sexta-feira, 29 de abril de 2005

Colecção

Vão ser aditados à Aba da Causa os meus artigos no Público da semana passada e desta semana.

Tardia conversão

Há um mês o presidente da Associação Nacional de Farmácias considerava puramente inadmissível e um perigo para a saúde pública a venda fora das farmácias de medicamentos que não necessitam de receita médica (MSRM), mesmo que fornecidos sob controlo de um farmacêutico ou técnico de farmácia, como proposto pelo Governo. Agora, surpreendentemente, o mesmo vem dizer que afinal certos medicamentos podem muito bem ser vendidos fora das farmácias, mesmo sem controlo nenhum, incluindo nos postos de gasolina (que em geral não poderão permitir-se contratar um técnico de farmácia).
Mas esta aliança espúria entre a ANF e a ANAREC leva água no bico. A intenção é clara: agora, que a batalha contra a venda de medicamentos fora das farmácias está perdida, o que importa é tentar limitar o número de medicamentos liberalizados, que seriam apenas uma parte dos MSRM. A maior parte destes continuariam de venda reservada em farmácias. A surpreendente conversão liberal do presidente da ANF não passa portanto de uma hábil tentativa de "controlo de danos".
Tarde vem, porém. A decisão governamental de liberalizar a venda fora das farmácias de todos os medicamentos que não carecem de receita médica, mas sem prescindir de controlo de farmacêutico ou técnico de farmácia, está tomada.

200 à hora no lugar do morto

and feeling good

Tenho andado afastado do blog por dois motivos: o primeiro tem a ver com a dificuldade de encontrar, ao certo, o que é um post. Entre a escrita de humor de 2ª a 6ª e a crónica literária aos domingos n'A Capital, mais o trabalho no segundo livro de poesia, resta muito pouco para o blog.

O segundo motivo, que abalou a minha vida durante alguns meses, prendia-se com o estado de saúde do meu tio mais próximo. Dei conta disso mesmo aqui no CN, por altura do Natal.

Agora, três intervenções cirúrgicas depois, com menos 16 quilos, meses de internamento, retirado o estômago, com episódios de negligência médica pelo meio, o meu tio está - desde há algumas semanas - de regresso a casa, ainda convalescente mas com o monstro do cancro praticamente derrotado.

A imagem seguinte não é apenas um post, também é um poema, também é material de literatura, já a escrevi antes, mas não resisto a partilhá-la uma vez mais.
Há poucos dias atrás, fui jantar a casa do meu tio. Passámos em revista a história breve das nossas vidas no tempo em que a doença nos limitou o contacto. Mas faltava uma coisa.
O meu tio, um amante de automóveis, estava curioso para testar o meu carro novo. Ao fim de tanto tempo, saiu de casa, recebeu a chave, sentou-se ao volante pela primeira vez em muitos meses - e eu ao lado dele. Numa tarde de sol para os lados de Sintra, acelerou como um miúdo de 18 anos que acabou de tirar a carta. Violámos muitas regras do Código da Estrada mas - apesar disso -, sentado no lugar do morto e finalmente percebendo a real potência daquele motor, nunca me senti tão seguro em toda a minha vida.

Aquele homem de 41 anos, ainda visivelmente diminuído, merecia o prazer da transgressão. Merecia esquecer por alguns minutos o drama dos últimos meses, o medo de morrer, a hipótese séria de abandonar todos os que ama e lhe querem tanto, que chegou a ser praticamente certa; merecia ultrapassar todos os veículos na estrada e um último, o mais rápido de todos, um condutor traiçoeiro que seguiu à nossa frente durante muito tempo mas que, ao perceber-se impotente para travar a velocidade do meu tio renascido, teve a humildade suficiente para encostar-se à berma, levantar o pé do acelerador e deixá-lo passar: esse mesmo, o destino. Tinha de ser assim. Dizem que estava escrito.

O jogo que falta



Dele Mourinho disse o seguinte, em vésperas de se transferir do União de Leiria para as Antas, "se tivesses menos 10 anos também vinhas comigo".
João Manuel, médio, um dos jogadores com mais partidas disputadas na história da primeira divisão portuguesa de futebol, deixou de jogar à bola aos 37 anos. O futebolista que nunca tivera uma lesão desmaiou num treino. Foi-lhe diagnosticada esclerose múltipla, uma doença degenerativa e incurável que deverá terminar-lhe a vida muito cedo, tal como - num ápice - terminou com a alegria de viver, tornando-o dependente de terceiros para tudo.
Os técnicos e antigos companheiros são unânimes, João Manuel foi um daqueles jogadores de cujo percurso se diz, num tom agridoce, "que passou ao lado de uma grande carreira".
Agora, como temos visto nas imagens de inúmeras manifestações de solidariedade, mantém o sorriso.
Só uma pergunta, uma ideia, uma sugestão - o que lhe quiserem chamar: será que um homem com tantos minutos de futebol de alta competição, com tantas presenças a titular, com tantos elogios arrecadados ao longo da carreira, com tal longevidade num desporto tão difícil, obrigado a lidar com tamanha tragédia; será que a um homem destes não se poderia oferecer um minuto mais e uma última camisola?

Sim, num desses jogos particulares que a Selecção faz amiúde, findos os quais Scolari se queixa sempre de que "há jogadores que não metem o pé", numa dessas partidas, uma qualquer, não seria possível proporcionar a João Manuel que entrasse no balneário uma última vez, agora para vestir o equipamento da equipa nacional e caminhar tranquilamente até ao centro do terreno para dar o pontapé de saída?

dois regressos

Dos meus irmãos, o de sangue, Alexandre, e o de afectos e aventuras profissionais, Nuno Costa Santos.

