quinta-feira, 15 de junho de 2017

Europa+ (2)

(Fonte da ilustração aqui)
Após dez anos de difíceis negociações e de muita resistência das operadoras de telecomunicações, entrou agora em vigor a abolição do roaming nas comunicações móveis dentro da União, passando as chamadas e mensagens a ter o mesmo preço além-fronteiras que no país de residência.
O lema da iniciativa, Roam like at home em Inglês ("Ligue fora como em casa"), diz tudo. Assim se vão abolindo de facto as fronteiras dentro da União, tornando-a efetivamente mais coesa do que alguns Estados unitários, que mantêm custos de roaming dentro das suas fronteiras.
A integração europeia é isso mesmo, um exercício de abolição de fronteiras nacionais dentro da União, eliminando os obstáculos à mobilidade interna. Mais uma cai agora, passando a haver um único território de telecomunicações, de Portugal à Finlândia, da Irlanda a Chipre.
A próxima etapa já está agendada: o acesso além-fronteiras aos conteúdos online adquiridos em qualquer país da União. Assim se vai aprofundado, passo a passo, a integração europeia, com beneficios tangíveis para os cidadãos da União.

quarta-feira, 14 de junho de 2017

Europa+

O programa Erasmus, que agora faz 30 aos (criado em 1987), é uma das mais bem-sucedidas iniciativas da União Europeia no sentido da criação de uma identidade europeia para além das origens nacionais. Milhões de jovens europeus já beneficiaram do programa, tornando-o um verdadeiro fenómeno cultural.
Criado ainda antes do Tratado de Maastricht, de 1992, que instituiu a cidadania europeia e a liberdade de circulação e residência, o Erasmus foi o primeiro grande programa prático de mobilidade pessoal, abolindo fronteiras no domínio do ensino e da investigação universitária dentro da União. Através da frequência do ensino superior noutros países, o Erasmus contribuiu decisivamente para o conhecimento e o respeito mútuo entre os jovens da União, para incentivar o plurilinguismo e, mesmo, o casamento de pessoas de diferentes nacionalidades e o nascimento de cidadãos plurinacionais.
Ter feito o Erasmus é já hoje um ativo para efeito de emprego e de mobilidade profissional trans-fronteiras. Virá o tempo em que se tornará exigível a todos os jovens europeus a frequência de pelo menos um ano do ensino superior noutro país da União.

Adenda
O Erasmus está seguramente entre os factores que levaram uma maioria de jovens britânicos a votar contra o Brexit. Vão sentir a sua falta.

Lisbon first! (1)

1. É praticamente nula a possibilidade de a Agência Europeia do Medicamento, atualmente sediada em Londres, vir a ser transferida para Portugal, na sequência do Brexit.
Mas isso não retira gravidade à decisão governamental de escolher Lisboa como candidata à reinstalação da Agência. Primeiro, porque a capital já hospeda as duas agências europeias instaladas em Portugal, para além das delegações das instituições europeias, um fenómeno de concentração sem paralelo na União. Depois, porque Lisboa já acumula a quase totalidade das instituições, agências, serviços e empresas do Estado entre nós (mesmo aquelas que nada exige estarem na capital, desde o Tribunal Constitucional ao InstituTo da Vinha e do Vinho, por exemplo), num grau de ultracentralismo que nem a supercentralista França iguala.
Ora, na falta de uma política ativa de distribuição territorial das instituições e dos serviços centrais do Estado, é fatal o império da lógica centripta. O centro do poder fagocita todo o poder.

2. A justificação governamental não procede. Primeiro, porque se um dos argumentos é a existência de Infarmed em Lisboa, a solução seria deslocá-lo para onde viesse a ficar instalada a nova Agência; segundo, porque o argumento da eventual Escola Europeia é puramente virtual; terceiro, porque não se pode invocar o grau de centralismo já existente para justificar mais concentração!
Esta decisão testemunha, portanto, o atavismo lisboacêntrico que carateriza a organização do poder público em Portugal, agravado pela ausência de autarquias regionais e de um grau decente de descentralização territorial.
"Lisboa em primeiro lugar", portanto. Como sempre!

terça-feira, 13 de junho de 2017

De Espanha, bons ventos

Continua a aceleração económica em Espanha, acima da média da UE, com o Banco central a prever agora um crescimento acima de 3% para o PIB em 2017. Quem beneficia por tabela é a economia portuguesa, por via do aumento das exportações para o país vizinho, nosso principal parceiro económico.
Continua propícia a conjunção astral externa (robusta retoma económica na União, turismo, política monetária do BCE, etc.) de que beneficia a economia portuguesa! Seria lamentável não aproveitar estas condições excecionais para equilibrar as contas públicas e reduzir substancialmente a dívida pública.

Corporativismo (2)


1. O Jornal de Notícias informa que a Ordem dos Médicos tem um fundo de proteção social destinado a apoiar pecuniariamente os seus membros em dificuldades, acrescentando que o atual bastonário quer reforçá-lo.
Trata-se, porém, de um equívoco e de resquício do tempo do corporativismo, quando as ordens profissionais eram também organismos de proteção social, não havendo então um sistema público universal de segurança e de proteção social. Como já aqui se referiu noutras ocasiões (por exemplo, aqui), hoje as ordens são exclusivamente organismos de representação e de autorregulação pública das profissões, e as "quotas" são contribuições regulatórias, destinadas ao financiamento das funções legais das ordens, não podendo ser destinadas a outro fim e, ponto decisivo, devendo limitar-se ao necessário para esse fim.

