Blogue fundado em 22 de Novembro de 2003 por Ana Gomes, Jorge Wemans, Luís Filipe Borges, Luís Nazaré, Luís Osório, Maria Manuel Leitão Marques, Vicente Jorge Silva e Vital Moreira
quarta-feira, 24 de janeiro de 2018
"Business and human rights" (1)
Sucede, porém, que, ao contrário dos Estados Unidos, a União não estabelece sanções para o incumprimento dessa obrigação nos seus acordos comerciais, pelo que a chamada "cláusula laboral" fica "sem dentes".
Critiquei fundadamente esta posição de fraqueza da União no meu livro Trabalho Digno para Todos: A Cláusula Laboral no Comércio Externo da União Europeia (2014) e propus a revisão desta posição. Mas até agora a Comissão Europeia - a quem compete negociar os acordos comerciais da União - não avançou com essa necessária revisão.
2. O problema volta a ser suscitado agora com o acordo comercial com o Vietname, dada a desproteção dos direitos laborais mais elementares nesse país (supostamente comunista), que se tornou um forte exportador não somente de têxteis mas também de dispositivos electrónicos, incluindo smartphones, em grande parte à custa desse baixo nível de proteção dos direitos laborais.
Na falta de uma cláusula laboral dotada de sanções no tratado já concluído, a posição do Parlamento Europeu - a quem cabe aprovar o acordo -, deve ser, como defendi no referido livro, a de recusar essa aprovação enquanto o país em causa não tomar medidas corretivas. Tal é também a posição do presidente da Comissão de Comércio Internacional do Parlamento Europeu (o social-democrata Bernd Lange, meu sucessor nesse cargo), que é a de reter a aprovação do acordo enquanto o Vietname não proceder à revisão do Código Laboral.
A União não pode continuar a conceder acesso privilegiado ao mercado europeu a produtos fabricados com violação dos mais elementares direitos laborais, em concorrência desleal não somente com produtos europeus mas também com produtos oriundos de outros países que os cumprem.
terça-feira, 23 de janeiro de 2018
Qualidade da democracia (III)
Discordo. Há entre nós um notório abuso de tal crime para punir o incumprimento de obrigações legais ou administrativas. E não funciona. Entendo que é desnecessário e inconveniente usar meios penais nestes casos, devendo aqueles ser reservados para a violação de valores fundamentais da coletividade. Penso que na maior parte destes casos, incluindo na nova situação que se pretende criar, os melhores instrumentos punitivos seriam uma sanção pecuniária compulsória (uma "multa" por cada dia de atraso na entrega da declaração) e a perda do mandato em causa, ambas muito mais céleres e eficazes.
Qualidade da democracia (II)
Há que melhorar estes indicadores. Entre outras medidas, o pacote da transparência referido em post anterior, pode aumentar a confiança nas instituições políticas e o funcionamento do sistema político. Mais uma razão par a sua aprovação e implementação tão depressa quanto antes.
Qualidade da democracia
Hoje em dia as democracias liberais distinguem-se, entre outros fatores, pela transparência no exercício da função política e pelas medidas adotadas para prevenir os conflitos de interesses e a corrupção, o que influencia enormemente a credibilidade e a confiança que as instituições inspiram nos cidadãos.
Por isso, só peca por por tardia a aprovação do conjunto de iniciativas legislativas sobre o assunto em curso na Assembleia da República e que estão na agenda das jornadas parlamentares do PS que hoje decorrem em Coimbra.
2. A regulação da atividade de representação e defesa de interesses junto dos decisores políticos (conhecido vulgarmente por lobbying) constitui um instrumento fundamental de transparência e de integridade da atividade política, devendo abranger todos os níveis de poder e todos os decisores, desde os legisladores aos dirigentes dos institutos e agências públicos, passando obviamente pelo Governo.
Alem do registo oficial dos profissionais dessa atividade, a regulação deve incluir o registo público de todas as suas interações com todos os decisores políticos. Pretender excluir os deputados dessa obrigação de registo e de reporte, como alguns pretendem, é um contrassenso. Além do mais, estabelecer exceções injustificáveis ao cumprimento de obrigações públicas em beneficio próprio é muito feio.
3. As incompatibilidades são o meio institucional de prevenção de conflitos de interesse, impedindo a contaminação da função política pelos interesses privados dos decisores públicos. Por isso, devem abranger todas as situações susceptíveis de inquinar a confiança pública na dedicação exclusiva à causa pública.
No caso dos advogados, cuja incompatibilidade com a função parlamentar há muito defendo, há outro motivo para a justificar, que é a separação de poderes. Os advogados participam na função judicial de aplicação das leis (tal como prevê, aliás, a Constituição) e podem ter obviamente interesse em alterar ou manter legislação em função dos interesses do seus clientes. Ficou célebre a história de deputados que alegadamente promoveram e defenderam a aprovação de amnistias para beneficiar clientes seus.
Ora, como demonstraram os pais fundadores da teoria da separação de poderes (de Locke a Montesquieu), é essencial que quem faz as leis não participe na sua execução, e vice-versa. Os advogados-deputados infringem claramente essa regra essencial da teoria constitucional.
