quarta-feira, 5 de janeiro de 2005

Condomínios (1)

«Também não vejo grande problema no regulamento de condomínio que proíbe crianças (desde que aprovado pela totalidade dos condóminos). A liberdade contratual é uma boa liberdade.
Os exemplos de Vital Moreira são, a meu ver, pouco correctos. É que há uma diferença decisiva entre a proibição de crianças e a proibição de negros ou homossexuais.
Digamo-lo assim: à partida, devia ser livre a proibição de quaisquer pessoas, negras, brancas ou azuis, homossexuais ou heterossexuais. Contudo, esta proibição não é admissível (é «contrária à lei» ou «à ordem pública», para usar expressões tradicionais entre nós), porque, num regulamento de condomínio, viria inserir-se num sistema, num processo social de discriminação material e simbólica que tem de ser combatido. Tal como a proibição de certas religiões viria inserir-se num processo de inimizade religiosa. Ou seja: aqui, há razões de «necessidade social» (ou de «interesse público») que prejudicam (comprimem) um princípio como a autonomia privada (é o jogo normal dos princípios).
Mas note-se que o problema não é só estar em causa um «direito fundamental». A «eficácia horizontal» dos direitos fundamentais não é «automática», como as entradas no vosso blogue parecem supor. Por outras palavras (que não me agradam muito, mas agradam a alguns), a autonomia privada é tão princípio como os outros. Como disse Canaris já há uns tempos, os princípios jurídicos não se relacionam hierarquicamente. Ou, como diz Alexy, é da essência dos princípios a ponderação. (...)
Seria ilegal um «regulamento de condomínio» (ou figura parecida) que recusasse condóminos que fossem ou tivessem sido ministros, presidentes da república ou líderes partidários? Parecer-me-ia um «regulamento» razoável, dados os inconvenientes que estas figuras públicas podem trazer. Ou, para dizê-lo melhor, este regulamento não parece razoável, mas também não parece ofender ninguém nem nenhum «interesse público» significativo e, por isso, não há motivo para invalidá-lo, à luz da autonomia privada. Apesar dos direitos fundamentais de participação política... (...)»

(AC)