Ambos deixaram a esplanada para encontrar estabelecimentos próprios, numa corajosa atitude em tempos de crise e défice galopante. O AB pode ser encontrado em O BOATO e o NCS, com belíssimo design do veterano blogosférico Miguel Nogueira, em MELANCÓMICO, grande neologismo/conceito. Aqui fica um post do Nuno para aguçar o apetite.

"Comunicado de Ratzinger em resposta àqueles que o criticam por não gostar de rock e de ópera

Um gajo já não pode gostar de drum'n'bass à vontade."

Bem-regressados, manos.

quinta-feira, 28 de abril de 2005

SE EU TIVESSE UM SONHO, SERIA ESSE

Os HIPÓCRITAS apresentam

SE EU TIVESSE UM SONHO, SERIA ESSE

textos inéditos de Raimondo Cortese
tradução e adaptação dos Hipócritas
encenação de Luís Filipe Borges

de 7 de Abril a 7 de Maio
todas as quintas, sextas e sábados
no BELÉM CLUBE, Calçada da Ajuda - às 21h30

Elenco: Filipe Cardoso, Marco Leão, Inês Pereira, Sofia Ribeiro, Filipa Pais de Sousa, Miguel Rocha, Vanessa Henriques, Helena de Melo, Sheila Totta e Sílvia Soares.

(também em exibição no próximo mês de Outubro na Sala Estúdio do Teatro da Trindade)

Os Hipócritas, via Causa Nossa, têm mais 10 convites duplos para oferecer. Basta reservar por mail para o endereço

lborges@acapital.pt

Quem é que acredita?

«Jardim promete ser solidário com a situação das finanças [públicas nacionais]».

O não francês

«No outro lado do Atlântico, George W. Bush e a sua administração não parecem ter motivos para se preocupar. Os franceses, por uma questão de arrogância e de resistência contra os americanos, vão entregar de mão beijada, aos que dizem combater, um belo caixão com os restos daquilo a que alguém chamou sonho europeu.»
(Luís Osório, A Capital de hoje)

Oligarquias locais

«Os presidentes de câmara tornaram-se, numa grande parte das autarquias do país, em caudilhos que fazem do seu arbítrio o princípio e o fim do seu mandato. Tutelam a seu bel-prazer os jornais ou as rádios locais, fazem da distribuição de empregos públicos uma arte de controlo dos seus apaniguados e firmam assim as bases de um regime oligárquico que limita a participação democrática e os perpetua no poder.»
(Manuel Carvalho, Público de hoje)

A aldeia de Asterix

Aqui mesmo ao lado, na Aba da Causa.

"Democracia no escuro"

O Guardian de ontem publicava o parecer do Procurador-Geral britânico de Março de 2003 sobre a (i)legalidade da guerra do Iraque, onde sopesava os argumentos em favor e contra, documento que o Governo de Blair sempre se recusou a revelar ao público (e que agora se sabe nem sequer foi revelado ao Governo).
O mínimo que se pode dizer é que o alinhamento britânico com a invasão foi decidido à custa de muita sonegação de informação e de opinião ao parlamento e à opinião pública. A "arcana praxis" prevaleceu sobre a transparência. Entre as "casualties" da guerra contam-se também a honestidade dos governantes, os procedimentos democráticos e os mecanismos de controlo do poder.

Regresso

Depois de uma interrupção de algumas semanas, no seguimento do fim do acesso livre à edição electrónica do Público, voltarei a recolher na Aba da Causa os meus artigos semanais naquele diário, embora com atraso de dois dias. Agradeço à direcção da edição electrónica do Público a pertinente autorização. Começarei por recuperar os textos atrasados.

Professorices

O blogue do João Vasconcelos Costa, o Professorices, que por coincidência nasceu ao mesmo tempo que o Causa Nossa, suspendeu a publicação. Mas não deixamos de ter o seu autor na net, onde desde há muito ele publica o que de melhor existe entre nós sobre o ensino superior.
Até um dia destes, João.

quarta-feira, 27 de abril de 2005

Quem rejubilará com o não francês

«The only people who are certain to delight in a French no are British Europhobes and American neo-cons». (Andrew Duff, "Why Blair must rescue the EU constitution", Finantial Times).

Alheamento

«PSD e CDS alheados do dia». Pois é: o 25 de Abril não lhes diz nada.

Retiradas

"Estados Unidos qualificam de «histórica» retirada síria do Líbano". Quem tem dúvidas de que a retirada norte-americana do Iraque ainda seria mais "histórica"?

terça-feira, 26 de abril de 2005

Flashes tardios do PREC

Em cada visita aos registos históricos do 25 de Abril e do PREC encontramos novos pormenores de que não nos tínhamos dado conta em anteriores evocações. Trinta e um anos volvidos, encontrei os seguintes:
1 A impressiva lucidez de Melo Antunes na sua última (segundo creio) entrevista à RTP, em 1999, sobre o PREC e as suas contingências;
2 A postura delirante de Vasco Gonçalves, hoje (em entrevista ao Público, na edição de 25/4, infelizmente indisponível on line), como ontem (nas imagens do seu discurso em Almada, em pleno verão quente de 75);
3 A arrogância inconsciente do almirante Rosa Coutinho na análise ex post ao seu lamentável papel em Angola no período anterior à independência;
4 A atitude dos principais actores do 1º de Maio de 74, Soares e Cunhal, no comício do estádio do INATEL. O líder do PC teve o privilégio de encerrar a festa (a que assisti ao vivo) e de debitar palavras de ordem a que o então líder do PS correspondeu de modo marcadamente selectivo. Perante os vivas à "unidade popular" e à "união da classe operária com as forças armadas", só Soares ficou calado entre os presentes na tribuna de honra. No momento do fecho, só Cunhal não cantou a Portuguesa.