4. Nunca defendi a exclusividade ou a profissionalização integral da função parlamentar, por a considerar excessiva (embora sempre tenha estado em dedicação exclusiva no meus vários mandatos parlamentares). Mas entendo que hoje em dia os parlamentos ganham em qualidade e capacidade de desempenho, se tiverem o maior número possível de deputados em dedicação exclusiva, dada a enorme exigência da função parlamentar na atualidade.
Por isso, penso que deveria haver uma clara distinção remuneratória entre a dedicação exclusiva e o tempo parcial (o qual, aliás, só beneficia quem exerce outra atividade em Lisboa ou nos arredores). O atual diferencial de 10% é puramente ridículo; deveria ser de pelo menos o triplo, premiando a dedicação exclusiva e dissuadindo o tempo parcial.
Portucaliptal (27) - Interesses intocáveis
Foi preciso um ano de catástrofes de incêndios florestais, com perdas de muitas vidas e enormes prejuízos materiais, para tornar evidente o barril de pólvora que criámos ao longo dos anos com a florestação extensiva e desordenada de montes e vales, assente no pinheiro e cada vez mais no eucalipto. Ainda há menos de um ano eram anunciados nutridos subsídios públicos à plantação florestal que incluíam o pinheiro e o eucalipto. Um absurdo, como aqui assinalei!
2. O que mantenho, porém, é que não basta subsidiar e investir dinheiros públicos na plantação dessas espécies. Torna-se necessário reverter a atual extensão do eucaliptal e fazê-lo pagar as "externalidades negativas" que a coletividade até agora tem pago - em termos de fogos, de degradação da paisagem, de predação de recursos hídricos, de perda de biodiversidade -, através de meios fiscais apropriados, como já propus antes (aqui e aqui).
O preço do eucalipto deve refletir por via fiscal todos os seus custos, incluindo os custos sociais, contribuindo para pagar o enorme investimento exigido pela expansão dos sobreirais, carvalhais, etc. Mas pelos vistos, tal medida continua fora da agenda política. Os interesses da fileira agro-industrial da celulose acabam sempre por prevalecer...
sexta-feira, 19 de janeiro de 2018
Este País não tem emenda (18): O império do automóvel
«(...) a velocidade mínima na autoestrada portuguesa parece ser 140 km/h, a velocidade média de 160 km/h e a velocidade máxima o que o carro permite.»1. O cronista tem inteira razão. Nas autoestradas portuguesas, o limite legal de 120 km/h é fictício, sendo ignorado pela generalidade dos automobilistas, muitos dos quais se dão ao gozo de viajar a 180 km/h ou mais, pondo em causa a segurança rodoviária e aumentando os níveis de poluição sonora e ambiental (por causa do maior consumo de combustível).
Tilo Wagner, Diário de Noticias de 18/1/2018.
Este incumprimento generalizado não revela somente o típico défice de civismo nacional mas também a falta de fiscalização e de punição. Pelo que se sabe, o risco de serem apanhados é baixo (por falta de fiscalização) e a possibilidade de fuga ao pagamento da coima é elevado (por deficiência do sistema de aplicação e de cobrança). A impunidade geral convida à infração.
Pode considerar-se que o atual limite é demasiado baixo, mas a verdade é que, mesmo se fosse mais alto (como defendo), não deixaria por isso de haver a mesma violação maciça que hoje existe, se não houve mudança de atitude e de fiscalização.
2. O incumprimento generalizado dos limites de velocidade (e não somente nas autoestradas!) é apenas uma vertente do império do automóvel entre nós, também caracterizado pelo estacionamento caótico (invadindo passeios e lugares reservados às paragens de transportes urbanos), pelos crescentes engarrafamentos urbanos e pela reivindicação de um pretenso direito ao aparcamento gratuito no espaço público.
Entretanto, as cidades e o país geral continuam a ser invadidos por cada vez mais automóveis, para além de todos os limites de sustentabilidade, sem que os poderes públicos revelem a mínima intenção de penalizar o uso do automóvel privado e de investirem a sério no transporte público.
O direito universal à mobilidade não equivale à universalização do transporte automóvel particular, pelo contrário!
quinta-feira, 18 de janeiro de 2018
Impostos virtuosos
Por minha parte, não é a primeira vez que apoio estes impostos entre nós. Por isso, a saúdo também.
Adenda
Ver também o artigo de Lawrence Summers (que é um dos promotores das iniciativa) no Financial Times: «Para melhorar a saúde global é preciso tributar as coisas que nos estão a matar». Segundo os dados por ele invocados, o tabaco é responsável por 7 milhões de mortes anualmente, a obesidade por 4 milhões e o álcool por 3,3 milhões!
