sexta-feira, 9 de junho de 2017

Greve de juízes ? (V)

No Público de hoje o Professor Jorge Miranda mostra porque é que os juízes não têm direito à greve, essencialmente porque eles não têm uma relação de trabalho com o Estado.
Defendi a mesma posição num post anterior.
O estranho é que o Governo continua silencioso sobre a matéria, como se a questão fosse irrelevante. Ora, a única posição oficial correta consiste em declarar publicamente que não reconhece tal greve e que tomará as medidas apropriadas se ela for declarada e levada a efeito. O Governo não pode ceder perante os poderes fáticos, para mais quando eles abusam da sua posição privilegiada dentro do próprio Estado.

Imprevisibilidade


1. Os resultados das eleições britânicas de ontem - que a primeira-ministra convocou de surpresa para reforçar a maioria absoluta que tinha e que acabou por perdê-la, ficando agora com um governo minoritário - mostram mais uma vez que os eleitores e as campanhas eleitorais se tornaram assaz imprevisíveis e voláteis e que nenhum governo pode apostar em eleições ou referendos sem risco de desfeita.
O curioso é que o Partido Conservador até melhorou o seu score eleitoral em relação a 2015 (de 37% para 42,5%), mas o Partido Trabalhista, que fez uma campanha aguerrida e eficaz, subiu ainda mais, reduzindo a diferença entre ambos e impedindo a maioria absoluta daquele no Parlamento. A subida eleitoral de ambos foi feita à custa do quase desaparecimento eleitoral do UKIP e de uma acentuada baixa dos nacionalistas escoceses (que perderam 21 lugares!). Os Liberais-Democratas não beneficiaram desses despojos, não recuperando da pesada derrota de há dois anos.

2. O insucesso dos Liberais-Democratas e dos nacionalistas escoceses, principais opositores à saída britânica da União Europeia, mostra que a ideia de reversão do Brexit não encontrou tração no eleitorado britânico. Mas além de debilitar politicamente o Governo no plano interno, a semiderrota de May enfraquece a posição negocial britânica no Brexit, ao passo que a pesada derrota dos nacionalistas escoceses enterra a perspetiva um novo referendo sobre a independência; em contrapartida, Corbyn consolida a sua contestada liderança no Labour.
Resta saber quanto tempo dura a legislatura. Sem maioria parlamentar e sem possibilidade de uma coligação maioritária, e com uma liderança enfraquecida, o Governo não vai ter vida fácil. Decididamente, a tradicional da estabilidade política britânica já não é o que era!

Adenda
Não compartilho da tese de que o relativo insucesso eleitoral de May ponha de parte um hard Brexit, obrigando-a agora a negociar um soft Brexit com a UE. Não creio que haja alguma margem para voltar atrás na saída do mercado único e da união aduaneira. Pelo contrário, ao perder a maioria parlamentar, a primeira-ministra torna-se dependente dos hardliners do seu partido e dos unionistas de direita irlandeses (que apoiam o novo Governo), que não querem nenhum soft Brexit. De resto, o próprio Partido Trabalhista não contesta os termos da saída aprovados pelo Parlamento Britânico. Além disso, do lado da UE não vejo qual é o interesse em fazer concessões ao Reino Unido.

quinta-feira, 8 de junho de 2017

Cidades de todo o mundo uni-vos, contra Trump!

Ao anunciar a rejeição do Acordo de Paris sobre o Clima, assinado em Paris, Trump declarou despropositadamente que tinha sido "eleito para representar Pittsburgh e não Paris".
Mas hoje no New York Times, o mayor de Pittsburgh e a maire de Paris (na imagem) assinam uma carta pública conjunta em apoio do Acordo, intitulada "Temos o nosso próprio acordo sobre o Clima!". Ambos os municípios são membros do Global Covenant of Mayors for Climate and Energy.
Lindo! Afinal, Trump não representa Pittsburgh. Vale a pena ler.

Má vontade ?


Na introdução ao seu relatório sobre as contas da segurança social, agora tornado público, o Conselho das Finanças Públicas regista a seguinte nota:
Não foi obtida uma resposta aos diversos pedidos de informação relativos a dados físicos do sistema de Segurança Social, nomeadamente a evolução do número de contribuintes e das respetivas remunerações declaradas, número de novos pensionistas e beneficiários das prestações de desemprego, doença, parentalidade e prestações familiares. A informação em falta é imprescindível para a elaboração de uma análise mais detalhada e identificação dos principais fatores explicativos para a evolução das rubricas que compõem a receita e a despesa, nomeadamente a evolução das remunerações e do valor das novas pensões. [sublinhados acrescentados]
Esta queixa pública requer uma explicação do Governo, sob pena de ficar no ar a ideia de que o défice da informação disponibilizada ao órgão legalmente habilitado para a monitorização independente das contas públicas ser devida a má vontade política contra o mesmo (que, a propósito, continua com vagas por preencher...).