Marketing

É, em contrapartida, o que não falta à nova equipa de gestão da cúria romana. A prioridade é substituir a marca Ratzinger pela de Bento XVI, mais dócil e abrangente. Eis um campo onde a opinião conhecedora e ácida de Eduardo Cintra Torres é ansiosamente aguardada.

Mais um 25 do 4

Cada ano que passa, mais as celebrações do 25 de Abril se parecem com as efemérides dos avós. A idade mediana dos participantes no desfile de ontem na Avenida era certamente superior aos 50 anos. Não que os jovens enjeitem os ideais de Abril ou não se sintam motivados pela causa da liberdade, mas porque o marketing (sim, o marketing) evocativo e ritual não apela à mobilização juvenil, não atrai, não distrai, não seduz.

domingo, 24 de abril de 2005

"Vigarices"

No seu monólogo dominical Marcelo Rebelo de Sousa acusou hoje o PS de "vigarice política" (sic), por propor de novo em referendo a descriminalização do aborto até às 10 semanas, quando na realidade a sua proposta de lei na AR prevê a descriminalização até às 16 semanas. Como já se mostrou algures, esta acusação não tem fundamento, havendo aí uma propositada confusão de duas coisas assaz diferentes. Como MRS não podia desconhecer isso, a acusação é pelo menos... pouco séria. Ana Sousa Dias, distraída, deixou passar em claro mais este "lapso" do comentador.

Mais vale tarde

Parece que a RTP vai ter novos comentadores políticos com espaço próprio, repondo assim o equilíbrio e o pluralismo de opinião que o programa singular de Marcelo Rebelo de Sousa não respeitava. A estação pública reconhece assim, implicitamente, a razão dos que criticaram a situação de favoritismo até agora existente. Resta saber se também é respeitada a regra da igualdade de condições.

Acima dos mortais

«Mal vai uma instituição quando é elogiada pelos seus adversários ou faz o que dizem os "media"» (Do Editorial de Expresso de ontem).
A crítica aplica-se aos que, não sendo cardeais, ousaram pronunciar-se sobre a eleição do novo Papa depois de a própria Igreja e os ditos media se terem alimentado semanas desse envolvimento. A instituição que não deve andar ao sabor dos media é a Igreja e mais nenhuma outra. Só ela é infalível! Quanto ao governo, por exemplo, é só passar à última página do mesmo jornal e lá vem a agenda e o ritmo recomendado!

A segunda derrota

A vitória de Ribeiro e Castro significa a segunda derrota de Paulo Portas. De regresso às origens, o CDS (porventura já sem o PP) será mais democrata-cristão do que liberal e mais conservador do que populista.

A ruptura

Como se anunciava, acabaram em ruptura as negociações entre o PS e o PCP para uma candidatura conjunta às eleições municipais de Lisboa, pondo termo à coligação que vigorou durante vários mandatos. Os documentos da discórdia encontram-se aqui (via Tugir em Português). O episódio mostra a actual distância entre os dois partidos e revela as dificuldades de governação que o PS teria encontrado se não tivesse obtido a maioria absoluta...

Simone Veil

A pouco mais de um mês do referendo francês sobre a constituição europeia, quando as sondagens de opinião continuam a dar vantagem à rejeição, é altura de as grandes figuras europeístas francesas virem em socorro do sim. Depois de Jacques Delors, à esquerda, é agora a vez de Simone Veil, à direita, que acaba de pedir uma licença de um mês no Conselho Cosntitucional para se dedicar à campanha pela aprovação do tratado constitucional.
Afinal, é a "honra europeia" da França que está em causa.

sábado, 23 de abril de 2005

O Presidente tem razão

Sampaio defende que Portugal deve avançar para a ratificação do tratado constitucional europeu mesmo que entretanto a França (ou outros países) a rejeite. Tem toda a razão. Mesmo que baste uma rejeição para que a Constituição europeia fique sem efeito, importa que cada país se pronuncie autonomamente: primeiro, para saber quantos países a apoiam (uma coisa é a rejeição por um país ou dois, outra é a rejeição por uma maioria de países); segundo, para marcar posição para o "day after", ou seja, para a avaliação sobre o que fazer depois da rejeição.

O duplo

Parece cada vez mais evidente que além do presidente oficial, eleito no último congresso, o PSD têm um presidente-sombra, que é o verdadeiro, ou seja, Marcelo Rebelo de Sousa. Pelo menos, dizem os mentideros, é ele quem define as jogadas. Para "duplo", Marques Mendes não está mal...

Controlo das consciências

Em reacção à legalização dos casamentos homossexuais em Espanha, o Vaticano apelou aos funcionários católicos espanhóis para não celebrarem nem registarem tais casamentos, devendo invocar objecção de consciência, «mesmo com o risco de perderem o emprego». A instrumentalização da religião para resistência ao cumprimento das leis civis tornou-se banal na actuação da Igrja Católica, bastando referir as proibições dirigidas aos farmacêuticos e médicos católicos no que respeita ao fornecimento de anticonceptivos e à realização de abortos, respectivamente.
A eficácia destes apelos tem sido reduzida, mesmo em sociedades maioritariamente católicas. O seu único efeito é a demonstração do crescente défice de autoridade do Vaticano sobre os seus fiéis. O rebanho torna-se cada vez menos obediente à voz do pastor romano.

