terça-feira, 20 de junho de 2017

Portucaliptal (18) - "Little Australia"


Pedrógão Grande fica situada na tradicionalmente designada "zona do pinhal" no centro do País e antes da mais recente reordenação administrativa do território (2010) a respetiva comunidade intermunicipal (CIM) chamava-se oficialmente Pinhal Interior Norte (na imagem), situada entre a CIM do Pinhal Litoral e a do Pinhal Interior Sul.
Em boa hora a reforma das CIMs abandonou essas designações de referência florestal, pois de outro modo teriam de mudar o nome de Pinhal para Eucaliptal, visto que nessas sub-regiões, como em todo o país aliás, o pinhal está em vias de ser superado pelo eucalipto. Também se poderia designar por Little Australia, pois a densidade do eucaliptal supera a da pátria originária do eucalipto.
Decididamente, o eucalipto não está a mudar somente a nossa secular história florestal mas também a própria compreensão da geografia nacional.

segunda-feira, 19 de junho de 2017

Portucaliptal (17) - "Killer forest"


A minha expressão "floresta assassina", que usei neste post, foi utilizada para título desta peça do jornal eletrónico Politico sobre o eucalipto em Portugal, que vale a pena ler.

Portucaliptal (16) - Portugal à frente!

Este quadro publicado no Diário de Noticias de hoje mostra expressivamente que desde o início dos anos 90 Portugal (linha laranja) regista um número consistentemente mais elevado de fogos florestais do que os demais países mediterrânicos. Ao menos nisto, Portugal lidera! O que é que explica esta divergência?
Não são as condições climáticas, que se agravaram para todos os países. Também não é o abandono e envelhecimento da população rural, que é igualmente comum. Tampouco é a eficácia dos meios de combate aos incêndios, onde Portugal tem investido maciçamente. Qual é então a diferença? É obviamente a floresta! Essa divergência coincide com a invasão selvagem do eucalipto em Portugal, transformando o país num imenso eucaliptal industrial, sem paralelo em nenhum outro pais europeu. Já cheguei a escrever que se a Toscana ficasse situada em Portugal já estava coberta de eucaliptos.
Por isso, a "floresta assassina" a que me referi em post anterior tem um nome próprio - o eucaliptal assassino!

Adenda (20/6)
O Público de hoje traz um artigo de João Camargo ("Tirar a Floresta das Mãos do Eucalipto") que defende o mesmo argumento da ligação entre o aumento dos incêndios florestas e a invasão do eucalipto nas últimas décadas. Vale a pena ler.

Gostaria de ter escrito isto (19)

"Os imbecis" (ou os espectadores de incêndios), por Anselmo Crespo, no Diário de Notícias.
O país pode sair do défice orçamental excessivo e até, mais tarde, do crónico défice de competitividade e de desempenho económico. Mas há um défice que não vamos superar num futuro previsível, o da educação e da responsabilidade cívica.

domingo, 18 de junho de 2017

Portucaliptal (15) - Floresta assassina


1. Condições climáticas propícias aos fogos florestais sempre tivemos e teremos cada vez mais, à medida que as alterações climáticas se acentuarem. Mas os fogos florestais dependem essencialmente do combustível, ou seja, do tipo de floresta que temos e do ordenamento florestal que estabelecemos.
Infelizmente em Portugal, nas últimas décadas escolhemos deixar invadir o país por eucaliptos, sem qualquer ordenamento. Enormes áreas, mesmo nas serranias de difícil acesso, estão ocupadas pelo monocultura extensiva do eucalipto, pasto privilegiado para os fogos florestais.
O trágico incêndio florestal de ontem em Pedrógão Grande - uma dessas manchas de floresta contínua e de quase monocultura do eucalipto -, que reclamou várias dezenas de vidas, muitas delas apanhadas de surpresa dentro de automóveis em estradas no meio de pinheirais e eucaliptais, transformadas em fornos crematórios, testemunha o risco em que levianamente incorremos, em aras aos interesse da fileira da celulose.

2. Não basta agora chorar os mortos e lamentar as "condições climáticas atípicas", que podem repetir-se no futuro.
Além de responsabilizar os proprietários pela limpeza das suas matas e pela abertura e manutenção de caminhos e aceiros, bem como das margens de segurança em relação a habitações e vias de comunicação, é preciso encarar de vez o paiol de pólvora representada pela floresta que escolhemos ter. Se os interesses da celulose e o poder do seu lobby impedem a reversão da área eucaliptizada - uma nova teoria perversa dos "direitos adquiridos" e da "proteção de confiança" -, ao menos que se reduzam os perigos da monocultura extensiva, obrigando a criar clareiras corta-fogo que sirvam de barreira à propagação dos fogos e, sobretudo, a intercalar as plantações florestais de pinheiro bravo e de eucalipto com faixas de espécies menos vulneráveis aos fogos, como os sobreiros e os carvalhos (como várias vezes aqui defendi nesta longa série de textos sobre o tema).
Se o terrível incêndio de ontem deixa muitas interrogações no ar sobre a capacidade existente de previsão e prevenção de desastres destes, a sua repetição seria imperdoável. É preciso convencermo-nos de que deixámos criar uma floresta assassina.