Adenda (12/6)
As duas vagas foram entretanto preenchidas.

Ai, a dívida ! (11)

Há quem pense que é por má vontade que as agências de rating não melhoram a sua avaliação da dívida pública nacional, após a redução do défice orçamental no ano passado e a saída do Procedimento de Défice Excessivo da UE.
Tenho uma opinião diferente. Elas não alteram o rating enquanto o rácio da dívida não estiver a descer consistentemente e com perspetivas duradouras, o que não sucedeu no ano passado, apesar da aceleração do crescimento económico. De resto, os juros dos títulos a dez anos continuam acima dos 3%, bem superiores aos de 2015, o que mostra que os mercados também precisam de provas adicionais.
Por isso, entendo que a notação só será revista no início do próximo ano, se se confirmar uma descida de pelo menos 3pp este ano no rácio da dívida, como agora promete o Governo, e se o orçamento para 2018 assegurar a continuação posterior dessa trajetória, o que aliás é tornado mais fácil pela aceleração da retoma económica em curso. Ponto é que o aumento da receita orçamental não seja "esturrado" em aumento de despesa, como propõem o BE e o PCP!
Por isso, espero e confio que este será o último post desta minha longa série de alertas sobre a importância crucial de redução substancial da dívida pública, para baixar os seus custos e para preparar o País para situações de menor desempenho do ciclo económico no futuro.

quarta-feira, 7 de junho de 2017

Greve de juízes? (IV)

1. Pelas razões aduzidas em post anterior, considero um erro grave a decisão governamental de negociar com o sindicato dos juízes o estatuto da magistratura judicial, com se ele fosse o representante legítimo da "classe" e se tratasse de uma normal negociação coletiva das condições de trabalho entre entidade empregadora e sindicato. Para mais, sob ameaça abusiva de uma greve ilícita!
Oportunisticamente, o PSD resolveu ajudar à festa, chamando o sindicato ao Parlamento, partidarizando o assunto e elevando o estatuto político daquele. Abyssus abyssum! Governo e oposição convergem alegremente para a degradação do estatuto institucional e da reputação pública dos juízes.

2. Penso que a maior parte dos juízes, que se consideram acima de tudo como titulares de um nobre cargo público, para além de não serem filiados no sindicato e rejeitarem a representação sindicalista (considerando como seus únicos representantes institucionais legítimos os membros eleitos do CSM), não aceitam a visão laborística da sua função e a negociação coletiva do seu estatuto, com greves à mistura e tudo, como se se tratasse de um contrato coletivo de trabalho relativo a funcionários públicos.
É evidente que os juízes, como protagonistas da função judicial, não se consideram constitucionalmente equiparáveis aos agentes do Ministério Público nem aos funcionários judiciais.

Adenda
Um leitor aduz como argumento a cultura do "diálogo social" no atual ciclo político. Concordo com a vantagem e a necessidade da "democracia participativa" na tomada de decisões políticas. Mas uma coisa é ouvir e levar na devida conta todas as posições relevantes, outra coisa é atribuir o papel de interlocutor privilegiado a quem não tem a mínima legitimidade representativa para o efeito e negociar institucionalmente e quiçá estabelecer um acordo com ele. Além disso, receio sempre que a "cultura de diálogo com todos" se traduza, como já sucedeu no passado, numa política de renúncia à autoridade do Estado e de "cedência a todos os interesses setoriais" à custa do interesse geral e dos contribuintes (que não têm sindicato nem fazem greve).

terça-feira, 6 de junho de 2017

Partilha

Decidi disponibilizar ao público em geral, através da minha página na plataforma Researchgate, uma versão digitalizada das minhas obras há muito esgotadas, incluindo o meu primeiro livro, A Ordem Jurídica do Capitalismo, publicado em 1973. Na imagem, a capa da 1ª edição.
A seguir irei juntar uma seleção dos meus artigos publicados em revistas ou como capítulo de livro ao longo dos anos, tornando-os assim acessíveis a toda a gente, em toda a parte.

segunda-feira, 5 de junho de 2017

Greve de juízes ? (III)

Caso acabe por haver aumento de remuneração dos juízes e dos agentes do Ministério Público, seria porém inadmissível estender esse aumento também às respetivas pensões, que até agora, por efeito de um regime de escandaloso privilégio corporativo, equivalem sempre à remuneração de exercício correspondente.
Seria intolerável manter esse regime de pensões vitalícias a 100% (sem nenhuma relação com a carreira contributiva), quanto entretanto todas as pensões no setor público e privado representam uma proporção cada vez menor da última remuneração (menos de 70% em média, com tendência para diminuir) e não acompanham a eventual subida das remunerações.
Por minha parte, considero mesmo esta questão um teste político decisivo, especialmente tratando-se de um governo de esquerda, que deve respeitar minimamente o princípio da igualdade e, em especial, a rejeição de privilégios de tratamento na esfera pública.
Pensões douradas na segurança social pública, não!

