1. Que a esquerda radical não gosta da economia de mercado, é mais do que sabido, dado seu credo anticapitalista. Que odeia em especial o capital estrangeiro, idem, dada a sua tradicional opção nacionalista. Por isso, não admira que o Bloco de Esquerda entenda que deve exigir do Governo que proíba a compra da TVI pela Altice, dona da MEO.
Mas esta exigência de veto governamental no referido negócio não deve ter seguimento. De duas uma:
- ou a compra põe em perigo o pluralismo dos média ou as regras da concorrência quanto a concentrações de empresas, e então não deve vingar, pelo menos não sem condições -, mas isso compete às autoridades reguladoras competentes e à Autoridade da Concorrência;
- ou as autoridades competentes decidem não impedir o negócio, por não se verificar nenhuma daquelas situações, e então não cabe ao Governo interferir nas regras de funcionamento do mercado, tanto mais que está em causa um investimento estrangeiro protegido pelas liberdades fundamentais da "constituição económica" da UE.
2. Não havendo elementos suficientes para tomar posição informada sobre a questão de fundo, importa, porém chamar a atenção para o facto de não estar em causa uma concentração de órgãos de comunicação social, que a Constituição impede. Trata-se, sim, de um "concentração vertical", da compra de uma empresa de média (a Média Capital) - que aliás é controlada por outra empresa de media estrangeira, a Prisa espanhola - por uma empresa de comunicações (a Altice).
Parece evidente, prima facie, que a integração das duas empresas não cria um risco de posição dominante de nenhuma delas no respetivo setor. Saber se, apesar disso, a operação deve ser sujeita a algumas condições, que impeçam possíveis repercussões negativas reflexas sobre a concorrência no setor dos média, eis o que só a Autoridade da Concorrência estará em condições de avaliar.
O que não pode ser motivo bastante para uma interferência do Governo não é nem a oposição interessada das demais empresas de telecomunicações, que veem a líder do mercado reforçar a sua posição, nem muito menos a oposição ideológica da esquerda radical.
Blogue fundado em 22 de Novembro de 2003 por Ana Gomes, Jorge Wemans, Luís Filipe Borges, Luís Nazaré, Luís Osório, Maria Manuel Leitão Marques, Vicente Jorge Silva e Vital Moreira
segunda-feira, 30 de outubro de 2017
domingo, 29 de outubro de 2017
Mapa político da UE
Publicado por
Vital Moreira
1. Este quadro da atual composição do Conselho Europeu - que é integrado pelos responsáveis supremos pelo governo dos 28 Estados-membros - é politicamente significativo a vários títulos.
Primeiro, mostra que, com poucas exceções, a grande maioria Estados-membros tem um sistema de governo parlamentar, em que o governo é chefiado por um primeiro-ministro (com este ou outro nome). As exceções são o único regime declaradamente presidencialista (Chipre) e os casos de semipresidencialismo em que o Presidente da República é o verdadeiro chefe do executivo (como na França) ou em que pelo menos tem a seu cargo a política externa (Lituânia e Roménia). Manifestamente, Portugal não se conta entre eles, pese embora a usual qualificação do sistema de governo nacional como "semipresidencialista" (o que, aliás, sempre contestei).
2. Em segundo lugar, quando à geografia partidária, estão representados os principais partidos políticos europeus, com exceção dos Verdes.
Curiosamente, os três principais partidos governam o mesmo número de países, com 7 governos, a saber o Partido Popular Europeu (em que se integram os nossos PPD/PSD e CDS/PP), o Partido Socialista Europeu (integrado pelo PS) e os Liberais (sem representação portuguesa). Na cauda da lista vêm os Conservadores e Reformistas (sem representação em Portugal), que governa dois países, e a Esquerda Unida Europeia (de que são membros o BE e o PCP), que governa um país (a Grécia). Há ainda três líderes nacionais dados como independentes. Considerando a composição partidária do Paramento Europeu, constata-se uma sub-representação do PPE e uma sobre-representação dos Liberais.
Por último, é notória a prevalência masculina, visto que só há quatro mulheres nos 28 representantes nacionais.
quinta-feira, 26 de outubro de 2017
O equívoco da "Europa das regiões"
Publicado por
Vital Moreira
1. Este artigo a advogar uma "Europa das regiões", no sentido de conferir uma dimensão infraestadual à União Europeia, assenta em alguns graves equívocos sobre a natureza da União.
Em primeiro lugar, a União é constitucionalmente uma união (protofederal) de Estados e não de regiões. As regiões só entram na composição do Comité das Regiões, que tem apenas competência consultiva, especialmente quanto à cooperação regional transfronteiriça. Em segundo lugar, a União está obrigada a respeitar a identidade constitucional dos Estados-membros, incluindo em matéria de descentralização territorial interna.
Não há nada nos Tratados que reconheça ou insinue um direito à autonomia regional ou federal dentro dos Estados, muito menos um direito à secessão. O grau de descentralização territorial e de autonomia regional constitui um assunto interno dos Estados-membros, em que a União não deve interferir (salvo quatro estejam em causa os princípios da democracia, do Estado de direito e dos direitos humanos).
2. Esta questão nada tem a ver com a opção por um entendimento "federal" ou "confederal" da UE. No meu caso, embora tendo um entendimento federal da UE e sendo defensor das regiões no plano interno, não compartilho do referido ponto de vista.
Mesmo nos Estados federais, as unidades federadas gozam de autonomia constitucional quanto aos graus e formas de descentralização territorial, podendo haver uma considerável assimetria entre elas. Por maioria de razão assim deve ser no caso da UE. Na União há Estados-membros que são federações (Alemanha, Áustria, Bélgica); há Estados unitários com autonomia político-administrativa das regiões (Itália, Espanha, Reino Unido, Portugal, etc.); e há Estados unitários apenas com autonomia local, que todos têm, mesmo assim em diversos níveis e graus.
A União só pode respeitar estritamente estas opções constitucionais nacionais.
3. Esta opção fundamental da União pelo respeito da autonomia constitucional dos Estados-membros em matéria de descentralização territorial interna também não tem nenhuma relação com o "intergovernamentalismo", que designa a situação em que as competências da União cabem ao Conselho, por vezes por unanimidade, sem intervenção decisória do Parlamento Europeu e da Comissão.
Ora, depois do Tratado de Lisboa a regra é o "método comunitário" - ou seja, iniciativa da Comissão e codecisão do PE e do Conselho, este deliberando por maioria qualificada -, embora várias áreas importantes continuem sujeitas ao método intergovernamental (política externa e de segurança, alguns aspetos da política económica e monetária, etc.). Mas é evidente que a redução ou o eventual abandono do intergovernamentalismo - que eu preconizo - em nada afeta a neutralidade da União quanto à opção dos Estados-membros sobre a sua estrutura territorial.
4. Houve tempo em que a ideia das "Europa das regiões" e de cooperação transfronteiriça ao nível das regiões serviu para alavancar a integração europeia, enfraquecendo o monopólio político interno dos Estados e dos governos nacionais.
Todavia, utilizar a mesma ideia hoje, a propósito da Catalunha, para pôr em causa a soberania dos Estados-membros e defender uma intervenção da União nessa esfera, lá onde os Tratados da União não deixam nenhuma dúvida, é um equívoco inconsequente e perigoso.
Em primeiro lugar, a União é constitucionalmente uma união (protofederal) de Estados e não de regiões. As regiões só entram na composição do Comité das Regiões, que tem apenas competência consultiva, especialmente quanto à cooperação regional transfronteiriça. Em segundo lugar, a União está obrigada a respeitar a identidade constitucional dos Estados-membros, incluindo em matéria de descentralização territorial interna.
Não há nada nos Tratados que reconheça ou insinue um direito à autonomia regional ou federal dentro dos Estados, muito menos um direito à secessão. O grau de descentralização territorial e de autonomia regional constitui um assunto interno dos Estados-membros, em que a União não deve interferir (salvo quatro estejam em causa os princípios da democracia, do Estado de direito e dos direitos humanos).
2. Esta questão nada tem a ver com a opção por um entendimento "federal" ou "confederal" da UE. No meu caso, embora tendo um entendimento federal da UE e sendo defensor das regiões no plano interno, não compartilho do referido ponto de vista.
Mesmo nos Estados federais, as unidades federadas gozam de autonomia constitucional quanto aos graus e formas de descentralização territorial, podendo haver uma considerável assimetria entre elas. Por maioria de razão assim deve ser no caso da UE. Na União há Estados-membros que são federações (Alemanha, Áustria, Bélgica); há Estados unitários com autonomia político-administrativa das regiões (Itália, Espanha, Reino Unido, Portugal, etc.); e há Estados unitários apenas com autonomia local, que todos têm, mesmo assim em diversos níveis e graus.
A União só pode respeitar estritamente estas opções constitucionais nacionais.
3. Esta opção fundamental da União pelo respeito da autonomia constitucional dos Estados-membros em matéria de descentralização territorial interna também não tem nenhuma relação com o "intergovernamentalismo", que designa a situação em que as competências da União cabem ao Conselho, por vezes por unanimidade, sem intervenção decisória do Parlamento Europeu e da Comissão.
Ora, depois do Tratado de Lisboa a regra é o "método comunitário" - ou seja, iniciativa da Comissão e codecisão do PE e do Conselho, este deliberando por maioria qualificada -, embora várias áreas importantes continuem sujeitas ao método intergovernamental (política externa e de segurança, alguns aspetos da política económica e monetária, etc.). Mas é evidente que a redução ou o eventual abandono do intergovernamentalismo - que eu preconizo - em nada afeta a neutralidade da União quanto à opção dos Estados-membros sobre a sua estrutura territorial.