Privatizações


Há um pequeno senão neste cálculo demagógico de que os "lucros das empresas privatizadas pagavam metade do défice público". É que, tendo em conta o seu histórico, as ditas empresas não teriam dado os mesmos lucros (e algumas até dariam prejuízos) se não tivessem sido privatizadas! Isto sem entrar em conta com a enorme receita pública que a sua privatização representou - sem a qual défice e dívida teriam sido muito maiores do que foram - e os avultados impostos que os seus lucros geram, quer a título de IRC quer a título de IRS sobre os lucros distribuídos aos seus acionistas...
Mais importante é saber se as vantagens económicas imediatas justificam todas as privatizações efetuadas (na imagem as privatizações do Governo PSD/CDS), como, por exemplo, as da ANA e da REN, que exploram "monopólios naturais", que são os aeroportos e as redes de gás e de eletricidade, infraestruturas de serviços de valor económico estratégico essencial, cujo controlo passou para empresas estrangeiras e que, no caso da REN, foi parar às mãos a uma empresa estatal chinesa! Suponho que caso único na UE.
[revisto]

Privilégios custam dinheiro

Não existe nenhuma razão para concordar com esta proposta da Ordem dos Advogados para restaurar a subvenção externa da Caixa de Previdência dos advogados (e dos solicitadores), através de afetação de uma parte das taxas de justiça.
As taxas judiciais são tributos bilaterais pagos pelos particulares em contrapartida da prestação do serviço público de justiça e, consequentemente, destinam-se a (co)financiar esse serviço, não podendo ter outro destino. Além disso, se os advogados querem manter e gerir autonomamente um fundo de pensões próprio, e com um regime mais generoso do que o regime geral, não podem pedir ao Estado que o subsidie
É como a própria autorregulação profissional, realizada através da Ordem dos Advogados, que também é financiada por eles próprios, através de uma contribuição parafiscal (as "quotas"), sem subvenções do Estado. Autogoverno profissional implica autofinanciamento profissional.

Adenda
O que pode questionar-se é a própria admissibilidade da instituição e do regime de pensões privativo dos advogados, que vem da era corporativa (1947!), quando não havia sistema público geral de segurança social, havendo somente regimes setoriais de previdência, de base profissional. A CPAS é a única sobrevivente desse regime, não tendo hoje paralelo na nossa ordem jurídico-administrativa.
Ora, a Constituição é enfática em estipular um sistema público único e universal de segurança social, que constitui o instrumento de realização do direito universal (e igual) à segurança social, e que obviamente não contempla a sua substituição por fundos públicos de pensões de base profissional, separados daquele. Não se vê porque é que os advogados (e solicitadores) hão de ser uma exceção, nem quanto ao regime privativo, nem quanto à autogestão.
Além disso, o regime de segurança social da CPAS não cobre todas as eventualidades previstas no art. 63º-2 da CRP, pelo que não realiza integralmente o direito à segurança social constitucionalmente previsto.
Mas parece que ainda está para vir um Governo que tenha a coragem política de acabar com essa anomalia constitucional.

Adenda 2
Este parecer do Provedor de Justiça aborda algumas questões pertinentes da recente revisão do regime da CPAS mas não suscita a questão fundamental da violação dos princípios constitucionais da unidade e universalidade do sistema público de segurança social nem do princípio da igualdade, o que é de lamentar, visto que o PdJ tem o poder de requerer a fiscalização da constitucionalidade do referido regime.

sexta-feira, 16 de junho de 2017

Este país não tem emenda (9)

1. Os portugueses são capazes de vigorosos protestos individuais ou coletivos - quando se trata de defender interesses ou direitos próprios, individuais ou corporativos. Nada disso, porém, quando se trata de defender bens coletivos ou bens públicos, sem expressão direta na esfera individual, como o património público, o ambiente ou a qualidade de vida urbana. Aí os protestos, quando existem, são de pequenos grupos de ativistas, em geral sem eco social ou mediático. O que prevalece é o conformismo social e a passividade individual.
O que sucede com a ocupação selvagem do espaço público pelos partidos políticos, especialmente em períodos eleitorais, com painéis, cartazes, outdoors, faixas e bandeiras, por tudo quanto é sítio (rotundas, praças e passeios), à margem da lei e da decência pública - que denunciei  aqui e aqui -, seria intolerável em qualquer país civilizado, mas passa entre nós sem protesto e sem revolta.

2. Não há inocentes aqui: as câmaras municipais não delimitam as áreas de propaganda autorizadas, previstas na lei, nem fazem remover os materiais ilegalmente instalados; o Ministério Público não cumpre a sua missão de defesa da legalidade, apesar de estar em causa o domínio público, e as ONGs não exercem o seu direito de "ação popular" nos tribunais. E para cúmulo, a imprensa silencia, cúmplice, e os cidadãos calam, indiferentes.
Pelos vistos, o aumento do nível de vida e da educação não é acompanhado do correspondente aumento da responsabilidade cívica e do empenho cívico. Continua a prevalecer a tradicional complacência e indiferença cívica perante o assalto ao que é de todos, como se não fosse de ninguém.
Decididamente, este país não tem emenda!

Greve de juízes? (VI)

1. Ainda a propósito deste meu post anterior sobre a inadmissibilidade de uma greve de juízes - posição entretanto defendida também pelo Prof. Jorge Miranda -, um leitor, invocando outros autores, objeta que "o que não é proibido é permitido", pelo que, não havendo nenhuma proibição legal nem nenhuma sanção prevista, a greve de juízes tem de ser admitida.
Discordo, em absoluto. Primeiro, o que o princípio liberal clássico da liberdade individual diz é que o que não é proibido é permitido, desde que não lese direitos de outrem. Ora, por definição, a greve implica o incumprimento das obrigações laborais inerentes ao contrato de trabalho com o empregador, lesando portanto os direitos contratuais deste. É o direito à greve, quando reconhecido legalmente, que suspende a responsabilidade contratual dos trabalhadores durante a greve. Daí, a importância decisiva da conquista do direito à greve na história do movimento operário.