Greve de juízes ? (II)

Na luta sindical dos juízes (e dos agentes do Ministério Público) (ver posts precedentes) uma das reivindicações é (não vale adivinhar à primeira!) o aumento das remunerações.
Mas não se vê qual é a lógica de proceder a um aumento extra das remunerações dessas duas categorias, que não são propriamente baixas, quando todas as demais remunerações de cargos públicos (e do funcionalismo público) se mantêm inalteradas há anos, por razões de consolidação orçamental. É preciso uma forte razão para alterar isoladamente a posição remuneratória relativa.
O sindicato dos juízes diz que estes foram mais prejudicados pelo congelamento, o que obviamente não é verdade. E também invocam a dedicação exclusiva dos juízes, o que também não colhe, pois todos os titulares de cargos políticos do Estado estão em dedicação exclusiva (salvo os deputados que optem por acumulação com outra atividade, com um desconto na sua remuneração).
Em última instância, cabe perguntar se faz sentido retomar o aumento de vencimentos no setor público quando a consolidação orçamental está longe de concluída e quando há serviços públicos, como o SNS, a carecer manifestamente de reforço de financiamento.
[revisto]

Adenda
Já agora, não percebo porque é que os agentes do Ministério Público beneficiam da mesma remuneração que os juízes e têm de ser aumentados de forma igual, quando é evidente a diferença quanto à exigência e responsabilidade das respetivas funções. A regra constitucional "salário igual para trabalho igual" também significa implicitamente remuneração diferente para funções diferentes...

Adenda 2
Um leitor protesta por eu utilizar a expressão "agentes do Ministério Público" em vez de "magistrados do Ministério Público", que no seu entender é mais correta. Mas não tem razão no protesto. Sem cuidar de saber qual a designação mais correta, limito-me a observar que a designação constitucional é "agentes do Ministério Público" (CRP, art. 219º, nºs. 4 e 5).

domingo, 4 de junho de 2017

Greve de juízes?


1. Para além de não ter base constitucional nem legal - pois os juízes não são trabalhadores por conta de outrem (muito menos trabalham sob instruções de outrem), mas sim titulares de cargos públicos (aliás, titulares de um órgão de soberania) -, a greve anunciada pelo (pouco representativo) sindicato dos juízes é muito pouco consentânea com a própria dignidade da função judicial.
Mas se há juízes que se dispõem a autoassimilar-se a trabalhadores assalariados para recorrerem à greve, talvez seja de recordar que um dos instrumentos de que o Estado dispõe para combater greves que ponham em causa interesses públicos essenciais é o da requisição civil, com as inerentes sanções disciplinares e penais para quem não acatar as respetivas obrigações. Não seria propriamente edificante para a imagem social dos juízes envolvidos.

2. Penso que esta ameaça de greve não pode ser encarada de ânimo leve pelo Governo, tanto mais que ela visa explicitamente perturbar o processo eleitoral das autarquias locais.
Além de não dever manter qualquer contacto com o sindicato - até porque as condições do exercício de cargos públicos não devem, por princípio, ser objeto de negociação sindical nem coletiva - e de não ceder à chantagem sindical, o Governo deve tornar claro, desde o princípio, que não tolerará nenhuma perturbação concertada da atividade judicial e que não hesitará em tomar todas as medidas legalmente disponíveis para a evitar e para fazer sancionar os responsáveis, se ela ocorrer.
Sendo juíza-conselheira do STJ, a ministra da Justiça tem nesta circunstância uma dupla responsabilidade: (i) assegurar sem hesitações a autoridade do Estado e a prevalência do interesse público e (ii) salvaguardar a dignidade da função judicial, posta em causa pelo indecoroso radicalismo sindical.

Adenda
A greve de juízes seria tão bizarra como a "greve" de quaisquer outros titulares de cargo público, seja de órgãos de soberania (PR, Governo, deputados) ou não (membros de órgãos de governo das regiões autónomas ou do poder local, reguladores e gestores públicos, reitores universitários, etc.). Onde não há relação laboral, não há lugar para greves.

