1. Com base na última sondagem eleitoral publicada, a imprensa considera que o PS, com cerca de 41,5 %, está próximo da maiora absoluta.
A interpretação da sondagem pode, porém, parecer exagerada, tendo em conta que a maioria absoluta na AR exige pelo menos 44,5% dos votos, o que quer dizer que ainda faltam 3pp ao PS, o que não é despiciendo. Todavia, as previsões extraordinariamente positivas quanto ao crescimento económico, ao emprego e às contas públicas, bem como o mau estado do principal partido da oposição (o arranque da liderança de Rui Rio no PSD está a ser um desastre), aconselham a não descartar tal possibilidade.
A verificar-se, seria a secunda maioria absoluta do PS em 43 anos de democracia constitucional (depois da de Sócrates em 2005) e a primeira a ser obtida com o PS no Governo. Um feito político de inegável relevo!
2. Estando praticamente assegurada a vitória eleitoral do PS nas eleições parlamentares do próximo ano, dado o fosso que o distancia do PSD, um governo de maioria parlamentar seria, de longe, a melhor solução. Por várias razões.
Primeiro, libertaria o País da oportunista e artificial aliança com a extrema-esquerda parlamentar - que, aliás, dificilmente subsistirá, mesmo na falta de maioria absoluta do PS, dados os crescentes sinais do PCP de querer voltar à sua posição de partido de protesto, antissistema -, sem ter de se cair num improvável, e indesejável, governo de bloco central, nem num governo minoritário, com todas as suas fragilidades.
Segundo, asseguraria uma sólida estabilidade e previsibilidade política, e permitiria ao PS levar a cabo o seu próprio programa eleitoral - sacrificado em parte importante pela Geringonça -, abrindo também caminho a reformas há muito adiadas, que carecem de maioria de 2/3, em acordos pontuais com o PSD, como a reforma do sistema eleitoral.
Por último, poria um travão ao hiperativismo presidencial de Marcelo Rebelo de Sousa e às suas tentações de ingerência na esfera governativa, restabelecendo a normalidade de funcionamento do sistema político-constitucional, em que incumbe ao Governo governar, respondendo politicamente perante a AR e nas eleições parlamentares perante o País, e em que cabe ao PR exercer, com o conveniente distanciamento, a sua função de supervisão do "regular funcionamento das instituições" (como estatui a Constituição), e não a de "chairman" do executivo.
Blogue fundado em 22 de Novembro de 2003 por Ana Gomes, Jorge Wemans, Luís Filipe Borges, Luís Nazaré, Luís Osório, Maria Manuel Leitão Marques, Vicente Jorge Silva e Vital Moreira
segunda-feira, 19 de março de 2018
domingo, 18 de março de 2018
Aldrabices políticas
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Vital Moreira
1. Acusado de ter indicado uma residência fictícia no Bombarral, quando mora efetivamente em Lisboa, a fim de receber um subsídio de deslocação da Assembleia da República, o Deputado Feliciano Barreiras Duarte, sem desmentir a sua residência na capital, veio, porém, argumentar que tem a sua "morada fiscal" naquela vila do Oeste e é essa que conta para todos os efeitos.
Há aqui dois sofismas:
- primeiro, é óbvio que ele só escolheu essa residência fiscal, pelos vistos sem correspondência com a sua residência real (pois nem sequer tem casa no Bombarral), para poder receber indevidamente o tal subsídio;
- segundo, a morada fiscal não é de livre escolha, sendo necessariamente a da residência efetiva, que é a que deve constar do cartão de cidadão, sendo a única que conta para todos os efeitos legais, incluindo para efeitos fiscais e eleitorais (recenseamento eleitoral).
2. É certo que o referido deputado pode ter razão quando insinua que não é o único a indicar uma morada fictícia fora de Lisboa, para obter as mesmas vantagens financeiras. Não se sabe, porém, qual é a dimensão do abuso, sendo mais provável nos chamados deputados "paraquedistas", que residindo em Lisboa, onde votam, são eleitos por outros círculos eleitorais (como é o caso).
Nem sequer existe, como devia, informação pública sobre a residência indicada pelos deputados na AR, informação que poderia contribuir para reduzir os abusos quanto a esse aspeto. É evidente que nestas matérias a transparência e a exposição pública dificultam as aldrabices e contribuem para evitar ou atenuar casos como este, que só descredibilizam a vida política e parlamentar e alimentam o populismo contra a "classe política".
Eis um ponto à atenção do grupo de trabalho parlamentar para a transparência na vida política, que, de resto, tarda em ultimar as suas propostas, quando se caminha para o fim da atual legislatura.
Há aqui dois sofismas:
- primeiro, é óbvio que ele só escolheu essa residência fiscal, pelos vistos sem correspondência com a sua residência real (pois nem sequer tem casa no Bombarral), para poder receber indevidamente o tal subsídio;
- segundo, a morada fiscal não é de livre escolha, sendo necessariamente a da residência efetiva, que é a que deve constar do cartão de cidadão, sendo a única que conta para todos os efeitos legais, incluindo para efeitos fiscais e eleitorais (recenseamento eleitoral).
2. É certo que o referido deputado pode ter razão quando insinua que não é o único a indicar uma morada fictícia fora de Lisboa, para obter as mesmas vantagens financeiras. Não se sabe, porém, qual é a dimensão do abuso, sendo mais provável nos chamados deputados "paraquedistas", que residindo em Lisboa, onde votam, são eleitos por outros círculos eleitorais (como é o caso).
Nem sequer existe, como devia, informação pública sobre a residência indicada pelos deputados na AR, informação que poderia contribuir para reduzir os abusos quanto a esse aspeto. É evidente que nestas matérias a transparência e a exposição pública dificultam as aldrabices e contribuem para evitar ou atenuar casos como este, que só descredibilizam a vida política e parlamentar e alimentam o populismo contra a "classe política".
Eis um ponto à atenção do grupo de trabalho parlamentar para a transparência na vida política, que, de resto, tarda em ultimar as suas propostas, quando se caminha para o fim da atual legislatura.
sábado, 17 de março de 2018
+ Europa (8): A Europa ausente
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Vital Moreira
«China’s world-class tech giants, Alibaba and Tencent, have market values of around $500bn, rivalling Facebook’s. China has the largest online-payments market. Its equipment is being exported across the world. It has the fastest supercomputer. It is building the world’s most lavish quantum-computing research centre. Its forthcoming satellite-navigation system will compete with America’s GPS by 2020.»1. Esta passagem do editorial da edição do The Economist desta semana, sobre "A batalha pela supremacia digital", resume em alguns exemplos a impressionante ascensão tecnológica da China, desafiando a tradicional liderança dos Estados Unidos nesta frente decisiva nos dias de hoje, quer em termos económicos, quer em termos de defesa.
2. Lamentavelmente, como mostra a ilustração acima, os protagonistas desta batalha são os Estados Unidos e a China, continuando a Europa à margem dela. Nunca tendo acompanhado os Estados Unidos na revolução digital, a Europa está em vias de se deixar ultrapassar também pela China.
Fazendo parte, junto com os Estados Unidos e com a China, da troika de grandes potências económicas e comerciais da atualidade, a União Europeia dificilmente pode manter-se nesse campeonato, se continuar de fora da revolução digital em curso.
quinta-feira, 15 de março de 2018
Lisbon first (7): Remunicipalização do metropolitano, já!
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Vital Moreira
1. É bom ver o presidente da CM de Lisboa incumbir-se de anunciar publicamente as suas prioridades na expansão do metropolitano de Lisboa, pois é evidente que se trata de um assunto que interessa antes de mais a Lisboa.
Há um pequeno problema, porém: é que o metro de Lisboa não pertence ao município, mas sim ao Estado, cabendo as decisões sobre os investimentos anunciados ao Governo, pelo que no caso Fernando Medina só pode falar em nome e por delegação do Ministro responsável (que no atual Governo é o Ministro da Ambiente). É assim desde 1975, quando, na voragem das nacionalizações, o Estado resolveu estatizar os transportes públicos municipais de Lisboa e do Porto, entre os quais o metropolitano da capital, que nunca mais reclamou a sua remunicipalização, embora, de vez em quando, tal como agora, pareça avocar a responsabilidade pelas suas opções estratégicas.
Até agora, mais do que a titularidade e a gestão municipal, tem prevalecido nos paços do município de Lisboa o conforto de manter o Estado e os contribuintes de todo o País como responsáveis pelo financiamento do metro, libertando o município dos correspondentes encargos.
2. Há décadas que defendo que a responsabilidade pelo metropolitano, como transporte urbano que é, deve caber aos respetivos municípios ou comunidades intermunicipais interessadas, não somente por efeito do princípio da subsidiariedade na repartição de atribuições entre o Estado e as coletividades territoriais infraestaduais, que tem guarida constitucional, mas também por uma questão de equidade financeira na repartição territorial dos encargos públicos, não havendo nenhuma razão para que sejam os contribuintes de todo o país (onde todas as regiões são mais pobres do que Lisboa) a financiar o investimentos dos serviços de transportes locais de Lisboa.
Ora, quando está na agenda política o avanço na descentralização territorial, através da municipalização de serviços e de responsabilidades que pertencem indevidamente ao Estado, é a altura apropriada para devolver o metropolitano de Lisboa à esfera municipal - tal como, aliás, já se fez para a Carris -, libertando finalmente o orçamento do Estado de um encargo que não tem de pertencer-lhe e pondo fim a um iníquo privilégio de Lisboa.
Adenda
Um leitor comenta, com espírito, que "afinal, o Estado Novo, autoritário e centralista, era mais descentralizador do que a democrática e supostamente descentralizadora República de 1976"! À luz deste exemplo, tem razão. Shame on us!
Há um pequeno problema, porém: é que o metro de Lisboa não pertence ao município, mas sim ao Estado, cabendo as decisões sobre os investimentos anunciados ao Governo, pelo que no caso Fernando Medina só pode falar em nome e por delegação do Ministro responsável (que no atual Governo é o Ministro da Ambiente). É assim desde 1975, quando, na voragem das nacionalizações, o Estado resolveu estatizar os transportes públicos municipais de Lisboa e do Porto, entre os quais o metropolitano da capital, que nunca mais reclamou a sua remunicipalização, embora, de vez em quando, tal como agora, pareça avocar a responsabilidade pelas suas opções estratégicas.
Até agora, mais do que a titularidade e a gestão municipal, tem prevalecido nos paços do município de Lisboa o conforto de manter o Estado e os contribuintes de todo o País como responsáveis pelo financiamento do metro, libertando o município dos correspondentes encargos.
2. Há décadas que defendo que a responsabilidade pelo metropolitano, como transporte urbano que é, deve caber aos respetivos municípios ou comunidades intermunicipais interessadas, não somente por efeito do princípio da subsidiariedade na repartição de atribuições entre o Estado e as coletividades territoriais infraestaduais, que tem guarida constitucional, mas também por uma questão de equidade financeira na repartição territorial dos encargos públicos, não havendo nenhuma razão para que sejam os contribuintes de todo o país (onde todas as regiões são mais pobres do que Lisboa) a financiar o investimentos dos serviços de transportes locais de Lisboa.