2. O mesmo vale para outras iniciativas "sociais" da Ordem dos Médicos, como esta Aldeia do Médico, em Coimbra, orçada em 10 milhões de euros (projeto arquitetónico na imagem)!
Não é para isso que a OM existe como organismo público nem é para isso que os médicos são obrigados a pagar uma contribuição que tem inequívoca natureza tributária. Há uma distinção essencial entre as ordens profissionais, que têm funções de representação oficial da respetiva categoria profissional e de regulação da profissão - sendo por isso obrigatórias -, e as mutualidades ou IPSSs, que têm natureza privada e são voluntárias.
Nada impede obviamente que os médicos interessados criem e sustentem uma mutualidade com fins de proteção social, herdando as funções que hoje já não podem ser desempenhadas pela OM. O que não pode é manter-se o status quo, que não tem cabimento legal.

3. O Estado não pode consentir este abuso dos fins das ordens profissionais e o desvio dos seus recursos financeiros oficiais.
A persistir essa situação, o Ministério Público, no seu papel de defesa da legalidade, não poderá deixar de desencadear as pertinentes medidas corretivas junto da justiça administrativa.
[titulo substituído]

Adenda
O problema com as ordens profissionais é que elas são em geral poderosos grupos de interesse, que os Governos preferem não enfrentar (até porque muitos ministros são membros delas...), apesar de algumas delas preferirem atuar muitas vezes fora das suas atribuições, enquanto descuram as suas principais incumbências legais, relativas à supervisão e disciplina da profissão. A Ordem dos Médicos prima nesse desvio de mandato.

segunda-feira, 12 de junho de 2017

Despropositado

Não faz nenhum sentido a despropositada crítica de Passos Coelho à nomeação de Lacerda Machado, como membro não executivo, para o board da semiprivatizada TAP (aliás presidido por um conhecido membro do PSD!).
Trata-se de um especialista em aviação, com experiência de gestão empresarial, com profundo conhecimento da TAP, com provas dadas ao serviço do interesse público. O seu envolvimento, em nome do Estado, na renegociação do dossier da privatização da companhia com os acionistas privados não gera nenhum conflito de interesses, antes lhe confere legitimidade e autoridade acrescidas. O facto de ser amigo do Primeiro-Ministro, o que é público e notório, não constitui obviamente um impedimento. A amizade em política não pode ser fonte de privilégios ("amiguismo"), mas tampouco pode ser motivo para inibir a escolha de pessoas cujas qualificações estão acima de toda a suspeita. A amizade em política exige rigor e objetividade acrescida, mas não pode constituir uma capitis deminutio. De resto, quantos gestores seus amigos não nomeou Passos Coelho quando foi chefe do Governo !?
Quando o líder da oposição decide inventar um casus belli a propósito de um assunto pacífico é porque não tem nada de importante para dizer. Mau sinal para a oposição!

Revolução eleitoral

1. Ultrapassando as previsões mais favoráveis, a vitória do novel partido do Presidente Macron nas eleições legislativas em França alcança a dimensão de um verdadeiro tsunami político.
Tendo em conta as projeções para a segunda volta, no próximo domingo, o partido do Presidente pode ultrapassar os 400 deputados (em 577), uma maioria superior a 2/3, a segunda maior da V República (desde 1958)! Esta impressionante vitória do République En Marche (REM) é feita à custa de todos os outros partidos, alguns dos quais descem muito em relação às eleições presidenciais (1ª volta), nomeadamente a extrema-direita de Le Pen e a extrema-esquerda de Mélenchon. A direita tradicional e o PS fazem dos piores resultados eleitorais de sempre. O PS, que tinha maioria no parlamento cessante, não passa agora de uns humilhantes 10%, bem abaixo da esquerda radical!
Trata-se de uma verdadeira revolução no sistema partidário da V República, até agora marcado pela bipolarização entre a direita republicana e a esquerda socialista, agora maciçamente desamparadas pelos eleitores. Chegou a vez do centrismo liberal?

2. Os resultados eleitorais revelam mais uma vez as enormes distorções entre a proporção de votos de cada partido e os mandatos parlamentares conseguidos, em favor do partido vencedor, provocadas pelo sistema eleitoral maioritário a duas voltas.
De facto, a esmagadora maioria parlamentar do REM é conseguida com apenas 32% dos votos na primeira volta, que espelha as primeiras preferências dos eleitores. E mesmo que na segunda volta a percentagem do partido vencedor seja naturalmente mais elevada, ela ficará sempre muito aquém da sua percentagem de assentos no parlamento. Em contrapartida, todos os demais partidos, especialmente os partidos dos extremos, à esquerda e à direita, terão uma percentagem de mandatos muito abaixo da sua quota de votos.
Resta saber se Macron vai respeitar o seu compromisso político de introduzir uma dimensão de proporcionalidade no sistema eleitoral, criando um sistema misto, de modo a reduzir estas enormes discrepâncias, que põem em causa a própria equidade mínima da representação política.

Adenda
O Le Monde simula os resultados com um sistema proporcional, num único círculo eleitoral nacional, onde o REM teria somente 186 deputados (menos de metade dos que vai ter). Mas a simulação é enganadora, visto que a generalidade dos países com sistema proporcional usa círculos eleitorais territoriais (como sucede em Portugal) e uma cláusula-barreira (como sucede na Alemanha), desse modo favorecendo o partido mais votado.

domingo, 11 de junho de 2017

Ocupação selvagem (II)