Típico

Na sua coluna de hoje no Público (indisponível online), em que condena liminarmente a ideia de limitação dos mandatos políticos, Vasco Pulido Valente mistura atabalhoadamente a limitação de mandatos com a revogação popular de mandatos (recall). Na verdade, trata-se de figuras com filosofia totalmente diversa: a primeira é um instrumento da democracia representativa, que visa "limitar" a democracia e a liberdade dos eleitores; a segunda é um instrumento de democracia directa, que visa "aprofundar" a democracia e reforçar o poder dos eleitores.
Depois desta mistura de alhos com bugalhos, VPV não hesita em denunciar a «ignorância (...) da gente que em Portugal propõe a limitação de mandatos». O que seria do País, governado por ignaros, sem os correctivos omniscientes dos iluminados como VPV!

sexta-feira, 22 de abril de 2005

Vida e ser humano

«Um feto é vida, apenas no mesmo sentido em que um animal ou um vegetal é vida; não é um ser humano. (...) A Igreja Católica pode dizer o que quiser, mas não pode impor a sua doutrina a uma sociedade laica.»
(Maria Filomena Mónica, Público de hoje).

Bolton

Se dependesse dos nossos neoconservadores domésticos, a nomeação de John R. Bolton, o falcão ultraconservador, para representante dos Estados Unidos nas Nações Unidas -- instituição que ele várias vezes desprezou -- tinha a unanimidade, tais foram as loas que recebeu entre nós. Mas ela continua longe de assegurada, apesar da confortável maioria republicana no Senado, que tem de confirmar a escolha de Bush. Para além da oposição democrata, há vários senadores republicanos que se recusam a secundar a nomeação. Agora é o New York Times que dá conta das reservas de Colin Powell, ex-ministro dos negócios estrangeiros de Bush.

quinta-feira, 21 de abril de 2005

A escassez de médicos

Sempre que me deparo com as notícias sobre a falta de médicos, como esta relativa à necessidade da sua importação, lembro-me da quantidade de jovens, biólogos, farmacêuticos, gestores, engenheiros ou físicos, alguns provavelmente hoje desempregados, a quem foi vedado o acesso à Faculdade de Medicina. Lembro-me de uma querida sobrinha, aluna de quase 18, depois 18 e finalmente 18,43, que passou 3 anos à espera de um lugar. Lembro-me das discussões então havidas na Comissão Científica do Senado da UC (e talvez em outras Universidade), onde esbarrávamos com a esfarrapada desculpa de alguns professores, representantes da Faculdade de Medicina, de que não havia possibilidade de formar condignamente mais médicos, sobretudo na parte hospitalar da respectiva formação, mesmo que nunca tivessem respondido como era tal possível, se antes, eles próprios, tinham estudado num Hospital bem mais pequeno que acolhia cursos bem maiores! Lembro-me deste argumento frágil e evidentemente falso, como se prova agora, visto que o numerus clausus foi entretanto duplicado, mas perante a qual fomos sempre uma desamparada minoria. E, sobretudo, lembro-me da complacência de muita gente (reitores, ministros, cidadãos desatentos) com esta continuada e descarada captura da administração por uma profissão. Mesmo hoje, quando o erro é mais do que reconhecido e a factura está aí para a pagarmos, nós os contribuintes e utentes do SNS, não os médicos evidentemente, a culpa morre solteira! Foi tudo uma obra do acaso.

"Médicos criticam opção por clínicos estrangeiros"

Tal é a notícia no Público de hoje, relatando a oposição da FNAM (Federação Nacional dos Médicos) à anunciada decisão governamental de contratação de médicos estrangeiros para os centros de saúde, dada a falta de oferta nacional. Era inevitável; só admira a demora na reacção. Nenhuma profissão é mais ciosa da escassez dentro da sua coutada do que os médicos.

quarta-feira, 20 de abril de 2005

A colónia do Vaticano

Em Timor a Igreja Católica, com os bispos à frente, lançou uma ofensiva de rua contra o Governo, exigindo a manutenção do ensino obrigatório da religião católica nas escolas públicas e a cargo do Estado. Apesar de a Constituição estabelecer a separação entre as igrejas e o Estado e não reconhecer nenhum privilégio à Igreja católica, esta não abdica de parasitar o Estado e de colocá-lo ao seu serviço. Onde pode, a Igreja Católica instrumentaliza o poder público.

O argumento falacioso

José Manuel Fernandes gosta de usar palavras fortes, mesmo quando seria prudente alguma moderação verbal, como sucede hoje, no editorial do Público de hoje (indisponível "online", salvo por assinatura), quando condena como "falaciosa" a pergunta aprovada para o referendo sobre a despenalização do aborto, por ela não incluir todas as propostas de alteração apresentadas na Assembleia da República.
Ora, a pergunta repete inteiramente a que foi feita em 1998, tendo em vista a descriminalização do aborto realizado por simples vontade da mulher, desde que realizado até às 10 semanas e tenha lugar em estabelecimento de saúde legal. É o chamado "método dos prazos", em que a IVG não precisa de ser justificada para não ser crime, desde que ocorra dentro de curto tempo de gestação. Aqui, sim, há "liberalização" do aborto.
Coisa muito diferente é a despenalização da IVG com base em certos factores justificativos, nomeadamente o perigo para a saúde da grávida ou deficiências do feto, o qual só pode ser realizado sob indicação médica. Esses casos de aborto justificado já estão despenalizados desde há muito, se se verificarem até às 12 semanas (nalguns casos até às 16 semanas, ou mesmo sem limite de tempo). O que há agora são propostas para estender o prazo (de 12 para 16 semanas) e ampliar as causas de justificação, mas sempre sob condição de verificação dos aludidos requisitos, ou seja, motivos de saúde e indicação médica.
Nada obriga a submeter a referendo também estas possíveis alterações. Primeiro, porque esta matéria não esteve em causa no referendo anterior. Segundo, por que se trata somente de alargar um tipo de despenalização que já existe. Terceiro, porque se se fossem referendar todas as alterações à lei, doravante seria necessário recorrer ao referendo sempre que se quisesse alterar qualquer pormenor. Ora os referendos não servem para aprovar, ou não, todos os aspectos das leis, mas sim as suas opções básicas.
Mas parece evidente que o perigo de confusão da opinião pública deveria ter aconselhado a não misturar as duas coisas ao mesmo tempo, ou seja, o referendo sobre a despenalização geral do aborto até às 10 semanas e a ampliação legal dos prazos e das causas de justificação do aborto por indicação médica, que já hoje está despenalizado. A exploração que já está a ser feita dessa confusão -- não só pelo PP mas também pelas duas deputadas "democratas-cristãs" do PS -- mostra que pode não ser uma opção avisada dar argumentos (mesmo que, esses sim, falaciosos) aos adversários da despenalização.