4. Houve tempo em que a ideia das "Europa das regiões" e de cooperação transfronteiriça ao nível das regiões serviu para alavancar a integração europeia, enfraquecendo o monopólio político interno dos Estados e dos governos nacionais.
Todavia, utilizar a mesma ideia hoje, a propósito da Catalunha, para pôr em causa a soberania dos Estados-membros e defender uma intervenção da União nessa esfera, lá onde os Tratados da União não deixam nenhuma dúvida, é um equívoco inconsequente e perigoso.
quarta-feira, 25 de outubro de 2017
Fogos - a solidariedade europeia de que precisamos
Publicado por
AG
"Trágicos 17 de Junho e 15 Outubro! Portugueses e galegos, enlutados e atordoados, confrontam-se com os resultados de décadas de má gestão das florestas, de desordenamento do território, de despovoamento do interior e abandono das populações rurais, de captura do Estado por interesses, de desinvestimento na prevenção de fogos e na protecção civil, agravado pelo impacto das alterações climáticas.
Em Portugal já temos diagnóstico, recomendações de especialistas, decisões governamentais para apoiar as vítimas, reconstruir o que tem de ser reconstruído, corrigir o que tem de ser corrigido.
Para as levar à prática precisamos, também, de cidadãos atentos, a vigiar e pedir contas.
Precisamos de solidariedade europeia que deve ser, antes de mais, permitir que o esforço nacional de investimento na reconstrução e reorientação não conte para o défice estrutural. E precisamos da rápida activação de todas as ajudas financeiras.
Precisamos, claro, de uma verdadeira Força Europeia de Protecção Civil que tenha meios para chegar a tempo
Precisamos de Comissão Europeia atenta e interveniente. Porque este desafio geracional para Portugal e Espanha é, também, obviamente, um desafio a toda a União Europeia."
(Minha intervenção no debate em plenário do Parlamento Europeu, hoje, sobre mecanismos de resposta aos fogos florestais em Espanha e Portugal).
Não dá para entender (3)
Publicado por
Vital Moreira
Será que não havia outra personalidade para a chefia da unidade de missão para a montagem do novo sistema de prevenção e combate aos fogos florestais além do chefe do departamento florestal da indústria de celulose, que é a principal responsável e beneficiária da transformação de Portugal num paraíso do eucaliptal, que fez do país um incendiário barril de pólvora e criou uma verdadeira "floresta assassina"? Pois não é evidente o potencial conflito de interesses, entre o interesse público da proteção da floresta em geral e o interesse da fileira agro-celulósica na proteção e expansão da sua própria floresta?
Decididamente, não dá para entender!...
Decididamente, não dá para entender!...
terça-feira, 24 de outubro de 2017
UE - o mal está cá dentro
Publicado por
AG
"Os líderes europeus enganam-se e enganam os cidadãos se julgam gerir o afluxo migratório empurrando responsabilidades para o Estado falhado na Líbia e deitando dinheiro a regime africanos opressivos, fazedores de migrantes e refugiados: uma das ditaduras mais apoiadas e financiadas pela UE está em vias de desintegrar a Etiópia, com consequências dantescas para Africa e Europa, e ninguém na UE sequer nota...
Enganam-se os líderes europeus, e enganam, se pretendem dar segurança e proteger os cidadãos, mas ao mesmo tempo mantêm políticas não-liberais desreguladoras que permitem a máfias criminosas, incluindo terroristas, tirar partido da selva fiscal na UE, dos buracos no sistema IVA, dos paraísos fiscais offshore e onshore, para fazer dinheiro, branquear capitais e capturar governos e institituições: o cobarde assassinato da jornalista Daphne Caruana Galizia mostra que o mal está cá dentro. E não se confina a Malta!"
(Minha contribuição para o debate no PE esta manhã sobre a recente Cimeira Europeia)
Portucaliptal (23): "Oliveiras sim, eucaliptos não!"
Publicado por
Vital Moreira
1. Vale a pena ler esta reportagem sobre uma luta popular bem sucedida há três décadas
contra a eucaliptização do interior. Independentemente do juízo sobre a "ação direta" em causa, são de sublinhar dois aspetos postos em relevo na reportagem:
- o papel direto da indústria de celulose na eucaliptização extensiva do País, em substituição não somente do pinheiro bravo mas também de outras culturas tradicionais, como a oliveira;
- a opção dos governos de Cavaco Silva (que os governos posteriores não inverteram) pela eucaliptização industrial, promovida por ministros pessoalmente envolvidos com a indústria de celulose, com o apoio da CAP.
2. Como escrevo desde então, o Estado foi transformado numa agência ao serviço dos interesses da fileira agro-celulósica contra os interesses do País, uma opção política que redundou em incêndios cada vez mais devastadores e mortíferos, como resultado dessa eucalitização geral do território e do casamento fatal do eucalipto com o pinheiro.
Mas ainda há quem pretenda que as coisas continuem assim, em nome dos rendimentos dos proprietários florestais e dos lucros da celulose (em muitos casos confundidos), como se não houvesse alternativa e como se não houvesse que ponderar os custos para a coletividade. O resto do país paga!
contra a eucaliptização do interior. Independentemente do juízo sobre a "ação direta" em causa, são de sublinhar dois aspetos postos em relevo na reportagem:
- o papel direto da indústria de celulose na eucaliptização extensiva do País, em substituição não somente do pinheiro bravo mas também de outras culturas tradicionais, como a oliveira;
- a opção dos governos de Cavaco Silva (que os governos posteriores não inverteram) pela eucaliptização industrial, promovida por ministros pessoalmente envolvidos com a indústria de celulose, com o apoio da CAP.
2. Como escrevo desde então, o Estado foi transformado numa agência ao serviço dos interesses da fileira agro-celulósica contra os interesses do País, uma opção política que redundou em incêndios cada vez mais devastadores e mortíferos, como resultado dessa eucalitização geral do território e do casamento fatal do eucalipto com o pinheiro.
Mas ainda há quem pretenda que as coisas continuem assim, em nome dos rendimentos dos proprietários florestais e dos lucros da celulose (em muitos casos confundidos), como se não houvesse alternativa e como se não houvesse que ponderar os custos para a coletividade. O resto do país paga!
segunda-feira, 23 de outubro de 2017
O que o Presidente não deve fazer (11)
Publicado por
Vital Moreira
Embalado pelo êxito popular do seu incessante viajar pela zonas afetadas pelos incêndios, a confortar e a animar as pessoas, o Presidente da República achou por bem aconselhar publicamente os deputados a fazerem o mesmo.
Independentemente da bondade da ideia, penso que não cabe ao Presidente exprimi-la, e que, portanto, Marcelo Rebelo de Sousa foi mais uma vez longe de mais. De facto, uma coisa é exprimir a sua opinião sobre a condução das políticas públicas, outra coisa é o Presidente indicar aos titulares de outros órgãos de soberania como devem desempenhar o seu mandato, para mais tratando-se dos deputados, que são eleitos e só respondem perante os eleitores (tal como o Presidente). A recomendação de Belém faz tão pouco sentido institucional como o faria a situação inversa, em que a AR ousasse aconselhar o Presidente sobre o modo de exercício do seu próprio mandato!...
Sob pena de lamentável confusão de papéis, os titulares dos órgãos de soberania, a começar pelo PR, devem observar estritamente a separação de poderes constitucionalmente estabelecida e respeitar a autonomia política e constitucional dos demais.
Independentemente da bondade da ideia, penso que não cabe ao Presidente exprimi-la, e que, portanto, Marcelo Rebelo de Sousa foi mais uma vez longe de mais. De facto, uma coisa é exprimir a sua opinião sobre a condução das políticas públicas, outra coisa é o Presidente indicar aos titulares de outros órgãos de soberania como devem desempenhar o seu mandato, para mais tratando-se dos deputados, que são eleitos e só respondem perante os eleitores (tal como o Presidente). A recomendação de Belém faz tão pouco sentido institucional como o faria a situação inversa, em que a AR ousasse aconselhar o Presidente sobre o modo de exercício do seu próprio mandato!...
Sob pena de lamentável confusão de papéis, os titulares dos órgãos de soberania, a começar pelo PR, devem observar estritamente a separação de poderes constitucionalmente estabelecida e respeitar a autonomia política e constitucional dos demais.
sábado, 21 de outubro de 2017
Corporativismo (7): Nem mais uma Ordem, sff!
Publicado por
Vital Moreira
1. Quando o Governo é flagelado pelo comportamento sectariamente corporativista de várias ordens profissionais no setor da saúde - tendo o ministro da pasta vindo mesmo questionar publicamente o sentido das ordens profissionais (com razão, aliás) -, não entendo o apoio do grupo parlamentar do Partido Socialista à criação de mais uma ordem profissional nessa área, a dos fisioterapeutas, tendo aliás proposto mais uma, a dos técnicos de saúde, que não obteve apoio parlamentar.
A criação de novas ordens profissionais tem usualmente a sua origem num eficaz lobbying da associação profissional do setor, que consegue o patrocínio, muitas vezes interessado, de alguns deputados, acabando a ideia por obter o apoio acrítico de uma maioria de deputados, eles mesmos já pertencentes a ordens profissionais (advogados, médicos, engenheiros, arquitectos, enfermeiros, etc.).
Assim se faz a captura do Estado pelos interesses profissionais organizados!
2. A proliferação neocorporativista de ordens e câmaras profissionais, por via de regra protecionistas e "malthusianas", numa época dominada pela liberalização e concorrência na prestação de serviços profissionais, constitui um dos fenómenos mais estranhos da nossa vida institucional.
