quinta-feira, 23 de junho de 2005

Europa em crise - e Tony Blair dá-lhe a volta?

A Europa está em crise. Já esteve noutras e saiu por cima. E também poderá sair, por cima, desta. Embora ela seja mais grave do que anteriores crises. Porque é indisfarçável a desconfiança dos cidadãos em relação a uma Europa que não está a responder às suas preocupações. Como se viu pela vitória do NÃO nos referendos ao Tratado Constitucional em dois países fundadores.
E a crise é mais grave, também, porque depois dessas duas bofetadas na liderança europeia, ela não soube dar sinal de ter compreendido e de querer emendar a mão, afundando um acordo sobre as perspectivas financeiras 2007-2013 em mesquinhas rivalidades sobre um projecto orçamental sem rasgo estratégico.
As preocupações expressas pelos cidadãos deviam determinar as prioridades orçamentais e políticas da Europa:
1. Antes de mais, a necessidade de crescimento económico e de criação de emprego. Disso depende a defesa, a sustentabilidade, do modelo social europeu. Disso depende também combater os demónios da xenofobia e promover/regular a i/emigração para contrariar o envelhecimento demográfico da Europa.
2. Depois, a capacidade da Europa para intervir na governação mundial, para controlar a globalização, sem alinhar em proteccionismos, mas também sem se furtar a regular as deslocalizações e a combater a concorrência distorcida de quem ignora os padrões laborais da OIT e viola os direitos humanos.
3. E por fim, a capacidade da Europa em investir na qualificação, na educação e criatividade dos seus cidadãos, aplicando verdadeiramente a Estratégia de Lisboa.
Estas prioridades deveriam estar reflectidas nas perspectivas financeiras 2007-2013. Se o tecto orçamental fosse adequado e não limitado ao mínimo próximo do 1% miserabilista proposto pelos 6 mais ricos. Se a estrutura orçamental fosse reformada para dar concretização ao princípio da solidariedade e pôr dinheiro nas políticas que se identificam como estratégicas: como a coesão, que é essencial para tirar partido do alargamento, e como a Estratégia de Lisboa que é essencial para a Europa dar o salto de competitividade que pretende.
Em vez disso, o projecto de orçamento na mesa do último Conselho Europeu e mesmo a proposta de orçamento aprovada pelo PE eram conservadores - reaccionários até. Cortes na investigação cientifica e inovação tecnológica, cortes nas redes transeuropeias, cortes na educação - traduziam a derrota da Estratégia de Lisboa, a derrota do alargamento, a derrota da Europa dos cidadãos. (Isto implica, evidentemente, ver para além do que Portugal ganhava ou perdia na proposta final da presidência luxemburguesa que esteve a ponto de ser aprovada - pela qual, perdíamos o mínimo, o que numa perspectiva nacional estrita/estreita, teria sido um excelente resultado, sobretudo a agradecer a Jean-Claude Juncker).
Mas nem esse projecto de orçamento conservador e minimalista, os actuais líderes europeus conseguiram acordar. Por culpa mais de uns do que outros, é certo, fazendo jus à perfídia e oportunismo que a tradição diz marcar-lhes os códigos genéticos. E por isso a Europa apareceu aos olhos dos seus cidadãos e do resto do mundo como ainda mais atascada na crise.
Todos vêm, mais uma vez, que a crise é de facto de liderança. De liderança colectiva e de liderança dos governantes socialistas, em particular - a excepção foi Juncker, que não sendo "socialista", se mostrou o mais europeu e socialista de todos.
Porque é patético ver um líder como Schroeder continuar a sustentar Chirac, respaldando-o no inaceitável acordo franco-alemão de 2002 sobre a Política Agrícola Comum, feito nas costas do Parlamento Europeu (mas ratificado pelos governantes europeus da época), destinado a sacralizar cerca de 45% do orçamento global até 2013 para uma PAC desajustada, serôdia e iníqua. Se Schroeder deixasse cair Chirac na defesa do financiamento leonino desta PAC, advogando uma sua redução e substancial e transformação, seria não apenas um grande serviço que prestaria à Europa, mas também aos seus camaradas do PSF - para se libertarem de vez, e à França, do estatuto de reféns da PAC.
Eu não perdoo a Tony Blair ter-nos falhado - aos socialistas e defensores da paz e do direito internacional - no Iraque. Mas não é por isso que perco o discernimento e deixo de lhe reconhecer razão quando a tem. Ainda que parcial, ainda que oportunista, ainda que suspeita de perfídia. Por isso não entro no jogo de lhe deitar as culpas por tudo o que corre e correu mal na Europa nos últimos tempos. E prefiro exigir-lhe responsabilidades e resultados coerentes na presidência europeia que vai iniciar:
- Prove que tem estofo europeu para negociar uma reforma estrutural do orçamento, atacando as "anomalias" do "cheque britânico" e da PAC, simultaneamente, e pondo mais dinheiro antes coesão e na Estratégia de Lisboa, na ajuda ao desenvolvimento, na PESC e na PESD.
- Prove que tem estofo europeu para re-abrir caminho para a ratificação de um texto de reforma funcional da UE, chame-se "constituição" ou "tratado de Londres".
- Prove que é coerente quando advogou o último e advoga mais alargamentos: que está pronto a pagar por eles e a viabilizar as mudanças políticas sem as quais não pode haver mais e melhor Europa.
- Prove que, sob a sua liderança, a União Europeia - a União política e não a mera zona de comércio livre - pode sair da crise. Por cima, evidentemente.

(linhas de intervenção que fiz ontem de manhã no Grupo Socialista Europeu)