Constituição europeia: "O não que inquieta a Europa"

«Non, les Français vont avant tout voter sur des questions qui ne sont pas posées - insatisfaction sociale, mécontentement vis-à-vis du gouvernement, adhésion de la Turquie. La Constitution n'est qu'un prétexte. Les conséquences d'un refus seraient imprévisibles pour la France et même pour l'Allemagne. Et de toute façon pour l'Europe. »
(Courrier International, reproduzindo um texto de Gerd Kröncke no Süddeutsche Zeitung, Alemanha)

Mais uma boa notícia

O Alto Comissário para as Minorias Étnicas (ACIME) anunciou saber que o Governo se prepara para alterar a Lei da Nacionalidade, a fim de permitir a aquisição da cidadania portuguesa pelos filhos dos imigrantes estabelecidos em Portugal. Para quem, como eu, defende há muito tal alteração, isto só pode ser uma boa notícia.

Correio dos leitores: Limitação dos mandatos (2)

«Aproveito a oportunidade para levantar a questão de saber se, para melhorar a sanidade da vida colectiva, o princípio que orienta o que agora se propõe para os cargos políticos não poderia (deveria?) ser extensível a áreas como organizações empresariais e sindicais (há quantos anos o Sr. Rocha de Matos está na AIP? E qual é a rotação no Secretariado da Inter?). Outros exemplos haverá, do futebol aos bombeiros. Conheço um presidente de Sindicato que o é, creio, há cerca de 35 anos.
Intromissão na sociedade civil? Por certo que sim. Mas talvez esta viesse a agradecer. Se se considerar obtuso legislar nesta matéria, não seria, ao menos, recomendável alguma magistratura de influência?»

AMF

terça-feira, 19 de abril de 2005

Correio dos leitores: Limitação dos mandatos políticos

«(...) Devo começar pelo esclarecimento prévio de que sou, desde há vários anos, um defensor convicto da urgência da limitação de mandatos dos titulares de cargos políticos e da revisão da forma de eleição e de governo das autarquias locais. Mudanças que urgem e que espero possam ser concretizadas nesta legislatura. Mudanças que mobilizam oposições em todos os partidos, o que nos permite uma melhor apreciação da coragem que o Governo de Sócrates manifesta, através desta proposta de Lei.
Por que razão devemos, então, considerar aceitável o facto de a lei não incluir os restantes membros dos órgãos executivos? Penso que no caso da exclusão dos vereadores se trata de um erro grave. Exactamente porque contraria aquela que eu identifico como uma das maiores virtudes desta lei: o fomento da renovação das estruturas partidárias ao nível local e o combate ao caciquismo emergente. Passará a existir, sempre, a possibilidade de recrutar os próximos Presidentes entre aqueles que exercem o poder actualmente. Com a agravante de que alguns vereadores, com áreas muito sensíveis sob a sua gestão, estão no poder há anos a fio e são hoje tão ou mais nocivos para a "accountability" democrática do poder local do que alguns presidentes.
Concordo com o facto de não ser o combate à corrupção o principal objectivo da limitação de mandatos, mas temos todos a expectativa de que esta medida possa ajudar. A manutenção por tempo ilimitado dos vereadores vai em sentido contrário. A menos que a curto prazo se legisle no sentido de alterar a forma de eleição dos Presidentes das Câmaras e que os vereadores deixem de ter legitimidade eleitoral, podendo ser escolhidos entre o conjunto dos cidadãos com capacidade eleitoral ao nível concelhio. Um pouco à imagem dos ministros, com a limitação de serem eleitores no concelho. Parece-me que há uma assinalável diferença entre os vereadores, que na situação actual têm legitimidade eleitoral, e os ministros e membros dos Governos Regionais que podem a qualquer momento ser substituídos por simples decisão do primeiro-ministro ou do presidente do Governo Regional. (...)»

(José Carlos Guinote - http://pedradohomem.blogspot.com/)

Embaixadas

Infelizmente, já me arrepiei mais do que uma vez ao observar o comportamento displicente de alguns membros do nosso corpo diplomático em países de língua oficial portuguesa (esses onde os embaixadores podem contar muito, onde são observados de perto pelos residentes, onde as suas menos felizes acções ou comportamentos se ampliam com grande facilidade, onde simplesmente ficar quieto é em si mesmo relevante, enfim, onde não fazer nada é uma pena). Por isso, sentir o dinamismo e entusiasmo que prevalece na Embaixada de Portugal em Brasília foi para mim um enorme gosto, direi mesmo um grande sossego. Boa sorte para o embaixador Francisco Seixas da Costa, com o desejo que o novo MNE esteja atento e, já agora, também pense como eu sobre o papel das embaixadas nos países de língua portuguesa!