2. Por isso, é irrelevante o facto de as greves ilícitas não constituírem crime nem contraordenação. Simplesmente, não há necessidade disso (e só a natureza ultrarrepressiva do Estado Novo é que o levou a punir criminalmente a violação da proibição de greves). Para sancionar as greve ilícitas basta a responsabilidade contratual, disciplinar e civil pelo incumprimento das obrigações laborais.
Ora, é incontestável que o alegado direito à greve de juízes não está reconhecido nem pela Constituição (que só o reconhece aos trabalhadores, o que os juízes não são), nem pela lei (supondo que a lei o poderia fazer, o que, aliás, contesto). Por isso, em caso de greve de juízes, eles não podem prevalecer-se de um direito à greve legalmente reconhecido para reclamarem imunidade para o incumprimento das suas obrigações funcionais, incorrendo portanto na correspondente responsabilidade disciplinar.
Fazer greve podem, mas à sua responsabilidade!

quinta-feira, 15 de junho de 2017

Voltar atrás?


1. Discordo da decisão parlamentar de retroceder no caminho para o fim das tarifas reguladas no mercado elétrico.
Ao aprovar o projeto do PCP, o PS não reverte somente a anterior decisão de um anterior governo do partido, aliás em conformidade com as diretivas da UE sobre o assunto, mas também dá um sinal negativo de rejeição da opção por um mercado concorrencial na eletricidade, sem prejuízo das obrigações de "serviço universal" impostas ao comercializador de última instância (que é a EDP) e do apoio aos consumidores de baixo rendimento.
É possível compatibilizar as exigências sociais dos "serviços de interesse económico geral" (SIEG) com o mercado sem voltar atrás na abertura à concorrência.

2. Não duvido que a Geringonça implica algumas concessões ao BE e ao PCP. Mas há concessões e concessões.
Aqui não se trata de reverter uma medida do Governo PSD/CDS, mas sim de do próprio PS. O PCP não gosta obviamente da concorrência e do mercado, preferindo preços administrativamente tabelados, à maneira antiga. Mas o PS já tinha abandonado há muito essa crença nas virtudes da "economia administrada", sendo o principal responsável pela abertura das utilities ao mercado, em aplicação das diretivas da UE. Trata-se portanto de uma profunda inflexão política e doutrinária. Como tenho escrito várias vezes, o principal esteio do Estado social é uma economia de eficiente, não havendo economia eficiente sem mercado e concorrência. Qual é a próxima reversão para preços tabelados: telecomunicações, serviços postais, serviços bancários, gasolina ?
[revisto]

Europa+ (2)

(Fonte da ilustração aqui)
Após dez anos de difíceis negociações e de muita resistência das operadoras de telecomunicações, entrou agora em vigor a abolição do roaming nas comunicações móveis dentro da União, passando as chamadas e mensagens a ter o mesmo preço além-fronteiras que no país de residência.
O lema da iniciativa, Roam like at home em Inglês ("Ligue fora como em casa"), diz tudo. Assim se vão abolindo de facto as fronteiras dentro da União, tornando-a efetivamente mais coesa do que alguns Estados unitários, que mantêm custos de roaming dentro das suas fronteiras.
A integração europeia é isso mesmo, um exercício de abolição de fronteiras nacionais dentro da União, eliminando os obstáculos à mobilidade interna. Mais uma cai agora, passando a haver um único território de telecomunicações, de Portugal à Finlândia, da Irlanda a Chipre.
A próxima etapa já está agendada: o acesso além-fronteiras aos conteúdos online adquiridos em qualquer país da União. Assim se vai aprofundado, passo a passo, a integração europeia, com beneficios tangíveis para os cidadãos da União.

quarta-feira, 14 de junho de 2017

Europa+

O programa Erasmus, que agora faz 30 aos (criado em 1987), é uma das mais bem-sucedidas iniciativas da União Europeia no sentido da criação de uma identidade europeia para além das origens nacionais. Milhões de jovens europeus já beneficiaram do programa, tornando-o um verdadeiro fenómeno cultural.
Criado ainda antes do Tratado de Maastricht, de 1992, que instituiu a cidadania europeia e a liberdade de circulação e residência, o Erasmus foi o primeiro grande programa prático de mobilidade pessoal, abolindo fronteiras no domínio do ensino e da investigação universitária dentro da União. Através da frequência do ensino superior noutros países, o Erasmus contribuiu decisivamente para o conhecimento e o respeito mútuo entre os jovens da União, para incentivar o plurilinguismo e, mesmo, o casamento de pessoas de diferentes nacionalidades e o nascimento de cidadãos plurinacionais.
Ter feito o Erasmus é já hoje um ativo para efeito de emprego e de mobilidade profissional trans-fronteiras. Virá o tempo em que se tornará exigível a todos os jovens europeus a frequência de pelo menos um ano do ensino superior noutro país da União.

Adenda
O Erasmus está seguramente entre os factores que levaram uma maioria de jovens britânicos a votar contra o Brexit. Vão sentir a sua falta.

Lisbon first! (1)

1. É praticamente nula a possibilidade de a Agência Europeia do Medicamento, atualmente sediada em Londres, vir a ser transferida para Portugal, na sequência do Brexit.
Mas isso não retira gravidade à decisão governamental de escolher Lisboa como candidata à reinstalação da Agência. Primeiro, porque a capital já hospeda as duas agências europeias instaladas em Portugal, para além das delegações das instituições europeias, um fenómeno de concentração sem paralelo na União. Depois, porque Lisboa já acumula a quase totalidade das instituições, agências, serviços e empresas do Estado entre nós (mesmo aquelas que nada exige estarem na capital, desde o Tribunal Constitucional ao InstituTo da Vinha e do Vinho, por exemplo), num grau de ultracentralismo que nem a supercentralista França iguala.
Ora, na falta de uma política ativa de distribuição territorial das instituições e dos serviços centrais do Estado, é fatal o império da lógica centripta. O centro do poder fagocita todo o poder.