Ora, quando está na agenda política o avanço na descentralização territorial, através da municipalização de serviços e de responsabilidades que pertencem indevidamente ao Estado, é a altura apropriada para devolver o metropolitano de Lisboa à esfera municipal - tal como, aliás, já se fez para a Carris -, libertando finalmente o orçamento do Estado de um encargo que não tem de pertencer-lhe e pondo fim a um iníquo privilégio de Lisboa.
Adenda
Um leitor comenta, com espírito, que "afinal, o Estado Novo, autoritário e centralista, era mais descentralizador do que a democrática e supostamente descentralizadora República de 1976"! À luz deste exemplo, tem razão. Shame on us!
quarta-feira, 14 de março de 2018
Portucaliptal (28): Podemos trocar de País?
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Vital Moreira
Como se colhe neste vídeo e nesta notícia, o novo governo trabalhista da Nova Zelândia anunciou um ambicioso plano de reforço de produção de energia renovável (objetivo 100% em 2035) e de plantação de 100 milhões de árvores POR ANO (e não são eucaliptos, apesar da proximidade da Austrália!), a fim de conseguir um saldo zero na produção de CO2 em 2050. Que exemplo!
Em Portugal, apesar de termos um governo da mesma família política, quem mais ordena na política florestal é a eucaliptização geral acelerada do Pais para fins industriais, tendo o Estado deixado plantar milhões de novos eucaliptos nos últimos anos para degradarem ainda mais a paisagem e os solos, para alimentarem os devastadores fogos florestais e para servirem de matéria-prima à indústria de celulose, que é campeã na poluição dos rios (o Tejo que o diga!) e da atmosfera.
Nos antípodas do planeta a floresta está ao serviço da melhoria do ambiente e do clima; deste lado, está ao serviço dos lucros e das rendas da fileira agro-industrial da celulose. Podemos trocar de País?
Em Portugal, apesar de termos um governo da mesma família política, quem mais ordena na política florestal é a eucaliptização geral acelerada do Pais para fins industriais, tendo o Estado deixado plantar milhões de novos eucaliptos nos últimos anos para degradarem ainda mais a paisagem e os solos, para alimentarem os devastadores fogos florestais e para servirem de matéria-prima à indústria de celulose, que é campeã na poluição dos rios (o Tejo que o diga!) e da atmosfera.
Nos antípodas do planeta a floresta está ao serviço da melhoria do ambiente e do clima; deste lado, está ao serviço dos lucros e das rendas da fileira agro-industrial da celulose. Podemos trocar de País?
A barbárie tauromáquica (5): Uma vitória!
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Vital Moreira
Este "não" maciço dos estudantes de Coimbra à "garraiada" na Queima das Fitas, tradicionalmente realizada na Praça de Touros da Figueira da Foz, constitui uma importante vitória na luta contra a barbárie tauromáquica, tanto mais que esta manifestação taurina nem era das mais cruéis.
Passo a passo vai-se fazendo caminho neste combate civilizacional, apesar da vergonhosa cobertura política e mediática de que as touradas gozam entre nós (incluindo na RTP), a pretexto da "tradição" e da "cultura popular" (sic!), como sempre defendeu a direita tradicionalista.
Adenda
Um leitor observa que está na altura de um referendo nacional sobre as touradas em Portugal, que a seu ver também daria numa clara rejeição das mesmas. Ora, embora os estudantes de Coimbra possam não ser uma amostra fiel do país nesta matéria, convirjo na convicção de que as touradas seriam chumbadas num referendo nacional. E apesar de não ser um fã de referendos (pelo contrário!), admito que, perante a cobardia dos partidos políticos em enfrentar o poderoso lobby das touradas - que vai desde os criadores de gado bravo até aos toureiros, passando pelos empresários do degradante espetáculo e demais interesses que rodam à volta dele -, pode vir a concluir-se que a única maneira de pôr fim à barbárie é mesmo com recurso a um referendo.
Passo a passo vai-se fazendo caminho neste combate civilizacional, apesar da vergonhosa cobertura política e mediática de que as touradas gozam entre nós (incluindo na RTP), a pretexto da "tradição" e da "cultura popular" (sic!), como sempre defendeu a direita tradicionalista.
Adenda
Um leitor observa que está na altura de um referendo nacional sobre as touradas em Portugal, que a seu ver também daria numa clara rejeição das mesmas. Ora, embora os estudantes de Coimbra possam não ser uma amostra fiel do país nesta matéria, convirjo na convicção de que as touradas seriam chumbadas num referendo nacional. E apesar de não ser um fã de referendos (pelo contrário!), admito que, perante a cobardia dos partidos políticos em enfrentar o poderoso lobby das touradas - que vai desde os criadores de gado bravo até aos toureiros, passando pelos empresários do degradante espetáculo e demais interesses que rodam à volta dele -, pode vir a concluir-se que a única maneira de pôr fim à barbárie é mesmo com recurso a um referendo.
domingo, 11 de março de 2018
A minha nova coluna de opinião
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Vital Moreira
1. Eis a primeira contribuição para a minha nova coluna de opinião no Dinheiro Vivo, suplemento de economia comum do Diário de Notícias e do Jornal de Notícias, dois grandes títulos da imprensa diária portuguesa, um de Lisboa, outro do Porto.
Não é uma atividade desconhecida para mim: nas últimas três décadas tive colaboração regular no Expresso, no Diário de Noticias, no Público e no Diário Económico, por períodos mais ou menos longos. Sempre me atraiu intervir por escrito no espaço público, bem mais do que participar na atividade política, onde estive sempre a título temporário.
De periodicidade quinzenal, esta nova coluna no DV vai incidir essencialmente sobre temas de regulação económica, de governo económico da União Europeia e de comércio internacional, temas que há muito me ocupam na investigação e no ensino universitário e que se inserem no âmbito temático do suplemento.
2. Este primeiro artigo - que se encontra online aqui - revisita um tema já antes abordado aqui no blogue, sobre a ilegitimidade e injustiça tributária da chamada "taxa turística" - que afinal não é uma coisa nem outra! -, já criada por municípios como Lisboa e Porto e já anunciada pelos municípios algarvios
Trata-se, não por acaso, dos municípios de maior procura turística, desde logo porque dispõem de aeroporto internacional, e que assim procuram navegar a onda turística que atualmente invade o país e tirar partido local do investimento público nacional nessa área.
3. Sem me opor naturalmente a uma tributação adicional sobre a hotelaria - que beneficia de uma reduzidíssima taxa de IVA de apenas 6%, vá-se lá saber porquê -, entendo, porém, que ela só pode ser estabelecida pela AR e deve respeitar os princípios materiais da "constituição fiscal" da CRP, incluindo a equidade fiscal.
Não é uma atividade desconhecida para mim: nas últimas três décadas tive colaboração regular no Expresso, no Diário de Noticias, no Público e no Diário Económico, por períodos mais ou menos longos. Sempre me atraiu intervir por escrito no espaço público, bem mais do que participar na atividade política, onde estive sempre a título temporário.
De periodicidade quinzenal, esta nova coluna no DV vai incidir essencialmente sobre temas de regulação económica, de governo económico da União Europeia e de comércio internacional, temas que há muito me ocupam na investigação e no ensino universitário e que se inserem no âmbito temático do suplemento.
2. Este primeiro artigo - que se encontra online aqui - revisita um tema já antes abordado aqui no blogue, sobre a ilegitimidade e injustiça tributária da chamada "taxa turística" - que afinal não é uma coisa nem outra! -, já criada por municípios como Lisboa e Porto e já anunciada pelos municípios algarvios
Trata-se, não por acaso, dos municípios de maior procura turística, desde logo porque dispõem de aeroporto internacional, e que assim procuram navegar a onda turística que atualmente invade o país e tirar partido local do investimento público nacional nessa área.
3. Sem me opor naturalmente a uma tributação adicional sobre a hotelaria - que beneficia de uma reduzidíssima taxa de IVA de apenas 6%, vá-se lá saber porquê -, entendo, porém, que ela só pode ser estabelecida pela AR e deve respeitar os princípios materiais da "constituição fiscal" da CRP, incluindo a equidade fiscal.
Era o que faltava!
Publicado por
Vital Moreira
Na apaixonada controvérsia (muito política e pouco académica) suscitada pela contratação do ex-primeiro ministro Passos Coelho para lecionar numa das escolas da Universidade de Lisboa como "professor convidado" - o que tem pleno cabimento legal -, alguém publicou no twitter a seguinte afirmação:
Para privilégio estudantil já basta beneficiarem de um serviço público que em grande parte não pagam e participarem no governo das suas instituições...
Adenda
Julgo que numa escola superior de ciências políticas e de políticas públicas faz todo o sentido ter o contributo do "saber de experiência feito" de decisores políticos qualificados, como um ex-chefe do Governo e ex-líder partidário, tal como pode ser importante a experiência de empresários ou de gestores qualificados em escolas de economia ou de gestão, por exemplo. É para isso que serve a figura de professor convidado, que dispensa justamente as qualificações e o currículo académico. É certo que se pode dizer que a lei exige a um professor catedrático tarefas que um convidado externo não está em condições de desempenhar (como as de coordenação académica e científica); mas parece razoável entender que a norma em causa deve ser objeto de uma interpretação restritiva quanto ao seu âmbito, de modo a incluir somente os catedráticos de carreira, excluindo os convidados. Não é esse obviamente o seu papel, pelo que não pode ser esse o entendimento da lei.
Adenda 2
Devo acrescentar que, a meu ver, a participação direta na vida política pode ser vantajosa mesmo para os académicos de carreira. Invocando a minha própria experiência pessoal, não tenho dúvidas em dizer que o meu ensino de direito constitucional, de ciência política e de direito da União Europeia seria sem dúvida mais pobre, se não tivesse sido, como fui, deputado à Assembleia Constituinte, à Assembleia da República e ao Parlamento Europeu. O saber não se adquire só nas bibliotecas universitárias.
«Se a maioria dos alunos do ISCSP decidir que não quer Passos como professor, a direcção do Instituto só tem de acatar a decisão.»E eu que julgava que os professores são recrutados pelos órgãos estatuários competentes das universidades, e não por via de referendo dos alunos. Pelos vistos, há quem proponha o regresso à autogestão estudantil de maio de 1968, há 50 anos. Mas os estudantes são utentes, não os donos, das universidades!
Para privilégio estudantil já basta beneficiarem de um serviço público que em grande parte não pagam e participarem no governo das suas instituições...
Adenda
Julgo que numa escola superior de ciências políticas e de políticas públicas faz todo o sentido ter o contributo do "saber de experiência feito" de decisores políticos qualificados, como um ex-chefe do Governo e ex-líder partidário, tal como pode ser importante a experiência de empresários ou de gestores qualificados em escolas de economia ou de gestão, por exemplo. É para isso que serve a figura de professor convidado, que dispensa justamente as qualificações e o currículo académico. É certo que se pode dizer que a lei exige a um professor catedrático tarefas que um convidado externo não está em condições de desempenhar (como as de coordenação académica e científica); mas parece razoável entender que a norma em causa deve ser objeto de uma interpretação restritiva quanto ao seu âmbito, de modo a incluir somente os catedráticos de carreira, excluindo os convidados. Não é esse obviamente o seu papel, pelo que não pode ser esse o entendimento da lei.