(Coimbra, Praça dos Arcos)
1. Em comentário ao meu post precedente, um leitor pergunta em que me baseio para dizer que a livre instalação de outdoors eleitorais em lugares públicos «não tem base constitucional nem legal».
A resposta está na Lei nº 97/88, de 17 de agosto, que regula as atividades de publicidade e propaganda. Ora, ao contrário da publicidade comercial (art. 1º), a propaganda não carece de licenciamento municipal, mas só é garantida «nos locais necessariamente disponibilizados para o efeito pelas câmaras municipais» (art. 3º), as quais devem em qualquer caso respeitar as restrições enunciadas no nº 1 do art. 4º, onde se conta, por exemplo, «não obstruir perspetivas panorâmicas nem afetar a estética ou o ambiente dos lugares ou da paisagem» [na imagem um outdoor partidário em Coimbra com o aqueduto do séc. XVI em fundo; uma vergonha!]. Nos períodos eleitorais, as autarquias têm uma obrigação adicional de disponibilizarem aos concorrentes espaços preparados para afixação do seu material de propaganda (art. 7º).
Não podem, portanto, restar dúvidas de que a afixação de propaganda eleitoral em lugares públicos só pode ocorrer nos locais reservados pelos municípios para propaganda política em geral ou especialmente disponibilizados pelas autarquias locais para propaganda eleitoral. Ora, esta Lei foi submetida a fiscalização da constitucionalidade, a pedido do PCP, tendo o TC decidido que ela não padece de nenhuma inconstitucionalidade (AcTC nº 636/95).

2. Nos termos da referida Lei, os municípios têm o poder/dever de mandar retirar a propaganda ilegalmente afixada, ou de a retirar eles mesmos às custas dos responsáveis, bem como o poder de aplicar aos prevaricadores coimas de valor elevado.
Em vez disso, no caso concreto, o município de Lisboa foi indevidamente condenado a respeitar a instalação de propaganda ilegal e de repor às suas custas o outdoor que tinha licitamente retirado (sob pena de crime de desobediência!). Uma total inversão de valores! Assim vai o "império da lei" em Portugal, substituído pelo "império dos partidos".

Adenda
O mesmo leitor pergunta se os partidos não passam a ter um direito de livre ocupação do espaço público, em lugares à sua escolha, se os municípios não delimitarem os espaços destinados a propaganda política, como estipula a lei. A resposta é não. Mas a justiça administrativa proporciona mecanismos efetivos para obrigar a administração a cumprir as suas obrigações legais.

Ocupação selvagem

1. Seguindo uma interpretação latitudinária da liberdade de propaganda eleitoral, a Comissão Nacional de Eleições condenou a Câmara Municipal de Lisboa a repor um outdoor anteriormente instalado por um partido em plena Rotunda do Marquês.
Considero lamentável esta "jurisprudência" da CNE (cuja composição integra representantes partidários, em maioria), que claramente sacrifica o interesse público aos interesses dos partidos (estes julgando em causa própria). Essa orientação da CNE não tem base legal nem constitucional. Uma coisa é a liberdade geral de propaganda eleitoral por qualquer meio (impresso, sonoro, visual, audiovisual), outra coisa é uma suposta liberdade de ocupação privativa do domínio público pelos partidos políticos para instalar, onde quiserem, meios fixos ou móveis de propaganda, nomeadamente outdoors, muitas vezes em lugares onde o municípios nunca licenciariam a instalação de painéis de publicidade comercial, por razões ambientais, de ordenamento urbanístico ou de visibilidade rodoviária, etc..
Nenhuma liberdade é ilimitada e ninguém tem o direito de ocupar privativamente o espaço público.

2. De resto, se a lei proíbe expressamente a utilização de meios de publicidade comercial para efeito de propaganda eleitoral, a fim de impedir que os partidos mais ricos levem a melhor na batalha da propaganda - o que inclui obviamente os painéis publicitários licenciados para o efeito -, não faz nenhum sentido que depois seja admitida a livre instalação de painéis dos próprios partidos (que ficam mais caros do que o aluguer daqueles!), por vezes ao lado daqueles. Uma verdadeira fraude à lei!
Para além dessa vantagem ilícita dada aos partidos com mais recursos, a ocupação selvagem gratuita do domínio público gera uma enorme poluição visual do espaço público, que não é digna de um país civilizado. Já se imaginou a rotunda do Marquês, ou qualquer outra neste país, rodeada durante meses de uma dúzia de painéis gigantes de propaganda eleitoral? Uma selva!
Entre as muitas regalias públicas de que gozam os partidos políticos entre nós (subvenções, isenções fiscais, etc.) não deveria contar-se também o privilégio de livre ocupação do domínio público e de transformação das praças e rotundas deste país em feias "florestas" de painéis de aço e zinco.

Adenda
Dada a liberdade de facto de que gozam de colocar painéis em tudo quanto é sítio (com o beneplácito da CNE, capturada pelo "cartel" partidário), os partidos não levam em geral a sério a obrigação legal imposta às autarquias locais de disponibilizarem espaços de propaganda eleitoral, que têm obviamente o "defeito" de serem partilhados por todos em pé de igualdade, sem beneficiarem especialmente os que têm mais meios.

sábado, 10 de junho de 2017

Posição de força

Beneficiando da boa situação económica e orçamental, o PS atinge os 40% nesta sondagem, continuando a distanciar-se de todos os demais partidos, incluindo os que apoiam o Governo (o que não pode deixar de os deixar algo nervosos). Bons augúrios, portanto, para as eleições locais de outubro, primeiro teste eleitoral real.
Embora longe ainda do limiar da maioria absoluta (cerca de 45%), este elevado score nas projeções eleitorais inibe qualquer veleidade dos aliados de lhe "retirarem o tapete",  o que diminui a sua capacidade reivindicativa (apesar da retórica verbal para consumo interno) e dispensa o Governo de excessivas concessões orçamentais.
Invejável posição de força esta, que aliás está para durar, dadas as perspetivas económicas favoráveis e a efetiva ausência de oposição política, tanto à esquerda como à direita (como aqui se assinalou oportunamente).