É um massacre! E o impacto estimados das doenças que causam estas mortes sobre as despesas dos sistemas de saúde é gigantesco. Tal como sucede com a poluição, os responsáveis diretos por estes custos devem dar a sua própria contribuição financeira para custear essa despesa adicional, para não sobrecarregar excessivamente os demais contribuintes. É uma questão de justiça tributária!
sábado, 13 de janeiro de 2018
Não concordo (3): Decisão precipitada
- primeiro, os lugares atribuídos a tal lista transnacional seriam retirados aos círculos nacionais, implicando portanto uma redução do número de deputados eleitos em cada país, incluindo em Portugal;
- segundo, a lista transnacional favoreceria naturalmente a posição dos países mais populosos, nomeadamente Alemanha e a França, reforçando a sua representação parlamentar;
- terceiro, passaria a haver duas categorias de deputados, a saber os eleitos a nível da União e os eleitos a nível nacional, com o perigo de uma perda de status político dos segundos face aos primeiros.
2. Sucede, aliás, que essa solução nem sequer se pode defender sob um ponto de vista da construção federal da UE, de que aliás compartilho, pois ela não existe na generalidade dos Estados federais (como os Estados Unidos ou o Brasil). Acresce que as listas de base nacional já dispõem, elas mesmas, de natureza "transnacional", visto que nelas votam e podem ser eleitos cidadãos de qualquer outro Estado-membro da União que seja residente noutro país.
Por isso não se compreende como é que a recente cimeira dos governos dos países do sul da União, entre os quais Portugal, acordou em apoiar tal ideia (ponto 9 do comunicado final), quando ela nem sequer está na agenda do debate político, muito menos do debate parlamentar, pelo menos entre nós. O mínimo que se pode dizer é que se trata de uma posição precipitada e inadvertida sobre uma questão de perigosas consequências, que se impõe seja reconsiderada.
Adenda
Já depois deste post Rui Tavares veio defender a lista supranacional e atacar os seus críticos (onde não me inclui), deixando entender que os opositores se situam à direita e temem a "democratização da UE". Sucede que eu não sou de direita, tenho defendido o aprofundamento democrático da UE e até sou confessadamente federalista. Nada disso me leva a concordar com tal ideia. Entretanto, outras vozes na área socialista, como Manuel Alegre, vieram juntar-se à crítica à lista supranacional. Decididamente, está lançado o debate público que faltava. Mas ainda não chegou ao Parlamento, seu lugar natural.
sexta-feira, 12 de janeiro de 2018
A disputa no PSD
- primeiro, qualquer que seja o resultado, dificilmente isso fará qualquer diferença quanto ao previsível desfecho das eleições parlamentares do próximo ano, que, tudo indica, não se vai traduzir numa vitória do PSD, dado que o ciclo económico - ajudado pela forte retoma da economia europeia e mundial - favorece claramente o Governo e o PS, como argumentei aqui;
- segundo, em qualquer caso, dado que Santana Lopes se situa manifestamente mais à direita do que Rio, é de admitir que um PSD liderado pelo primeiro terá mais dificuldade em disputar o eleitorado do centro político - que é quem decide as eleições -, o que tende a favorecer o PS, que vai apelar a tal eleitorado em condições particularmente favoráveis.
Em suma, seja quem for o novo líder do PSD, a seu futuro político não se afigura esperançoso, pelo menos no horizonte temporal imediato.
quarta-feira, 10 de janeiro de 2018
Direito de resposta nos média
2. Tratando-se de um direito fundamental constitucionalmente reconhecido, o direito de resposta garante aos interessados a publicação de uma retificação ou comentário no caso de qualquer notícia ou imputação relativa a uma pessoa (ou instituição). Cabendo recurso para a Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC), em caso de denegação, sem necessidade de recurso aos tribunais, o direito de resposta goza entre nós de uma proteção assaz forte.
Quanto os média se tornam cada vez mais intrusivos na vida pessoal, tantas vezes em termos incorretos ou ofensivos, o direito de reposta oferece um meio expedito de retificação ou defesa dos interessados no mesmo órgão de comunicação social e, em princípio, nos mesmos termos e condições do texto que motiva a resposta.
3. Os direitos fundamentais existem antes de mais para defender as pessoas contra o poder, e não apenas o poder político.
Ora, os média são hoje inegavelmente um poder (o "quarto poder". como sói dizer-se) com uma enorme capacidade de afetar a esfera da liberdade pessoal e o direito ao bom nome e reputação. Daí a plena justificação do direito de reposta e da sua efetivação contra os média recalcitrantes.
terça-feira, 9 de janeiro de 2018
Invocar a Constituição em vão
Parece óbvio que, na falta de expressa proibição constitucional, nada impede a recondução nem, muito menos, confere um direito à recondução nesse cargo. O Governo tem plena liberdade de decisão quanto à proposta a fazer ao PR, podendo naturalmente optar por um novo titular, sem necessidade de justificação, tal como aliás fizeram os governos anteriores. Trata-se de uma questão do exclusivo foro da discricionariedade política, não de uma questão constitucional.