Nunca escondi as minhas fortes reservas em relação às ordens profissionais - aliás herdadas do corporativismo do "Estado Novo" e depois recicladas no regime democrático -, por entender que elas conferem um estatuto oficial à representação e defesa de certos grupos profisionais, já de si os mais poderosos, e proporcionando-lhes, através da inscrição e da quotização obrigatória, um enorme poder de ação e de influência contra o próprio Estado.
Não surpreende que quase todas as ordens profissionais tendam a esquecer ou a desvalorizar as suas funções oficiais (regulação, supervisão e disciplina da atividade profissional e defesa dos direitos dos utentes) e dediquem os seus meios, mais poderosos do que os dos sindicatos, à defesa dos interesses económicos e laborais da corporação, incluindo pelo patrocínio ou apoio a greves!.
Não admira, por isso, que, prevendo a lei que as ordens profissionais possam nomear um provedor dos clientes/utentes, NENHUMA o tenha feito!
3. Não são precisas as ordens profissinais para haver autorregualção e autodisciplina profissional, que sempre defendi. Esta pode ser efetuada, com vantagem, por conselhos reguladores, compostos por representantes eleitos pela profissão e presididos por uma personalidade independente, nomeada nos mesmos termos que os presidentes das autoridades reguladoras da área económica.
A diferença essencial é que tais conselhos não teriam as funções de representação e defesa oficial de interesses profissionais, designadamente económicos ou laborais, os quais se manteriam remetidos para a esfera das associações profissionais ou sindicais privadas, ao abrigo da liberdade de associação, como sucede com as demais profissões.
É tempo de acabar com o privilégio corporativo das "profissões ordenadas", que viola o princípio da igualdade e o princípio da separação entre o Estado e os interesses privados.
A criação de novas ordens profissionais tem usualmente a sua origem num eficaz lobbying da associação profissional do setor, que consegue o patrocínio, muitas vezes interessado, de alguns deputados, acabando a ideia por obter o apoio acrítico de uma maioria de deputados, eles mesmos já pertencentes a ordens profissionais (advogados, médicos, engenheiros, arquitectos, enfermeiros, etc.).
Assim se faz a captura do Estado pelos interesses profissionais organizados!
2. A proliferação neocorporativista de ordens e câmaras profissionais, por via de regra protecionistas e "malthusianas", numa época dominada pela liberalização e concorrência na prestação de serviços profissionais, constitui um dos fenómenos mais estranhos da nossa vida institucional.
Nunca escondi as minhas fortes reservas em relação às ordens profissionais - aliás herdadas do corporativismo do "Estado Novo" e depois recicladas no regime democrático -, por entender que elas conferem um estatuto oficial à representação e defesa de certos grupos profisionais, já de si os mais poderosos, e proporcionando-lhes, através da inscrição e da quotização obrigatória, um enorme poder de ação e de influência contra o próprio Estado.
Não surpreende que quase todas as ordens profissionais tendam a esquecer ou a desvalorizar as suas funções oficiais (regulação, supervisão e disciplina da atividade profissional e defesa dos direitos dos utentes) e dediquem os seus meios, mais poderosos do que os dos sindicatos, à defesa dos interesses económicos e laborais da corporação, incluindo pelo patrocínio ou apoio a greves!.
Não admira, por isso, que, prevendo a lei que as ordens profissionais possam nomear um provedor dos clientes/utentes, NENHUMA o tenha feito!
3. Não são precisas as ordens profissinais para haver autorregualção e autodisciplina profissional, que sempre defendi. Esta pode ser efetuada, com vantagem, por conselhos reguladores, compostos por representantes eleitos pela profissão e presididos por uma personalidade independente, nomeada nos mesmos termos que os presidentes das autoridades reguladoras da área económica.
A diferença essencial é que tais conselhos não teriam as funções de representação e defesa oficial de interesses profissionais, designadamente económicos ou laborais, os quais se manteriam remetidos para a esfera das associações profissionais ou sindicais privadas, ao abrigo da liberdade de associação, como sucede com as demais profissões.
É tempo de acabar com o privilégio corporativo das "profissões ordenadas", que viola o princípio da igualdade e o princípio da separação entre o Estado e os interesses privados.
Que pague os riscos da floresta quem lucra com ela!
Publicado por
Vital Moreira
1. Em termos económicos, a economia florestal apresenta enormes "externalidades negativas" para a coletividade, em termos de fogos florestais, de danos ambientais e paisagísticos, etc.
Os benefícios económicos vão para os proprietários florestais e, em especial, para a indústria de celulose, uma das mais lucrativas atividades económicas do País; mas uma parte importante dos custos dessa atividade económica, os da prevenção e combate aos fogos florestais e de indemnização das suas vítimas, recai sobre o Estado e sobre os contribuintes, uma despesa anual de mais de 100 milhões de euros.
Lucros privados, custos públicos!
2. Tal como sucede em relação às "externalidades" associadas às atividades poluentes (princípio poluidor-pagador), importa "internalizar" os referidos custos na fileira agro-industrial da celulose, imputando-os aos seus beneficiários, ou seja, os produtores florestais e a indústria de celulose (que, aliás, é grande produtora florestal, num regime de "integração" vertical da fileira).
Defendo, por isso, que pelo menos os custos orçamentais com a defesa e proteção da floresta contra incêndios sejam suportados por um adicional ao IMI sobre as florestas e por uma contribuição especial das empresas de celuloses (mais justificada do que as contribuições especiais exigidas aos bancos ou às empresas de energia).
Os contribuintes em geral não têm de pagar os riscos crescentes da economia agro-celulósica (que se estão a tornar também um pesado risco orçamental). E equanto não trocarmos de floresta, abandonando a errada opção nacional (que vem do "Estado Novo") por uma floresta industrial de matas extensivas de pinheiro bravo e eucalipto (como defendi anteriormente), não há nenhuma razão para fugir ao princípio beneficiários-pagadores!
Adenda
Sem contar as indemnizações às vítimas pessoais, ainda por apurar (mas que certamente atingirá um valor elevado), o montnte alocado para a reparação de prejuízos patrimoniais (casas, culturas, empresas) dos dois grandes incêndios deste ano chega a perto dos 400 milhões! Contribuinte paga!
Os benefícios económicos vão para os proprietários florestais e, em especial, para a indústria de celulose, uma das mais lucrativas atividades económicas do País; mas uma parte importante dos custos dessa atividade económica, os da prevenção e combate aos fogos florestais e de indemnização das suas vítimas, recai sobre o Estado e sobre os contribuintes, uma despesa anual de mais de 100 milhões de euros.
Lucros privados, custos públicos!
2. Tal como sucede em relação às "externalidades" associadas às atividades poluentes (princípio poluidor-pagador), importa "internalizar" os referidos custos na fileira agro-industrial da celulose, imputando-os aos seus beneficiários, ou seja, os produtores florestais e a indústria de celulose (que, aliás, é grande produtora florestal, num regime de "integração" vertical da fileira).
Defendo, por isso, que pelo menos os custos orçamentais com a defesa e proteção da floresta contra incêndios sejam suportados por um adicional ao IMI sobre as florestas e por uma contribuição especial das empresas de celuloses (mais justificada do que as contribuições especiais exigidas aos bancos ou às empresas de energia).
Os contribuintes em geral não têm de pagar os riscos crescentes da economia agro-celulósica (que se estão a tornar também um pesado risco orçamental). E equanto não trocarmos de floresta, abandonando a errada opção nacional (que vem do "Estado Novo") por uma floresta industrial de matas extensivas de pinheiro bravo e eucalipto (como defendi anteriormente), não há nenhuma razão para fugir ao princípio beneficiários-pagadores!
Adenda
Sem contar as indemnizações às vítimas pessoais, ainda por apurar (mas que certamente atingirá um valor elevado), o montnte alocado para a reparação de prejuízos patrimoniais (casas, culturas, empresas) dos dois grandes incêndios deste ano chega a perto dos 400 milhões! Contribuinte paga!
sexta-feira, 20 de outubro de 2017
Novo ciclo político?
Publicado por
Vital Moreira
1. Não falta quem, à esquerda, tendo até agora tecido os maiores encómios à cooperação de Marcelo Rebelo de Sousa com o Governo e fechado os olhos à sua ingerência direta em assuntos governativos - como fui anotando na minha série "O que o PR não deve fazer" -, apareça agora a protestar contra a intervenção do PR na terça-feira passada, acusando-o de "ataque ao Governo" e, até, de ter uma "agenda escondida" de derrube do Governo!
Penso que sem razão.
Sendo eu insuspeito de qualquer simpatia pelo ativismo presidencial, devo dizer que não me surpreendeu (salvo talvez na dramatização da linguagem) a admoestação política ao Governo quanto à reação à tragédia aos fogos florestais, que revelou várias fragilidades, nem o desafio sobre a clarificação do apoio parlamentar ao Governo, dada a ambiguidade do compromisso político revelado em especial pelo PCP (incluindo na reforma florestal e na política de prevenção e combate aos incêndios). Como "supervisor" independente do sistema político e "árbitro" do seu funcionamento, o Presidente não governa nem cogoverna (nem, muito menos, "contragoverna"), mas tem um poder de conselho, de alerta e, mesmo, de advertência política em casos justificados.
2. É claro que pela primeira vez, o PR se demarcou politicamente do Governo e de forma ostensivamente pública, o que pode alterar o propício e benévolo ambiente político de que o executivo tem beneficiado e fragilizar a sua posição.
Mas também é certo que no nosso sistema constitucional os governos não precisam de apoio presidencial e que, se tiverem um sólido apoio parlamentar, podem mesmo conviver com a inamistosidade presidencial, como sucedeu no passado com vários governos.
Para saber se estamos perante um "novo ciclo" na vida do Governo de António Costa, como muitos observadores entendem, há que verificar se ele consegue reforçar o grau de compromisso político dos parceiros da protomaioria parlamentar (no que a moção de censura do CDS pode ajudar...), e a que preço, e se a desafeição de Belém é pontual ou se veio para ficar.