Adenda
Em caso de eleições - que o Governo não precisa de provocar - um resultado destes daria ao PS um enorme poder negocial quanto à fórmula governativa, na medida em que poderia fazer um acordo de maioria parlamentar isoladamente com qualquer dos partidos da "2ª liga parlamentar" (ou seja, o BE, o PCP, ou... o CDS), sem poder de veto de qualquer deles.

sexta-feira, 9 de junho de 2017

Greve de juízes ? (V)

No Público de hoje o Professor Jorge Miranda mostra porque é que os juízes não têm direito à greve, essencialmente porque eles não têm uma relação de trabalho com o Estado.
Defendi a mesma posição num post anterior.
O estranho é que o Governo continua silencioso sobre a matéria, como se a questão fosse irrelevante. Ora, a única posição oficial correta consiste em declarar publicamente que não reconhece tal greve e que tomará as medidas apropriadas se ela for declarada e levada a efeito. O Governo não pode ceder perante os poderes fáticos, para mais quando eles abusam da sua posição privilegiada dentro do próprio Estado.

Imprevisibilidade


1. Os resultados das eleições britânicas de ontem - que a primeira-ministra convocou de surpresa para reforçar a maioria absoluta que tinha e que acabou por perdê-la, ficando agora com um governo minoritário - mostram mais uma vez que os eleitores e as campanhas eleitorais se tornaram assaz imprevisíveis e voláteis e que nenhum governo pode apostar em eleições ou referendos sem risco de desfeita.
O curioso é que o Partido Conservador até melhorou o seu score eleitoral em relação a 2015 (de 37% para 42,5%), mas o Partido Trabalhista, que fez uma campanha aguerrida e eficaz, subiu ainda mais, reduzindo a diferença entre ambos e impedindo a maioria absoluta daquele no Parlamento. A subida eleitoral de ambos foi feita à custa do quase desaparecimento eleitoral do UKIP e de uma acentuada baixa dos nacionalistas escoceses (que perderam 21 lugares!). Os Liberais-Democratas não beneficiaram desses despojos, não recuperando da pesada derrota de há dois anos.

2. O insucesso dos Liberais-Democratas e dos nacionalistas escoceses, principais opositores à saída britânica da União Europeia, mostra que a ideia de reversão do Brexit não encontrou tração no eleitorado britânico. Mas além de debilitar politicamente o Governo no plano interno, a semiderrota de May enfraquece a posição negocial britânica no Brexit, ao passo que a pesada derrota dos nacionalistas escoceses enterra a perspetiva um novo referendo sobre a independência; em contrapartida, Corbyn consolida a sua contestada liderança no Labour.
Resta saber quanto tempo dura a legislatura. Sem maioria parlamentar e sem possibilidade de uma coligação maioritária, e com uma liderança enfraquecida, o Governo não vai ter vida fácil. Decididamente, a tradicional da estabilidade política britânica já não é o que era!

Adenda
Não compartilho da tese de que o relativo insucesso eleitoral de May ponha de parte um hard Brexit, obrigando-a agora a negociar um soft Brexit com a UE. Não creio que haja alguma margem para voltar atrás na saída do mercado único e da união aduaneira. Pelo contrário, ao perder a maioria parlamentar, a primeira-ministra torna-se dependente dos hardliners do seu partido e dos unionistas de direita irlandeses (que apoiam o novo Governo), que não querem nenhum soft Brexit. De resto, o próprio Partido Trabalhista não contesta os termos da saída aprovados pelo Parlamento Britânico. Além disso, do lado da UE não vejo qual é o interesse em fazer concessões ao Reino Unido.

quinta-feira, 8 de junho de 2017

Cidades de todo o mundo uni-vos, contra Trump!

Ao anunciar a rejeição do Acordo de Paris sobre o Clima, assinado em Paris, Trump declarou despropositadamente que tinha sido "eleito para representar Pittsburgh e não Paris".
Mas hoje no New York Times, o mayor de Pittsburgh e a maire de Paris (na imagem) assinam uma carta pública conjunta em apoio do Acordo, intitulada "Temos o nosso próprio acordo sobre o Clima!". Ambos os municípios são membros do Global Covenant of Mayors for Climate and Energy.
Lindo! Afinal, Trump não representa Pittsburgh. Vale a pena ler.

Má vontade ?


Na introdução ao seu relatório sobre as contas da segurança social, agora tornado público, o Conselho das Finanças Públicas regista a seguinte nota:
Não foi obtida uma resposta aos diversos pedidos de informação relativos a dados físicos do sistema de Segurança Social, nomeadamente a evolução do número de contribuintes e das respetivas remunerações declaradas, número de novos pensionistas e beneficiários das prestações de desemprego, doença, parentalidade e prestações familiares. A informação em falta é imprescindível para a elaboração de uma análise mais detalhada e identificação dos principais fatores explicativos para a evolução das rubricas que compõem a receita e a despesa, nomeadamente a evolução das remunerações e do valor das novas pensões. [sublinhados acrescentados]
Esta queixa pública requer uma explicação do Governo, sob pena de ficar no ar a ideia de que o défice da informação disponibilizada ao órgão legalmente habilitado para a monitorização independente das contas públicas ser devida a má vontade política contra o mesmo (que, a propósito, continua com vagas por preencher...).

Adenda (12/6)
As duas vagas foram entretanto preenchidas.