2. A justificação governamental não procede. Primeiro, porque se um dos argumentos é a existência de Infarmed em Lisboa, a solução seria deslocá-lo para onde viesse a ficar instalada a nova Agência; segundo, porque o argumento da eventual Escola Europeia é puramente virtual; terceiro, porque não se pode invocar o grau de centralismo já existente para justificar mais concentração!
Esta decisão testemunha, portanto, o atavismo lisboacêntrico que carateriza a organização do poder público em Portugal, agravado pela ausência de autarquias regionais e de um grau decente de descentralização territorial.
"Lisboa em primeiro lugar", portanto. Como sempre!

terça-feira, 13 de junho de 2017

De Espanha, bons ventos

Continua a aceleração económica em Espanha, acima da média da UE, com o Banco central a prever agora um crescimento acima de 3% para o PIB em 2017. Quem beneficia por tabela é a economia portuguesa, por via do aumento das exportações para o país vizinho, nosso principal parceiro económico.
Continua propícia a conjunção astral externa (robusta retoma económica na União, turismo, política monetária do BCE, etc.) de que beneficia a economia portuguesa! Seria lamentável não aproveitar estas condições excecionais para equilibrar as contas públicas e reduzir substancialmente a dívida pública.

Corporativismo (2)


1. O Jornal de Notícias informa que a Ordem dos Médicos tem um fundo de proteção social destinado a apoiar pecuniariamente os seus membros em dificuldades, acrescentando que o atual bastonário quer reforçá-lo.
Trata-se, porém, de um equívoco e de resquício do tempo do corporativismo, quando as ordens profissionais eram também organismos de proteção social, não havendo então um sistema público universal de segurança e de proteção social. Como já aqui se referiu noutras ocasiões (por exemplo, aqui), hoje as ordens são exclusivamente organismos de representação e de autorregulação pública das profissões, e as "quotas" são contribuições regulatórias, destinadas ao financiamento das funções legais das ordens, não podendo ser destinadas a outro fim e, ponto decisivo, devendo limitar-se ao necessário para esse fim.

2. O mesmo vale para outras iniciativas "sociais" da Ordem dos Médicos, como esta Aldeia do Médico, em Coimbra, orçada em 10 milhões de euros (projeto arquitetónico na imagem)!
Não é para isso que a OM existe como organismo público nem é para isso que os médicos são obrigados a pagar uma contribuição que tem inequívoca natureza tributária. Há uma distinção essencial entre as ordens profissionais, que têm funções de representação oficial da respetiva categoria profissional e de regulação da profissão - sendo por isso obrigatórias -, e as mutualidades ou IPSSs, que têm natureza privada e são voluntárias.
Nada impede obviamente que os médicos interessados criem e sustentem uma mutualidade com fins de proteção social, herdando as funções que hoje já não podem ser desempenhadas pela OM. O que não pode é manter-se o status quo, que não tem cabimento legal.

3. O Estado não pode consentir este abuso dos fins das ordens profissionais e o desvio dos seus recursos financeiros oficiais.
A persistir essa situação, o Ministério Público, no seu papel de defesa da legalidade, não poderá deixar de desencadear as pertinentes medidas corretivas junto da justiça administrativa.
[titulo substituído]

Adenda
O problema com as ordens profissionais é que elas são em geral poderosos grupos de interesse, que os Governos preferem não enfrentar (até porque muitos ministros são membros delas...), apesar de algumas delas preferirem atuar muitas vezes fora das suas atribuições, enquanto descuram as suas principais incumbências legais, relativas à supervisão e disciplina da profissão. A Ordem dos Médicos prima nesse desvio de mandato.

segunda-feira, 12 de junho de 2017

Despropositado

Não faz nenhum sentido a despropositada crítica de Passos Coelho à nomeação de Lacerda Machado, como membro não executivo, para o board da semiprivatizada TAP (aliás presidido por um conhecido membro do PSD!).
Trata-se de um especialista em aviação, com experiência de gestão empresarial, com profundo conhecimento da TAP, com provas dadas ao serviço do interesse público. O seu envolvimento, em nome do Estado, na renegociação do dossier da privatização da companhia com os acionistas privados não gera nenhum conflito de interesses, antes lhe confere legitimidade e autoridade acrescidas. O facto de ser amigo do Primeiro-Ministro, o que é público e notório, não constitui obviamente um impedimento. A amizade em política não pode ser fonte de privilégios ("amiguismo"), mas tampouco pode ser motivo para inibir a escolha de pessoas cujas qualificações estão acima de toda a suspeita. A amizade em política exige rigor e objetividade acrescida, mas não pode constituir uma capitis deminutio. De resto, quantos gestores seus amigos não nomeou Passos Coelho quando foi chefe do Governo !?
Quando o líder da oposição decide inventar um casus belli a propósito de um assunto pacífico é porque não tem nada de importante para dizer. Mau sinal para a oposição!

Revolução eleitoral

1. Ultrapassando as previsões mais favoráveis, a vitória do novel partido do Presidente Macron nas eleições legislativas em França alcança a dimensão de um verdadeiro tsunami político.
Tendo em conta as projeções para a segunda volta, no próximo domingo, o partido do Presidente pode ultrapassar os 400 deputados (em 577), uma maioria superior a 2/3, a segunda maior da V República (desde 1958)! Esta impressionante vitória do République En Marche (REM) é feita à custa de todos os outros partidos, alguns dos quais descem muito em relação às eleições presidenciais (1ª volta), nomeadamente a extrema-direita de Le Pen e a extrema-esquerda de Mélenchon. A direita tradicional e o PS fazem dos piores resultados eleitorais de sempre. O PS, que tinha maioria no parlamento cessante, não passa agora de uns humilhantes 10%, bem abaixo da esquerda radical!
Trata-se de uma verdadeira revolução no sistema partidário da V República, até agora marcado pela bipolarização entre a direita republicana e a esquerda socialista, agora maciçamente desamparadas pelos eleitores. Chegou a vez do centrismo liberal?

