sousa já discordou publicamente.
Mas a acusação do comentador/conselheiro é inteiramente despropositada e infundada, não havendo nenhuma razão para ser partilhada em Belém. É evidente que Governo deve, inclusive por interesse próprio, ter em conta as objeções presidenciais em relação a qualquer medida política, legislativa ou administrativa. Mas mantém integralmente a sua autonomia de decisão política, tal como o Presidente preserva intocável o seu poder de veto político, bem como o poder de suscitar a fiscalização preventiva da constitucionalidade.

2. No nosso sistema constitucional é ao Governo que compete governar e tomar as decisões pertinentes, assumindo a sua responsabilidade política por elas perante o Parlamento e a opinião pública. O Presidente da República vela pelo regular funcionamento das instituições (com os inerentes poderes de informação e de vigilância), pode mesmo aconselhar ou até advertir o primeiro-ministro, mas não é coach, nem chairman do Governo, nem tem sobre ele nenhum poder de tutela ou de superintendência política. Era o que faltava!
Por isso é descabido um poder de veto preventivo, pelo que o Governo não tem nenhum dever político ou institucional de retirar propostas suas só porque o Presidente manifestou publicamente a sua discordância. Belém pode depois opor-se, mas pelos meios institucionais à sua disposição, com a devida fundamentação, e assumindo a responsabilidade política pela sua utilização. Também não há vetos políticos informais.

3. O sistema constitucional de governo não mudou desde janeiro deste ano, nem consta ter havido uma "OPA política" de Belém sobre São Bento, que aliás só poderia ser feita à margem da Constituição.
A cada instituição o seu papel e as suas responsabilidades, como é próprio de uma democracia constitucional baseada na separação de poderes e na lealdade institucional.

Adenda
Perguntam-me o que penso da medida em causa. Penso que a medida não é pacífica, mas considero, como já escrevi aqui, que há fortes razões a favor dela (para combater a evasão fiscal, que é um imposto escondido sobre os contribuintes cumpridores) e que não são inteiramente convincentes as objeções de inconstitucionalidade.
Por mim, não tenho nada contra a transmissão limitada dos meus saldos bancários ao Fisco, desde que este só possa utilizar esses dados em caso de fundada suspeita de evasão fiscal e haja punição séria para a sua utilização para outros efeitos.

Hic labor...

Parece que o presidente da Comissão Europeia vai aventar no seu discurso sobre o estado da União perante o Parlamento Europeu a hipótese de retirar certas despesas públicas (despesas de investimento, educação e investigação) do cálculo do défice para efeitos da Pacto de Estabilidade.
Não é inédita essa ideia, mas nunca ganhou tração política. Resta saber se é diferente desta vez.
Ela levanta duas dificuldades:
  - primeiro, não é fácil encontrar uma base constitucional nos Tratados para uma mudança desse alcance, que vai muito além da "flexibilidades" pontuais já existentes;
  - segundo, mesmo que essas despesas deixassem de contar para o défice, elas continuariam a contar para a dívida pública, por ser preciso financiá-las; ora, o défice orçamental, mesmo escondido, gera dívida e não se vê como é que os países já muito endividados, como Portugal (e outros do sul da Europa) podem aumentar mais a dívida sem tornar mais difícil o acesso ao financiamento e aumentar o seu custo; aí é que "a porca torce o rabo"...

Adenda (15/9)
Juncquer não referiu esse tema no discurso sobre o estado da União, tendo-se limitado a referir de passagem as "flexibilidades" do PEC.

Dupla surpresa


Na sua genuína e justificada surpresa, Skidelsky também poderia ter perguntado: "Portugal não tem imposto sucessório?! Mas com um governo de esquerda, vai voltar a ter, não vai?"
Mas como bem sabemos, a resposta a esta pergunta também é negativa. Mistérios que a esquerda por vezes tece.

domingo, 11 de setembro de 2016

Leviandade

A proposta de extinguir os "comandos", na sequência da morte de dois instruendos, revela a leviandade "bloquista" em questões de defesa e de Forças Armadas.
De facto, uma coisa é a investigação integral do que aconteceu, o apuramento de responsabilidades e as mudanças que hajam de ser feitas e, entretanto, a suspensão da instrução, como se fez; outra coisa é avançar à cabeça com a extinção da unidade, como se umas forças armadas eficazes pudessem prescindir de corpos operacionais especiais como os comandos!