Ai, a dívida ! (11)

Há quem pense que é por má vontade que as agências de rating não melhoram a sua avaliação da dívida pública nacional, após a redução do défice orçamental no ano passado e a saída do Procedimento de Défice Excessivo da UE.
Tenho uma opinião diferente. Elas não alteram o rating enquanto o rácio da dívida não estiver a descer consistentemente e com perspetivas duradouras, o que não sucedeu no ano passado, apesar da aceleração do crescimento económico. De resto, os juros dos títulos a dez anos continuam acima dos 3%, bem superiores aos de 2015, o que mostra que os mercados também precisam de provas adicionais.
Por isso, entendo que a notação só será revista no início do próximo ano, se se confirmar uma descida de pelo menos 3pp este ano no rácio da dívida, como agora promete o Governo, e se o orçamento para 2018 assegurar a continuação posterior dessa trajetória, o que aliás é tornado mais fácil pela aceleração da retoma económica em curso. Ponto é que o aumento da receita orçamental não seja "esturrado" em aumento de despesa, como propõem o BE e o PCP!
Por isso, espero e confio que este será o último post desta minha longa série de alertas sobre a importância crucial de redução substancial da dívida pública, para baixar os seus custos e para preparar o País para situações de menor desempenho do ciclo económico no futuro.

quarta-feira, 7 de junho de 2017

Greve de juízes? (IV)

1. Pelas razões aduzidas em post anterior, considero um erro grave a decisão governamental de negociar com o sindicato dos juízes o estatuto da magistratura judicial, com se ele fosse o representante legítimo da "classe" e se tratasse de uma normal negociação coletiva das condições de trabalho entre entidade empregadora e sindicato. Para mais, sob ameaça abusiva de uma greve ilícita!
Oportunisticamente, o PSD resolveu ajudar à festa, chamando o sindicato ao Parlamento, partidarizando o assunto e elevando o estatuto político daquele. Abyssus abyssum! Governo e oposição convergem alegremente para a degradação do estatuto institucional e da reputação pública dos juízes.

2. Penso que a maior parte dos juízes, que se consideram acima de tudo como titulares de um nobre cargo público, para além de não serem filiados no sindicato e rejeitarem a representação sindicalista (considerando como seus únicos representantes institucionais legítimos os membros eleitos do CSM), não aceitam a visão laborística da sua função e a negociação coletiva do seu estatuto, com greves à mistura e tudo, como se se tratasse de um contrato coletivo de trabalho relativo a funcionários públicos.
É evidente que os juízes, como protagonistas da função judicial, não se consideram constitucionalmente equiparáveis aos agentes do Ministério Público nem aos funcionários judiciais.

Adenda
Um leitor aduz como argumento a cultura do "diálogo social" no atual ciclo político. Concordo com a vantagem e a necessidade da "democracia participativa" na tomada de decisões políticas. Mas uma coisa é ouvir e levar na devida conta todas as posições relevantes, outra coisa é atribuir o papel de interlocutor privilegiado a quem não tem a mínima legitimidade representativa para o efeito e negociar institucionalmente e quiçá estabelecer um acordo com ele. Além disso, receio sempre que a "cultura de diálogo com todos" se traduza, como já sucedeu no passado, numa política de renúncia à autoridade do Estado e de "cedência a todos os interesses setoriais" à custa do interesse geral e dos contribuintes (que não têm sindicato nem fazem greve).

terça-feira, 6 de junho de 2017

Partilha

Decidi disponibilizar ao público em geral, através da minha página na plataforma Researchgate, uma versão digitalizada das minhas obras há muito esgotadas, incluindo o meu primeiro livro, A Ordem Jurídica do Capitalismo, publicado em 1973. Na imagem, a capa da 1ª edição.
A seguir irei juntar uma seleção dos meus artigos publicados em revistas ou como capítulo de livro ao longo dos anos, tornando-os assim acessíveis a toda a gente, em toda a parte.

segunda-feira, 5 de junho de 2017

Greve de juízes ? (III)

Caso acabe por haver aumento de remuneração dos juízes e dos agentes do Ministério Público, seria porém inadmissível estender esse aumento também às respetivas pensões, que até agora, por efeito de um regime de escandaloso privilégio corporativo, equivalem sempre à remuneração de exercício correspondente.
Seria intolerável manter esse regime de pensões vitalícias a 100% (sem nenhuma relação com a carreira contributiva), quanto entretanto todas as pensões no setor público e privado representam uma proporção cada vez menor da última remuneração (menos de 70% em média, com tendência para diminuir) e não acompanham a eventual subida das remunerações.
Por minha parte, considero mesmo esta questão um teste político decisivo, especialmente tratando-se de um governo de esquerda, que deve respeitar minimamente o princípio da igualdade e, em especial, a rejeição de privilégios de tratamento na esfera pública.
Pensões douradas na segurança social pública, não!

Greve de juízes ? (II)

Na luta sindical dos juízes (e dos agentes do Ministério Público) (ver posts precedentes) uma das reivindicações é (não vale adivinhar à primeira!) o aumento das remunerações.
Mas não se vê qual é a lógica de proceder a um aumento extra das remunerações dessas duas categorias, que não são propriamente baixas, quando todas as demais remunerações de cargos públicos (e do funcionalismo público) se mantêm inalteradas há anos, por razões de consolidação orçamental. É preciso uma forte razão para alterar isoladamente a posição remuneratória relativa.
O sindicato dos juízes diz que estes foram mais prejudicados pelo congelamento, o que obviamente não é verdade. E também invocam a dedicação exclusiva dos juízes, o que também não colhe, pois todos os titulares de cargos políticos do Estado estão em dedicação exclusiva (salvo os deputados que optem por acumulação com outra atividade, com um desconto na sua remuneração).
Em última instância, cabe perguntar se faz sentido retomar o aumento de vencimentos no setor público quando a consolidação orçamental está longe de concluída e quando há serviços públicos, como o SNS, a carecer manifestamente de reforço de financiamento.
[revisto]

Adenda
Já agora, não percebo porque é que os agentes do Ministério Público beneficiam da mesma remuneração que os juízes e têm de ser aumentados de forma igual, quando é evidente a diferença quanto à exigência e responsabilidade das respetivas funções. A regra constitucional "salário igual para trabalho igual" também significa implicitamente remuneração diferente para funções diferentes...

Adenda 2
Um leitor protesta por eu utilizar a expressão "agentes do Ministério Público" em vez de "magistrados do Ministério Público", que no seu entender é mais correta. Mas não tem razão no protesto. Sem cuidar de saber qual a designação mais correta, limito-me a observar que a designação constitucional é "agentes do Ministério Público" (CRP, art. 219º, nºs. 4 e 5).

domingo, 4 de junho de 2017

Greve de juízes?