Penso que sem razão.
Sendo eu insuspeito de qualquer simpatia pelo ativismo presidencial, devo dizer que não me surpreendeu (salvo talvez na dramatização da linguagem) a admoestação política ao Governo quanto à reação à tragédia aos fogos florestais, que revelou várias fragilidades, nem o desafio sobre a clarificação do apoio parlamentar ao Governo, dada a ambiguidade do compromisso político revelado em especial pelo PCP (incluindo na reforma florestal e na política de prevenção e combate aos incêndios). Como "supervisor" independente do sistema político e "árbitro" do seu funcionamento, o Presidente não governa nem cogoverna (nem, muito menos, "contragoverna"), mas tem um poder de conselho, de alerta e, mesmo, de advertência política em casos justificados.
2. É claro que pela primeira vez, o PR se demarcou politicamente do Governo e de forma ostensivamente pública, o que pode alterar o propício e benévolo ambiente político de que o executivo tem beneficiado e fragilizar a sua posição.
Mas também é certo que no nosso sistema constitucional os governos não precisam de apoio presidencial e que, se tiverem um sólido apoio parlamentar, podem mesmo conviver com a inamistosidade presidencial, como sucedeu no passado com vários governos.
Para saber se estamos perante um "novo ciclo" na vida do Governo de António Costa, como muitos observadores entendem, há que verificar se ele consegue reforçar o grau de compromisso político dos parceiros da protomaioria parlamentar (no que a moção de censura do CDS pode ajudar...), e a que preço, e se a desafeição de Belém é pontual ou se veio para ficar.
Falsas "geringonças"
Publicado por
Vital Moreira
1. Sempre que, por esse mundo fora, há um governo de coligação que afasta o partido que ganhou as eleições sem maioria absoluta, lá vem a conversa da "geringonça", como sucede agora a propósito do novo Governo da Nova Zelândia.
Não é bem assim, porém! O que confere inusitada originalidade à atual solução governativa portuguesa, em termos comparados, não é somente o facto de ela ter sido constituída contra a coligação eleitoral que ganhou as eleições (e contra o partido mais representado no parlamento) e de associar partidos até agora desavindos. É também, e sobretudo, o facto de ela assentar num imaginoso arranjo político, que consiste num governo minoritário do PS, sustentado num acordo parlamentar com o BE e o PCP, que preferiram, porém, não entrar no Governo, a fim de não se comprometerem integralmente com o seu programa e com as suas políticas, ficando com as mãos livres para se demarcarem de algumas decisões governamentais (por exemplo, disciplina orçamental e política europeia) e permitirem ao Governo, em compensação, obter o apoio da oposição de direita para fazer aprovar certas medidas contra os seus aliados parlamentares!
2. É esta geometria variável de um governo minoritário dependente do apoio ambíguo e descontínuo dos seus aliados parlamentares que permite qualificar apropriadamente a atual solução governativa portuguesa como uma espécie de "geringonça" institucional, no sentido de ser uma construção assaz improvável - pela sua complexa arquitetura e inusual engenharia - e de, apesar disso, funcionar.
Não banalizemos, portanto, essa qualificação, aplicando-a a outras soluções governativas, como os governos de coligação que excluem o partido vencedor, as quais são perfeitamente conformes à lógica do funcionamento dos sistemas de governo parlamentar e não são coisa assim tão invulgar lá fora, desde a experiência em algumas comunidades autónomas espanholas até este caso neozelandês (com o "picante" de nos antípodas a coligação incluir os socialistas, os verdes e... a direita populista!).
Adenda
Aposto que na Nova Zelândia, o Partido Nacional, que foi afastado do poder apesar de ter ganho as eleições (com 44%!), não vai contestar a legitimidade política do novo Governo, liderado pelo Partido Trabalhista (com 37%), como lamentavelmente aconteceu entre nós em 2015 por parte do PSD e do CDS, numa lastimável demonstração de incultura democrática.
Não é bem assim, porém! O que confere inusitada originalidade à atual solução governativa portuguesa, em termos comparados, não é somente o facto de ela ter sido constituída contra a coligação eleitoral que ganhou as eleições (e contra o partido mais representado no parlamento) e de associar partidos até agora desavindos. É também, e sobretudo, o facto de ela assentar num imaginoso arranjo político, que consiste num governo minoritário do PS, sustentado num acordo parlamentar com o BE e o PCP, que preferiram, porém, não entrar no Governo, a fim de não se comprometerem integralmente com o seu programa e com as suas políticas, ficando com as mãos livres para se demarcarem de algumas decisões governamentais (por exemplo, disciplina orçamental e política europeia) e permitirem ao Governo, em compensação, obter o apoio da oposição de direita para fazer aprovar certas medidas contra os seus aliados parlamentares!
2. É esta geometria variável de um governo minoritário dependente do apoio ambíguo e descontínuo dos seus aliados parlamentares que permite qualificar apropriadamente a atual solução governativa portuguesa como uma espécie de "geringonça" institucional, no sentido de ser uma construção assaz improvável - pela sua complexa arquitetura e inusual engenharia - e de, apesar disso, funcionar.
Não banalizemos, portanto, essa qualificação, aplicando-a a outras soluções governativas, como os governos de coligação que excluem o partido vencedor, as quais são perfeitamente conformes à lógica do funcionamento dos sistemas de governo parlamentar e não são coisa assim tão invulgar lá fora, desde a experiência em algumas comunidades autónomas espanholas até este caso neozelandês (com o "picante" de nos antípodas a coligação incluir os socialistas, os verdes e... a direita populista!).
Adenda
Aposto que na Nova Zelândia, o Partido Nacional, que foi afastado do poder apesar de ter ganho as eleições (com 44%!), não vai contestar a legitimidade política do novo Governo, liderado pelo Partido Trabalhista (com 37%), como lamentavelmente aconteceu entre nós em 2015 por parte do PSD e do CDS, numa lastimável demonstração de incultura democrática.
quinta-feira, 19 de outubro de 2017
"Os interesses do grande capital"
Publicado por
Vital Moreira
Um leitor acusa-me de, ao propor a baixa do imposto sobre as empresas (IRC), estar a "defender os interesses do grande capital" e a "alinhar com a direita". Deixando de lado as despropositadas acusações, há aqui um manifesto equívoco.
Antes de mais, a baixa do IRC é perfeitamente defensável de um posto de vista de esquerda (que é o meu), tendo em conta os benefícios associados à maior competitividade da economia nacional e à atração de investimento direto estrangeiro (como refiro no citado post). Foi seguramente por isso que o próprio PS acordou em 2013 com o então Governo uma redução desse imposto (e o facto de posteriormente ter retirado apoio a essa medida não altera o juízo positivo sobre ela).
Em segundo lugar, os lucros das empresas têm dois destinos: (i) ou são reinvestidos na empresa, o que é bom, e portanto não vão para os bolsos do "grande capital"; (ii) ou são distribuídos em dividendos pelos acionistas, que nessa altura pagarão IRS por esse rendimento, cuja taxa no caso português (28%) é ainda mais elevada do que a taxa do IRC.
Portanto, em qualquer caso, a baixa do IRC pode bem servir o interesse público!
Antes de mais, a baixa do IRC é perfeitamente defensável de um posto de vista de esquerda (que é o meu), tendo em conta os benefícios associados à maior competitividade da economia nacional e à atração de investimento direto estrangeiro (como refiro no citado post). Foi seguramente por isso que o próprio PS acordou em 2013 com o então Governo uma redução desse imposto (e o facto de posteriormente ter retirado apoio a essa medida não altera o juízo positivo sobre ela).
Em segundo lugar, os lucros das empresas têm dois destinos: (i) ou são reinvestidos na empresa, o que é bom, e portanto não vão para os bolsos do "grande capital"; (ii) ou são distribuídos em dividendos pelos acionistas, que nessa altura pagarão IRS por esse rendimento, cuja taxa no caso português (28%) é ainda mais elevada do que a taxa do IRC.
Portanto, em qualquer caso, a baixa do IRC pode bem servir o interesse público!
quarta-feira, 18 de outubro de 2017
Magistratura presidencial
Publicado por
Vital Moreira
1. Nosso sistema político, como é próprio dos regimes parlamentares, o Governo não depende da confiança política do Presidente da República, que o não pode demitir por discordância política; nem as políticas governamentais dependem da aprovação ou concordância presidencial. E, por maioria de razão, o PR também não pode demitir ministros, que só dependem da confiança do Primeiro-Ministro. Separação de poderes oblige...
Mas nada impede que, no uso de uma ponderada "magistratura de influência" presidencial (na fórmula de Mário Soares), que a Constituição não exclui, o PR se permita aconselhar ou, mesmo, emitir advertências políticas ao Governo, quer quanto a políticas governamentais quer quanto à equipa governativa, as quais, em circunstâncias excecionais, podem ser ser feitas publicamente, como ontem sucedeu, a propósito da tragédia dos fogos florestais.
2. De resto, o atípico e assertivo discurso presidencial de ontem parece marcar o início de um novo ciclo, menos sintonizado, nas relações entre Belém e São Bento. Seja como for, pelo seu tom e pelo seu conteúdo propositivo, explícito e implícito, a alocução presidencial pode ter mais impacto político do que a moção de censura do CDS, naturalmente destinada ao insucesso no combate entre o Governo e a oposição de direita na arena parlamentar.
O mínimo que se pode dizer, nas atuais circunstâncias, é que seria politicamente imprudente o Primeiro-Ministro não tomar na devida consideração as sentidas preocupações do PR, que manifestamente são compartilhadas por muitos cidadãos e pela opinião pública em geral...