Brasília


Brasília faz 45 anos. Pode ser que a cidade, como referia esta semana José Eduardo Agualusa na Pública, não tenha sido pensada para as pessoas se deslocarem a pé, como hoje provavelmente aconteceria. E que, pelo contrário, ela tenha sido desenhada demasiado em função do automóvel. Mas mesmo com este enorme senão, Brasília, como comentou um recente visitante, não é bem uma cidade. No meio das larguíssimas avenidas, podem encontrar-se séries de palmeiras, de mangueiras ou outras imponentes árvores tropicais. Zonas relvadas e arborizadas estão por todo o lado. É como se fosse um enorme Central Park pontuado com alguns elegantes edifícios. Não sei se serão todos muito funcionais. Mas se forem todos tão espectaculares como o Palácio de Itamarati, com a sua inesquecível escada circular, ou o seu moderno lustre de pássaros em voo, Brasília não será um apenas "parque" pontuado de edifícios. Será também um jardim salpicado de obras de arte.

Papa de quem?

Sou um simples ímpio, sem qualquer autoridade religiosa para opinar sobre os assuntos da gestão transcendental. Mas já que os media públicos e privados nos sufocaram com a eleição pontifícia, todos temos o direito cidadão de exprimir opiniões sobre os destinos da organização mais influente do mundo ocidental. O cardeal Ratzinger, agora denominado Bento XVI, representa o que de mais retrógrado a igreja católica contém, não augurando nada de bom para o progresso, o diálogo e a solidariedade entre povos, convicções e costumes.

Ai 25 de Abril!

Não me consigo lembrar de um só monumento ao 25 de Abril que não seja de fugir. Por qualquer motivo insondável, a revolução dos cravos sempre foi representada pelos nossos escultores das formas mais grotescas e inestéticas que imaginar se possa. Mas o último exemplar é, sem sombra de dúvidas, o expoente máximo desta estranha corrente artística. O "monumento" à Resistência Antifascista, à Liberdade e à Democracia que está a ser erigido na avenida Luísa Todi, em Setúbal, um mamarracho de dez metros de altura em forma de duplo tetrápode (como os que encontramos em certos troços da orla costeira para minimizar o impacto das ondas marítimas), é um verdadeiro atentado à inteligência e ao sentido estético dos cidadãos comuns. Assim se malbaratam dinheiros públicos e a carga simbólica do 25 de Abril.

A "democracia" cubana

Na sequência de mais umas eleições municipais tendencialmente unanimistas, Fidel Castro declarou que as eleições em Cuba são «as mais democráticas do mundo» (o que é uma reivindicação de todas as "democracias populares") e que os dissidentes não representam mais de 1% da população (o que é uma atitude própria de todas as autocracias).
Mas, sendo assim, por que não deixar que os opositores possam concorrer como tais às eleições (em vez de serem metidos na prisão), defendam livremente os seus pontos de vista (em vez serem silenciados) e permitir que sejam os eleitores (e não os serviços de informações do Estado) a avaliar livremente o seu apoio político? Se porventura o veredicto popular confirmasse os números aventados pelo líder cubano, não teria ele um argumento incontornável para desmentir as críticas exteriores e para poupar Cuba à condenação e ao ostracismo internacional?

Frases para recordar

«Se a França chumbar a Constituição [Europeia], o que começa a ser uma forte probabilidade, nenhum dos problemas dos franceses será resolvido mas os problemas europeus serão tremendamente agravados sem benefício para ninguém.»
(Teresa de Sousa, Público de hoje)

Anti-Bolkestein

O projecto de parecer da Comissão do Mercado Interno e Protecção dos Consumidores do Parlamento Europeu, da autoria da deputada Evelyne Gebhardt (PSD, Alemanha), propõe alterações radicais no projecto da famigerada directiva Bolkestein (sobre o mercado interno de serviços na UE), nomeadamente a exclusão em bloco dos "serviços de interesse económico geral" (SIEG) e o quase abandono do princípio do país de origem (PPO).
Não é provável que tal posição vingue (nem oito nem oitenta...). Mas tudo indica que a proposta de directiva não vai passar incólume no PE, longe disso. Resta saber se ainda são recuperáveis os estragos que ela causou nas hipóteses de vitória no referendo da constituição europeia em França.

segunda-feira, 18 de abril de 2005

Distracção

Que se tenha notado, nem o PCP nem o BE protestaram contra a anunciada privatização dos matadouros do Estado. Se já nem eles velam pelo sector público, como é que o capitalismo neoliberal não há-de triunfar em toda a linha?

Quem seria o Presidente?

Se não houvesse limitação constitucional do número de mandatos presidenciais, o Presidente da República ainda seria muito provavelmente o General Ramalho Eanes, prestes a ser eleito para o seu sétimo mandato...