A Constituição não pode ser invocada em vão nem para fundamentar uma alegada impossibilidade de recondução nem para contestar a incontornável liberdade governamental de seleção de um novo PGR. À Constituição o que é do foro constitucional, à política o que releva da esfera da livre decisão governamental. O resto são futilidades constitucionais...
segunda-feira, 8 de janeiro de 2018
"Direitos Humanos e Negócios"
O novo centro visa a investigação e o ensino da temática dos direitos humanos na atividade económica, sobretudo no âmbito das relações económicas internacionais - ou seja, o comércio internacional e investimento direto estrangeiro -, que têm como atores principais as empresas multinacionais e as cadeias de produção globais.
quarta-feira, 20 de dezembro de 2017
Nem taxa, nem turística!
De facto, a chamada taxa turística é uma ficção, pois não é taxa nem é turística. Não é "taxa" porque não tem fundamento em nenhuma contrapartida concreta individualizada por parte dos sujeitos ao seu pagamento, faltando-lhe a natureza bilateral que é essencial à noção jurídica de taxa, como tributo distinto dos impostos. Não é "turística", porque não incide sobre todos os turistas (deixando de fora os que não pernoitam em hotéis) e incide sobre muitos não turistas (como as pessoas que se deslocam àquelas cidades em trabalho ou em outra atividade profissional).
Por conseguinte, além de ser uma ficção jurídica, a alegada taxa turística é também um óbvio contrassenso.
2. Na verdade, substantivamente estamos perante um imposto municipal sobre serviços de hotelaria, que acresce ao IVA cobrado pelo Estado. Mas, sendo, como é, um imposto, só pode ser instituído pela AR (ou pelo Governo com autorização legislativa), não por cada município sem base legal.
De resto, beneficiando os serviços de hotelaria do privilégio de uma ridícula taxa de IVA de 6%, como se fossem um serviço essencial, até nem será injusto que a lei possa autorizar os municípios (mas todos eles) a criar um tal imposto, seja como nova figura fiscal autónoma, seja como uma espécie de "derrama" municipal sobre o IVA (como sucede com a derrama municipal sobre o IRC). Mas deve ser o legislador nacional a assumir essa medida.
No nosso sistema constitucional a autonomia municipal inclui o poder de beneficiar dos impostos que lhe sejam conferidos por lei (impostos municipais hoc sensu), mas não o poder de os criar à margem do legislador.
terça-feira, 19 de dezembro de 2017
Obviamente, chumbada!
Na verdade, não se trata de uma taxa mas sim de um imposto, que só poderia ser criado por lei da AR (por decreto-lei autorizado), não por decisão municipal. De facto, não há nenhum contrapartida concreta individualizada do pagamento dessa pseudotaxa, tratando-se de um serviço de proteção universal, independentemente do pagamento da pretensa taxa. Pela mesma razão, também não pode existir uma "taxa" de iluminação pública (para financiar os respetivos gastos de eletricidade), nem uma "taxa"de segurança municipal (para financiar a polícia municipal), nem uma "taxa" ambiental (para financiar os parques e jardins municipais), nem uma "taxa" cultural (para financiar os serviços culturais), etc.
Por definição, os bens públicos, que abertos à fruição de toda a gente, não são financiáveis por via de taxas em sentido próprio, salvo nos casos em que se admite restringir a sua fruição a quem pague (por exemplo, entrada paga em certos parques ou museus). O que se estranha é que, perante um caso tão óbvio, o município de Lisboa tenha insistido sobre a sua pretensa "robustez" jurídica...
2. O Presidente da Câmara Municipal de Lisboa faz recair sobre o legislador nacional a responsabilidade de encontrar uma via para o financiamento da proteção civil municipal.
Mas, a não ser que a AR decida criar um imposto municipal especialmente dedicado a tal fim - o que vai contra o princípio orçamental clássico da não consignação de impostos -, o município de Lisboa só pode financiar esse serviço como financia os demais serviços gerais referidos, ou seja, através das suas receitas gerais, como aliás fazem os demais municípios.
Não se vê porque é que Lisboa há de ser diferente.
segunda-feira, 18 de dezembro de 2017
Este país não tem emenda (17): Prodigalidade corporativa
Mais insólita é a notícia de que um deles também recebeu durante vários anos uma compensação adicional de milhares de euros da Ordem pelo facto de ter deixado de receber, por decisão governamental, a subvenção vitalícia de ex-titular de cargo político, como se a Ordem tivesse alguma responsabilidade por isso ou alguma obrigação de manter a seu nível de rendimento. Um caso manifesto de abuso de poder e de enriquecimento sem justa causa! Disgusting!
2. Está provado pela teoria e pela experiência que quem tem o poder de decidir sobre as suas próprias remunerações ou outras vantagens pecuniárias tende a abusar desse poder em beneficio próprio, sobretudo se o puder fazer discretamente. Isso é assim nas empresas privadas ou nas instituições públicas.
Por isso, impõe-se que as remunerações dos cargos de governo em organizações sejam fixadas pelo órgão representativo dos pagadores, sejam os acionistas das empresas ou os associados das associações, ou pelo menos por um órgão independente dos beneficiários. E justifica-se igualmente que entre as obrigações de transparência deva incluir-se a publicidade das remunerações dos membros dos corpos gerentes.