Mas nada impede que, no uso de uma ponderada "magistratura de influência" presidencial (na fórmula de Mário Soares), que a Constituição não exclui, o PR se permita aconselhar ou, mesmo, emitir advertências políticas ao Governo, quer quanto a políticas governamentais quer quanto à equipa governativa, as quais, em circunstâncias excecionais, podem ser ser feitas publicamente, como ontem sucedeu, a propósito da tragédia dos fogos florestais.
2. De resto, o atípico e assertivo discurso presidencial de ontem parece marcar o início de um novo ciclo, menos sintonizado, nas relações entre Belém e São Bento. Seja como for, pelo seu tom e pelo seu conteúdo propositivo, explícito e implícito, a alocução presidencial pode ter mais impacto político do que a moção de censura do CDS, naturalmente destinada ao insucesso no combate entre o Governo e a oposição de direita na arena parlamentar.
O mínimo que se pode dizer, nas atuais circunstâncias, é que seria politicamente imprudente o Primeiro-Ministro não tomar na devida consideração as sentidas preocupações do PR, que manifestamente são compartilhadas por muitos cidadãos e pela opinião pública em geral...
Orçamento (VII): Voltar ao mesmo
Publicado por
Vital Moreira
1. O Governo aproveita o projeto de orçamento de 2018 para atualizar a taxa de crescimento económico para este ano, de 1,8% para 2,6%, mas reduz a previsão do défice orçamental somente de 1,5% para 1,4% e a dívida pública de 127,7% para 126,2%.
É positivo, mas é muito pouco. Um diferencial de crescimento daquela magnitude deveria traduzir-se num défice muito menor e numa redução bem maior da dívida pública, como aqui anotei.
2. A explicação para esta frustrante falta de ambição está obviamente em que a maior parte da folga orçamental adicional foi consumida em mais despesa pública, sobretudo despesas com pessoal e com transferências sociais, que sobem significativamente em relação ao montante orçamentado (mais uns 800 milhões!), voltando à trajetória ascendente de antes de 2008.
Ora, por se tratar de despesa rígida, não reversível, este considerável aumento do peso orçamental da despesa pública com pessoal e com gastos sociais - e não com investimento público! - não é propriamente aconselhável quando a consolidação orçamental está longe de terminada (sobretudo em termos estruturais) e o montante da dívida externa continua a aumentar.
Adenda (21/10)
Poucas vezes concordo com as opiniões de Nicolau Santps no suplemento económico do Expresso. Faço uma exceção para subscrever a sua opinião de hoje, de que o projeto de orçamento de 2018 é uma "festa" (para as bases eleitorais da esquerda) e um "risco" (para o país).
É positivo, mas é muito pouco. Um diferencial de crescimento daquela magnitude deveria traduzir-se num défice muito menor e numa redução bem maior da dívida pública, como aqui anotei.
2. A explicação para esta frustrante falta de ambição está obviamente em que a maior parte da folga orçamental adicional foi consumida em mais despesa pública, sobretudo despesas com pessoal e com transferências sociais, que sobem significativamente em relação ao montante orçamentado (mais uns 800 milhões!), voltando à trajetória ascendente de antes de 2008.
Ora, por se tratar de despesa rígida, não reversível, este considerável aumento do peso orçamental da despesa pública com pessoal e com gastos sociais - e não com investimento público! - não é propriamente aconselhável quando a consolidação orçamental está longe de terminada (sobretudo em termos estruturais) e o montante da dívida externa continua a aumentar.
Adenda (21/10)
Poucas vezes concordo com as opiniões de Nicolau Santps no suplemento económico do Expresso. Faço uma exceção para subscrever a sua opinião de hoje, de que o projeto de orçamento de 2018 é uma "festa" (para as bases eleitorais da esquerda) e um "risco" (para o país).
Responsabilidade política (II)
Publicado por
Vital Moreira
1. No nosso sistema constitucional de governo, de tipo caracteristicamente parlamentar (a designação corrente de "semipresidencialismo" é um infeliz equívoco), o Governo só depende da confiança política da Assembleia da República, não do Presidente da República (embora a posição presidencial não seja politicamente irrelevante, longe disso).
Acresce que, constitucionalmente, em caso de moção de censura da oposição, o Governo só cai automaticamente se ela for aprovada por maioria absoluta, o que protege normalmente os governos minoritários. No nosso caso, isso só ocorreu uma vez, em 1987, quando uma "coligação" ocasional da esquerda parlamentar com o então PRD fez cair o 1º Governo de Cavaco Silva, não conseguindo depois formar um governo alternativo, o que abriu caminho à primeira maioria absoluta do PSD.
2. Na situação atual, não podendo a oposição conjunta CDS-PSD derrubar o Governo, a aliança parlamentar que lhe deu origem não pode deixar isolado o PS e permitir a sua derrota politica (por ter menos deputados do que a direita), o que tornaria a posição do Governo politicamente insustentável, pelo que, tal como sucedeu há dois anos na moção de rejeição do programa de governo, o BE e o PCP terão de alinhar numa frente unida na rejeição da moção de censura do CDS, assim reeditando a confiança parlamentar no Governo. (A "Geringonça" não serve só para sacar dividendos orçamentais...).
Muitas vezes, as moções de censura acabam por reforçar politicamente os governos. Assim funciona a democracia parlamentar!
3. No nosso sistema constitucional, a responsabilidade parlamentar do Governo é coletiva ("solidária"), protagonizada pelo Primeiro-Ministro, não havendo moções de censura dirigidas individualmente contra ministros em concreto (mesmo se centradas sobre uma certa política governamental). Os ministros só são individualmente responsáveis perante o Primeiro-Ministro, não perante o parlamento.
A experiência doméstica e comparada mostra que, habitualmente, não é quando o Governo está sob fogo da oposição que os chefes de Governo despedem os seus ministros. Por isso, mesmo à custa de algum desgaste político, as moções de censura podem acabar por levar os governos a cerrar fileiras, em caso de ataque focado sobre um dos seus membros.
Na democracia parlamentar, as moções de censura podem ser "paus de dois bicos".
Acresce que, constitucionalmente, em caso de moção de censura da oposição, o Governo só cai automaticamente se ela for aprovada por maioria absoluta, o que protege normalmente os governos minoritários. No nosso caso, isso só ocorreu uma vez, em 1987, quando uma "coligação" ocasional da esquerda parlamentar com o então PRD fez cair o 1º Governo de Cavaco Silva, não conseguindo depois formar um governo alternativo, o que abriu caminho à primeira maioria absoluta do PSD.
2. Na situação atual, não podendo a oposição conjunta CDS-PSD derrubar o Governo, a aliança parlamentar que lhe deu origem não pode deixar isolado o PS e permitir a sua derrota politica (por ter menos deputados do que a direita), o que tornaria a posição do Governo politicamente insustentável, pelo que, tal como sucedeu há dois anos na moção de rejeição do programa de governo, o BE e o PCP terão de alinhar numa frente unida na rejeição da moção de censura do CDS, assim reeditando a confiança parlamentar no Governo. (A "Geringonça" não serve só para sacar dividendos orçamentais...).
Muitas vezes, as moções de censura acabam por reforçar politicamente os governos. Assim funciona a democracia parlamentar!
3. No nosso sistema constitucional, a responsabilidade parlamentar do Governo é coletiva ("solidária"), protagonizada pelo Primeiro-Ministro, não havendo moções de censura dirigidas individualmente contra ministros em concreto (mesmo se centradas sobre uma certa política governamental). Os ministros só são individualmente responsáveis perante o Primeiro-Ministro, não perante o parlamento.
A experiência doméstica e comparada mostra que, habitualmente, não é quando o Governo está sob fogo da oposição que os chefes de Governo despedem os seus ministros. Por isso, mesmo à custa de algum desgaste político, as moções de censura podem acabar por levar os governos a cerrar fileiras, em caso de ataque focado sobre um dos seus membros.
Na democracia parlamentar, as moções de censura podem ser "paus de dois bicos".
Orçamento (VI): "Lisbon first"
Publicado por
Vital Moreira
1. Pode o SNS ou o sistema de investigação científica revelar um óbvio défice de financiamento, tendo em conta desde logo os novos encargos com pessoal? Pode faltar dinheiro suficiente para avançar celeremente com infraestruturas essenciais por esse país fora, no domínio ferroviário ou até rodoviário (como a substituição do infame IP3 entre Coimbra e Viseu)? Pode! O que não falta nunca no orçamento é uma pingue dotação para a expansão da rede de metro de Lisboa e do Porto.
Continuo a não me conformar com esta situação, como tenho defendido ao longo de muitos anos! É tempo de libertar o orçamento de Estado desse nutrido encargo espúrio!
2. De facto, num país decentemente ordenado os transportes urbanos não devem ser responsabilidade do Estado central mas sim responsabilidade municipal ou intermunicipal (como, aliás, sucedia até 1975), ao abrigo dos princípios constitucionais da descentralização e da subsidiariedade. O argumento que serviu (e bem!) para remunicipalizar os transportes rodoviários de Lisboa e do Porto (Carris e SNTP) - ou seja, o de que a gestão municipal é mais apropriada e mais consentânea com os referidos princípios - vale inteiramente para a rede de metropolitano.
De resto, não se percebe como é que se podem coordenar efetivamente os dois modos de transporte numa cidade, se a gestão e a responsabilidade pelos investimentos estiver separada!
3. Não existe nenhuma razão para que os contribuintes do resto do país, desde Caminha a V. Real de Sto. António, que já pagam os seus próprios transportes urbanos (quando os têm!) como responsabilidade dos seus municípios, tenham de subsidiar também os de Lisboa e do Porto, dispensando os seus beneficiários desse encargo. Trata-se de uma verdadeira espoliação dos pobres pelos ricos!