Adenda 2
Devo acrescentar que, a meu ver, a participação direta na vida política pode ser vantajosa mesmo para os académicos de carreira. Invocando a minha própria experiência pessoal, não tenho dúvidas em dizer que o meu ensino de direito constitucional, de ciência política e de direito da União Europeia seria sem dúvida mais pobre, se não tivesse sido, como fui, deputado à Assembleia Constituinte, à Assembleia da República e ao Parlamento Europeu. O saber não se adquire só nas bibliotecas universitárias.
sábado, 10 de março de 2018
"Contribuições regulatórias"
Publicado por
Vital Moreira
1. O PSD e o PS acordaram em impor uma "contribuição regulatória" às plataformas digitais, tipo Uber, que procedem à intermediação de serviços de transporte entre os utentes e os operadores de transporte a elas associados. Foi abandonada a designação de "taxa", inicialmente proposta pelo PSD, e foi revisto o seu regime, que aqui critiquei oportunamente, incluindo quanto ao montante de tal contribuição.
A figura da "contribuição regulatória" - que importa distinguir das taxas propriamente ditas -, está expressamente prevista na Lei-quadro das autoridades reguladoras, de 2013, e foi criada em benefício de várias autoridades reguladoras, estando também prevista nos Estatutos da Autoridade para a Mobilidade e os Transportes (AMT), de 2014, que, porém, remetem a sua instituição para legislação própria, até agora não emitida (salvo erro).
A independência das autoridades reguladoras supõe a sua autossuficência financeira, sem dependerem do orçamento do Estado, sendo justo que sejam financiadas pelos agentes regulados (princípio do "regulado-pagador". Tal vale também para a regulação dos transportes.
2. Todavia, tal como vem descrita, a nova contribuição sobre as referidas plataformas digitais na área dos transportes - assumindo que se trata de operadores de transportes, o que é tudo menos incontroverso - coloca três problemas:
- deveria ter como beneficiária apenas a autoridade reguladora dos transportes (a AMT) e não outras entidades públicas que nada têm a ver com tal contribuição, sob pena de esta passar a ser um imposto;
- deveria aplicar-se igualmente às plataformas eletrónicas afins que hoje já existem para outras modalidades de transporte, incluindo os táxis, sob pena de manifesta violação do princípio da igualdade;
- pela mesma razão, deveria aplicar-se a todos os operadores de transporte sujeitos à jurisdição da respetiva autoridade reguladora, no âmbito da legislação sobre a referida "Contribuição da Mobilidade e Transportes", não havendo nenhuma justificação para criar avulsamente uma contribuição específica para uma categoria limitada de empresas, que operam numa submodalidade de transporte em automóveis com condutor, que, aliás, não causam nenhuma sobrecarga regulatória, pelo contrário.
Além de coerência tributária, o "Estado de direito tributário" supõe respeito pela igualdade na repartição dos encargos públicos.
Adenda
Como declaração de interesses, convém informar que prestei serviços de consultoria jurídico-constitucional à Uber, tendo autorizado a empresa a divulgar o meu "parecer" (como, aliás, sempre faço).
A figura da "contribuição regulatória" - que importa distinguir das taxas propriamente ditas -, está expressamente prevista na Lei-quadro das autoridades reguladoras, de 2013, e foi criada em benefício de várias autoridades reguladoras, estando também prevista nos Estatutos da Autoridade para a Mobilidade e os Transportes (AMT), de 2014, que, porém, remetem a sua instituição para legislação própria, até agora não emitida (salvo erro).
A independência das autoridades reguladoras supõe a sua autossuficência financeira, sem dependerem do orçamento do Estado, sendo justo que sejam financiadas pelos agentes regulados (princípio do "regulado-pagador". Tal vale também para a regulação dos transportes.
2. Todavia, tal como vem descrita, a nova contribuição sobre as referidas plataformas digitais na área dos transportes - assumindo que se trata de operadores de transportes, o que é tudo menos incontroverso - coloca três problemas:
- deveria ter como beneficiária apenas a autoridade reguladora dos transportes (a AMT) e não outras entidades públicas que nada têm a ver com tal contribuição, sob pena de esta passar a ser um imposto;
- deveria aplicar-se igualmente às plataformas eletrónicas afins que hoje já existem para outras modalidades de transporte, incluindo os táxis, sob pena de manifesta violação do princípio da igualdade;
- pela mesma razão, deveria aplicar-se a todos os operadores de transporte sujeitos à jurisdição da respetiva autoridade reguladora, no âmbito da legislação sobre a referida "Contribuição da Mobilidade e Transportes", não havendo nenhuma justificação para criar avulsamente uma contribuição específica para uma categoria limitada de empresas, que operam numa submodalidade de transporte em automóveis com condutor, que, aliás, não causam nenhuma sobrecarga regulatória, pelo contrário.
Além de coerência tributária, o "Estado de direito tributário" supõe respeito pela igualdade na repartição dos encargos públicos.
Adenda
Como declaração de interesses, convém informar que prestei serviços de consultoria jurídico-constitucional à Uber, tendo autorizado a empresa a divulgar o meu "parecer" (como, aliás, sempre faço).
sexta-feira, 9 de março de 2018
Geringonça (7): Geometria variável
Publicado por
Vital Moreira
1. A primeira página da edição de ontem do Jornal de Negócios titulava que "Socialistas entendem-se à direita sobre as regras para a Uber", como se fosse algo incomum.
Ora, a pergunta que tem de ser feita é justamente esta: com quem, senão com a direita, poderia o PS entender-se sobre uma lei que implica mais concorrência no mercado de transporte individual em automóvel com condutor?
É evidente que não poderia ser com o BE nem com o PCP, que no seu anticapitalismo primário vetam tudo o que cheire a liberdade económica e concorrência, tendo eles defendido a aplicação à Uber (e outras empresas concorrentes) das mesmas regras que vigoram para os táxis, incluindo a contingentação da oferta, como se fosse a mesma coisa!
2. Há pouco tempo, perante os indícios da disponibilidade de Rui Rio para negociar com o Governo alguns dossiers políticos mais importantes (plano de investimentos em infraestruturas e descentralização), o líder do PCP, Jerónimo de Sousa, apressou-se a alertar contra uma política de alianças de "geometria variável" por parte do PS.
Ora, a verdade é que, desde o início, a Geringonça pressupõe necessariamente alianças de geometria variável para o Governo minoritário do PS. Para se defender da direita, o Governo conta com o apoio parlamentar das esquerdas, nos termos acordados, a quem compensa prodigamente com medidas favoráveis em especial aos funcionários públicos e aos pensionistas. Mas para poder governar noutras áreas, o Governo só pode esperar o apoio vindo da sua direita, como em tudo o que tem a ver, por exemplo, com política externa, política europeia, política de defesa e de segurança interna, política comercial externa, política económica, etc.
3. A aliança do PS com os parceiros das esquerdas parlamentares é assumidamente de via política reduzida, tendo a sua cobertura focada nas áreas do trabalho, da segurança social e da saúde, mais a função pública. É manifestamente pouco para governar!
É por isso que a Geringonça assenta em acordos separados e fragmentários com os aliados, não podendo consubstanciar um programa comum de governo. Não é por acaso que não temos um governo de coligação, que pressuporia a solidariedade intragovernamental com toda da acção do Governo. Assim, se o Bloco e o PCP ficaram livres de se demarcar do Governo (ou até de se lhe opor) em matérias não contempladas nos seus acordos com o PS, também este ficou livre de buscar outros apoios políticos e parlamentares nas mesmas áreas. O que distingue o atual Governo de um comum governo minoritário é o facto de ter assumido compromissos políticos setoriais com uma parte da oposição, a troco da sustentação parlamentar do Governo (o que não é pouco!), evitando o seu derrube pela outra oposição.
Há, portanto, mais governo para além da Geringonça!
[revisto]
Adenda (11/3)
Concordo com este editorial do diretor do Público, que glosa o mesmo tema, até no título.
quinta-feira, 8 de março de 2018
Discordo(6): Radicalismo de género
Publicado por
Vital Moreira
1. Em declarações colhidas num artigo de hoje no Público sobre o sexo dos nomes de ruas que homenageiam pessoas (não disponível online), um arquiteta defende que doravante deve haver paridade de género na toponímia!
Eis uma ideia tão radical quanto desassisada. A escassez de nomes femininos na toponímia urbana tem a ver essencialmente com a "divisão de trabalho" entre homens e mulheres ao longo da história na guerra, na vida económica, na política, na literatura e nas artes e na própria religião (os protagonistas das religiões monoteístas são quase todos masculinos...). Só a mudança desse paradigma, em curso nas últimas décadas, pode levar a uma progressiva mudança nessa área. Mas vai demorar o seu tempo. Entretanto, o universo dos elegíveis - não devendo incluir pessoas em vida - vai continuar a ser maioritariamente masculino A história não pode ser revista nesse ponto, em busca das mulheres ausentes.
Por isso, não faz sentido nenhum exigir já que daqui em diante haja tantos nomes masculinos como masculinos nos novos nomes de ruas, podendo haver mais ou menos, de acordo com critérios próprios das comissões de toponímia local, quanto à relevância dos que devem aparecer nas placas das ruas e praças. Decididamente, nem tudo nesta vida é elegível para aplicação dogmática dos discurso sobre a paridade de género.
2. Esta sugestão é bem ilustrativa do radicalismo que domina algum discurso feminista quanto à igualdade de género, por exemplo na exigência de "genderização" absoluta da língua, incluindo os discurso jurídico, literário e académico, como se ela fosse matéria plástica, livremente moldável, à revelia da sua formação histórica e cultural.
Já se imaginou, por exemplo, a Constituição ou os Lusíadas reescritos de acordo com esta norma de "paridade de género linguística"?!
Como diziam os antigos (ou deveria dizer "como diziam os/as antigos/as"?), est modus in rebus (haja moderação)!
Eis uma ideia tão radical quanto desassisada. A escassez de nomes femininos na toponímia urbana tem a ver essencialmente com a "divisão de trabalho" entre homens e mulheres ao longo da história na guerra, na vida económica, na política, na literatura e nas artes e na própria religião (os protagonistas das religiões monoteístas são quase todos masculinos...). Só a mudança desse paradigma, em curso nas últimas décadas, pode levar a uma progressiva mudança nessa área. Mas vai demorar o seu tempo. Entretanto, o universo dos elegíveis - não devendo incluir pessoas em vida - vai continuar a ser maioritariamente masculino A história não pode ser revista nesse ponto, em busca das mulheres ausentes.