Está visto que a lei-quadro das ordens profissionais carece de uma revisão quanto a esses pontos.
domingo, 17 de dezembro de 2017
Ciclo económico e ciclo político
Primeiro, o Banco de Portugal, seguindo o BCE tinha feito para a economia da zona euro, atualizou em sentido ascendente as estimativas do crescimento da economia portuguesa para os próximos anos; segundo, a agência de rating Fitch retirou finalmente a dívida portuguesa da notação de "lixo", elevando em dois graus essa notação. Trata-se de um verdadeiro círculo virtuoso, em que o crescimento económico ajuda a confiança externa na dívida e em que a baixa de juros ajuda a economia (visto que também os juros das empresas desce) e a gestão financeiro do País.
Iniciada ainda em 2013, a retoma económica tem beneficiado não somente das reformas efetuadas ao abrigo do programa de assistência externa, mas também da política monetária expansiva do BCE e do dinamismo da economia de toda a UE, em especial dos nossos principais parceiros comerciais, como a Espanha e a Alemanha. Mais economia significa mais emprego, mais poder de compra e mais receita fiscal. E a subida do rating traz o embaretecimento da dívida pública e, logo, uma poupança orçamental nos encargos da dívida. Uma e outra permitem baixar o rácio da dívida, mesmo que o montante continue a aumentar mercê da persistência do défice orçamental.
Não se poderia desejar melhor "conjunção astral"!
2. A ter em conta as referidas previsões económicas, o ciclo económico vai manter-se em alta durante os próximos anos, o que repete o padrão da recuperação económica de longa duração depois das recessões de 1983-85 e de 1993. Ora existe uma natural influência do ciclo económico sobre o ciclo político.
Os governos que têm a oportunidade de "surfar" a retoma económica que se segue a uma recessão têm todas as chances de se manter no poder até ao ciclo económico se inverter. Cavaco Silva - que herdou a economia a recuperar da grande crise de 1983 e teve a ajuda suplementar da primeira vaga de fundos europeus - esteve no poder dez anos, até perder as eleições de 1995, na sequência de recessão de 1993. E Guterres - que recebeu a economia a crescer depois da recessão de 1993 e beneficiou da ajuda suplementar da enorme queda dos juros que acompanhou a criação do euro -. esteve no poder seis anos, até o ciclo económico arrefecer no início do novo século.
Por esta ordem de ideias, e salvo qualquer percalço inesperado decorrente da sua original base de apoio parlamentar, é de admitir que o PS se vai manter no governo não somente pelo que resta da atual legislatura mas também para além dela, não sendo nesta altura nada provável uma vitória da oposição de direita em 2019. O bom estado da economia e das finanças só pode favorecer as forças políticas incumbentes.
sexta-feira, 15 de dezembro de 2017
"Seara Nova" online!
Aplauso
A presença na Internet é hoje um instrumento indispensável de informação e de accountability democrática dos titulares de cargos públicos, sobretudo ao nível parlamentar. Sendo hoje uma ocorrência frequente noutros parlamentos (como, por exemplo, no Parlamento Europeu), deveria tornar-se também a norma entre nós, onde são muito poucos os precedentes relevantes. Além do mais, essa prática cria um salutar estímulo e emulação entre os parlamentares, denunciando também, por falta de comparência, os deputados menos zelosos. Os cidadãos em geral, e não somente os eleitores de cada deputado, devem ficar gratos. No final, quem ganha é também a credibilidade e a confiança no parlamento e na democracia representativa.
Por isso, registo e aplaudo aqui esta meritória iniciativa.
Adenda
Penso que uma das reformas políticas a que PTP atribui maior importância - a do sistema eleitoral - está condenada a ser adiada indefinidamente, pelo menos enquanto houver governos de coligação (ou protocoligação, como agora), à esquerda ou à direita, porque ela carece de maioria de 2/3 (ou seja, acordo entre o PS e o PSD) e é politicamente vetada pelos partidos "juniores" dessas alianças de governo. Por isso, apesar de ela constar do programa eleitoral do PS de 2015, foi uma das ideias que obviamente desapareceu do programa de governo (como ele próprio assinala). Uma das várias casualties da "Geringonça"...
quinta-feira, 14 de dezembro de 2017
"Raríssimas"
- primeiro, o financiamento público das IPSS tem de obedecer a critérios objetivos e controláveis, e não depender das boas ligações ao Governo e ao poder político em geral, sob pena de violação grosseira dos princípios da igualdade e da prossecução do interesse público;
- segundo, além da normal prestação de contas, a sua gestão tem de estar sujeita a fiscalização regular dos serviços de inspeção competentes, incluindo do Tribunal de Contas.
A atribuição discricionária de subvenções públicas (com o inerente risco de favoritismo) e a falta de fiscalização regular exigente (com a impunidade que isso suscita) constituem duas pechas notórias da gestão pública em Portugal. É tempo de as debelar.