Agora, que está na agenda política um ambicioso pacote da descentralização territorial, considero um escândalo que o Estado continue a assumir o investimento desse modo de transporte urbano das duas principais e mais ricas cidades do País.
Contradições que o atavismo centralista tece!...
Continuo a não me conformar com esta situação, como tenho defendido ao longo de muitos anos! É tempo de libertar o orçamento de Estado desse nutrido encargo espúrio!
2. De facto, num país decentemente ordenado os transportes urbanos não devem ser responsabilidade do Estado central mas sim responsabilidade municipal ou intermunicipal (como, aliás, sucedia até 1975), ao abrigo dos princípios constitucionais da descentralização e da subsidiariedade. O argumento que serviu (e bem!) para remunicipalizar os transportes rodoviários de Lisboa e do Porto (Carris e SNTP) - ou seja, o de que a gestão municipal é mais apropriada e mais consentânea com os referidos princípios - vale inteiramente para a rede de metropolitano.
De resto, não se percebe como é que se podem coordenar efetivamente os dois modos de transporte numa cidade, se a gestão e a responsabilidade pelos investimentos estiver separada!
3. Não existe nenhuma razão para que os contribuintes do resto do país, desde Caminha a V. Real de Sto. António, que já pagam os seus próprios transportes urbanos (quando os têm!) como responsabilidade dos seus municípios, tenham de subsidiar também os de Lisboa e do Porto, dispensando os seus beneficiários desse encargo. Trata-se de uma verdadeira espoliação dos pobres pelos ricos!
Agora, que está na agenda política um ambicioso pacote da descentralização territorial, considero um escândalo que o Estado continue a assumir o investimento desse modo de transporte urbano das duas principais e mais ricas cidades do País.
Contradições que o atavismo centralista tece!...
terça-feira, 17 de outubro de 2017
Responsabilidade política
Publicado por
Vital Moreira
A primeira e prioritária obrigação do Estado constitucional na garantia dos direitos fundamentais é assegurar o direito à vida e à propriedade dos cidadãos contra agressões de terceiros ou de fenómenos naturais. Quando o Estado falha rotundamente essa obrigação em duas situações idênticas próximas no tempo, como a perda de muitas vidas humanas e de um incalculável património às mãos dos fogos florestais, algo correu muito mal e alguém tem de assumir responsabilidades.
A responsabilidade do poder político e dos seus titulares não se resume à indemnização pública aos lesados pelos danos sofridos ("responsabilidade civil" do Estado), estendendo-se naturalmente à responsabilidade política - que em última instância se traduz na perda do cargo -, quer diretamente pelos atos próprios, quer pelas falhas dos serviços sob sua direção ou tutela, por culpa na escolha dos subordinados (culpa in eligendo) ou na sua direção ou superintendência (culpa in vigilando).
Como sói dizer-se (apropriadamente, aliás), em casos desta gravidade, "a culpa não pode morrer solteira", nem a responsabilidade pode ficar sem dono.
A responsabilidade do poder político e dos seus titulares não se resume à indemnização pública aos lesados pelos danos sofridos ("responsabilidade civil" do Estado), estendendo-se naturalmente à responsabilidade política - que em última instância se traduz na perda do cargo -, quer diretamente pelos atos próprios, quer pelas falhas dos serviços sob sua direção ou tutela, por culpa na escolha dos subordinados (culpa in eligendo) ou na sua direção ou superintendência (culpa in vigilando).
Como sói dizer-se (apropriadamente, aliás), em casos desta gravidade, "a culpa não pode morrer solteira", nem a responsabilidade pode ficar sem dono.
segunda-feira, 16 de outubro de 2017
Floresta assassina (bis)
Publicado por
Vital Moreira
1. Utilizei esta expressão "floresta assassina", com algum eco público, aquando dos trágicos incêndios de Pedrógão no verão passado. Agora, depois do inimaginável dia de ontem, já em pleno outono, é caso para dizer que a assassina virou serial killer perante os nossos olhos incrédulos.
Com a devastadora perda de tantas vidas humanas no mesmo ano, o problema dos fogos florestais já não é apenas de ordenamento, limpeza e vigilância das florestas. Com a mudança climática a somar-se à inexoravel desertificação humana das zonas rurais, o que começa a tornar-se claro é que deixámos de ter condições logísticas para manter o país transformado numa extensa mata quase contínua de pinheiro bravo e de eucalipto ao serviço da indústria da celulose (na imagem a inquietante carta de risco de incêndio já em 2005).
2. Chegou o momento de questionar se queremos pagar um preço tão alto em vidas humanas e em inglório investimento na prevenção e combate aos incêndios, para tentar manter, com insucesso crescente, uma floresta industrial cada vez mais inadequada às condições orográficas, climáticas e humanas do País, em vez de equacionar corajosamente o regresso ao antigo coberto florestal de espécies autóctones, como o carvalho, o castanheiro, o sobreiro, a azinheira e outras, muito menos vulneráveis aos fogos florestais.
Os interesses identificados com a floresta industrial são poderosos e não são dados a escrúpulos na pressão sobre o poder político. Mas até quando é que estamos preparados para assistir sem revolta a dias de desespero como o de ontem?!
Com a devastadora perda de tantas vidas humanas no mesmo ano, o problema dos fogos florestais já não é apenas de ordenamento, limpeza e vigilância das florestas. Com a mudança climática a somar-se à inexoravel desertificação humana das zonas rurais, o que começa a tornar-se claro é que deixámos de ter condições logísticas para manter o país transformado numa extensa mata quase contínua de pinheiro bravo e de eucalipto ao serviço da indústria da celulose (na imagem a inquietante carta de risco de incêndio já em 2005).
2. Chegou o momento de questionar se queremos pagar um preço tão alto em vidas humanas e em inglório investimento na prevenção e combate aos incêndios, para tentar manter, com insucesso crescente, uma floresta industrial cada vez mais inadequada às condições orográficas, climáticas e humanas do País, em vez de equacionar corajosamente o regresso ao antigo coberto florestal de espécies autóctones, como o carvalho, o castanheiro, o sobreiro, a azinheira e outras, muito menos vulneráveis aos fogos florestais.
Os interesses identificados com a floresta industrial são poderosos e não são dados a escrúpulos na pressão sobre o poder político. Mas até quando é que estamos preparados para assistir sem revolta a dias de desespero como o de ontem?!
Sorte trocada
Publicado por
Vital Moreira
Bafejado pela fortuna no campo económico e financeiro, o País viu-se desesperadamente desamparado pela sorte no campo da meteorologia e dos incêndios florestais.
Houvesse opção, e os portugueses trocariam de bom grado...
Houvesse opção, e os portugueses trocariam de bom grado...
Orçamento (V): Impostos virtuosos
Publicado por
Vital Moreira
1. Tirando a redução do IRS e a ideia de agravamento do IRC, referidas em posts anteriores, as restantes modificações fiscais anunciadas no projeto de orçamento para o ano que vem são em geral virtuosas quanto aos seus efeitos extrafiscais.
2. Começando pelos agravamentos fiscais, o aumento dos impostos sobre bebidas alcoólicas e sobre alimentos com excesso de componentes nocivos para a saúde (sal, etc.) têm um efeito dissuasor sobre o seu consumo, que já se mostrou eficaz no caso das bebidas excessivamente açucaradas. Só não se percebe a não inclusão do vinho, tanto mais que o setor vai bem e se recomenda.
O aumento do imposto de selo sobre o crédito ao consumo e dos impostos sobre o automóvel visam travar a bolha de compras a crédito, que afeta negativamente a balança comercial externa, como aqui se notou. Só é de estranhar não haver medidas para restringir o excesso do crédito à habitação.
O agravamento da taxa sobre o carvão das centrais elétricas sistémicas visa dissuadir o seu uso, dados os seus custos ambientais. Mas o melhor mesmo era encerrá-las!
3. Quanto a incentivos fiscais, a redução do IRC nos casos de investimento de lucros e de aumentos de capital corrigem uma distorção que favorecia o financiamento empresarial com recurso ao crédito e pode ajudar a minorar o défice de reinvestimento e de capitalização das empresas nacionais.
2. Começando pelos agravamentos fiscais, o aumento dos impostos sobre bebidas alcoólicas e sobre alimentos com excesso de componentes nocivos para a saúde (sal, etc.) têm um efeito dissuasor sobre o seu consumo, que já se mostrou eficaz no caso das bebidas excessivamente açucaradas. Só não se percebe a não inclusão do vinho, tanto mais que o setor vai bem e se recomenda.
O aumento do imposto de selo sobre o crédito ao consumo e dos impostos sobre o automóvel visam travar a bolha de compras a crédito, que afeta negativamente a balança comercial externa, como aqui se notou. Só é de estranhar não haver medidas para restringir o excesso do crédito à habitação.
O agravamento da taxa sobre o carvão das centrais elétricas sistémicas visa dissuadir o seu uso, dados os seus custos ambientais. Mas o melhor mesmo era encerrá-las!
3. Quanto a incentivos fiscais, a redução do IRC nos casos de investimento de lucros e de aumentos de capital corrigem uma distorção que favorecia o financiamento empresarial com recurso ao crédito e pode ajudar a minorar o défice de reinvestimento e de capitalização das empresas nacionais.
Ao invés, a eliminação da isenção dos "vales-educação" no IRC faz todo o sentido, não cabendo ao Estado incentivar o ensino privado.
Orçamento (IV): Condenados ao défice e à dívida?