1. Para além de não ter base constitucional nem legal - pois os juízes não são trabalhadores por conta de outrem (muito menos trabalham sob instruções de outrem), mas sim titulares de cargos públicos (aliás, titulares de um órgão de soberania) -, a greve anunciada pelo (pouco representativo) sindicato dos juízes é muito pouco consentânea com a própria dignidade da função judicial.
Mas se há juízes que se dispõem a autoassimilar-se a trabalhadores assalariados para recorrerem à greve, talvez seja de recordar que um dos instrumentos de que o Estado dispõe para combater greves que ponham em causa interesses públicos essenciais é o da requisição civil, com as inerentes sanções disciplinares e penais para quem não acatar as respetivas obrigações. Não seria propriamente edificante para a imagem social dos juízes envolvidos.

2. Penso que esta ameaça de greve não pode ser encarada de ânimo leve pelo Governo, tanto mais que ela visa explicitamente perturbar o processo eleitoral das autarquias locais.
Além de não dever manter qualquer contacto com o sindicato - até porque as condições do exercício de cargos públicos não devem, por princípio, ser objeto de negociação sindical nem coletiva - e de não ceder à chantagem sindical, o Governo deve tornar claro, desde o princípio, que não tolerará nenhuma perturbação concertada da atividade judicial e que não hesitará em tomar todas as medidas legalmente disponíveis para a evitar e para fazer sancionar os responsáveis, se ela ocorrer.
Sendo juíza-conselheira do STJ, a ministra da Justiça tem nesta circunstância uma dupla responsabilidade: (i) assegurar sem hesitações a autoridade do Estado e a prevalência do interesse público e (ii) salvaguardar a dignidade da função judicial, posta em causa pelo indecoroso radicalismo sindical.

Adenda
A greve de juízes seria tão bizarra como a "greve" de quaisquer outros titulares de cargo público, seja de órgãos de soberania (PR, Governo, deputados) ou não (membros de órgãos de governo das regiões autónomas ou do poder local, reguladores e gestores públicos, reitores universitários, etc.). Onde não há relação laboral, não há lugar para greves.

Adenda 2
Mesmo na hipótese improvável de uma medida que atentasse contra a independência judicial - que tivesse conseguido passar pelo crivo do PR e do TC e a natural oposição do CSM -, não há nenhuma razão para uma greve, havendo um meio muito mais expedito e eficaz, que todos os juízes têm, que seria recusar a sua aplicação por inconstitucionalidade.

sábado, 3 de junho de 2017

Por que espera o Presidente?

A ameaça de convocação de uma greve de juízes com o propósito de boicotar as eleições autárquicas não revela somente a supina irresponsabilidade do sindicato dos juízes. Constitui  também uma qualificada provocação ao sistema constitucional, desde logo porque a greve de titulares de cargos públicos não dispõe de reconhecimento constitucional nem legal, mas também porque a expressa intenção de perturbar o processo eleitoral, que passa pela validação judicial das candidaturas, põe manifestamente em causa o regular funcionamento das instituições.
Ora, o "core business" do mandato constitucional do Presidente da República consiste justamente em garantir o regular funcionamento das instituições, pelo que o Presidente, habitualmente tão loquaz a tomar posição sobre tudo e mais alguma coisa, não pode agora ficar em silêncio perante este desafio qualificado às instituições. Impõe-se uma condenação sem contemporizações do aventureirismo sindical.

Adenda
O Presidente do Conselho Superior da Magistratura conta com Belém para travar a greve do sindicato dos juízes. Mas o órgão superior de governo da magistratura tem à sua disposição um decisivo instrumento dissuasor, que é recordar o seu poder disciplinar e anunciar a sua disposição de o exercer sem contemplações no caso de uma infração disciplinar tão grave como uma greve de juízes.

sexta-feira, 2 de junho de 2017

O eixo Bruxelas-Beijing


Com a retração neoisolacionista dos Estados Unidos, sob a desatinada condução de Trump - agora tristemente marcada pela retirada do Tratado de Paris sobre o clima -, a China não hesitou a chegar-se à frente para uma parceria com a União Europeia para uma liderança global conjunta em duas áreas fundamentais: uma ordem económica global aberta e a luta contra as mudanças climáticas. O eixo transatlântico Bruxelas-Washington vai dar lugar ao eixo transcontinental Bruxelas Beijing, uma nova "rota da seda" com dois sentidos?
Quem imaginaria, um ano trás, uma tal mudança na geopolítica mundial ?!

Milagre

O jornal i colocou em manchete a ideia de que o Estado até lucrou com a descida do IVA nos restaurantes, por via do aumento da procura e do consequente aumento do emprego, ecoando obviamente a ideia defendida pelos interessados no mesmo jornal, em favor de uma redução adicional.
Mas trata-se de um puro sofisma. Que se saiba, a descida do IVA não trouxe nenhuma redução de preços (como na altura logo se observou), tendo a diferença sido apropriada pelos restaurantes, pelo que o aumento da procura destes, que é evidente a olho nu, foi provocado pela retoma económica interna e pelo aumento do turismo, e não pela redução do imposto. Portanto, o orçamento perdeu o benefício dessa substancial subida da atividade no setor.
De resto, se a descida do IVA na restauração tem esse condão de aumentar a procura e o emprego no setor, sem quebra (ou até com aumento) da receita orçamental, então é óbvio que devia já caminhar-se para suprimir de todo esse imposto em tão virtuosa atividade económica...

quinta-feira, 1 de junho de 2017

Voltar ao mesmo ? (10)

Depois dos médicos e enfermeiros e dos funcionários públicos em geral, são de novo os professores e agora também o mundo da justiça que ameaçam com greves. A falsa ideia de que existe "folga orçamental" e a aproximação das eleições locais e das negociações para o orçamento de 2018 levam os sindicatos e o PCP a tentarem forçar o Governo a "abrir os cordões à bolsa".
É evidente que não cabe na cabeça deles a ideia de fazer cair o Governo, pois seria o PS a ganhar em caso de abertura de uma crise política e de convocação antecipada de eleições. Mas este súbito surto de ativismo sindical não é inocente, sendo evidente o risco de o Governo ceder à tentação de comprar a manutenção da "paz social", de que tem feito um trunfo político, à custa de mais despesa pública.
Como sempre, as categorias mais influentes do setor público buscam as melhores posições à mesa do orçamento.