Adenda 2
Mesmo na hipótese improvável de uma medida que atentasse contra a independência judicial - que tivesse conseguido passar pelo crivo do PR e do TC e a natural oposição do CSM -, não há nenhuma razão para uma greve, havendo um meio muito mais expedito e eficaz, que todos os juízes têm, que seria recusar a sua aplicação por inconstitucionalidade.

sábado, 3 de junho de 2017

Por que espera o Presidente?

A ameaça de convocação de uma greve de juízes com o propósito de boicotar as eleições autárquicas não revela somente a supina irresponsabilidade do sindicato dos juízes. Constitui  também uma qualificada provocação ao sistema constitucional, desde logo porque a greve de titulares de cargos públicos não dispõe de reconhecimento constitucional nem legal, mas também porque a expressa intenção de perturbar o processo eleitoral, que passa pela validação judicial das candidaturas, põe manifestamente em causa o regular funcionamento das instituições.
Ora, o "core business" do mandato constitucional do Presidente da República consiste justamente em garantir o regular funcionamento das instituições, pelo que o Presidente, habitualmente tão loquaz a tomar posição sobre tudo e mais alguma coisa, não pode agora ficar em silêncio perante este desafio qualificado às instituições. Impõe-se uma condenação sem contemporizações do aventureirismo sindical.

Adenda
O Presidente do Conselho Superior da Magistratura conta com Belém para travar a greve do sindicato dos juízes. Mas o órgão superior de governo da magistratura tem à sua disposição um decisivo instrumento dissuasor, que é recordar o seu poder disciplinar e anunciar a sua disposição de o exercer sem contemplações no caso de uma infração disciplinar tão grave como uma greve de juízes.

sexta-feira, 2 de junho de 2017

O eixo Bruxelas-Beijing


Com a retração neoisolacionista dos Estados Unidos, sob a desatinada condução de Trump - agora tristemente marcada pela retirada do Tratado de Paris sobre o clima -, a China não hesitou a chegar-se à frente para uma parceria com a União Europeia para uma liderança global conjunta em duas áreas fundamentais: uma ordem económica global aberta e a luta contra as mudanças climáticas. O eixo transatlântico Bruxelas-Washington vai dar lugar ao eixo transcontinental Bruxelas Beijing, uma nova "rota da seda" com dois sentidos?
Quem imaginaria, um ano trás, uma tal mudança na geopolítica mundial ?!

Milagre

O jornal i colocou em manchete a ideia de que o Estado até lucrou com a descida do IVA nos restaurantes, por via do aumento da procura e do consequente aumento do emprego, ecoando obviamente a ideia defendida pelos interessados no mesmo jornal, em favor de uma redução adicional.
Mas trata-se de um puro sofisma. Que se saiba, a descida do IVA não trouxe nenhuma redução de preços (como na altura logo se observou), tendo a diferença sido apropriada pelos restaurantes, pelo que o aumento da procura destes, que é evidente a olho nu, foi provocado pela retoma económica interna e pelo aumento do turismo, e não pela redução do imposto. Portanto, o orçamento perdeu o benefício dessa substancial subida da atividade no setor.
De resto, se a descida do IVA na restauração tem esse condão de aumentar a procura e o emprego no setor, sem quebra (ou até com aumento) da receita orçamental, então é óbvio que devia já caminhar-se para suprimir de todo esse imposto em tão virtuosa atividade económica...

quinta-feira, 1 de junho de 2017

Voltar ao mesmo ? (10)

Depois dos médicos e enfermeiros e dos funcionários públicos em geral, são de novo os professores e agora também o mundo da justiça que ameaçam com greves. A falsa ideia de que existe "folga orçamental" e a aproximação das eleições locais e das negociações para o orçamento de 2018 levam os sindicatos e o PCP a tentarem forçar o Governo a "abrir os cordões à bolsa".
É evidente que não cabe na cabeça deles a ideia de fazer cair o Governo, pois seria o PS a ganhar em caso de abertura de uma crise política e de convocação antecipada de eleições. Mas este súbito surto de ativismo sindical não é inocente, sendo evidente o risco de o Governo ceder à tentação de comprar a manutenção da "paz social", de que tem feito um trunfo político, à custa de mais despesa pública.
Como sempre, as categorias mais influentes do setor público buscam as melhores posições à mesa do orçamento.

Taxas?