Por isso, não faz sentido nenhum exigir já que daqui em diante haja tantos nomes masculinos como masculinos nos novos nomes de ruas, podendo haver mais ou menos, de acordo com critérios próprios das comissões de toponímia local, quanto à relevância dos que devem aparecer nas placas das ruas e praças. Decididamente, nem tudo nesta vida é elegível para aplicação dogmática dos discurso sobre a paridade de género.
2. Esta sugestão é bem ilustrativa do radicalismo que domina algum discurso feminista quanto à igualdade de género, por exemplo na exigência de "genderização" absoluta da língua, incluindo os discurso jurídico, literário e académico, como se ela fosse matéria plástica, livremente moldável, à revelia da sua formação histórica e cultural.
Já se imaginou, por exemplo, a Constituição ou os Lusíadas reescritos de acordo com esta norma de "paridade de género linguística"?!
Como diziam os antigos (ou deveria dizer "como diziam os/as antigos/as"?), est modus in rebus (haja moderação)!
Concordo (5) : Equilíbrio de género nos cargos públicos
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Vital Moreira
(Fonte da imagem aqui)
1. Há muito tempo que defendo a "ação afirmativa" nas regras de acesso a cargos públicos - designadamente através do estabelecimento legal de quotas mínimas para qualquer dos sexos -, de modo a alcançar um razoável "equilíbrio de género" nos lugares de direção, tanto na esfera política como na esfera administrativa, corrigindo o tradicional predomínio masculino.São de apoiar, por isso, as propostas legislativas hoje anunciadas pelo Governo, no sentido de:
- reforçar as regras já constantes da chamada "lei da paridade" de 2006, sobre o equilíbrio de género nas candidaturas aos órgãos políticos representativos (desde a AR e o Parlamento Europeu às assembleias de freguesia), corrigindo as insuficiências daquela lei;
- estabelecer regras afins em relação aos cargos diretivos da Administração pública, lato sensu, desde a administração central às ordens profissionais, passando pelas universidades públicas.
Aliás, hoje em dia não deve haver nenhuma dificuldade no cumprimento dessas regras nessas áreas, dado o peso feminino no pessoal do setor público, bem como nas universidades e nas profissões liberais organizadas em ordens.
2. No regime anunciado só não sufrago a ideia de exigir à CRESAP, no caso dos cargos dirigentes providos por concurso público, que doravante tenha em consideração o equilíbrio de género na sua proposta de três nomes a apresentar ao Governo.
De facto, a única função da CRESAP é - e só pode ser - a de apreciar e selecionar três candidatos de acordo com as suas credenciais e méritos para o desempenho do lugar posto a concurso. Não se vê qual o papel que o sexo dos candidatos pode ter nessa equação. O resultado pode ser três candidatos apurados de qualquer dos géneros ou uma repartição 2/1 para qualquer do lados. Cabe depois ao Ministro responsável ter em conta, na nomeação, o respeito pela equilíbrio de género, pelo que, se no seu departamento um dos sexos estiver representado abaixo de 40%, ele será então obrigado a nomear candidatos desse sexo até alcançar o limiar da quota, salvo nos casos em que não haja nenhum entre os três candidatos selecionados pela CRESAP.
Pedir à própria CRESAP que tenha em consideração o equilíbrio de género na sua seleção dos três candidatos inquina a sua missão e contraria a própria ideia da igualdade, que assenta no pressuposto de que não há cargos mais femininos nem mais masculinos. De resto, nos últimos tempos até tem havido mais nomeações femininas do que masculinas para tais cargos, provando que não é necessário alterar o mandato da CRESAP para cumprir os objetivos do novo regime.
Não havia, portanto, necessidade de enveredar por aí.
segunda-feira, 5 de março de 2018
Preocupante Itália
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Vital Moreira
Em resumo, uma clara vitória do populismo e das direitas mais conservadoras e uma humilhante derrota do PD (centro esquerda), atualmente no Governo, que fica a 13pp do M5E e pouco acima da Liga! Como aqui se antecipara, a social-democracia europeia acentua a sua crise à escala europeia, perdendo o poder no único dos grandes Estados-membros da UE onde ainda liderava o Governo...
2. Em princípio, estes resultados não proporcionam uma maioria parlamentar a nenhuma força política, mas o sistema eleitoral misto, com cerca de um terço dos deputados e senadores a serem eleitos em círculos uninominais por maiora relativa, dá vantagem à coligação de direita, que não deve ficar muito longe da maiora absoluta, sendo naturalmente candidata a formar governo.
Todavia, se coligação de direta ficar aquém da maioria parlamentar e com o PD fora de qualquer coligação governativa depois desta severa punição eleitoral, não antevê fácil formar um governo maioritário à margem do M5E. Uma dificuldade inesperada provém do facto de dentro da coligação de direita, a Liga ficar surpreendentemente à frente da Força Itália, o que lhe dará força para reivindicar a liderança do governo. Impensável, ver Salvini à frente do Governo de Roma e a integrar o Conselho Europeu da UE!
3. Enfim, estes resultados não auguram nada de bom para a Itália e vão causar muitas dores de cabeça em Bruxelas e em muitas capitais nacionais da UE, incluindo em Lisboa, que perde um aliado na coligação dos países do sul.
Decididamente, estas eleições confirmam que, se a União se tornou um fator determinante nas eleições nacionais dos Estados-membros, em contrapartida as eleições nacionais nos grandes Estados-membros também podem afetar profundamente o quadro geral da União.
Entre a espada e a parede
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Vital Moreira
1. A decisão do SPD alemão de confirmar no referendo interno o acordo de coligação de governo com Merkel é boa para a Alemanha, que evita uma crise política ou um problemático governo minoritário, e para a Europa, que é poupada à turbulência dessa eventual crise e pode beneficiar do forte empenhamento do novo Governo alemão na reforma e aprofundamento da União Europeia.
Resta saber se é boa para o próprio SPD.
2. Colocado entre a espada e a parede - pois a provável consequência de uma crise política resultante da eventual recusa do acordo seria a convocação de eleições antecipadas, com o risco de mais um desaire eleitoral agravado (como as sondagens eleitorais indiciam) -, o SPD optou pelo mal menor, reeditando a coligação de governo com a direita do CDU/CSU.
Todavia, para além da divisão do partido nessa decisão, tendo um em cada três votantes recusado o acordo, o SPD arrisca-se novamente, como sucedeu na passada legislatura, a pagar este novo envolvimento numa "grande coligação" com mais uma etapa do seu declínio político. O destino da social-democracia europeia pode estar em jogo nesta arriscada opção do SPD alemão...
Resta saber se é boa para o próprio SPD.
2. Colocado entre a espada e a parede - pois a provável consequência de uma crise política resultante da eventual recusa do acordo seria a convocação de eleições antecipadas, com o risco de mais um desaire eleitoral agravado (como as sondagens eleitorais indiciam) -, o SPD optou pelo mal menor, reeditando a coligação de governo com a direita do CDU/CSU.
Todavia, para além da divisão do partido nessa decisão, tendo um em cada três votantes recusado o acordo, o SPD arrisca-se novamente, como sucedeu na passada legislatura, a pagar este novo envolvimento numa "grande coligação" com mais uma etapa do seu declínio político. O destino da social-democracia europeia pode estar em jogo nesta arriscada opção do SPD alemão...
sexta-feira, 2 de março de 2018
Aplauso
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Vital Moreira
Já é possível pagar impostos por meio de uma aplicação digital ou, ainda mais simples, por débito direto em conta bancária.
Em matéria de impostos já basta ter de os pagar. Quanto mais simples o seu pagamento, melhor! Simplex, no seu melhor.
Em matéria de impostos já basta ter de os pagar. Quanto mais simples o seu pagamento, melhor! Simplex, no seu melhor.
Corporativismo (8): O caso do Ministério Público
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Vital Moreira
1. Na sua corajosa entrevista ao Público e à Rádio Renascença, o antigo Procurador-Geral da República, Consº Pinto Monteiro, traça um quadro preocupante da "captura" do governo do Ministério Público pelo respetivo sindicato profissional, através do Conselho Superior, em aliança com os representantes partidários a ele afetos, designados pela AR, daí resultando um enorme constrangimento da capacidade de ação do PGR, apesar de este ser nomeado pelo PR sob proposta do Governo e dispor, portanto, de uma elevada legitimidade democrática.
Ora, a Constituição não define nem a composição concreta do Conselho Superior, nem os seus poderes, aspetos que ficaram em aberto para definição legislativa, pelo que nada obriga a manter o status quo institucional. Nada na principiologia do Estado de direito constitucional requer o autogoverno, de direito ou de facto, do Ministério Público. Infelizmente, a mesma relação de forças político-sindicais que proporcionou a atual solução legislativa tem também impedido a sua revisão no sentido da redução da autogestão corporativa do Ministério Público, aliás reforçada pela entrega do cargo de PGR a membros da respetiva magistratura.
2. Não alinhei no aplauso generalizado do recente "Pacto da Justiça", acordado entre as profissões da justiça, onde vejo mais a expressão de um compromisso eclético entre os diversos interesses sectoriais do que uma visão coerente de uma sistema judicial ao serviço do interesse geral, que o Estado representa, e dos cidadãos, que são os seus destinatários, como utentes, e seus financiadores, como contribuintes. Um e outros estiveram ausentes do procedimento que conduziu ao tal Pacto.
Penso, de resto, que uma das linhas centrais de uma reforma da justiça digna desse nome deveria consistir justamente da sua "descorporativização". Os sindicatos profissionais servem para defender os respetivos interesses particulares de grupo, não para governar as instituições em função deles, sacrificando o interesse público.
O maior risco para a independência da justiça consiste justamente na instrumentalização sindical das suas instituições de governo. A autogestão sindical não constitui a resposta apropriada para evitar a governamentalização da justiça.
Ora, a Constituição não define nem a composição concreta do Conselho Superior, nem os seus poderes, aspetos que ficaram em aberto para definição legislativa, pelo que nada obriga a manter o status quo institucional. Nada na principiologia do Estado de direito constitucional requer o autogoverno, de direito ou de facto, do Ministério Público. Infelizmente, a mesma relação de forças político-sindicais que proporcionou a atual solução legislativa tem também impedido a sua revisão no sentido da redução da autogestão corporativa do Ministério Público, aliás reforçada pela entrega do cargo de PGR a membros da respetiva magistratura.
2. Não alinhei no aplauso generalizado do recente "Pacto da Justiça", acordado entre as profissões da justiça, onde vejo mais a expressão de um compromisso eclético entre os diversos interesses sectoriais do que uma visão coerente de uma sistema judicial ao serviço do interesse geral, que o Estado representa, e dos cidadãos, que são os seus destinatários, como utentes, e seus financiadores, como contribuintes. Um e outros estiveram ausentes do procedimento que conduziu ao tal Pacto.
Penso, de resto, que uma das linhas centrais de uma reforma da justiça digna desse nome deveria consistir justamente da sua "descorporativização". Os sindicatos profissionais servem para defender os respetivos interesses particulares de grupo, não para governar as instituições em função deles, sacrificando o interesse público.
O maior risco para a independência da justiça consiste justamente na instrumentalização sindical das suas instituições de governo. A autogestão sindical não constitui a resposta apropriada para evitar a governamentalização da justiça.