2. Os resultados eleitorais revelam mais uma vez as enormes distorções entre a proporção de votos de cada partido e os mandatos parlamentares conseguidos, em favor do partido vencedor, provocadas pelo sistema eleitoral maioritário a duas voltas.
De facto, a esmagadora maioria parlamentar do REM é conseguida com apenas 32% dos votos na primeira volta, que espelha as primeiras preferências dos eleitores. E mesmo que na segunda volta a percentagem do partido vencedor seja naturalmente mais elevada, ela ficará sempre muito aquém da sua percentagem de assentos no parlamento. Em contrapartida, todos os demais partidos, especialmente os partidos dos extremos, à esquerda e à direita, terão uma percentagem de mandatos muito abaixo da sua quota de votos.
Resta saber se Macron vai respeitar o seu compromisso político de introduzir uma dimensão de proporcionalidade no sistema eleitoral, criando um sistema misto, de modo a reduzir estas enormes discrepâncias, que põem em causa a própria equidade mínima da representação política.

Adenda
O Le Monde simula os resultados com um sistema proporcional, num único círculo eleitoral nacional, onde o REM teria somente 186 deputados (menos de metade dos que vai ter). Mas a simulação é enganadora, visto que a generalidade dos países com sistema proporcional usa círculos eleitorais territoriais (como sucede em Portugal) e uma cláusula-barreira (como sucede na Alemanha), desse modo favorecendo o partido mais votado.

domingo, 11 de junho de 2017

Ocupação selvagem (II)

(Coimbra, Praça dos Arcos)
1. Em comentário ao meu post precedente, um leitor pergunta em que me baseio para dizer que a livre instalação de outdoors eleitorais em lugares públicos «não tem base constitucional nem legal».
A resposta está na Lei nº 97/88, de 17 de agosto, que regula as atividades de publicidade e propaganda. Ora, ao contrário da publicidade comercial (art. 1º), a propaganda não carece de licenciamento municipal, mas só é garantida «nos locais necessariamente disponibilizados para o efeito pelas câmaras municipais» (art. 3º), as quais devem em qualquer caso respeitar as restrições enunciadas no nº 1 do art. 4º, onde se conta, por exemplo, «não obstruir perspetivas panorâmicas nem afetar a estética ou o ambiente dos lugares ou da paisagem» [na imagem um outdoor partidário em Coimbra com o aqueduto do séc. XVI em fundo; uma vergonha!]. Nos períodos eleitorais, as autarquias têm uma obrigação adicional de disponibilizarem aos concorrentes espaços preparados para afixação do seu material de propaganda (art. 7º).
Não podem, portanto, restar dúvidas de que a afixação de propaganda eleitoral em lugares públicos só pode ocorrer nos locais reservados pelos municípios para propaganda política em geral ou especialmente disponibilizados pelas autarquias locais para propaganda eleitoral. Ora, esta Lei foi submetida a fiscalização da constitucionalidade, a pedido do PCP, tendo o TC decidido que ela não padece de nenhuma inconstitucionalidade (AcTC nº 636/95).

2. Nos termos da referida Lei, os municípios têm o poder/dever de mandar retirar a propaganda ilegalmente afixada, ou de a retirar eles mesmos às custas dos responsáveis, bem como o poder de aplicar aos prevaricadores coimas de valor elevado.
Em vez disso, no caso concreto, o município de Lisboa foi indevidamente condenado a respeitar a instalação de propaganda ilegal e de repor às suas custas o outdoor que tinha licitamente retirado (sob pena de crime de desobediência!). Uma total inversão de valores! Assim vai o "império da lei" em Portugal, substituído pelo "império dos partidos".

Adenda
O mesmo leitor pergunta se os partidos não passam a ter um direito de livre ocupação do espaço público, em lugares à sua escolha, se os municípios não delimitarem os espaços destinados a propaganda política, como estipula a lei. A resposta é não. Mas a justiça administrativa proporciona mecanismos efetivos para obrigar a administração a cumprir as suas obrigações legais.

Ocupação selvagem

1. Seguindo uma interpretação latitudinária da liberdade de propaganda eleitoral, a Comissão Nacional de Eleições condenou a Câmara Municipal de Lisboa a repor um outdoor anteriormente instalado por um partido em plena Rotunda do Marquês.
Considero lamentável esta "jurisprudência" da CNE (cuja composição integra representantes partidários, em maioria), que claramente sacrifica o interesse público aos interesses dos partidos (estes julgando em causa própria). Essa orientação da CNE não tem base legal nem constitucional. Uma coisa é a liberdade geral de propaganda eleitoral por qualquer meio (impresso, sonoro, visual, audiovisual), outra coisa é uma suposta liberdade de ocupação privativa do domínio público pelos partidos políticos para instalar, onde quiserem, meios fixos ou móveis de propaganda, nomeadamente outdoors, muitas vezes em lugares onde o municípios nunca licenciariam a instalação de painéis de publicidade comercial, por razões ambientais, de ordenamento urbanístico ou de visibilidade rodoviária, etc..
Nenhuma liberdade é ilimitada e ninguém tem o direito de ocupar privativamente o espaço público.