1. O PSD propõe uma taxa sobre os serviços de transporte prestados através da Uber e da Cabify.
Sabendo-se que as taxas são tributos bilaterais, destinados a "pagar" um serviço concreto prestado pela Administração (por exemplo, as propinas universitárias ou as taxas de justiça) ou os custos de procedimentos administrativos desencadeados pelos particulares (licenças, registos, etc.), em que categoria se inserem as propostas "taxas" sobre as ditas "plataformas eletrónicas de mobilidade"?
Poderia pensar-se numa taxa pelo uso das vias públicas (que, aliás, teria de discriminar as que pertencem aos municípios e ao Estado). Mas, então, onde ficaria o princípio da igualdade, já que nenhum outro utilizador de vias públicas paga tal taxa adicional (para além da "contribuição de serviço rodoviário" que incide sobre os combustíveis e das portagens das autoestradas)?
Poderia também pensar-se numa contribuição regulatória, destinada a financiar a autoridade reguladora do setor. Mas, mais uma vez, como justificar uma "taxa" exclusiva sobre uma certa categoria de operadores?

2. De resto, os operadores associados às referidas plataformas eletrónicas (empresas de rent-a-car com condutor, de transporte turístico, etc,) podem prestar os mesmos serviços de transporte sem nenhuma "taxa" especial, se contratados diretamente pelos utentes. Por que razão hão de ter de pagar uma taxa quando forem contratados através de plataforma eletrónica?
Tal como qualquer tributo, as taxas precisam antes de mais de fazer sentido, em termos de fundamentação e de não discriminação, sobretudo quando incidem sobre uma atividade económica!

Adenda
Um aspeto bizarro da atamancada proposta do PSD está em que a tal taxa sobre os serviços contratados através da Uber e a Cabify se destinaria a financiar o Fundo de Mobilidade Urbana, que é um fundo do município de Lisboa. Ora, isto suscita três questões: (i) será que compete ao Estado criar taxas municipais?  (ii) que serviço particular é que o município de Lisboa presta aos operadores de transporte em causa para justificar tal taxa? (iii) e as taxas pelos serviços prestados fora de Lisboa (municípios limítrofes de Lisboa, Faro, Porto) destinam-se a quem?

sábado, 20 de maio de 2017

Requiem pelo "semipresidencialismo"


A pronta nomeação e entrada em funções de um novo governo francês logo a seguir à tomada de posse do novo Presidente mostra exuberantemente que em França são as eleições presidenciais que determinam o ciclo governativo, pondo termo ao mandato do Governo em funções e levando à nomeação presidencial de outro e à sua plena entrada em funções, sem passagem pelo Parlamento (que só vai ser eleito daqui a um mês), retirando a sua legitimidade política exclusivamente da nomeação e da confiança presidencial.
Isso mostra a enorme diferença entre o sistema de governo francês, com uma forte componente presidencialista, e o português, onde tal não sucede. De facto, em Portugal, como se sabe, são as eleições parlamentares que determinam a substituição de governo - tendo o Governo de apresentar o seu programa à AR -, não tendo as eleições presidenciais nenhum efeito sobre o governo em funções, pelo simples razão de que o Governo só depende da confiança política do Parlamento, e não do Presidente.
Não será altura de abandonar definitivamente entre nós a noção de "semipresidencialismo", que só pode causar equívocos, por colocar o nosso sistema político na mesma categoria que o francês, afinal tão diferente?

quinta-feira, 18 de maio de 2017

Quando a Etiópia se revoltar, toda a África estremecerá

"In Ethiopia, two days ago, Yonatan Tesfaye, spokesperson for the opposition Blue Party, was declared guilty of encouraging terrorism, facing imprisonment up to 20 years, for comments he made on Facebook.
Last November, Dr Merera Gudina, the Oromo opposition leader, was arrested and tortured upon his return to Ethiopia under terrorism charges. For the "crime" of participating in a public hearing, here at the European Parliament, with Dr. Berhanu Nega, another opposition leader democratically elected in 2005, then sent to jail, now in exile and deemed a terrorist. Thousands political prisoners languish in jail in Ethiopia.
Jailed by a totalitarian government never elected, the last farcical "election" emulating North Korea, putting the ruling party to win by 100 % votes...
This violation of human rights in Ethiopia is systematic and aggravated under the state of emergency. Excessive force against peaceful demonstrators, massacres as in Irreecha, brutalizing victims of the garbage dump landslide last March, brutal repression against the Oromo community and other ethnic groups, arbitrary arrests, torture, killings, terrorism charges against those daring to dissent.
In this resolution we call on the EU High Representative to mobilize EU Member States to support a UN led international inquiry into the killings in Ethiopia.
Commission and Council must stop the pretense that they deal with a respectful government in Ethiopia to justify wasting piles of EU tax payers money as development aid, security assistance or the "migration compact". They are in fact assisting a corrupt dictatorship which rules by terror, thus fueling rebellion and insecurity. Ethiopia is, indeed, strategic: when Ethiopians revolt, all Africa will tremble."