Publicado por
Vital Moreira
O "Pacto Orçamental" de 2012, a que Portugal está vinculado, determina que «a posição orçamental (...) deve estar em equilíbrio ou em excedente orçamental», ressalvadas as situações nele admitidas. Consequentemente, sem défice orçamental o stock da dívida pública, no mínimo, não pode aumentar.
Ora, se o País não consegue nem uma coisa nem outra com um crescimento económico excecionalmente acima dos 2,5%, quando é que o vai conseguir!?
Ora, se o País não consegue nem uma coisa nem outra com um crescimento económico excecionalmente acima dos 2,5%, quando é que o vai conseguir!?
Orçamento (III): A "marca do PCP"
Publicado por
Vital Moreira
1. Em matéria de impostos, e em contraponto com a redução do IRS para os rendimentos baixos e médios, não deixa de ser preocupante manter-se em aberto a hipótese de agravar o IRC através de uma derrama sobre as empresas mais bem sucedidas, muitas vezes estrangeiras.
Com efeito, Portugal não precisa apenas de investimento mas especialmente de atrair investimento direto estrangeiro, dado o défice de poupança e de capital nacional e tendo em conta os demais efeitos virtuosos do IDE em matéria de emprego, inovação, exportações e balança de pagamentos. Ora, contraditoriamente com essa necessidade, Portugal mantém um IRC acima dos 20%, cerca do dobro de alguns dos países que competem connosco dentro da UE na atração de IDE, como a Irlanda (12,5%) ou a Hungria e outros países do leste (10% ou menos).
2. Neste contexto, mais do que no caso do IRS, o que se justifica em termos económicos é descer o IRC! O que não faz nenhum sentido é pensar em agravar ainda mais o imposto adicional sobre IRC, como quer o PCP, na sua obsessão contra o "grande capital" e as "multinacionais".
Como disse Jerónimo de Sousa, o projeto de orçamento já tem a «marca do PCP», sendo evidente que os comunistas se fizeram pagar bem pelo revés eleitoral nas autárquicas. Mas convém não exagerar...
Com efeito, Portugal não precisa apenas de investimento mas especialmente de atrair investimento direto estrangeiro, dado o défice de poupança e de capital nacional e tendo em conta os demais efeitos virtuosos do IDE em matéria de emprego, inovação, exportações e balança de pagamentos. Ora, contraditoriamente com essa necessidade, Portugal mantém um IRC acima dos 20%, cerca do dobro de alguns dos países que competem connosco dentro da UE na atração de IDE, como a Irlanda (12,5%) ou a Hungria e outros países do leste (10% ou menos).
2. Neste contexto, mais do que no caso do IRS, o que se justifica em termos económicos é descer o IRC! O que não faz nenhum sentido é pensar em agravar ainda mais o imposto adicional sobre IRC, como quer o PCP, na sua obsessão contra o "grande capital" e as "multinacionais".
Como disse Jerónimo de Sousa, o projeto de orçamento já tem a «marca do PCP», sendo evidente que os comunistas se fizeram pagar bem pelo revés eleitoral nas autárquicas. Mas convém não exagerar...
domingo, 15 de outubro de 2017
Orçamento (II): Passo trocado
Publicado por
Vital Moreira
1. A segunda grande dúvida que o projeto de orçamento para o próximo ano suscita consiste em saber se faz muito sentido uma política orçamental expansionista quando a economia está a crescer acima do esperado, mesmo acima da média da União Europeia, e que manifestamente não precisa de nenhum empurrão orçamental, muito menos do lado da procura interna. A política de crédito do BCE, a robusta retoma económica da zona euro e o extraordinário surto turístico têm feito o seu trabalho de puxar pela economia. Pouco acrescenta "esturrar" mais umas centenas de milhões de euros em aumento da despesa pública.
Ora o estímulo da procura interna, no valor de muitas centenas de milhões de euros, vai refletir-se presumivelmente num aumento significativo das importações, agravando o défice de balança comercial de mercadorias e podendo mesmo pôr em risco o saldo comercial geral conseguido nos últimos anos.
2. Entre 2011 e 2014, o país viu-se obrigado, ao abrigo o "programa de ajustamento", a seguir uma política orçamental dolorosamente pró-cíclica, cortando rendimentos e aumentando impostos com uma recessão instalada pela crise da dívida externa, desse modo agravando a recessão. Agora, ao invés, opta-se politicamente por estimular orçamentalmente a economia quando ela está em plena expansão.
Os efeitos da austeridade e da prodigalidade orçamental não são seguramente os mesmos para os que aguentaram a primeira e beneficiam da segunda. Mas se a primeira foi imposta pelo estado de necessidade financeira, a segunda é uma opção política. Em qualquer caso, em matéria de políticas orçamentais pró-cíclicas, continuamos de passo trocado.
sábado, 14 de outubro de 2017
Orçamento (I): Prodigalidade a crédito
Publicado por
Vital Moreira
1. O crescimento económico acima do esperado e a considerável folga orçamental que ele propicia (mais receita e menos despesa), que alguns calculam em mais de 1000 milhões, podem justificar toda a generosidade orçamental patente no projeto de orçamento para 2018, traduzida em aumento de remunerações e de transferências sociais (beneficiando como sempre o funcionalismo público e os pensionistas, não por acaso os dois mais extensos grupos eleitorais...) e em diminuição do imposto sobre o rendimento (IRS).
Mas, como já deixei escrito anteriormente, entendo que, numa perspetiva de médio prazo, e enquanto a dívida pública mantiver um nível estratosférico, o que se deveria fazer era aproveitar a excecional "safra orçamental" que o período de "vacas gordas" proporciona para acabar decididamente com o défice orçamental (incluindo o défice estrutural!) e para dar um corte a sério no rácio da dívida pública. Uma empresa não distribui dividendos enquanto tem perdas e mantém uma enorme dívida!
2. Os encargos com a dívida pública constituem o principal risco de previsível instabilidade financeira, quando o BCE descontinuar a sua atual política de baixos juros e quando a economia moderar o seu crescimento ou mesmo entrar em contração. Quando isso chegar, não é o mesmo continuar com uma dívida acima de 120% ou ela ter sido reduzida para baixo de 100%. E também não é o mesmo ter uma despesa pública empolada ou um nível mais sustentável de gastos públicos.
Por isso, a prioridade deveria ser colocar o país fora da zona de risco que a 3ª maior dívida pública necessariamente encerra. É altura de - e há condições financeiras para - mudar definitivamente de "liga" no campeonato europeu e mundial do endividamento público e do nível da taxa de juros. Os contribuintes agradecerão!
[revisto]
Mas, como já deixei escrito anteriormente, entendo que, numa perspetiva de médio prazo, e enquanto a dívida pública mantiver um nível estratosférico, o que se deveria fazer era aproveitar a excecional "safra orçamental" que o período de "vacas gordas" proporciona para acabar decididamente com o défice orçamental (incluindo o défice estrutural!) e para dar um corte a sério no rácio da dívida pública. Uma empresa não distribui dividendos enquanto tem perdas e mantém uma enorme dívida!
2. Os encargos com a dívida pública constituem o principal risco de previsível instabilidade financeira, quando o BCE descontinuar a sua atual política de baixos juros e quando a economia moderar o seu crescimento ou mesmo entrar em contração. Quando isso chegar, não é o mesmo continuar com uma dívida acima de 120% ou ela ter sido reduzida para baixo de 100%. E também não é o mesmo ter uma despesa pública empolada ou um nível mais sustentável de gastos públicos.
Por isso, a prioridade deveria ser colocar o país fora da zona de risco que a 3ª maior dívida pública necessariamente encerra. É altura de - e há condições financeiras para - mudar definitivamente de "liga" no campeonato europeu e mundial do endividamento público e do nível da taxa de juros. Os contribuintes agradecerão!
[revisto]
A política de comércio externo da União Europeia entre a globalização e o protecionismo
Publicado por
Vital Moreira
Eis o meu artigo sobre a política de comércio externo da UE publicado na revista "Cadernos de Economia", da Ordem dos Economistas (ano XXX, nº 120, jul/set. 2017), por ocasião do 7º Congresso Nacional dos Economistas, que ocorreu nos dias 12 e 13 deste mês, em Lisboa, para o qual fui convidado para intervir num dos debates sobre o atual quadro institucional da globalização e do protecionismo.
Note-se que desde o início da minha carreira universitária sempre me interessei, e continuo a interessar, pela interface entre o direito e o economia (ou seja, a regulação jurídica das relações económicas), tendo lecionado (e escrito sobre) direito público da economia, direito da regulação económica e, mais recentemente, direito económico internacional (comércio internacional e investimento direto estrangeiro).
terça-feira, 10 de outubro de 2017
Vinte anos a ensinar direitos humanos (2)
Publicado por
Vital Moreira
Eis o programa de amanhã de comemoração dos 20º aniversário do Ius Gentium Conimbrigae / Centro de Direitos Humanos (IGC/CDH) da Universidade de Coimbra, referida no post precedente. A sessão é pública.
Há momentos gratificantes assim na nossa vida profissional e académica.
Há momentos gratificantes assim na nossa vida profissional e académica.
segunda-feira, 9 de outubro de 2017
20 anos de ensino de direitos humanos
Publicado por
Vital Moreira
Na próxima quarta-feira, dia 11, a abrir o II Congresso Luso-Brasileiro de Direito Público (dedicado ao tema da Justiça e Efetivação dos Direitos Humanos), vão celebrar-se na Universidade de Coimbra os vinte anos do Ius Gentium Conimbrigae / Centro de Direitos Humanos, o primeiro centro universitário de ensino, investigação e formação em direitos humanos entre nós, do qual fui cofundador e de cuja direção sou presidente.