2. De resto, se a lei proíbe expressamente a utilização de meios de publicidade comercial para efeito de propaganda eleitoral, a fim de impedir que os partidos mais ricos levem a melhor na batalha da propaganda - o que inclui obviamente os painéis publicitários licenciados para o efeito -, não faz nenhum sentido que depois seja admitida a livre instalação de painéis dos próprios partidos (que ficam mais caros do que o aluguer daqueles!), por vezes ao lado daqueles. Uma verdadeira fraude à lei!
Para além dessa vantagem ilícita dada aos partidos com mais recursos, a ocupação selvagem gratuita do domínio público gera uma enorme poluição visual do espaço público, que não é digna de um país civilizado. Já se imaginou a rotunda do Marquês, ou qualquer outra neste país, rodeada durante meses de uma dúzia de painéis gigantes de propaganda eleitoral? Uma selva!
Entre as muitas regalias públicas de que gozam os partidos políticos entre nós (subvenções, isenções fiscais, etc.) não deveria contar-se também o privilégio de livre ocupação do domínio público e de transformação das praças e rotundas deste país em feias "florestas" de painéis de aço e zinco.

Adenda
Dada a liberdade de facto de que gozam de colocar painéis em tudo quanto é sítio (com o beneplácito da CNE, capturada pelo "cartel" partidário), os partidos não levam em geral a sério a obrigação legal imposta às autarquias locais de disponibilizarem espaços de propaganda eleitoral, que têm obviamente o "defeito" de serem partilhados por todos em pé de igualdade, sem beneficiarem especialmente os que têm mais meios.

sábado, 10 de junho de 2017

Posição de força

Beneficiando da boa situação económica e orçamental, o PS atinge os 40% nesta sondagem, continuando a distanciar-se de todos os demais partidos, incluindo os que apoiam o Governo (o que não pode deixar de os deixar algo nervosos). Bons augúrios, portanto, para as eleições locais de outubro, primeiro teste eleitoral real.
Embora longe ainda do limiar da maioria absoluta (cerca de 45%), este elevado score nas projeções eleitorais inibe qualquer veleidade dos aliados de lhe "retirarem o tapete",  o que diminui a sua capacidade reivindicativa (apesar da retórica verbal para consumo interno) e dispensa o Governo de excessivas concessões orçamentais.
Invejável posição de força esta, que aliás está para durar, dadas as perspetivas económicas favoráveis e a efetiva ausência de oposição política, tanto à esquerda como à direita (como aqui se assinalou oportunamente).

Adenda
Em caso de eleições - que o Governo não precisa de provocar - um resultado destes daria ao PS um enorme poder negocial quanto à fórmula governativa, na medida em que poderia fazer um acordo de maioria parlamentar isoladamente com qualquer dos partidos da "2ª liga parlamentar" (ou seja, o BE, o PCP, ou... o CDS), sem poder de veto de qualquer deles.

sexta-feira, 9 de junho de 2017

Greve de juízes ? (V)

No Público de hoje o Professor Jorge Miranda mostra porque é que os juízes não têm direito à greve, essencialmente porque eles não têm uma relação de trabalho com o Estado.
Defendi a mesma posição num post anterior.
O estranho é que o Governo continua silencioso sobre a matéria, como se a questão fosse irrelevante. Ora, a única posição oficial correta consiste em declarar publicamente que não reconhece tal greve e que tomará as medidas apropriadas se ela for declarada e levada a efeito. O Governo não pode ceder perante os poderes fáticos, para mais quando eles abusam da sua posição privilegiada dentro do próprio Estado.

Imprevisibilidade


1. Os resultados das eleições britânicas de ontem - que a primeira-ministra convocou de surpresa para reforçar a maioria absoluta que tinha e que acabou por perdê-la, ficando agora com um governo minoritário - mostram mais uma vez que os eleitores e as campanhas eleitorais se tornaram assaz imprevisíveis e voláteis e que nenhum governo pode apostar em eleições ou referendos sem risco de desfeita.
O curioso é que o Partido Conservador até melhorou o seu score eleitoral em relação a 2015 (de 37% para 42,5%), mas o Partido Trabalhista, que fez uma campanha aguerrida e eficaz, subiu ainda mais, reduzindo a diferença entre ambos e impedindo a maioria absoluta daquele no Parlamento. A subida eleitoral de ambos foi feita à custa do quase desaparecimento eleitoral do UKIP e de uma acentuada baixa dos nacionalistas escoceses (que perderam 21 lugares!). Os Liberais-Democratas não beneficiaram desses despojos, não recuperando da pesada derrota de há dois anos.

2. O insucesso dos Liberais-Democratas e dos nacionalistas escoceses, principais opositores à saída britânica da União Europeia, mostra que a ideia de reversão do Brexit não encontrou tração no eleitorado britânico. Mas além de debilitar politicamente o Governo no plano interno, a semiderrota de May enfraquece a posição negocial britânica no Brexit, ao passo que a pesada derrota dos nacionalistas escoceses enterra a perspetiva um novo referendo sobre a independência; em contrapartida, Corbyn consolida a sua contestada liderança no Labour.
Resta saber quanto tempo dura a legislatura. Sem maioria parlamentar e sem possibilidade de uma coligação maioritária, e com uma liderança enfraquecida, o Governo não vai ter vida fácil. Decididamente, a tradicional da estabilidade política britânica já não é o que era!