Taxas?

1. O PSD propõe uma taxa sobre os serviços de transporte prestados através da Uber e da Cabify.
Sabendo-se que as taxas são tributos bilaterais, destinados a "pagar" um serviço concreto prestado pela Administração (por exemplo, as propinas universitárias ou as taxas de justiça) ou os custos de procedimentos administrativos desencadeados pelos particulares (licenças, registos, etc.), em que categoria se inserem as propostas "taxas" sobre as ditas "plataformas eletrónicas de mobilidade"?
Poderia pensar-se numa taxa pelo uso das vias públicas (que, aliás, teria de discriminar as que pertencem aos municípios e ao Estado). Mas, então, onde ficaria o princípio da igualdade, já que nenhum outro utilizador de vias públicas paga tal taxa adicional (para além da "contribuição de serviço rodoviário" que incide sobre os combustíveis e das portagens das autoestradas)?
Poderia também pensar-se numa contribuição regulatória, destinada a financiar a autoridade reguladora do setor. Mas, mais uma vez, como justificar uma "taxa" exclusiva sobre uma certa categoria de operadores?

2. De resto, os operadores associados às referidas plataformas eletrónicas (empresas de rent-a-car com condutor, de transporte turístico, etc,) podem prestar os mesmos serviços de transporte sem nenhuma "taxa" especial, se contratados diretamente pelos utentes. Por que razão hão de ter de pagar uma taxa quando forem contratados através de plataforma eletrónica?
Tal como qualquer tributo, as taxas precisam antes de mais de fazer sentido, em termos de fundamentação e de não discriminação, sobretudo quando incidem sobre uma atividade económica!

Adenda
Um aspeto bizarro da atamancada proposta do PSD está em que a tal taxa sobre os serviços contratados através da Uber e a Cabify se destinaria a financiar o Fundo de Mobilidade Urbana, que é um fundo do município de Lisboa. Ora, isto suscita três questões: (i) será que compete ao Estado criar taxas municipais?  (ii) que serviço particular é que o município de Lisboa presta aos operadores de transporte em causa para justificar tal taxa? (iii) e as taxas pelos serviços prestados fora de Lisboa (municípios limítrofes de Lisboa, Faro, Porto) destinam-se a quem?

sábado, 20 de maio de 2017

Requiem pelo "semipresidencialismo"


A pronta nomeação e entrada em funções de um novo governo francês logo a seguir à tomada de posse do novo Presidente mostra exuberantemente que em França são as eleições presidenciais que determinam o ciclo governativo, pondo termo ao mandato do Governo em funções e levando à nomeação presidencial de outro e à sua plena entrada em funções, sem passagem pelo Parlamento (que só vai ser eleito daqui a um mês), retirando a sua legitimidade política exclusivamente da nomeação e da confiança presidencial.
Isso mostra a enorme diferença entre o sistema de governo francês, com uma forte componente presidencialista, e o português, onde tal não sucede. De facto, em Portugal, como se sabe, são as eleições parlamentares que determinam a substituição de governo - tendo o Governo de apresentar o seu programa à AR -, não tendo as eleições presidenciais nenhum efeito sobre o governo em funções, pelo simples razão de que o Governo só depende da confiança política do Parlamento, e não do Presidente.
Não será altura de abandonar definitivamente entre nós a noção de "semipresidencialismo", que só pode causar equívocos, por colocar o nosso sistema político na mesma categoria que o francês, afinal tão diferente?

quinta-feira, 18 de maio de 2017

Quando a Etiópia se revoltar, toda a África estremecerá

"In Ethiopia, two days ago, Yonatan Tesfaye, spokesperson for the opposition Blue Party, was declared guilty of encouraging terrorism, facing imprisonment up to 20 years, for comments he made on Facebook.
Last November, Dr Merera Gudina, the Oromo opposition leader, was arrested and tortured upon his return to Ethiopia under terrorism charges. For the "crime" of participating in a public hearing, here at the European Parliament, with Dr. Berhanu Nega, another opposition leader democratically elected in 2005, then sent to jail, now in exile and deemed a terrorist. Thousands political prisoners languish in jail in Ethiopia.
Jailed by a totalitarian government never elected, the last farcical "election" emulating North Korea, putting the ruling party to win by 100 % votes...
This violation of human rights in Ethiopia is systematic and aggravated under the state of emergency. Excessive force against peaceful demonstrators, massacres as in Irreecha, brutalizing victims of the garbage dump landslide last March, brutal repression against the Oromo community and other ethnic groups, arbitrary arrests, torture, killings, terrorism charges against those daring to dissent.
In this resolution we call on the EU High Representative to mobilize EU Member States to support a UN led international inquiry into the killings in Ethiopia.
Commission and Council must stop the pretense that they deal with a respectful government in Ethiopia to justify wasting piles of EU tax payers money as development aid, security assistance or the "migration compact". They are in fact assisting a corrupt dictatorship which rules by terror, thus fueling rebellion and insecurity. Ethiopia is, indeed, strategic: when Ethiopians revolt, all Africa will tremble."