(Minha intervenção hoje, em debate plenário no PE, sobre a situação dos direitos humanos na Etiópia. Feita em inglês, tendo em atenção os principais interessados: os corajosos etíopes que resistem  contra a ditadura, no interior do país e na diáspora).

quarta-feira, 17 de maio de 2017

Mudar o sistema político?


1. Embora tenhamos um sistema democrático em funcionamento sem sobressaltos há mais de quatro décadas - o que é inédito na nossa história constitucional -, isso não demove o impulso regular para ambiciosas reformas político-constitucionais, mesmo quando a sua viabilidade é escassa ou nula.
O facto de nenhuma das propostas referidas por Manuel Braga da Cruz no livro apresentado nesta entrevista ao Público ser inédita (sistema eleitoral misto, eleição indireta do PR, moção de censura construtiva, condicionamento da dissolução parlamentar, criação de um senado) não lhes retira o eventual mérito que tenham. Mas revela que apesar de recorrentemente propostas ao longo dos anos, nunca elas obtiveram o grau de apoio suficiente para as transformar em reformas.
De resto, quase todas precisariam de prévia revisão constitucional, o que não é um produto com muita oferta hoje em dia, e duas delas (nomeadamente a eleição maioritária separada de metade dos deputados, se não mesmo a eleição indireta do PR) até estão vedadas por "limites materiais de revisão".

2. Concordo. aliás, com os objectivos de MBC no sentido de reforçar a governabilidade e acentuar a natureza parlamentar do sistema de governo. Mas para isso não vejo necessidade de acabar com a eleição direta do PR, nem de criar um senado, nem de adotar um sistema eleitoral semimaioritário.
Haveria decerto vantagem em tornar mais estritas as condições de dissolução parlamentar, mas mesmo aí tem havido uma notável contenção no uso dessa prerrogativa presidencial, só havendo a registar ao longo de quatro décadas o caso controverso na dissolução de 2005 por Jorge Sampaio.
A moção de censura construtiva - que tem vindo a ser proposta desde os anos 80 -, essa sim, poderia funcionar como um importante mecanismo de estabilidade governativa, ao inibir moções de censura sem apresentação de uma alternativa de governo. Mas já se viu que as coisas ainda não estão maduras para a sua adoção.

3. Também concordo que há vantagem em alterar o sistema eleitoral, de modo a dar relevância aos votos de todos os cidadãos, onde quer que votem, e a personalizar a escolha dos deputados.
Mas para isso não é necessário sequer mudar a Constituição nem mudar de alto a baixo o atual sistema eleitoral. Bastaria criar um círculo nacional de grandeza mínima (por ex. 25-30 mandatos), sobreposto aos atuais círculos territoriais (eventualmente reconfigurados), e adotar o "voto preferencial", reduzindo a grandeza dos círculos eleitorais e das listas, inscrevendo os candidatos nos boletins de voto e dando aos eleitores a possibilidade de selecionarem um dos candidatos do partido em que votam. como sucede por exemplo na Bélgica, tomando as devidas cautelas para prevenir lutas fratricidas entre os candidatos de cada partido.

terça-feira, 16 de maio de 2017

O terceiro homem


Vai furibunda a contenda entre os combativos biógrafos políticos da defunta coligação PSD-CDS e os excitados hagiógrafos da "Geringonça" sobre a reivindicação dos méritos da robusta retoma económica em curso, como se esta - que arrancou ainda em 2013, importa lembrá-lo - pudesse ter ocorrido sem a contribuição da primeira (saneamento das contas públicas, regresso ao mercado da dívida e reformas económicas cruciais, como as do mercado de trabalho e do mercado de arrendamento) ou pudesse ter sido sustentada e acelerada sem o contributo da segunda (estímulo do aumento do poder de compra, paz sindical, etc.).
Entretanto, no calor da refrega, uns e outros esquecem deliberadamente a decisiva importância do contributo externo, nomeadamente o de Mário Draghi, o presidente do BCE - sem o qual, como sublinhei, por exemplo,  aqui e aqui, tudo teria sido em vão -, que estancou a crise da dívida soberana, estabilizou o euro e lançou ousadamente a política de expansão monetária que permitiu estimular a atividade económica em toda a União e poupar centenas de milhões de euros em juros da dívida pública a Portugal e a outros países mais endividados. 
O seu a seu dono!