Adenda
Não compartilho da tese de que o relativo insucesso eleitoral de May ponha de parte um hard Brexit, obrigando-a agora a negociar um soft Brexit com a UE. Não creio que haja alguma margem para voltar atrás na saída do mercado único e da união aduaneira. Pelo contrário, ao perder a maioria parlamentar, a primeira-ministra torna-se dependente dos hardliners do seu partido e dos unionistas de direita irlandeses (que apoiam o novo Governo), que não querem nenhum soft Brexit. De resto, o próprio Partido Trabalhista não contesta os termos da saída aprovados pelo Parlamento Britânico. Além disso, do lado da UE não vejo qual é o interesse em fazer concessões ao Reino Unido.

quinta-feira, 8 de junho de 2017

Cidades de todo o mundo uni-vos, contra Trump!

Ao anunciar a rejeição do Acordo de Paris sobre o Clima, assinado em Paris, Trump declarou despropositadamente que tinha sido "eleito para representar Pittsburgh e não Paris".
Mas hoje no New York Times, o mayor de Pittsburgh e a maire de Paris (na imagem) assinam uma carta pública conjunta em apoio do Acordo, intitulada "Temos o nosso próprio acordo sobre o Clima!". Ambos os municípios são membros do Global Covenant of Mayors for Climate and Energy.
Lindo! Afinal, Trump não representa Pittsburgh. Vale a pena ler.

Má vontade ?


Na introdução ao seu relatório sobre as contas da segurança social, agora tornado público, o Conselho das Finanças Públicas regista a seguinte nota:
Não foi obtida uma resposta aos diversos pedidos de informação relativos a dados físicos do sistema de Segurança Social, nomeadamente a evolução do número de contribuintes e das respetivas remunerações declaradas, número de novos pensionistas e beneficiários das prestações de desemprego, doença, parentalidade e prestações familiares. A informação em falta é imprescindível para a elaboração de uma análise mais detalhada e identificação dos principais fatores explicativos para a evolução das rubricas que compõem a receita e a despesa, nomeadamente a evolução das remunerações e do valor das novas pensões. [sublinhados acrescentados]
Esta queixa pública requer uma explicação do Governo, sob pena de ficar no ar a ideia de que o défice da informação disponibilizada ao órgão legalmente habilitado para a monitorização independente das contas públicas ser devida a má vontade política contra o mesmo (que, a propósito, continua com vagas por preencher...).

Adenda (12/6)
As duas vagas foram entretanto preenchidas.

Ai, a dívida ! (11)

Há quem pense que é por má vontade que as agências de rating não melhoram a sua avaliação da dívida pública nacional, após a redução do défice orçamental no ano passado e a saída do Procedimento de Défice Excessivo da UE.
Tenho uma opinião diferente. Elas não alteram o rating enquanto o rácio da dívida não estiver a descer consistentemente e com perspetivas duradouras, o que não sucedeu no ano passado, apesar da aceleração do crescimento económico. De resto, os juros dos títulos a dez anos continuam acima dos 3%, bem superiores aos de 2015, o que mostra que os mercados também precisam de provas adicionais.
Por isso, entendo que a notação só será revista no início do próximo ano, se se confirmar uma descida de pelo menos 3pp este ano no rácio da dívida, como agora promete o Governo, e se o orçamento para 2018 assegurar a continuação posterior dessa trajetória, o que aliás é tornado mais fácil pela aceleração da retoma económica em curso. Ponto é que o aumento da receita orçamental não seja "esturrado" em aumento de despesa, como propõem o BE e o PCP!
Por isso, espero e confio que este será o último post desta minha longa série de alertas sobre a importância crucial de redução substancial da dívida pública, para baixar os seus custos e para preparar o País para situações de menor desempenho do ciclo económico no futuro.

quarta-feira, 7 de junho de 2017

Greve de juízes? (IV)

1. Pelas razões aduzidas em post anterior, considero um erro grave a decisão governamental de negociar com o sindicato dos juízes o estatuto da magistratura judicial, com se ele fosse o representante legítimo da "classe" e se tratasse de uma normal negociação coletiva das condições de trabalho entre entidade empregadora e sindicato. Para mais, sob ameaça abusiva de uma greve ilícita!
Oportunisticamente, o PSD resolveu ajudar à festa, chamando o sindicato ao Parlamento, partidarizando o assunto e elevando o estatuto político daquele. Abyssus abyssum! Governo e oposição convergem alegremente para a degradação do estatuto institucional e da reputação pública dos juízes.

2. Penso que a maior parte dos juízes, que se consideram acima de tudo como titulares de um nobre cargo público, para além de não serem filiados no sindicato e rejeitarem a representação sindicalista (considerando como seus únicos representantes institucionais legítimos os membros eleitos do CSM), não aceitam a visão laborística da sua função e a negociação coletiva do seu estatuto, com greves à mistura e tudo, como se se tratasse de um contrato coletivo de trabalho relativo a funcionários públicos.
É evidente que os juízes, como protagonistas da função judicial, não se consideram constitucionalmente equiparáveis aos agentes do Ministério Público nem aos funcionários judiciais.

Adenda
Um leitor aduz como argumento a cultura do "diálogo social" no atual ciclo político. Concordo com a vantagem e a necessidade da "democracia participativa" na tomada de decisões políticas. Mas uma coisa é ouvir e levar na devida conta todas as posições relevantes, outra coisa é atribuir o papel de interlocutor privilegiado a quem não tem a mínima legitimidade representativa para o efeito e negociar institucionalmente e quiçá estabelecer um acordo com ele. Além disso, receio sempre que a "cultura de diálogo com todos" se traduza, como já sucedeu no passado, numa política de renúncia à autoridade do Estado e de "cedência a todos os interesses setoriais" à custa do interesse geral e dos contribuintes (que não têm sindicato nem fazem greve).