(Minha intervenção hoje, em debate plenário no PE, sobre a situação dos direitos humanos na Etiópia. Feita em inglês, tendo em atenção os principais interessados: os corajosos etíopes que resistem  contra a ditadura, no interior do país e na diáspora).

quarta-feira, 17 de maio de 2017

Mudar o sistema político?


1. Embora tenhamos um sistema democrático em funcionamento sem sobressaltos há mais de quatro décadas - o que é inédito na nossa história constitucional -, isso não demove o impulso regular para ambiciosas reformas político-constitucionais, mesmo quando a sua viabilidade é escassa ou nula.
O facto de nenhuma das propostas referidas por Manuel Braga da Cruz no livro apresentado nesta entrevista ao Público ser inédita (sistema eleitoral misto, eleição indireta do PR, moção de censura construtiva, condicionamento da dissolução parlamentar, criação de um senado) não lhes retira o eventual mérito que tenham. Mas revela que apesar de recorrentemente propostas ao longo dos anos, nunca elas obtiveram o grau de apoio suficiente para as transformar em reformas.
De resto, quase todas precisariam de prévia revisão constitucional, o que não é um produto com muita oferta hoje em dia, e duas delas (nomeadamente a eleição maioritária separada de metade dos deputados, se não mesmo a eleição indireta do PR) até estão vedadas por "limites materiais de revisão".

2. Concordo. aliás, com os objectivos de MBC no sentido de reforçar a governabilidade e acentuar a natureza parlamentar do sistema de governo. Mas para isso não vejo necessidade de acabar com a eleição direta do PR, nem de criar um senado, nem de adotar um sistema eleitoral semimaioritário.
Haveria decerto vantagem em tornar mais estritas as condições de dissolução parlamentar, mas mesmo aí tem havido uma notável contenção no uso dessa prerrogativa presidencial, só havendo a registar ao longo de quatro décadas o caso controverso na dissolução de 2005 por Jorge Sampaio.
A moção de censura construtiva - que tem vindo a ser proposta desde os anos 80 -, essa sim, poderia funcionar como um importante mecanismo de estabilidade governativa, ao inibir moções de censura sem apresentação de uma alternativa de governo. Mas já se viu que as coisas ainda não estão maduras para a sua adoção.

3. Também concordo que há vantagem em alterar o sistema eleitoral, de modo a dar relevância aos votos de todos os cidadãos, onde quer que votem, e a personalizar a escolha dos deputados.
Mas para isso não é necessário sequer mudar a Constituição nem mudar de alto a baixo o atual sistema eleitoral. Bastaria criar um círculo nacional de grandeza mínima (por ex. 25-30 mandatos), sobreposto aos atuais círculos territoriais (eventualmente reconfigurados), e adotar o "voto preferencial", reduzindo a grandeza dos círculos eleitorais e das listas, inscrevendo os candidatos nos boletins de voto e dando aos eleitores a possibilidade de selecionarem um dos candidatos do partido em que votam. como sucede por exemplo na Bélgica, tomando as devidas cautelas para prevenir lutas fratricidas entre os candidatos de cada partido.

terça-feira, 16 de maio de 2017

O terceiro homem


Vai furibunda a contenda entre os combativos biógrafos políticos da defunta coligação PSD-CDS e os excitados hagiógrafos da "Geringonça" sobre a reivindicação dos méritos da robusta retoma económica em curso, como se esta - que arrancou ainda em 2013, importa lembrá-lo - pudesse ter ocorrido sem a contribuição da primeira (saneamento das contas públicas, regresso ao mercado da dívida e reformas económicas cruciais, como as do mercado de trabalho e do mercado de arrendamento) ou pudesse ter sido sustentada e acelerada sem o contributo da segunda (estímulo do aumento do poder de compra, paz sindical, etc.).
Entretanto, no calor da refrega, uns e outros esquecem deliberadamente a decisiva importância do contributo externo, nomeadamente o de Mário Draghi, o presidente do BCE - sem o qual, como sublinhei, por exemplo,  aqui e aqui, tudo teria sido em vão -, que estancou a crise da dívida soberana, estabilizou o euro e lançou ousadamente a política de expansão monetária que permitiu estimular a atividade económica em toda a União e poupar centenas de milhões de euros em juros da dívida pública a Portugal e a outros países mais endividados. 
O seu a seu dono!

Adenda
É evidente que, contrariamente ao que aqui se relata erradamente, eu não neguei aos governos nacionais (o anterior e o presente) o devido mérito pela superação da crise e pela retoma económica em Portugal. Limitei-me a sublinhar o contributo próprio do BCE. Como usualmente sucede, porém, os comentários dos leitores da referida nota tomaram-na em geral como fiel, sem se darem ao trabalho de conferir o original. Riscos de quem confia em notícias em segunda mão...

sábado, 13 de maio de 2017

Laicidade

Pior do que a instrumentalização religiosa da política é a instrumentalização política da religião.
Quando ela é feita por não crentes, ao abuso junta-se a hipocrisia política.

Adenda
Para além de ser um óbvio contrassenso, a ideia de que, apesar de o Estado ser laico, o poder político pode participar em cerimónias religiosa é puro farisaísmo político. Por este andar, ainda vamos voltar a ver o Estado a encomendar missas de ação de graças e a mandar benzer as obras públicas...

Adenda 2
Quando a esquerda se satisfaz com resultados económicos e sociais, o resultado é o esquecimento dos valores que sempre lhe deram sentido, como a laicidade, em nome da neutralidade religiosa do Estado e da igual condição de todos os cidadãos independentemente das suas opções religiosas.

Adenda 3
Como sempre, as "facadas" na laicidade foram dadas em nome do "respeito pelos sentimentos religiosos do povo". Mas o maior desrespeito dos sentimentos religiosos de quem os tem consiste em pensar que eles precisam do paternalismo religioso do Estado ou do aproveitamento oportunista do poder político.