Observatório do comércio internacional (7): Trump abre "guerra comercial"
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Vital Moreira
1. Concretizando a ameaça que tinha anunciado, o Presidente Trump decidiu impor sobretarifas de 25% e de 10% sobre as importações de aço e de alumínio, respetivamente.
Embora as medidas protecionistas das respetivas indústrias americanas - à custa de outras indústrias, que beneficiavam desses metais importados mais baratos - tenham sido justificadas por alegadas razões de "segurança nacional", numa aplicação abusiva de uma norma do GATT, a verdade é elas vão afetar principalmente os aliados dos Estados Unidos, incluindo da NATO (UE e Canadá).
2. Como era de esperar, Bruxelas não perdeu tempo a anunciar a tomada de medidas de retaliação comercial, embora "proporcionadas" e "compatíveis com a OMC". Seguramente, outros países prejudicados, como a China, a Coreia, o Japão e o Brasil, não deixarão também de responder.
Sem surpresa, a insensata deriva protecionista de Trump só poderia dar nisto, uma improvável guerra comercial entre as duas potências comerciais que até há pouco tempo negociavam entre si o mais ambicioso acordo de liberalização comercial (o TTIP) e que lideraram durante décadas a criação de uma ordem comercial liberal global sujeita a regras, destinadas justamente a evitar guerras comerciais de que ninguém sai ileso...
Adenda
Este editorial do New York Times diz tudo: "As guerras comerciais são destrutivas. E é óbvio que Trump quer uma".
Embora as medidas protecionistas das respetivas indústrias americanas - à custa de outras indústrias, que beneficiavam desses metais importados mais baratos - tenham sido justificadas por alegadas razões de "segurança nacional", numa aplicação abusiva de uma norma do GATT, a verdade é elas vão afetar principalmente os aliados dos Estados Unidos, incluindo da NATO (UE e Canadá).
2. Como era de esperar, Bruxelas não perdeu tempo a anunciar a tomada de medidas de retaliação comercial, embora "proporcionadas" e "compatíveis com a OMC". Seguramente, outros países prejudicados, como a China, a Coreia, o Japão e o Brasil, não deixarão também de responder.
Sem surpresa, a insensata deriva protecionista de Trump só poderia dar nisto, uma improvável guerra comercial entre as duas potências comerciais que até há pouco tempo negociavam entre si o mais ambicioso acordo de liberalização comercial (o TTIP) e que lideraram durante décadas a criação de uma ordem comercial liberal global sujeita a regras, destinadas justamente a evitar guerras comerciais de que ninguém sai ileso...
Adenda
Este editorial do New York Times diz tudo: "As guerras comerciais são destrutivas. E é óbvio que Trump quer uma".
quinta-feira, 1 de março de 2018
Haja moralidade...!
Publicado por
Vital Moreira
1. Cumprindo uma orientação constitucional, que aliás sufrago, a Assembleia da República afadiga-se a legislar (ou a exigir do Governo) medidas de promoção do "equilíbrio de género" na esfera pública, a fim de aumentar a representação feminina nas instituições políticas, na Administração pública e nas empresas públicas (e até nas empresas privadas cotadas em bolsa), contrariando o tradicional domínio masculino na vida política e económica.
Porém, não se conhece nenhuma iniciativa parlamentar tendente a legislar idênticas medidas também para constituição dos órgãos de governo dos próprios partidos políticos, apesar de, como se mostra no quadro junto (tirado do Jornal de Negócios de hoje), vários dos partidos com representação parlamentar não respeitarem dentro de portas aquilo que impõem, por via legislativa, a outras entidades.
2. Ora, os partidos políticos, embora sendo organizações de direito privado, estão constitucionalmente obrigados a regras de organização e de atuação democrática e gozam do monopólio de apresentação de candidaturas ao parlamento, sendo os protagonistas da vida política. Não se compreende por isso que, enquanto estão obrigados a apresentar listas aos órgãos do poder político que respeitem requisitos legais de igualdade de género, não estejam eles próprios sujeitos aos mesmos requisitos na sua organização interna.
De resto, com que autoridade política os partidos parlamentares estendem tal obrigação a entidades privadas, como as empresas cotadas (que estão fora da esfera política e que gozam constitucionalmente de um direito de se governarem livremente), se não impõem as mesmas regras legais a si mesmos?
"Haja moralidade..."! Aqui fica o desafio.
Porém, não se conhece nenhuma iniciativa parlamentar tendente a legislar idênticas medidas também para constituição dos órgãos de governo dos próprios partidos políticos, apesar de, como se mostra no quadro junto (tirado do Jornal de Negócios de hoje), vários dos partidos com representação parlamentar não respeitarem dentro de portas aquilo que impõem, por via legislativa, a outras entidades.
2. Ora, os partidos políticos, embora sendo organizações de direito privado, estão constitucionalmente obrigados a regras de organização e de atuação democrática e gozam do monopólio de apresentação de candidaturas ao parlamento, sendo os protagonistas da vida política. Não se compreende por isso que, enquanto estão obrigados a apresentar listas aos órgãos do poder político que respeitem requisitos legais de igualdade de género, não estejam eles próprios sujeitos aos mesmos requisitos na sua organização interna.
De resto, com que autoridade política os partidos parlamentares estendem tal obrigação a entidades privadas, como as empresas cotadas (que estão fora da esfera política e que gozam constitucionalmente de um direito de se governarem livremente), se não impõem as mesmas regras legais a si mesmos?
"Haja moralidade..."! Aqui fica o desafio.
quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018
Discordo (5): Devem os votos brancos e nulos contar?
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Vital Moreira
(Foto: Visão)
1. Esta proposta de reconhecimento e valorização de "votos contra" em eleições uninominais (ou por lista) não faz nenhum sentido.Nas eleições vota-se, ou não, nos candidatos em liça, não a favor ou contra eles, como sucede nos plebiscitos pessoais, próprios de regimes autoritários e/ou populistas. Mesmo nos referendos vota-se sim ou não a certa solução política ou legislativa colocada à decisão dos cidadãos; não se vota em pessoas, nem a favor ou contra elas. Importa manter clara esta distinção.
Nas eleições, os modos de exprimir discordância ou rejeição política de todos os candidatos são o voto branco e o voto nulo, mas estes não contam para a eleição, ou não, do(s) candidatos, salvo se houver uma norma eleitoral que exija o voto favorável de uma certa percentagem mínima de votantes (ou até de eleitores). Na falta de tal norma expressa, numa eleição uninominal é eleito o candidato com mais votos (maioria relativa), independentemente da percentagem em relação ao número de votantes.
Numa eleição com um só candidato, por não se terem apresentado outros, é juridicamente indiferente o número de votos expressos válidos e o número de votos brancos e/ou nulos. O elevado número de votos brancos ou nulos pode afetar a legitimidade e autoridade política do eleito, não o resultado nem a validade da sua eleição. Os votos brancos não apagam outros tantos votos expressos, nem os votos nulos anulam outros tantos votos válidos.
2. Pela mesma razão, também discordo absolutamente da ideia, por vezes apresentada de modo pouco avisado, de reconhecer valor eleitoral aos votos brancos / ou nulos nas eleições parlamentares, deixando por atribuir um número de mandatos proporcional à taxa desses votos.
A democracia representativa visa representar quem participa na escolha dos seus representantes, não quem se recusa a tê-los, que muitas vezes é um voto contra a própria democracia representativa. Os "brancosos" e "nulosos" não devem ter "representação" virtual no parlamento, através de cadeiras vazias, justamente porque se recusam a participar na escolha de representantes.
Numa democracia liberal, quem não está satisfeito com a oferta eleitoral que lhe é apresentada deve promover o seu alargamento, sendo embora evidente que não pode haver tantos partidos quantas as preferências individuais privativas de cada eleitor, como por vezes parece ser a exigência. Mesmo num sistema, como o nosso, em que só os partidos políticos podem apresentar candidaturas, a verdade é que é relativamente fácil criar um novo partido (como, aliás, teria de ser, sob pena de excessiva restrição democrática), como tem mostrado a nossa história constitucional e é confirmado pelo registo de partidos no Tribunal Constitucional (neste momento, existem 22!).
Adenda
Um eleitor pergunta quantas vezes recorri ao voto branco ou nulo. A reposta é nunca, e também nunca me abstive. Mas se me exigisse a concordância com todas as propostas dos partidos/candidatos em que votei, nunca teria deixado de votar em branco! Suponho que se passa com muitos outros cidadãos: só concordaremos em absoluto com o nosso próprio partido uninominal! Mas isso não há...
segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018
Observatório do comércio internacional (6): Algo está a mudar em Brasília e em Buenos Aires
Publicado por
Vital Moreira
1. Os países do Mercosul, nomeadamente o Brasil e Argentina, são tradicionalmente caracterizados por uma reduzida abertura ao comércio com terceiros países.
Para além de uma elevada tarifa externa média, o Mercosul praticamente não tem acordos de liberalização comercial com outros países fora da sua área de influência, o que contrasta com outros países latino-americanos, designadamente os da orla do Pacífico, que concluíram acordos comerciais com as principais economias (UE, EUA, Japão, etc.), abrindo assim acesso preferencial aos grandes mercados mundiais.
Mas nos últimos tempos, depois das mudanças políticas em Buenos Aires e em Brasília, as coisas parecem estar em vias de uma substancial mudança de orientação também no respeitante à política comercial externa. Como aqui já se assinalou, as negociações do acordo comercial com a UE, que se arrastavam há 20 anos sem perspetiva de conclusão, sofreram um notável avanço, estando perto de ser bem-sucedidas. E agora tem-se notícia de inicio de negociações com outras economias avançadas, designadamente o Canadá!
2. Não se pode deixar de sublinhar a importância desta entrada do bloco sul-americano na senda da liberalização das trocas comerciais por via de acordos bilaterais, quer pelo significativo peso conjunto das suas economias (mesmo descontando a Venezuela, não abrangida nestes acordos), quer pelo facto de se tratar de um bloco até agora muito "virado para dentro", com reduzida participação na globalização económica e nas cadeias de produção globais.
A concretizarem-se estes acordos, o Mercosul aumentará rapidamente a sua participação no comércio internacional, que é inferior ao seu peso na economia global, tal como vai subir a importância do comércio externo no PIB dos países que o integram. Trata-se de uma mudança tanto mais de assinalar quanto mais ela vai ao arrepio da deriva protecionista que se desenrola nos Estados Unidos, sinalizando o seu isolamento. Enquanto Washington abandona o seu protagonismo no alargamento da ordem comercial liberal, Brasília e Buenos Aires propõem-se aderir.
Sejam bem-vindos!
Para além de uma elevada tarifa externa média, o Mercosul praticamente não tem acordos de liberalização comercial com outros países fora da sua área de influência, o que contrasta com outros países latino-americanos, designadamente os da orla do Pacífico, que concluíram acordos comerciais com as principais economias (UE, EUA, Japão, etc.), abrindo assim acesso preferencial aos grandes mercados mundiais.