terça-feira, 6 de junho de 2017

Partilha

Decidi disponibilizar ao público em geral, através da minha página na plataforma Researchgate, uma versão digitalizada das minhas obras há muito esgotadas, incluindo o meu primeiro livro, A Ordem Jurídica do Capitalismo, publicado em 1973. Na imagem, a capa da 1ª edição.
A seguir irei juntar uma seleção dos meus artigos publicados em revistas ou como capítulo de livro ao longo dos anos, tornando-os assim acessíveis a toda a gente, em toda a parte.

segunda-feira, 5 de junho de 2017

Greve de juízes ? (III)

Caso acabe por haver aumento de remuneração dos juízes e dos agentes do Ministério Público, seria porém inadmissível estender esse aumento também às respetivas pensões, que até agora, por efeito de um regime de escandaloso privilégio corporativo, equivalem sempre à remuneração de exercício correspondente.
Seria intolerável manter esse regime de pensões vitalícias a 100% (sem nenhuma relação com a carreira contributiva), quanto entretanto todas as pensões no setor público e privado representam uma proporção cada vez menor da última remuneração (menos de 70% em média, com tendência para diminuir) e não acompanham a eventual subida das remunerações.
Por minha parte, considero mesmo esta questão um teste político decisivo, especialmente tratando-se de um governo de esquerda, que deve respeitar minimamente o princípio da igualdade e, em especial, a rejeição de privilégios de tratamento na esfera pública.
Pensões douradas na segurança social pública, não!

Greve de juízes ? (II)

Na luta sindical dos juízes (e dos agentes do Ministério Público) (ver posts precedentes) uma das reivindicações é (não vale adivinhar à primeira!) o aumento das remunerações.
Mas não se vê qual é a lógica de proceder a um aumento extra das remunerações dessas duas categorias, que não são propriamente baixas, quando todas as demais remunerações de cargos públicos (e do funcionalismo público) se mantêm inalteradas há anos, por razões de consolidação orçamental. É preciso uma forte razão para alterar isoladamente a posição remuneratória relativa.
O sindicato dos juízes diz que estes foram mais prejudicados pelo congelamento, o que obviamente não é verdade. E também invocam a dedicação exclusiva dos juízes, o que também não colhe, pois todos os titulares de cargos políticos do Estado estão em dedicação exclusiva (salvo os deputados que optem por acumulação com outra atividade, com um desconto na sua remuneração).
Em última instância, cabe perguntar se faz sentido retomar o aumento de vencimentos no setor público quando a consolidação orçamental está longe de concluída e quando há serviços públicos, como o SNS, a carecer manifestamente de reforço de financiamento.
[revisto]

Adenda
Já agora, não percebo porque é que os agentes do Ministério Público beneficiam da mesma remuneração que os juízes e têm de ser aumentados de forma igual, quando é evidente a diferença quanto à exigência e responsabilidade das respetivas funções. A regra constitucional "salário igual para trabalho igual" também significa implicitamente remuneração diferente para funções diferentes...

Adenda 2
Um leitor protesta por eu utilizar a expressão "agentes do Ministério Público" em vez de "magistrados do Ministério Público", que no seu entender é mais correta. Mas não tem razão no protesto. Sem cuidar de saber qual a designação mais correta, limito-me a observar que a designação constitucional é "agentes do Ministério Público" (CRP, art. 219º, nºs. 4 e 5).

domingo, 4 de junho de 2017

Greve de juízes?


1. Para além de não ter base constitucional nem legal - pois os juízes não são trabalhadores por conta de outrem (muito menos trabalham sob instruções de outrem), mas sim titulares de cargos públicos (aliás, titulares de um órgão de soberania) -, a greve anunciada pelo (pouco representativo) sindicato dos juízes é muito pouco consentânea com a própria dignidade da função judicial.
Mas se há juízes que se dispõem a autoassimilar-se a trabalhadores assalariados para recorrerem à greve, talvez seja de recordar que um dos instrumentos de que o Estado dispõe para combater greves que ponham em causa interesses públicos essenciais é o da requisição civil, com as inerentes sanções disciplinares e penais para quem não acatar as respetivas obrigações. Não seria propriamente edificante para a imagem social dos juízes envolvidos.

2. Penso que esta ameaça de greve não pode ser encarada de ânimo leve pelo Governo, tanto mais que ela visa explicitamente perturbar o processo eleitoral das autarquias locais.
Além de não dever manter qualquer contacto com o sindicato - até porque as condições do exercício de cargos públicos não devem, por princípio, ser objeto de negociação sindical nem coletiva - e de não ceder à chantagem sindical, o Governo deve tornar claro, desde o princípio, que não tolerará nenhuma perturbação concertada da atividade judicial e que não hesitará em tomar todas as medidas legalmente disponíveis para a evitar e para fazer sancionar os responsáveis, se ela ocorrer.
Sendo juíza-conselheira do STJ, a ministra da Justiça tem nesta circunstância uma dupla responsabilidade: (i) assegurar sem hesitações a autoridade do Estado e a prevalência do interesse público e (ii) salvaguardar a dignidade da função judicial, posta em causa pelo indecoroso radicalismo sindical.

Adenda
A greve de juízes seria tão bizarra como a "greve" de quaisquer outros titulares de cargo público, seja de órgãos de soberania (PR, Governo, deputados) ou não (membros de órgãos de governo das regiões autónomas ou do poder local, reguladores e gestores públicos, reitores universitários, etc.). Onde não há relação laboral, não há lugar para greves.

Adenda 2
Mesmo na hipótese improvável de uma medida que atentasse contra a independência judicial - que tivesse conseguido passar pelo crivo do PR e do TC e a natural oposição do CSM -, não há nenhuma razão para uma greve, havendo um meio muito mais expedito e eficaz, que todos os juízes têm, que seria recusar a sua aplicação por inconstitucionalidade.