Esquerdismo primário (IV)
Já toda a gente devia saber que, na sua obsessão contra "o grande capital e as multinacionais", a extrema-esquerda raramente joga com informação completa e fidedigna, pelo que há que dar o devido desconto à partida, coisa que pelos vistos não ocorreu neste caso com muita gente com responsabilidades políticas...
quarta-feira, 13 de dezembro de 2017
Em boa companhia
Tendo conhecido pessoalmente quase todos eles, posso dizer que estou em muito boa companhia!
terça-feira, 12 de dezembro de 2017
Situação dos migrantes na Líbia
"Stop the fiction that's there is a Libyan Coast Guard for the EU to train in Libya. What EU Member States, such as Italy, have been paying is militia, who fight each other to exploit the traffic of human beings, or of arms, drugs, whatever.
Yes, they operate horrendous detention camps and sell migrants and refugees as slaves, "ahti" they call them. As in Kadaffi days, as recalled here.
Infighting between militia competing to "take care" of migrants for the EU recently destroyed Sabratha. By not opening safe and controlled ways for migrants and asylum seekers, the sad truth is, Europe feeds the human traffickers business.
And it is big business and terrorist networks, such as Al QAeda and Daesh, are taking the profits and bringing the security threat closer to us in Europe.
It is time to stop the fiction that there is migration management and governance in Libya, be it from President Serraj or criminal General Heftar.
It's time that EU Member States wake up and demand action at the UN, together with the African Union. To dispatch a robust international force well inside Libya to expel terrorist groups, bring about SSR/DDR for Libyans with Libyans, for without that there will be no governance in Libya.
Yes, that will have to mean also European boots on the ground. Many boots on the ground. After all, it's our own security that is at stake in Libya. The more we delay it, the more it will cost in African and, possibly, European lives".
Minha intervenção no debate sobre "A situação dos migrantes na Líbia" esta noite, no plenário do PE. Em inglês, para uns tantos não se fazerem desentendidos...
Amanhã vou estar aqui
2. Quando a UE acelera a sua tradicional dinâmica nesta frente - com novos acordos internacionais de comércio e investimento a serem concluídos e outros a serem iniciados todos os anos - e quando a União assume decididamente o papel de líder incontestado da abertura e da regulação internacional do comércio mundial - mercê da deriva nacionalista e protecionista dos Estados Unidos -, a política comum de comércio externo reveste-se cada vez de maior importância para os agentes económicos, trabalhadores e consumidores europeus.
Daí o interesse em torná-lo um tema de debate informado no foro doméstico, desde logo no plano académico, contestando a captura sectária do mesmo pelas forças hostis à União Europeia.
Panama Papers - governos europeus estão capturados
"Aprovamos este relatório sobre os Panama Papers na mesma semana em que reunimos com Conselho e Comissão na 9a. ronda de negociações sobre a 5a diretiva para a prevenção do branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo. Que se arrastam há oito meses porque, por obstrução de alguns Estados Membros, o Conselho persiste em negar acesso público aos registos de beneficiários efetivos de empresas e trusts e insiste em manter lacunas e escapatórias para a indústria da criminalidade financeira continuar a operar com impunidade. Até a criação de uma Unidade de Informação Financeira Europeia foi recusada pelo Conselho. Ora, avançar para a 5a directiva, resultou do imperativo de combater o financiamento do terrorismo depois do ataque ao Bataclã, em Paris.
Mas apesar da retórica reformadora, escândalo após escândalo e ataque após ataque, certos Estados Membros não querem realmente mudar: a captura de governos europeus pelos interesses da indústria da evasão fiscal e do branqueamento fica exposta na falta de acção coerente e decisiva pela justiça fiscal e contra o crime financeiro, a corrupção e o financiamento do terrorismo.
Malta, onde foi assassinada Daphne Caruana Galizia, é sinistro exemplo desta captura.
Sabemos que o nosso trabalho no PE, aliado ao da imprensa de investigação - que saúdo - pode fazer a diferença: graças à nossa pressão sobre o escândalo LuxLeaks, a Comissária Verstager exigiu ao governo irlandês q recuperasse os impostos que deixou poupar a Apple e o Comissário Moscovici fez propostas inédita e positivas. Prosseguiremos as investigações dos PanamaPapers e dos Paradise Papers e exporemos os capturados, os corruptos e os encobridores e os criminosos, onde quer que se encontrem! E muitos estão aqui na Europa, um dos centros do sistema, onde há paraísos fiscais - apesar de não constarem da lista cinicamente aprovada pelo Conselho, que nem sequer prevê sanções".
Minha intervenção no debate plenário do PE, esta manhã, sobre o relatório da Comissão de Inquérito sobre os Panamá Papers (da qual fui Vice-Presidente).
segunda-feira, 11 de dezembro de 2017
+ Europa (7): A UE, líder do comércio global
Depois do CETA com o Canadá, já em aplicação provisória, e tendo à vista a próxima conclusão do acordo com o Mercosul, ainda mais valioso do que o do Japão, a União assume determinadamente o comando do processo de abertura e regulação das relações comerciais, tanto na OMC como nos acordos bilaterais, e não apenas abrindo novos mercados às suas exportações mas também globalizado progressivamente os seus padrões regulatórios em matéria de requisitos sanitários e fito-sanitários, de denominações de origem agro-alimentares, de normas laborais e ambientais, de propriedade intelectual, de compras públicas e de concorrência, entre outros.