Mas nos últimos tempos, depois das mudanças políticas em Buenos Aires e em Brasília, as coisas parecem estar em vias de uma substancial mudança de orientação também no respeitante à política comercial externa. Como aqui já se assinalou, as negociações do acordo comercial com a UE, que se arrastavam há 20 anos sem perspetiva de conclusão, sofreram um notável avanço, estando perto de ser bem-sucedidas. E agora tem-se notícia de inicio de negociações com outras economias avançadas, designadamente o Canadá!
2. Não se pode deixar de sublinhar a importância desta entrada do bloco sul-americano na senda da liberalização das trocas comerciais por via de acordos bilaterais, quer pelo significativo peso conjunto das suas economias (mesmo descontando a Venezuela, não abrangida nestes acordos), quer pelo facto de se tratar de um bloco até agora muito "virado para dentro", com reduzida participação na globalização económica e nas cadeias de produção globais.
A concretizarem-se estes acordos, o Mercosul aumentará rapidamente a sua participação no comércio internacional, que é inferior ao seu peso na economia global, tal como vai subir a importância do comércio externo no PIB dos países que o integram. Trata-se de uma mudança tanto mais de assinalar quanto mais ela vai ao arrepio da deriva protecionista que se desenrola nos Estados Unidos, sinalizando o seu isolamento. Enquanto Washington abandona o seu protagonismo no alargamento da ordem comercial liberal, Brasília e Buenos Aires propõem-se aderir.
Sejam bem-vindos!
sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018
Um pouco mais de rigor sff (66): "Portinglês"
Publicado por
Vital Moreira
É evidente que nesta notícia do Público a referência a "taxas" está rotundamente errada, devendo ler-se "impostos", que é coisa bem diversa em português. É o que faz traduzir notícias apressadamente do inglês, sem ter em conta os "falsos amigos", como sucede tantas vezes em Portugal, mesmo por parte de pessoas com educação superior. O "portinglês" está cada vez mais difundido!
Pode argumentar-se que um jornalista não tem de saber tudo, o que é verdade. Mas neste caso o tema dos impostos europeus (e não das "taxas europeias") tem estado no debate público há algumas semanas, pelo que não se justifica o referido lapso jornalístico.
Lamentavelmente, deixou de haver revisores nos jornais e o trabalho editorial sobre os títulos também desapareceu. A edição online direta tem um preço alto em termos de rigor linguístico. Mas um jornal com as responsabilidade do Público não pode incorrer em lapsos destes com a frequência com isso ocorre nas suas páginas.
Geringonça (6): O "Governo do grande capital"
Publicado por
Vital Moreira
«Os desenvolvimentos entretanto verificados mostram que o PS e o seu Governo, no quadro da suas opções de classe ao serviço do grande capital, não perde oportunidade para convergir com o PSD e o CDS».1. Esta passagem do editorial do último número do jornal oficial do PCP não deixa dúvidas de que na visão comunista o PS e o Governo representam o "inimigo de classe", uma das mais graves acusações políticas no jargão do PCP, condenação historicamente agravada pelo facto de o PS ousar reclamar-se da esquerda, da qual o PCP se arroga o monopólio ideológico.
É certo que o PCP sempre fez este juízo do PS, muitas vezes erigido em "inimigo principal", tendo sempre guerreado afincadamente todos os governos socialistas, sendo igualmente certo que o PS sempre considerou o PCP como expressão de uma esquerda antidemocrática. Só que desta vez, prodigiosamente, o atual Governo do PS só existe porque teve o apoio do PCP na sua formação, como o tem tido na sua sustentação. Como conciliar a histórica inimizade recíproca com a circunstância da atual aliança política de conveniência?
2. As questões que esta insólita (e anteriormente impensável) situação suscita são, essencialmente, duas: (i) saber até onde pode ir o cinismo político do PCP na sustentação política de um Governo que tanto despreza, bem como o do PS, ao fazer de conta que se trata de uma "solução natural" (se não mesmo "ideal") de governo; (ii) saber se, com esta reiterada marcação de fronteiras por parte do PCP, é possível equacionar a repetição da atual parceria partidária na próxima legislatura, fora das condições que ditaram a "Geringonça", como faz menção de querer o PS.
Seja como for, sabendo o preço político a pagar por uma crise de governo, ambos os lados lado estão condenados a engolir com boa cara a sua dose de "sapos políticos" até ao fim da legislatura. O bom momento da economia e as boas perspetivas eleitorais para 2019 ajudam a manter o atual arranjo político, por mais artificial e menos consensual que ele se apresente com o decorrer do tempo, à medida que os seus objetivos iniciais se vão esgotando.
quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018
Ai a dívida (15): Acrescentar dívida à dívida
Publicado por
Vital Moreira
1. É óbvio que, apesar do título enganador desta notícia, a dívida pública não "afundou" em 2017, antes aumentou em cerca de 1700 milhões de euros.
E mesmo considerando a sua percentagem no PIB, que é o que a notícia quer referir, o resultado não é de molde a festejar. De facto, a nova percentagem de 126,2%, embora melhor do que a modesta meta inicialmente estabelecida no orçamento de 2017 - que em devido tempo qualifiquei como pouco ambiciosa -, não se pode considerar um êxito, visto que aquela meta foi estabelecida para uma previsão de crescimento do PIB bem inferior ao que se veio a verificar (2,7%), o que quer dizer que este maior crescimento não se refletiu inteiramente, como seria de esperar, numa melhoria correspondente do rácio da dívida, tendo sido aproveitado, ao invés, para aumentar o endividamento inicialmente previsto!
2. Estando a economia num pico de crescimento sem paralelo há muitos anos - o que se traduz em substancial aumento da receita pública e em redução da despesa pública com encargos sociais (subsídio de desemprego e outros) -, não se compreende que se mantenha um significativo défice orçamental, que implica um aumento continuado do já elevadíssimo stock da dívida pública.
A meta deveria ser, pelo menos, congelar o atual montante da dívida, em vez de acrescentar mais dívida à montanha da dívida. Se com a economia a crescer 2,7% não conseguimos uma situação orçamental equilibrada (e um "défice estrutural" compatível com as regras da UE) e de nulo endividamento adicional, quando é que vamos consegui-lo?
3. Sendo de admitir que o ritmo do crescimento económico pode vir a abrandar já no corrente ano, como indicam todas as estimativas, e que a taxa de juro pode vir a aumentar dentro em breve, como preveem todos os observadores, Portugal continua sem se preparar adequadamente para enfrentar sem receios condições económicas e financeiras menos bonançosas do que as atuais.
A atual conjunção astral favorável - robusta retoma económica da zona euro e da economia global, pródiga política monetária do BCE, etc. - não vai durar indefinidamente. É quando faz sol que se reparam os telhados. E os nossos telhados financeiros continuam longe de estar à prova de novas tempestades...
Adenda
Como mostra este artigo, a redução do peso da dívida pública no PIB, que se iniciou apenas em 2015, para recair no ano seguinte e retomar em 2017, foi mais tardia e menos intensa do que a redução da dívida privada (dos particulares e das empresas), que começou ainda em 2013, ano de início da retoma económica, e que tem decaído a bom ritmo, embora com alguma travagem no ano passado. Este défice de redução do peso da dívida pública tem, portanto, impedido uma mais rápida "desalavancagem" do conjunto da economia, o que se impunha, tendo em conta o elevado crescimento económico que se verifica.
E mesmo considerando a sua percentagem no PIB, que é o que a notícia quer referir, o resultado não é de molde a festejar. De facto, a nova percentagem de 126,2%, embora melhor do que a modesta meta inicialmente estabelecida no orçamento de 2017 - que em devido tempo qualifiquei como pouco ambiciosa -, não se pode considerar um êxito, visto que aquela meta foi estabelecida para uma previsão de crescimento do PIB bem inferior ao que se veio a verificar (2,7%), o que quer dizer que este maior crescimento não se refletiu inteiramente, como seria de esperar, numa melhoria correspondente do rácio da dívida, tendo sido aproveitado, ao invés, para aumentar o endividamento inicialmente previsto!
2. Estando a economia num pico de crescimento sem paralelo há muitos anos - o que se traduz em substancial aumento da receita pública e em redução da despesa pública com encargos sociais (subsídio de desemprego e outros) -, não se compreende que se mantenha um significativo défice orçamental, que implica um aumento continuado do já elevadíssimo stock da dívida pública.
A meta deveria ser, pelo menos, congelar o atual montante da dívida, em vez de acrescentar mais dívida à montanha da dívida. Se com a economia a crescer 2,7% não conseguimos uma situação orçamental equilibrada (e um "défice estrutural" compatível com as regras da UE) e de nulo endividamento adicional, quando é que vamos consegui-lo?
3. Sendo de admitir que o ritmo do crescimento económico pode vir a abrandar já no corrente ano, como indicam todas as estimativas, e que a taxa de juro pode vir a aumentar dentro em breve, como preveem todos os observadores, Portugal continua sem se preparar adequadamente para enfrentar sem receios condições económicas e financeiras menos bonançosas do que as atuais.
A atual conjunção astral favorável - robusta retoma económica da zona euro e da economia global, pródiga política monetária do BCE, etc. - não vai durar indefinidamente. É quando faz sol que se reparam os telhados. E os nossos telhados financeiros continuam longe de estar à prova de novas tempestades...
Adenda
Como mostra este artigo, a redução do peso da dívida pública no PIB, que se iniciou apenas em 2015, para recair no ano seguinte e retomar em 2017, foi mais tardia e menos intensa do que a redução da dívida privada (dos particulares e das empresas), que começou ainda em 2013, ano de início da retoma económica, e que tem decaído a bom ritmo, embora com alguma travagem no ano passado. Este défice de redução do peso da dívida pública tem, portanto, impedido uma mais rápida "desalavancagem" do conjunto da economia, o que se impunha, tendo em conta o elevado crescimento económico que se verifica.
terça-feira, 20 de fevereiro de 2018
Direi mesmo mais: Municipalização da saúde e da educação
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Vital Moreira
1. Segundo esta notícia, os municípios das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto querem compartilhar da gestão dos centros de saúde e prolongar o seu horário de abertura.
Vou mais longe: defendo há muito que os centros de saúde deveriam ser integralmente transferidos para responsabilidade municipal, ou intermunicipal, e não apenas a gestão dos edifícios, como agora se propõe no processo de descentralização administrativa apresentado pelo Governo. O mesmo tenho proposto também quanto ao ensino básico, ficando o Estado somente com o ensino secundário e o ensino superior. Não vejo porque é que, ao abrigo do princípio constitucional da subsidiariedade, tais serviços continuam a cargo do Estado.
2. Infelizmente, nesta matéria, como noutras, os governos estão reféns da oposição dos sindicatos dos respetivos setores, que perderiam a sua capacidade de paralisar os sistemas públicos de saúde e de ensino com greves nacionais contra o Estado; e, além disso, o atual Governo está refém da oposição dos partidos da extrema-esquerda parlamentar, que se opõem a tal descentralização, pelo mesmo motivo.
"Externalidades" políticas da Geringonça!...