Adenda
É evidente que, contrariamente ao que aqui se relata erradamente, eu não neguei aos governos nacionais (o anterior e o presente) o devido mérito pela superação da crise e pela retoma económica em Portugal. Limitei-me a sublinhar o contributo próprio do BCE. Como usualmente sucede, porém, os comentários dos leitores da referida nota tomaram-na em geral como fiel, sem se darem ao trabalho de conferir o original. Riscos de quem confia em notícias em segunda mão...

sábado, 13 de maio de 2017

Laicidade

Pior do que a instrumentalização religiosa da política é a instrumentalização política da religião.
Quando ela é feita por não crentes, ao abuso junta-se a hipocrisia política.

Adenda
Para além de ser um óbvio contrassenso, a ideia de que, apesar de o Estado ser laico, o poder político pode participar em cerimónias religiosa é puro farisaísmo político. Por este andar, ainda vamos voltar a ver o Estado a encomendar missas de ação de graças e a mandar benzer as obras públicas...

Adenda 2
Quando a esquerda se satisfaz com resultados económicos e sociais, o resultado é o esquecimento dos valores que sempre lhe deram sentido, como a laicidade, em nome da neutralidade religiosa do Estado e da igual condição de todos os cidadãos independentemente das suas opções religiosas.

Adenda 3
Como sempre, as "facadas" na laicidade foram dadas em nome do "respeito pelos sentimentos religiosos do povo". Mas o maior desrespeito dos sentimentos religiosos de quem os tem consiste em pensar que eles precisam do paternalismo religioso do Estado ou do aproveitamento oportunista do poder político.

União para o Mediterrâneo

"Lamento que aqui não se discuta a preocupante evolução na Turquia, os impasses na Síria e na Líbia e, além do central conflito israelo-palestiniano, outros em redor do nosso Mar Mediterrâneo que envolvem opressão e ocupação, como o do Sahara Ocidental.
Identificar o fenómeno migratório como o primeiro desafio é uma visão eurocêntrica, errada, que desvaloriza a sangria de recursos humanos que a emigração representa para os países de origem e obfusca a raiz, frequentemente em conflitos e má governação criados por cleptocracias.
Sem desenvolvimento e boa governação a Sul não se põe fim ao tráfico de seres humanos: é inútil a Europa pagar para se desresponsabilizar e outros travarem migrantes.
A prioridade deveria ser abrir vias legais, seguras, controladas, para refugiados e migrantes não terem de por as suas vidas nas mãos de traficantes.
Ao mesmo tempo, a UE tem de parar políticas austeritárias desastrosas que têm asfixiado crescimento e criação de emprego, fazendo desesperar os jovens a Norte e a Sul, assim irradiando desigualdade, exclusão, extremismo violento e populismo - pelo Mediterrâneo e além dele."

(Minha intervenção no debate plenário da 13a. Assembleia Parlamentar - União para o Mediterrâneo. Em Roma, esta manhã)

quarta-feira, 10 de maio de 2017

Democracia para além do Estado?


Eis o tema da minha palestra na Universidade Eduardo Mondlane, Maputo, na próxima sexta-feira. Sobre a União Europeia.

segunda-feira, 8 de maio de 2017

Desafios à ordem económica mundial


No próximo dia 25 vou estar aqui, a convite da Fundação da Associação Empresarial Portuguesa, a falar dos "Desafios Atuais à Ordem Económica Mundial", onde se contam o avanço e a contestação da globalização, a emergência da China como potência económica e comercial, o neoprotecionismo dos Estados Unidos sob a Presidência de Trump, a saída do Reino Unido da União Europeia, as mudanças em curso no Mercosul, o ativismo da União Europeia na negociação de acordos de comércio e investimento de "última geração", as "cadeias globais de produção", as novas propostas de resolução de litigios de IED, etc..

sexta-feira, 5 de maio de 2017

Pobre língua (10)


Em qualquer órgão de comunicação a expressão "negociar sobre pressão" seria sempre um dislate. No site oficial da televisão pública é um disparate inadmissível.
Quando é que os jornalistas da RTP começam a ser submetidos a um teste elementar de Português?

Adenda
Um leitor bem humorado aventa a hipótese de se tratar de negociação com os médicos sobre "pressão... arterial".

Mais um passo contra o tabagismo?

[Fonte da ilustração aqui]

Segundo esta notícia, a Austrália vai ganhar o seu litígio na OMC a propósito do proibição de marcas e outras indicações comerciais nos maços de cigarros (plain packaging).
A confirmar-se esta informação, é de esperar que outros países adotem a mesma solução.