Mesmo na vida de uma instituição duas décadas não é coisa despicienda, especialmente para quem contribuiu empenhadamente para ela.
sábado, 7 de outubro de 2017
Geringonça (5): Demasiado cedo para lhe rezar o responso
Publicado por
Vital Moreira
1. O "Expresso curto" de ontem especulava logo no título com «O fim da Geringonça», em consequência do pesado revés eleitoral do PCP em favor do PS nas eleições locais.
Já expliquei anteriormente porque me parece uma inferência errada. Por mais que sinta a tentação de "atirar com os burrinhos na água", o PCP tem de aguentar a situação, por duas razões: (i) primeiro, quem romper a aliança parlamentar e fizer cair o Governo será severamente punido nas eleições daí resultantes, abrindo caminho a uma maioria absoluta PS, um pesadelo para os comunistas (e bloquistas); (ii) segundo, o PCP ainda espera obter nas negociações orçamentais alguns ganhos substanciais que permitam "dourar a pílula", tanto mais que o atual crescimento económico, acima do previsto, permite ao Governo uma maior margem de manobra.
Por conseguinte, parece manifestamente exagerada a notícia da morte prematura da Geringonça enquanto a economia continuar a "bombar" emprego e receita fiscal.
2. Em contrapartida, também não têm razão os que, ainda há pouco tempo, consideravam a atual fórmula governativa como a melhor solução de governo, destinada a perdurar enquanto as esquerdas forem eleitoralmente maioritárias. Houve mesmo quem, na área socialista, dissesse preferir que o PS não obtenha maioria absoluta nas próximas eleições, para ter de repetir a mesma aliança com o BE e o PCP.
Parece-me ousada essa vocação de continuidade da Geringonça.
Por um lado, a sua longevidade depende de continuar a haver os meios financeiros suficientes para "pagar" as crescentes exigências orçamentais dos parceiros de aliança parlamentar; ora, a atual solução governativa é orçamentalmente dispendiosa e a receita fiscal e a despesa pública não vão continuar a crescer indefinidamente a este ritmo.
Por outro lado, por mais que o BE e o PCP mantenham verbalmente o seus "mantras" ideológicos (contra o capitalismo e a globalização, contra a integração europeia, contra a disciplina orçamental, contra o neoliberalismo, etc.), há de chegar o dia em que se torna intolerável a contradição entre essa retórica esquerdista e as opções políticas do Governo que eles sustentam, auto-constrangidos a ajudar a uma missa de cujo missal não são devotos, longe disso!
Por último, chegará o momento em que o próprio PS chegue à conclusão que a aliança com a extrema-esquerda é demasiado cara, quer em termos financeiros, quer em termos políticos, pelo cancelamento que implica de alguns pontos centrais do programa eleitoral do PS.
[Corrigido]
Já expliquei anteriormente porque me parece uma inferência errada. Por mais que sinta a tentação de "atirar com os burrinhos na água", o PCP tem de aguentar a situação, por duas razões: (i) primeiro, quem romper a aliança parlamentar e fizer cair o Governo será severamente punido nas eleições daí resultantes, abrindo caminho a uma maioria absoluta PS, um pesadelo para os comunistas (e bloquistas); (ii) segundo, o PCP ainda espera obter nas negociações orçamentais alguns ganhos substanciais que permitam "dourar a pílula", tanto mais que o atual crescimento económico, acima do previsto, permite ao Governo uma maior margem de manobra.
Por conseguinte, parece manifestamente exagerada a notícia da morte prematura da Geringonça enquanto a economia continuar a "bombar" emprego e receita fiscal.
2. Em contrapartida, também não têm razão os que, ainda há pouco tempo, consideravam a atual fórmula governativa como a melhor solução de governo, destinada a perdurar enquanto as esquerdas forem eleitoralmente maioritárias. Houve mesmo quem, na área socialista, dissesse preferir que o PS não obtenha maioria absoluta nas próximas eleições, para ter de repetir a mesma aliança com o BE e o PCP.
Parece-me ousada essa vocação de continuidade da Geringonça.
Por um lado, a sua longevidade depende de continuar a haver os meios financeiros suficientes para "pagar" as crescentes exigências orçamentais dos parceiros de aliança parlamentar; ora, a atual solução governativa é orçamentalmente dispendiosa e a receita fiscal e a despesa pública não vão continuar a crescer indefinidamente a este ritmo.
Por outro lado, por mais que o BE e o PCP mantenham verbalmente o seus "mantras" ideológicos (contra o capitalismo e a globalização, contra a integração europeia, contra a disciplina orçamental, contra o neoliberalismo, etc.), há de chegar o dia em que se torna intolerável a contradição entre essa retórica esquerdista e as opções políticas do Governo que eles sustentam, auto-constrangidos a ajudar a uma missa de cujo missal não são devotos, longe disso!
Por último, chegará o momento em que o próprio PS chegue à conclusão que a aliança com a extrema-esquerda é demasiado cara, quer em termos financeiros, quer em termos políticos, pelo cancelamento que implica de alguns pontos centrais do programa eleitoral do PS.
[Corrigido]
quinta-feira, 5 de outubro de 2017
Um Estado federal espanhol?
Publicado por
Vital Moreira
1. A propósito deste meu post sobre uma possível transformação federal da Espanha, um leitor pede-me que esclareça que modificações constitucionais e políticas é que isso implicaria no atual "Estado de comunidades autónomas" espanhol, ao abrigo da Constituição de 1978.
Há três requisitos essenciais de um Estado federal, que um Estado unitário não preenche, por mais descentralizado que seja, como é o "Estado autonómico" espanhol. São diferenças qualitativas, e não somente de quantidade ou grau.
2. Primeiro, num Estado federal, as entidades federadas gozam de autonomia constitucional, aprovando a sua própria constituição sem interferência do Estado, com respeito somente da constituição federal. O federalismo implica um constitucionalismo em dois níveis.
Ora, em Espanha, tal como em Portugal, os estatutos político-institucionais das comunidades autónomas são aprovados pelo Parlamento nacional, como "leis orgânicas" do Estado. Isso faz toda a diferença.
3. Em segundo lugar, num Estado federal, o parlamento federal é necessariamente bicamaral, sendo a segunda câmara destinada à representação exclusiva das entidades federadas (conselho interfederal), que assim participam, enquanto tais, na reforma constitucional e na função legislativa e na aprovação do orçamento do próprio Estado federal. Num Estado federal, o próprio poder federal é compartilhado pelas unidades federadas.
Ora, na Espanha existe um parlamento bicamaral, mas o Senado não representa especificamente, nem sequer maioritariamente (longe disso!), as comunidades autónomas, mas também as províncias, que são entidades de descentralização administrativa do Estado.
4. Por último, em matéria de repartição de competências entre a federação e as unidades federadas, a regra federal é que de que cabem por defeito às segundas todas as competências que a constituição não atribua à federação (em exclusivo ou em concorrência com entidades federadas).
Ora, no caso espanhol, a Constituição enuncia um conjunto de competências que podem ser conferidas às comunidades autónomas e acrescenta que também podem assumir outras que não estejam constitucionalmente atribuídas ao Estado, mas remata com a regra de que as competências não conferidas pelos estatutos às Comunidades ficam a pertencer ao Estado (recordemos que os estatutos são leis do Estado).
5. A minha tese é a de que mais vale uma Espanha unida sob forma federal do que uma Espanha desagregada em vários países. Não compartilho do regozijo de alguns portugueses com a possível desagregação e enfraquecimento da Espanha.
Infelizmente, tudo indica que a Catalunha já não tem uma solução espanhola. Penso que ninguém (nem a própria Catalunha) ganha com isso.
Há três requisitos essenciais de um Estado federal, que um Estado unitário não preenche, por mais descentralizado que seja, como é o "Estado autonómico" espanhol. São diferenças qualitativas, e não somente de quantidade ou grau.
2. Primeiro, num Estado federal, as entidades federadas gozam de autonomia constitucional, aprovando a sua própria constituição sem interferência do Estado, com respeito somente da constituição federal. O federalismo implica um constitucionalismo em dois níveis.
Ora, em Espanha, tal como em Portugal, os estatutos político-institucionais das comunidades autónomas são aprovados pelo Parlamento nacional, como "leis orgânicas" do Estado. Isso faz toda a diferença.
3. Em segundo lugar, num Estado federal, o parlamento federal é necessariamente bicamaral, sendo a segunda câmara destinada à representação exclusiva das entidades federadas (conselho interfederal), que assim participam, enquanto tais, na reforma constitucional e na função legislativa e na aprovação do orçamento do próprio Estado federal. Num Estado federal, o próprio poder federal é compartilhado pelas unidades federadas.
Ora, na Espanha existe um parlamento bicamaral, mas o Senado não representa especificamente, nem sequer maioritariamente (longe disso!), as comunidades autónomas, mas também as províncias, que são entidades de descentralização administrativa do Estado.
4. Por último, em matéria de repartição de competências entre a federação e as unidades federadas, a regra federal é que de que cabem por defeito às segundas todas as competências que a constituição não atribua à federação (em exclusivo ou em concorrência com entidades federadas).
Ora, no caso espanhol, a Constituição enuncia um conjunto de competências que podem ser conferidas às comunidades autónomas e acrescenta que também podem assumir outras que não estejam constitucionalmente atribuídas ao Estado, mas remata com a regra de que as competências não conferidas pelos estatutos às Comunidades ficam a pertencer ao Estado (recordemos que os estatutos são leis do Estado).
5. A minha tese é a de que mais vale uma Espanha unida sob forma federal do que uma Espanha desagregada em vários países. Não compartilho do regozijo de alguns portugueses com a possível desagregação e enfraquecimento da Espanha.
Infelizmente, tudo indica que a Catalunha já não tem uma solução espanhola. Penso que ninguém (nem a própria Catalunha) ganha com isso.
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