2. Face à deriva nacionalista dos Estados Unidos de Trump, a liderança euro-americana que predominou desde a II Guerra Mundial no movimento de liberalização e regulação internacional do comércio mundial torna-se numa hegemonia singular da União Europeia, que assume decididamente as suas responsabilidades de maior mercado e de maior potencia exportadora mundial.
Claramente, a política comercial externa da UE - que aliás é uma competência exclusiva, "federal" - constitui a mais assertiva e bem-sucedida política de ação externa da União, indo, aliás, muito para além das simples relações económicas. Também na cena externa é pela economia que a UE se afirma, sem porém descurar os demais valores da União.
sábado, 9 de dezembro de 2017
Este País não tem emenda (16): "Os nórdicos do séc. XXI"
1. Numa entrevista ao diário espanhol El País, o nosso Presidente da República declarou, surpreendentemente, que nós, portugueses, como País, somos agora "os nórdicos do séc. XXI", frase que o jornal justificadamente puxou para título da entrevista.
Lendo o artigo, vemos que MRS se referia especificamente ao papel de representação e intermediação internacional que Portugal hoje desempenha, não aos níveis de desempenho económico, de igualdade e de bem-estar social, de educação e de cultura, de responsabilidade individual e cultura cívica e de estabilidade política e constitucional que estamos habituados a identificar com os países nórdicos.
Por minha parte, já exprimi há tempos a ambição de que Portugal pudesse vir a ser uma espécie de Dinamarca do sul, mas tenho consciência de que se trata de uma wishful thinking irrealizável no espaço de algumas gerações. A verdade é que, enquanto eles passaram pela reforma protestante há cinco séculos, nós somos herdeiros da contrarreforma; enquanto eles alcançaram muito cedo a literacia universal e elevados taxas de ensino secundário e superior, nós ainda temos uma significativa taxa de alfabetismo na população mais velha e um considerável défice no que respeita ao ensino secundário e superior; enquanto eles construíram desde há um século um eficiente sistema de proteção social, nós ainda mantemos níveis de pobreza elevados e um Estado social incompleto e sujeitos a vários riscos.
2. Entendo, porém, que o nosso principal handicap diz respeito à cultura cívica e à responsabilidade individual perante a coletividade.
Relendo os meus posts críticos desta série sobre o País, concluo que eles não tinham cabimento num país nórdico, onde, por exemplo, não se é complacente com a fuga às obrigações tributárias, não se cospe no chão nem se deixa lixo em toda a parte, não se estacionam automóveis normalmente em cima dos passeios nem se anda impunemente nas autoestradas a 200 à hora, não existem os incríveis níveis de "baixas" por doença fraudulentas, não se verifica a deprimente degradação urbanística que se encontra entre nós (incluindo o património público), não se torturam animais em arenas para gáudio público, não se procede à danificação sistemática do equipamento público nem se ocupa o domínio público marítimo com habitações clandestinas, não se cobriu irresponsavelmente o território com eucaliptos em substituição do coberto vegetal autóctone e onde as corporações profissionais e as "irmandades" mais ou menos secretas não determinam ou condicionam as políticas públicas como entre nós.
O crescimento económico e a determinação política podem reduzir as assimetrias no campo económico, social e educativo. Mas o fosso existente no que respeita à responsabilidade individual e ao compromisso cívico perante a coletividade pouco dependem disso. Tal como a relva inglesa, trata-se de um processo que pode levar séculos. Mas cada ano adiado é um ano perdido!
quinta-feira, 7 de dezembro de 2017
Referendo sobre a eutanásia?
Mais uma vez discordo destas teses, como discordei anteriormente nos referidos casos. Primeiro, não vejo onde é que a Constituição reconhece um direito à eutanásia. Entendo que não existe tal direito fundamental. Se houvesse, então haveria uma inconstitucionalidade desde o início, por a lei não o respeitar até agora. Mas também defendo, ao contrário dos segundos, que a Constituição não proíbe a lei de a reconhecer, porque entendo que o direito à vida não inclui em termos absolutos uma obrigação de viver em quaisquer circunstâncias. Portanto, trata-de de uma questão que cai essencialmente na alçada da discricionariedade do legislador. A Constituição não determina tudo. Ora, onde existe uma margem de livre decisão do legislador, pode haver referendo.
2. A razão porque sou pessoalmente contra tal referendo, embora sendo a favor de uma prudente admissão da eutanásia em casos extremos, não tem a ver com a sua suposta inadmissibilidade constitucional - que a meu ver não existe -, mas sim com razões puramente políticas.
