Santana Lopes propõe-se ser primeiro-ministro até 2014. A ambição releva quase da ficção científica, género de que o chefe do Governo deverá ser um fã não assumido. Mas no congresso do PSD Santana propôs-se separar a «ficção» (alimentada pela oposição, pelos media e pelos comentadores perversos, como o inevitável mas não citável Marcelo) da «realidade» ou a «verdade» (que seriam a obra realizada por si e o seu Governo).
Na obsessão de querer ser amado a todo o custo e ao ver-se permanentemente ao espelho («espelho meu, haverá alguém mais belo do que eu»?), Santana projecta imagens que lhe devolveriam um reflexo enebriante de si mesmo (a «realidade», a «verdade»), rejeitando tudo quanto possa perturbar essa evidência (e que seria, por isso, da ordem da «ficção»). Ora, Santana só funciona verdadeiramente (e brilhantemente, sublinhe-se) como actor de uma ficção centrada nele próprio.
O seu talento de tribuno é insuperável (compare-se a sua espantosa fluência no improviso com o ar postiço e robotizado de Sócrates), mas é um talento que gira no vazio musical das palavras, das palavras reduzidas ao seu estrito poder galvanizador, das palavras como puro factor ficcional (para efeitos de sugestão própria e, suplementarmente, para as audiências que se propõe amestrar).
Santana pode dizer uma coisa e o contrário que, aos seus olhos, isso não tem, rigorosamente, a menor importância. Ele não parece ter consciência das suas contradições ou foge delas como o diabo da cruz. É por isso que lida tão mal com as interpretações das suas palavras que não se enquadram naquilo que gostaria de ver publicado, ou melhor, «espelhado» (o espelho, sempre ele). Daí também, porventura, a sua reacção aos títulos da imprensa sobre o «desafio» que fez a Cavaco para concorrer a Belém (ah! o tempo que ele perde a discutir com os media, esse eterno espelho...).
Transportado pela embriaguez do verbo improvisado (já viram como é um actor perfeito nesse género e como soa a falso sempre que lê um texto?), Santana apenas concebe uma «realidade» e uma «verdade» que sejam o reflexo da contemplação narcísica de si mesmo. O mundo começa e acaba nele. O resto é ficção. Só que, de facto, a ficção está no espelho onde ele se vê.
Vicente Jorge Silva