E faz bem


O Jornal Económico diz que o Governo decidiu meter na gaveta o relatório PS/BE sobre a chamada reestruturação da dívida pública.
Faz bem. Como aqui se mostrou, a tal "reestruturação" é ficção política e as poucas medidas de gestão da dívida pública que fazem sentido são as que já estão em execução há muito. nomeadamente o reembolso antecipado ao FMI, cujas obrigações rendem juros mais altos.

sábado, 29 de abril de 2017

VI Curso Internacional de Direitos Fundamentais, São Paulo


Uma parceria bianual entre o IBCCRIM (São Paulo) e o Ius Gentium Conimbrigae (Coimbra)
Programa aqui: http://www.ibccrim.org.br/direitosfundamentais2017/ 

Ai a dívida ! (10)

1. Em continuação do post anterior, continuo convencido, tal como aqui defendi várias vezes, que a única maneira segura de conseguir um alívio substancial do peso da dívida pública consiste em apostar decididamente num agressivo plano de consolidação orçamental (incluindo quanto ao défice estrutural) e de substancial redução do rácio da dívida pública e do spread dos juros.
Sucede que hoje existem condições extremamente favoráveis para um política dessas: retoma económica em crescendo (que aumenta a receita pública e reduz a despesa) e dinheiro barato, petróleo barato e cotação favorável do euro (que estimula a atividade económica e as exportações), mais a invasão turística.

2. Só que esta especial conjunção astral não dura sempre e o BCE não pode manter indefinidamente a política monetária expansionista que tem adotado. Urge por isso aproveitar esta oportunidade de ouro para, sem excessivo sacrifícios orçamentais, antecipar o equilíbrio das contas públicas (défice zero, pois claro!) e reduzir ou dispensar o recurso ao endividamento.
Seria "criminoso" desperdiçar esta folga, como se fez no passado, usando-a para aumentar irresponsavelmente a despesa pública e para relaxar a disciplina orçamental.

sexta-feira, 28 de abril de 2017

Ai a dívida! (9)


1. Quando a dívida pública portuguesa continua com notação negativa por parte das principais agências de rating e o elevado spread dos juros teima em não baixar, não me parece oportuno nem prudente lançar no debate público o tema da "reestruturação da dúvida", como sucede agora com o Relatório conjunto PS-BE.
Todo o "ruído" sobre o tema não é propriamente tranquilizador para os investidores nem para a agências de rating. Arrisca a ser um tiro no pé.

2. É certo que, como era inevitável, os radicais de uma reestruturação hard unilateral "meteram a viola no saco". O relatório não toca na dívida detida por investidores privados e descarta a ideia do haircut do montante da dívida, bem como qualquer iniciativa unilateral.
A famosa "reestruturação" reduz-se a duas propostas:
 - alongamento substancial da maturidade dos empréstimos e um drástico corte nos juros da divida titulada por entidades oficiais, salvo o FMI (ou seja, no essencial, os fundos da UE criados para financiar o resgate);
  - não reembolso da dívida detida pelo Banco de Portugal.
Mas mesmo essas propostas não têm pés para andar

3. De facto, por um lado, não parece possível que a União aceite o corte de juros para 1%, quando os fundos credores podem ter de pagar mais do que isso para se financiarem no mercado. Desta proposta fica, portanto, somente a eventualidade de algum prolongamento dos prazos de reembolso e de alguma redução da taxa de juros, se o caso grego tornar inevitáveis tais soluções. 
Por outro lado, obrigar o Banco de Portugal a manter indefinidamente em carteira, sem reembolso, a divida que neste momento tem ao abrigo do programa transitório de quantitative easing do BCE parece contrariar frontalmente a proibição de os bancos centrais nacionais financiarem os Estados.
Tudo somado, restam as propostas de gestão interna da dívida pública, que, além de discutíveis, não envolvem nenhuma "reestruturação" e têm efeitos limitados. É pouco para tanto barulho!

Adenda
Como era de recear, o FEEF, que detém grande parte da dívida contraída pelo resgate de 2011, já veio dizer que não há margem para reduzir a taxa de juros, que ja é somente de 1,88%. Apesar de light, a "reestruturação" da dívida morre à nascença...

quinta-feira, 27 de abril de 2017

Este país não tem emenda (8)

O Governo decidiu não ficar atrás na narrativa filorreligiosa oficial instalada, com a sua oportunista e populista decisão de decretar uma "tolerância de ponto" para os funcionários públicos no dia 12 em todo o País, por causa da visita do Papa a Fátima.
Mais uma vez, os demais trabalhadores - onde, pelos vistos, deve haver menos crentes de Fátima e devotos do Papa do que entre os funcionários públicos - ficam de fora da benesse de mais um dia de folga, por não terem patrões tão piedosos como o Estado.
Assim vão a laicidade e a igualdade entre nós...