Sou por princípio contra referendos - que pressupõem uma decisão de sim ou não sobre uma solução proposta aos cidadãos - sobre matérias que dependem mais de compromissos interpartidários e de um ponderado debate parlamentar - assumindo os partidos as suas responsabilidades - do que do decisionismo referendário conjuntural. Além disso, uma questão com a complexidade filosófica e moral destas não se apresenta como apropriada a decisão referendária, que abriria caminho a toda a demagogia, sem nenhum ganho para uma solução esclarecida da questão.
Portucaliptal (26): Atentado à biodiversidade
De sublinhar que, tendo em conta o rácio da área ocupada no território do País, Portugal se transformou no campeão mundial do eucaplital. Lamentável record!
quarta-feira, 6 de dezembro de 2017
Observatório do comércio internacional (2): O ataque dos Estados Unidos à OMC
"(...) as trade ministers from the WTO’s 164 members gather in Buenos Aires on Sunday for their biennial conclave, they are confronting what many see as an accelerating existential crisis for both the two decades-old body and for the postwar trading system. And the US, the one-time guarantor of that architecture, is now leading the assault." Do Financial Times de hoje.1. O atual sistema mundial de comércio internacional, iniciado com o GATT de 1947 e concluído com a criação da OMC em 1994, assenta na progressiva abertura multilateral das trocas comerciais, com base em direitos e obrigações iguais e num sistema parajudicial de resolução de litígios.
Como grande potência económica e comercial, os Estados Unidos foram protagonistas deste edifício institucional do comércio internacional. Agora, subitamente, com a política protecionista e nacionalista de Trump, os Estados Unidos estão em vias de afastar-se do sistema multilateral, apostando num ataque em forma à própria OMC e, em especial, ao seu mecanismo de resolução de litígios, boicotando o preenchimento das vagas na respetiva instância de recurso.
2. Surpreendentemente, de campeões e garantes da ordem económica liberal mundial construída desde a II Guerra Mundial, que proporcionou um longo e invejável período de prosperidade e de paz nas relações comerciais internacionais, os Estados Unidos passam a encabeçar uma deriva protecionista e isolacionista, para júbilo de todos os nacionalistas à direita e à esquerda.
A Conferência Ministerial da OMC, que este fim-de-semana se inicia em Buenos Aires (pela primeira vez na América Latina), pode fornecer novos indícios desta perigosa ofensiva de Washington contra a mais importante instituição multilateral de regulação e governação económica internacional.
Esquerdismo primário (III)
Primeiro, como é público e notório, eu nunca fui governante e também não fui administrador da EDP, mas sim membro independente do referido órgão, que é uma espécie "parlamento" da empresa, sob proposta do Governo (em representação do então acionista Estado) e não dos acionistas privados. Segundo, saí antes do final do mandato, quando me candidatei ao Parlamento Europeu. Terceiro, não regressei depois à empresa e não devo nenhum favor à EDP nem, muito menos, ao novo acionista chinês que é agora o seu principal protagonista.
Por conseguinte, o facto de ter desempenhado episodicamente esse cargo não me inibe de tomar uma posição devidamente fundamentada contra a aventureira proposta do Bloco sobre a contribuição especial sobre as energias renováveis, que aliás não diz respeito somente à EDP.
2. Como expliquei nesses dois posts (aqui e aqui), a minha posição não tem a ver com os interesses das empresas (aliás juridicamente titulados), mas sim com três argumentos de defesa do interesse público em geral e do interesses do contribuintes em especial.
Primeiro, num Estado de direito, os governos devem respeitar os compromissos assumidos com os particulares em geral, e com os investidores estrangeiros em especial. Segundo, a violação desses compromissos faria seguramente incorrer o Estado em pesadas indemnizações, por perdas e danos, à custa dos contribuintes (que pagariam com língua de palmo o prometido benefício como consumidores de eletricidade). Terceiro, essa medida poria em causa novos investimentos, sobretudo o investimento estrangeiro, numa área crucial para a autonomia energética do País e para as metas nacionais de "descarbonização" da economia.
A esquerda radical alimenta a estulta ilusão de que expulsando os investidores estrangeiros mata o capitalismo. Mas só lesa a economia e o emprego em Portugal.
3. Como declarou entretanto o Primeiro-Ministro, numa crítica direta à proposta do Bloco, o interesse na redução da fatura energética dos consumidores não pode fazer-se através do incumprimento dos contratos com os investidores. Eu não disse outra coisa!
Mas para os revolucionários do BE essa regra elementar do Estado de direito é um pormenor desprezível, que deve ceder perante os interesses supremos da luta de classes e do combate anticapitalista. Tal como defendeu anteriormente o "calote" aos credores da dívida pública, por meio de uma "reestruturação" unilateral da mesma, espezinhando os respetivos contratos e correspondentes direitos, os radicais do Bloco também acham que os direitos dos investidores estrangeiros constituem uma invenção interesseira dos aliados do capital e das multinacionais. Vade retro!
A insensata proposta foi devidamente derrotada in extremis, sabe-se agora que por intervenção direta do Primeiro-Ministro. Mas o facto de ela ter chegado a ser imprudentemente sufragada numa primeira fase pelo partido do Governo mostra que há alianças que contaminam e comprometem!