Vou mais longe: defendo há muito que os centros de saúde deveriam ser integralmente transferidos para responsabilidade municipal, ou intermunicipal, e não apenas a gestão dos edifícios, como agora se propõe no processo de descentralização administrativa apresentado pelo Governo. O mesmo tenho proposto também quanto ao ensino básico, ficando o Estado somente com o ensino secundário e o ensino superior. Não vejo porque é que, ao abrigo do princípio constitucional da subsidiariedade, tais serviços continuam a cargo do Estado.
2. Infelizmente, nesta matéria, como noutras, os governos estão reféns da oposição dos sindicatos dos respetivos setores, que perderiam a sua capacidade de paralisar os sistemas públicos de saúde e de ensino com greves nacionais contra o Estado; e, além disso, o atual Governo está refém da oposição dos partidos da extrema-esquerda parlamentar, que se opõem a tal descentralização, pelo mesmo motivo.
"Externalidades" políticas da Geringonça!...
segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018
Lisbon first (6): O caso de Coimbra
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Vital Moreira
1. Para avaliar os privilégios de Lisboa em matéria de investimento público, onde ele nunca falta, mesmo quando não se devia tratar de responsabilidade do Estado (ver post precedente), basta referir o caso de Coimbra, onde investimentos prioritários esperam anos e anos sem execução, como é o caso das obras de recuperação da Escola Secundária José Falcão (na imagem), uma das principais da cidade, há anos em acentuada degradação.
Mas a este exemplo do "esquecimento" central podem acrescentar-se muitos outros, por vezes com atraso de décadas, como por exemplo:
- a construção de uma verdadeira estação ferroviária, substituindo o desconfortável "apeadeiro" existente;
- o "sistema de mobilidade do Mondego", em substituição da antiga linha férrea do ramal da Lousã, que foi desativada em troca de um prometido "metropolitano de superfície", nunca posto em obra, muitos anos e muitos projetos depois;
- a construção de um novo tribunal, há muito projetado, acabando com a dispersão dos vários tribunais por diferentes instalações da cidade;
- a solução da ligação em autoestrada entre Coimbra e Viseu, atualmente ligadas pelo acanhado e fatídico IP3, apesar das diferentes soluções já aventadas;
- a conclusão do acesso à cidade da A13 (autoestrada Tomar-Coimbra), abruptamente interrompida a alguns quilómetro da cidade.
Coimbra conta-se seguramente entre as principais vítimas da persistente "austeridade orçamental" quanto a investimento público, longe de recuperar os níveis de antes da crise, apesar do nutrido aumento de receitas públicas geradas pela retoma económica.
2. A preferência dos investimentos públicos por Lisboa não tem a ver somente com o seu maior peso político, com o facto de quase todos os decisores políticos lá viverem e com a visibilidade que os problemas da capital têm nos média nacionais, para quem qualquer problema local de Lisboa assume foros de questão nacional, enquanto qualquer caso da "província" constitui sempre uma questão local, indigna de ser mencionada, por mais interesse nacional que assuma (imagine-se só que a escola José Falcão de situava em Lisboa...).
Penso que para essa desconsideração do resto do Pais em matéria de investimento público conta também a inércia e a falta de capacidade e de vontade reivindicativa das suas instituições do poder local, bem como dos deputados e dirigentes locais dos partidos do poder, que raramente fazem ouvir os interesses das suas regiões nas sedes do poder, porventura inibidos pela fácil acusação de darem expressão a "interesses localistas".
O Porto e as regiões autónomas há muito mostraram, porém, que quem não reivindica de forma audível tende a ser esquecido nas prioridades orçamentais. Lisbon first!...
[revisto]
Mas a este exemplo do "esquecimento" central podem acrescentar-se muitos outros, por vezes com atraso de décadas, como por exemplo:
- a construção de uma verdadeira estação ferroviária, substituindo o desconfortável "apeadeiro" existente;
- o "sistema de mobilidade do Mondego", em substituição da antiga linha férrea do ramal da Lousã, que foi desativada em troca de um prometido "metropolitano de superfície", nunca posto em obra, muitos anos e muitos projetos depois;
- a construção de um novo tribunal, há muito projetado, acabando com a dispersão dos vários tribunais por diferentes instalações da cidade;
- a solução da ligação em autoestrada entre Coimbra e Viseu, atualmente ligadas pelo acanhado e fatídico IP3, apesar das diferentes soluções já aventadas;
- a conclusão do acesso à cidade da A13 (autoestrada Tomar-Coimbra), abruptamente interrompida a alguns quilómetro da cidade.
Coimbra conta-se seguramente entre as principais vítimas da persistente "austeridade orçamental" quanto a investimento público, longe de recuperar os níveis de antes da crise, apesar do nutrido aumento de receitas públicas geradas pela retoma económica.
2. A preferência dos investimentos públicos por Lisboa não tem a ver somente com o seu maior peso político, com o facto de quase todos os decisores políticos lá viverem e com a visibilidade que os problemas da capital têm nos média nacionais, para quem qualquer problema local de Lisboa assume foros de questão nacional, enquanto qualquer caso da "província" constitui sempre uma questão local, indigna de ser mencionada, por mais interesse nacional que assuma (imagine-se só que a escola José Falcão de situava em Lisboa...).
Penso que para essa desconsideração do resto do Pais em matéria de investimento público conta também a inércia e a falta de capacidade e de vontade reivindicativa das suas instituições do poder local, bem como dos deputados e dirigentes locais dos partidos do poder, que raramente fazem ouvir os interesses das suas regiões nas sedes do poder, porventura inibidos pela fácil acusação de darem expressão a "interesses localistas".
O Porto e as regiões autónomas há muito mostraram, porém, que quem não reivindica de forma audível tende a ser esquecido nas prioridades orçamentais. Lisbon first!...
[revisto]
sábado, 17 de fevereiro de 2018
Voltar ao mesmo (16): O crédito hipotecário
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Vital Moreira
1. Um dos fatores que mais contribuíram para a grande penosidade social da crise de 2011 foi o sobre-endividamento dos particulares, sobretudo com o crédito à habitação, que o laxismo do Governos e do Banco de Portugal tinha deixado disparar.
O resultado da crise (subida dos juros, redução de rendimentos ou desemprego de muitos devedores) foi a perda de muitas casas por execução da hipoteca, sem que em muitos casos os bancos recuperassem todo o dinheiro emprestado, por efeito da desvalorização do imobiliário durante a crise. Todos perderam.
Todavia, como mostra o quadro acima (colhido aqui), o crédito à habitação, que sofreu uma drástica redução no auge das recessão, começou a recuperar logo em 2014, com o início da retoma económica, e tem acelerado desde então, por efeito dos juros extremamente baixos, tendo atingido no ano passado o máximo desde 2011, nas vésperas da crise, apesar de o PIB ainda não ter recuperado o nível de antes da crise.
2. Face ao nível extremamente baixo de poupança interna, este disparo do crédito hipotecário não pode deixar de ser preocupante, sobretudo tendo em conta que a taxa de juro há de voltar a aumentar algures num futuro próximo, sobrecarregando os orçamentos familiares dos endividados.
São por isso de aplaudir as orientações agora estabelecidas pelo Banco de Portugal para morigerar a concessão de crédito à habitação pelos bancos. O que se pode questionar é saber se não se trata de medidas demasiado tímidas, desde logo por não serem vinculativas e algumas não serem aplicáveis imediatamente (como o limite de 30 anos à longevidade dos empréstimos).
Claramente, no seu papel de regulador prudencial , o BdP só teve em conta o risco para a estabilidade do sistema bancário, tendo de tomar em consideração a decisiva importância do crédito à habitação para a recuperação da rentabilidade dos bancos.
Pela mesma razão, o tema do excesso de endividamento dos particulares tem estado também fora da agenda governamental, desde logo para não estragar a narrativa do "virar de página da austeridade". Mas, como ensinam os economistas, é quando a economia aquece e o crédito dispara que importa tomar medidas de contenção do endividamento.
O resultado da crise (subida dos juros, redução de rendimentos ou desemprego de muitos devedores) foi a perda de muitas casas por execução da hipoteca, sem que em muitos casos os bancos recuperassem todo o dinheiro emprestado, por efeito da desvalorização do imobiliário durante a crise. Todos perderam.
Todavia, como mostra o quadro acima (colhido aqui), o crédito à habitação, que sofreu uma drástica redução no auge das recessão, começou a recuperar logo em 2014, com o início da retoma económica, e tem acelerado desde então, por efeito dos juros extremamente baixos, tendo atingido no ano passado o máximo desde 2011, nas vésperas da crise, apesar de o PIB ainda não ter recuperado o nível de antes da crise.
2. Face ao nível extremamente baixo de poupança interna, este disparo do crédito hipotecário não pode deixar de ser preocupante, sobretudo tendo em conta que a taxa de juro há de voltar a aumentar algures num futuro próximo, sobrecarregando os orçamentos familiares dos endividados.
São por isso de aplaudir as orientações agora estabelecidas pelo Banco de Portugal para morigerar a concessão de crédito à habitação pelos bancos. O que se pode questionar é saber se não se trata de medidas demasiado tímidas, desde logo por não serem vinculativas e algumas não serem aplicáveis imediatamente (como o limite de 30 anos à longevidade dos empréstimos).
Claramente, no seu papel de regulador prudencial , o BdP só teve em conta o risco para a estabilidade do sistema bancário, tendo de tomar em consideração a decisiva importância do crédito à habitação para a recuperação da rentabilidade dos bancos.
Pela mesma razão, o tema do excesso de endividamento dos particulares tem estado também fora da agenda governamental, desde logo para não estragar a narrativa do "virar de página da austeridade". Mas, como ensinam os economistas, é quando a economia aquece e o crédito dispara que importa tomar medidas de contenção do endividamento.
sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018
Lisbon first (5): Metropolitano de Lisboa contra a ferrovia nacional
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Vital Moreira
Sem surpresa, dados os antecedentes, enquanto não falta dinheiro para o metropolitano de Lisboa (e o mesmo se diga do do Porto) - que nem sequer deveria ser uma responsabilidade do Estado, mais sim dos municípios interessados, sendo um serviço de transporte urbano -, fica-se a saber que do plano ferroviário nacional só está em execução 15% do plano que devia estar em obra.
É certo que, apesar do crescimento exponencial das receitas fiscais e outras (mercê da robusta retoma económica), o orçamento do investimento público tem sido substancialmente sacrificado, em homenagem ao aumento da despesa com salários e pensões do setor público. Mas, então, isso constitui mais uma razão para dar prioridade às obras de infraestruturas de interesse nacional, como a ferrovia, que são responsabilidade primeira do Estado e que têm a ver com as ligações internacionais do País (valorização das linhas do Minho, da Beira Alta e da Beira Baixa e a nova linha Évora-Caia) e não de obras que deviam ser da responsabilidade municipal, de interesse local.
Como tenho defendido várias vezes, não existe nenhuma razão para que os contribuintes do resto do país sustentem com os seus impostos os transportes urbanos de Lisboa e do Porto, para mais sacrificando obras de interesse nacional!