domingo, 17 de abril de 2005

«Oil for food»:Tony versus Kofi

Em nome da honra perdida de Tony Blair, veio Jack Straw desmentir as revelações de Kofi Annan de que os governos britânico e americano fizeram vista grossa a actividades de contrabando do petróleo iraquiano para a Jordânia e a Turquia desde os primeiros anos da aplicação do Programa «Oil for Food».
O Programa permitia ao Iraque vender um determinado valor de petróleo cada seis meses e comprar géneros de primeira necessidade e medicamentos (o rendimento do petróleo ficava depositado numa «escrow acccount» da ONU, à ordem do governo de Saddam, mas apenas utilizável nos contratros de compra autorizados, um a um, pelo Conselho de Segurança). O Programa foi concebido por americanos e britânicos para aliviar a pressão para o levantamento das sanções, resultante do impacte brutal que elas estavam a ter sobre o povo iraquiano desde a Guerra do Golfo I. E foi aprovado pelo CS e aceite por Saddam em 1996, mas só começou a ser aplicado em 1997 - ano em que Portugal entrou para o Conselho de Segurança e lhe coube presidir ao Comité de Sanções ao Iraque (res. 661) .
Ao chegarmos a Nova Iorque no dia 1 de Janeiro de 1997, o Embaixador António Monteiro já tinha à sua espera a primeira resma de contratos no ambito do «Oil for Food» para assinar. E durante os dois anos seguintes - os primeiros de vigência do Programa - teve de apor a sua assinatura em todos os contratos autorizados pelo Comité. Analisar esses contratos, para o nosso Embaixador/Presidente do Comité de Sanções não assinar de cruz (eram pilhas de papeís, diariamente), era uma das responsabilidades da equipa que eu coordenava.
O Programa dava a Saddam a possibilidade de escolher a quem vendia o petróleo e a quem comprava arroz ou computadores (estes sistematicamente bloqueados por ingleses e americanos, alegando serem equipamentos de «dual use»). Não admira, por isso, que Saddam escolhesse a dedo os fornecedores e clientes - chineses, russos e franceses foram obviamente privilegiados (para desespero de várias companhias americanas, que bem tentavam entrar no circuito...).
Ao fim de uns meses, a perversidade do Programa era evidente - eu própria por várias vezes avisei os colegas americanos e ingleses de que, sem querer, tinham dado a Saddam um instrumento ideal para ele orquestrar o jogo de gato e rato que se entretinha a cultivar com o Conselho de Segurança. E também mais uma arma para oprimir o seu povo e suprimir a resistência interna - é que o regime passara a distribuir cabazes de géneros essenciais a todas as famílias (que se portassem na linha, evidentemente...).
De três em três meses, vinha à nossa Missão e ao Comité de Sanções um Almirante americano, da Esquadra da US Navy que patrulhava as águas do Golfo a pretexto de assegurar o cumprimento das sanções. E o Almirante sistematicamente reportava que umas tantas barcaças iranianas faziam contrabando de petróleo iraquiano - a coisa parecia mais para entalar o Irão, que jurava a pés juntos que nada tinha a ver com isso, se acontecia era à revelia das autoridades, etc...
Não sei quantas vezes eu, colegas portugueses e diplomatas de outros países dissemos a americanos e ingleses que aquele «vaudevillle» era demasiado mau: é que toda a gente sabia que muito mais petróleo do que o transportado nas barcaças iranianas, era o que abastecia regularmente a Jordânia, fornecido por Saddam, com a benção - tácita, mas indesmentível - dos EUA e RU (a contrapartida de comprarem a colaboração jordana neste e noutros tabuleiros e a maneira de não terem de compensar mais Amã pelos danos à sua economia causados pela Guerra e pelas sanções ao vizinho). A fila de camiões-cisterna era constante, ao longo da estrada Bagdad-Amã, como toda a gente podia verificar. Como constante era também a fila de camiões-cisterna que levavam de contrabando o petróleo de Saddam, de Kirkurk para o porto de Ceyhan, na Turquia, com americanos e ingleses a fazerem vista-grossa aos proventos dos parceiros-NATO otomanos, também eles chorando-se pela perda do comércio com o vizinho. Num dos «briefings» que a nossa delegação teve no Departamento de Estado, em Washington, lembro-me que os próprios americanos nos mostraram fotografias aéreas dessa fila permanente (o objectivo era demonstrar-nos como Saddam mentia e enganava, o que estavamos fartos de saber...).
Na abundante telegrafia que diariamente, durante aqueles dois anos, mandamos da nossa Missão em NY para o MNE, encontram-se múltiplos relatos do que acima descrevo.
Kofi Annan tem razão quando denuncia o comprometimento dos governos americano e inglês, numa altura em que o «Oil for Food» é utilizado como arma de arremesso contra a ONU (atenção, pelo «rapaz» Benon Sevan, que a certa altura passou a dirigir o Programa, e pelo filho do Kofi, eu não ponho as mãos no fogo...).
Tony Blair tem razões para sentir má-consciência em relação ao Iraque e fúria por Kofi ter frizado que a invasão do Iraque foi ilegal. Lata também não lhe falta: até manda Jack Straw fazer figura de virgem ofendida!...Coitado do Straw, que ao tempo, nem sequer estava no Foreign Office É perguntar ao Robin Cook, o Foreign Secretary de então. E ele decerto confirmará. Que o Kofi tem carradas de razão.

sábado, 16 de abril de 2005

Delivering the goods

Numa metódica execução do seu programa político, o Governo de Sócrates aprovou o novo regime dos dirigentes da Administração Pública. Duas linhas essenciais: (i) grande redução do número de cargos de livre nomeação política, que ficam limitados aos directores-gerais e equiparados, e (ii) caducidade automática dos mandatos dos titulares dos cargos que são realmente de confiança política, os quais passam a cessar com a mudança de governo, sem necessidade de exoneração.
Com esta reforma (que eu defendo já há vários anos) ganha a Administração, que fica menos sujeita ao regime de spoil system e da captura partidária, e ganha a transparência e responsabilidade da vida pública.
Só é pena não se ter aproveitado também a oportunidade para clarificar o regime dos gestores das empresas públicas.

Os açougues públicos

O novo Ministro da Agricultura descobriu que o Estado ainda é dono de cinco matadouros, uma relíquia da "economia administrativa" do Estado Novo que sobreviveu até agora. Desapiedadamente, o ministro decidiu acto contínuo a sua privatização. Mas, bem vistas as coisas, que sentido terá doravante o Sector Empresarial do Estado (SEE) amputado dos públicos açougues?

Dois testes

O projecto de estatuto político-administrativo da Madeira e da respectiva lei eleitoral, que foi aprovado no Parlamento regional só com os votos dos estipendiados de A. J. Jardim, constitui em muitos aspectos uma provocação à Constituição e à Assembleia da República.
Resta saber duas coisas: (i) se com Marques Mendes o PSD vai apoiar na AR mais esta aleivosia do PSD madeirense; (ii) se o PS vai, mais uma vez, tergiversar nesta matéria e dar mais um prémio a Jardim.