Adenda
Mais investimento estatal na expansão do metro de Lisboa e do Porto. Prodigalidade eleitoral.
É certo que, apesar do crescimento exponencial das receitas fiscais e outras (mercê da robusta retoma económica), o orçamento do investimento público tem sido substancialmente sacrificado, em homenagem ao aumento da despesa com salários e pensões do setor público. Mas, então, isso constitui mais uma razão para dar prioridade às obras de infraestruturas de interesse nacional, como a ferrovia, que são responsabilidade primeira do Estado e que têm a ver com as ligações internacionais do País (valorização das linhas do Minho, da Beira Alta e da Beira Baixa e a nova linha Évora-Caia) e não de obras que deviam ser da responsabilidade municipal, de interesse local.
Como tenho defendido várias vezes, não existe nenhuma razão para que os contribuintes do resto do país sustentem com os seus impostos os transportes urbanos de Lisboa e do Porto, para mais sacrificando obras de interesse nacional!
Adenda
Mais investimento estatal na expansão do metro de Lisboa e do Porto. Prodigalidade eleitoral.
quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018
+ Europa (8): Não há omeletes sem ovos
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Vital Moreira
1. Parece que agora se tornou natural, em Bruxelas e entre nós, defender sem pruridos a criação de impostos da União Europeia, e o Primeiro-Ministro fez bem em manifestar o apoio de Portugal a essa via de reforço da sustentabilidade orçamental da União, secundando a posição da Comissão Europeia nesta matéria em relação ao próximo Quadro Financeiro Multianual para 2020-2027.
Não era assim em 1999, quando Mário Soares ousou propor isso, nem sequer em 2009, quando eu próprio me atrevi a defender o mesmo, na minha candidatura ao Parlamento Europeu desse ano. Pouco faltou para ser politicamente crucificado pela imprensa e pelos meus concorrentes (e com o próprio PS a demarcar-se da ideia!).
Como era de esperar, antes e agora, essa iniciativa defronta a oposição das forças antieuropeístas, à esquerda e à direita, em nome da "soberania fiscal" dos Estados, como se a União não fosse no seu cerne um exercício de partilha e de cedência comum de soberania (legislação, poder judicial, política monetária e cambial, política comercial comum, etc. etc.). O que não explicam é a quadratura do círculo de quererem mais dinheiro e mais ação da União sem lhe proporcionarem mais receita, pelo menos para compensar a que é perdida com a saída do Reino Unido.
2. Nas atuais circunstâncias, a criação de recursos fiscais próprios da União, constitui o único meio de responder à perda da importante contribuição britânica e ao aumento das tarefas da União (imigração, defesa, investigação e inovação, etc.), sem ter de cortar excessivamente nos programas tradicionais e sem ter de aumentar as contribuições financeiras diretas dos Estados-membros, o que é tabu para alguns deles (e que inviabiliza essa solução).
Ao contrário destas, as receitas fiscais próprias não constituem despesa orçamental dos Estados-membros (por isso, não contam para o seu próprio saldo orçamental) e diluem a lógica perversa da distinção entre países "contribuintes líquidos" e países "beneficiários líquidos" do orçamento da União.
3. Penso, porém, que em caso de não haver reforço das receitas próprias da União nem das contribuições financeiras dos Estados-Membros, as poupanças a efetuar nos programas tradicionais não podem deixar de atingir em primeira linha a Política Agrícola Comum.
Primeiro, não se justifica que a União continue a gastar mais de um terço do seu orçamento num só dos seus programas, que aliás beneficia uma pequena parte dos agricultores europeus, já de si uma pequena minoria. Em segundo lugar, não faz muito sentido continuar a subsidiar maciçamente a agricultura europeia, quando os consumidores podem ter acesso a produtos agrícolas mais baratos provindos de terceiros países, nomeadamente o Brasil e os Estados Unidos, se for reduzida a elvada proteção pautal dessas importações (obtendo em troca um acesso preferencial ao mercado desses países para outros produtos e serviços europeus).
Os europeus pagam duas vezes o protecionismo agrícola da União: primeiro, sustentam o enorme envelope orçamental dos subsídios; depois, pagam preços mais caros pelos mesmos produtos, por causa da proteção aduaneira.
É tempo de de acabar com este contrassenso!
Não era assim em 1999, quando Mário Soares ousou propor isso, nem sequer em 2009, quando eu próprio me atrevi a defender o mesmo, na minha candidatura ao Parlamento Europeu desse ano. Pouco faltou para ser politicamente crucificado pela imprensa e pelos meus concorrentes (e com o próprio PS a demarcar-se da ideia!).
Como era de esperar, antes e agora, essa iniciativa defronta a oposição das forças antieuropeístas, à esquerda e à direita, em nome da "soberania fiscal" dos Estados, como se a União não fosse no seu cerne um exercício de partilha e de cedência comum de soberania (legislação, poder judicial, política monetária e cambial, política comercial comum, etc. etc.). O que não explicam é a quadratura do círculo de quererem mais dinheiro e mais ação da União sem lhe proporcionarem mais receita, pelo menos para compensar a que é perdida com a saída do Reino Unido.
2. Nas atuais circunstâncias, a criação de recursos fiscais próprios da União, constitui o único meio de responder à perda da importante contribuição britânica e ao aumento das tarefas da União (imigração, defesa, investigação e inovação, etc.), sem ter de cortar excessivamente nos programas tradicionais e sem ter de aumentar as contribuições financeiras diretas dos Estados-membros, o que é tabu para alguns deles (e que inviabiliza essa solução).
Ao contrário destas, as receitas fiscais próprias não constituem despesa orçamental dos Estados-membros (por isso, não contam para o seu próprio saldo orçamental) e diluem a lógica perversa da distinção entre países "contribuintes líquidos" e países "beneficiários líquidos" do orçamento da União.
3. Penso, porém, que em caso de não haver reforço das receitas próprias da União nem das contribuições financeiras dos Estados-Membros, as poupanças a efetuar nos programas tradicionais não podem deixar de atingir em primeira linha a Política Agrícola Comum.
Primeiro, não se justifica que a União continue a gastar mais de um terço do seu orçamento num só dos seus programas, que aliás beneficia uma pequena parte dos agricultores europeus, já de si uma pequena minoria. Em segundo lugar, não faz muito sentido continuar a subsidiar maciçamente a agricultura europeia, quando os consumidores podem ter acesso a produtos agrícolas mais baratos provindos de terceiros países, nomeadamente o Brasil e os Estados Unidos, se for reduzida a elvada proteção pautal dessas importações (obtendo em troca um acesso preferencial ao mercado desses países para outros produtos e serviços europeus).
Os europeus pagam duas vezes o protecionismo agrícola da União: primeiro, sustentam o enorme envelope orçamental dos subsídios; depois, pagam preços mais caros pelos mesmos produtos, por causa da proteção aduaneira.
É tempo de de acabar com este contrassenso!
terça-feira, 13 de fevereiro de 2018
Voltar ao mesmo (15): Reversão permanente
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Vital Moreira
1. Não contentes com a reversão das medidas de austeridade orçamental - que, aliás, só foi possível porque esta foi bem-sucedida e cumpriu os seus objetivos no plano orçamental e económico! -, os partidos "juniores" da Geringonça reclamam agora a reversão de duas das mais importantes reformas do programa de assistência financeira externa, nomeadamente a reforma da lei do arrendamento e a da lei laboral.
É de esperar que o Governo resista desta vez a tais pretensões. Primeiro, porque essas reformas tiveram o apoio do PS na negociação do acordo de assistência em 2011; segundo, porque tal reversão não consta do programa eleitoral do PS nem do programa do Governo em 2015; terceiro, porque essas reformas contribuíram decisivamente para êxito do programa de assistência externa, nomeadamente quanto à retoma económica e do emprego e quanto ao dinamismo do mercado habitacional e da reabilitação urbana em curso.
2. Que a Geringonça justifique a não adoção de novas reformas no campo das políticas económica e social, por causa do veto dos parceiros da protocoligação governamental, pode compreender-se: não há apoios políticos grátis.
Mas que ela justifique a reversão de reformas que estão na base da recuperação da economia e do emprego - que, importa lembrar, começou ainda em 2013, bem antes da reversão da austeridade orçamental - seria um insensato contrassenso político.
É de esperar que o Governo resista desta vez a tais pretensões. Primeiro, porque essas reformas tiveram o apoio do PS na negociação do acordo de assistência em 2011; segundo, porque tal reversão não consta do programa eleitoral do PS nem do programa do Governo em 2015; terceiro, porque essas reformas contribuíram decisivamente para êxito do programa de assistência externa, nomeadamente quanto à retoma económica e do emprego e quanto ao dinamismo do mercado habitacional e da reabilitação urbana em curso.
2. Que a Geringonça justifique a não adoção de novas reformas no campo das políticas económica e social, por causa do veto dos parceiros da protocoligação governamental, pode compreender-se: não há apoios políticos grátis.
Mas que ela justifique a reversão de reformas que estão na base da recuperação da economia e do emprego - que, importa lembrar, começou ainda em 2013, bem antes da reversão da austeridade orçamental - seria um insensato contrassenso político.
sábado, 10 de fevereiro de 2018
Ai, o défice ! (3)
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Vital Moreira
1. Pelo segundo ano consecutivo, verificou-se em 2017 um aumento do défice da balança comercial de mercadorias, com as exportações a ficarem bem abaixo das importações, sendo o maior défice desde 2011 (como mostra a tabela do INE acima). Para isso terá contribuído, apesar de um assinalável incremento das exportações, um ainda maior crescimento das importações, mercê do aumento do investimento (importação de matérias primas e de equipamentos) e do consumo interno, alimentado pelo aumento do poder de compra e do crédito ao consumo.
Só o confortável excedente no comércio externo de serviços (cortesia da vaga turística) permite manter um saldo positivo da balança comercial geral, mesmo assim provavelmente inferior ao do ano anterior (como aqui se antecipou há meses).
2. A manter-se esta tendência, o País pode vir a experimentar de novo um défice comercial geral dentro de algum tempo, situação de que somente saiu há poucos anos, durante o período de assistência financeira externa, em grande parte devido à forte contração da procura interna (e consequentemente das importações), por causa da crise económica e da situação de austeridade orçamental.
Caso se confirme essa involução, tal mostra que o problema da competitividade externa da economia portuguesa continua por resolver de forma sustentável.
Só o confortável excedente no comércio externo de serviços (cortesia da vaga turística) permite manter um saldo positivo da balança comercial geral, mesmo assim provavelmente inferior ao do ano anterior (como aqui se antecipou há meses).
2. A manter-se esta tendência, o País pode vir a experimentar de novo um défice comercial geral dentro de algum tempo, situação de que somente saiu há poucos anos, durante o período de assistência financeira externa, em grande parte devido à forte contração da procura interna (e consequentemente das importações), por causa da crise económica e da situação de austeridade orçamental.
Caso se confirme essa involução, tal mostra que o problema da competitividade externa da economia portuguesa continua por resolver de forma sustentável.
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