Correio dos leitores: Liberalização dos medicamentos

«Pois eu dou 2 contra 1 em como aquilo que se pretende com a pretensa "liberalização" da venda de certos medicamentos não é liberalização nenhuma, mas apenas o favorecimento dos hipermercados.
Vejamos: um medicamento ou é de venda livre - o que significa que qualquer loja o pode vender, qualquer pessoa o pode vender - ou é de venda condicionada - a venda tem que ser efetuada sob supervisão de um farmacêutico.
Se aquilo que o governo pretende fôr a primeira hipótese, tudo bem. Mas parece que não é: Aquilo que o governo pretende, segundo parece, é criar uma espécie de "farmácias de segunda", as quais não são designadas "farmácias" mas sim "lojas de produtos farmacêuticos de venda livre", mas nas quais trabalham farmacêuticos.
Pergunta-se: qual é a lógica de ter uma loja na qual trabalha um farmacêutico, mas condicionar esse profissional qualificado (licenciado em farmácia) a apenas poder vender certas drogas? Como essas farmácias apenas poderão vender relativamente poucas drogas, é evidente que só serão economicamente viáveis (contratar um farmacêutico custa dinheiro!) num local com grande afluência de potenciais compradores - num hipermercado.
Ou seja, se for esta a intenção do governo - e eu dou 2 contra 1 em como é - o que se pretende é deixar os hipermercados, MAS SÓ ELES, pôr um pé no mercado da venda de medicamentos. Trata-se de um golpe contra um lobby, e a favor de outro.
O dinheiro fala alto!»

(Luís Lavoura)

Comentário
Primeiro, nos termos da proposta do Governo não é necessária a supervisão de um farmacêutico, bastando um técnico de farmácia. Não há razão nenhuma para pensar que só os supermercados podem arcar com os encargos de contratar um profissional desses.
Segundo, dada a limitação da propriedade das farmácias, tanto os farmacêuticos como os técnicos de farmácia poderão doravante criar estabelecimentos próprios onde se vendam os MNSRM juntamente com outros "produtos de saúde" e artigos conexos, com viabilidade comercial.
Terceiro, o Governo não vai liberalizar somente os locais de venda mas também os preços, que passam a ser livremente determinados pela concorrência.
Por isso, os reais beneficários desta liberalização da venda de medicamentos serão os consumidores, quer por causa da maior número de locais de aquisição, quer em virtude da previsível baixa dos preços.
VitalM

sexta-feira, 15 de abril de 2005

Um lugar na história

A deliberação da Alta Autoridade para a Comunicação Social (Alta Autoridade) sobre a operação Lusomundo é uma pérola de originalidade. Nem a mais bizantina das altas autoridades suas congéneres se lembraria de uma recomendação tão psicadélica quanto a da obrigação de venda de O Jogo por parte da Controlinveste, a holding de Joaquim Oliveira. A argumentação económica é de tal modo fulgurante (recomendo uma visita ao site da Alta Autoridade) que a vou incluir nas fontes bibliográficas das cadeiras que lecciono no ISEG.
Espero bem que a Autoridade da Concorrência cumpra a intenção prenunciada pelo seu presidente em recente entrevista ao Público (onde admitia a possibilidade de a Controlinveste ser obrigada a vender parte dos seus activos como forma de reequilíbrio da estrutura de mercado) e leve até ao fim o notável desígnio da Alta Autoridade. Ficarão ambas na história.

Os espanhóis e outros medos

Brrr...

Correio dos leitores: Censura na RDP

«No passado dia 03 de Abril, como aliás acontece todos os domingos, tinha a telefonia ligada na Antena 1 para ouvir o programa "O Amor é", de Júlio Machado Vaz. Mas para minha grande surpresa e espanto, o programa que fora gravado na quarta-feira anterior, não foi emitido, e sem que fosse dada nenhuma explicação aos ouvintes.
(...) Alguém decidiu que, no dia seguinte ao da morte do papa, estava fora de questão dar tempo de antena a um tal Júlio Machado Vaz, um sujeito que se ocupa de um tema tão pecaminoso e diabólico como a sexualidade e, como se isso não bastasse, ainda tem o imperdoável defeito de ser um incorrigível livre pensador que não se coíbe de criticar publicamente a santa e madre Igreja.
O que se passou no dia 03 de Abril é de uma extrema gravidade, por configurar um acto censório de todo inadmissível e intolerável num Estado de Direito Democrático, ainda para mais num órgão de comunicação social pertencente ao Estado, Estado esse que tem a obrigação constitucionalmente consagrada de zelar pela garantia de isenção e de liberdade de expressão nos órgãos sob a sua tutela. Volvidos 31 anos sobre o 25 de Abril de 1974, que devolveu as liberdades essenciais aos portugueses, nunca imaginei que um distinto cidadão como Machado Vaz viesse a ser vítima da mordaça da censura. Machado Vaz não pede licença a ninguém para exprimir as suas ideias, atitude que muito aprecio e admiro e, por isso, tem toda a minha solidariedade sempre que for atingido por qualquer medida censória sejam quais forem as circunstâncias e as razões invocadas. (...)»

(Isabel Silva, Lisboa)

Adenda:
Este edificante episódio de subserviência vaticana da rádio pública encontra-se corroborado pelo próprio Júlio Machado Vaz no seu blogue Murcon. É grave demais para passar sem protesto. A Alta Autoridade, entretida com o "affair" Lusomundo, esteve distraída?

quinta-feira, 14 de abril de 2005

A Europa e um outro Timor: o Sahara Ocidental

No início de Março integrei uma delegação de parlamentares europeus que se alojaram nas tendas de familias refugiadas nos campos de Tindouf, no sul da Argélia, realizando como são incrivelmente básicas, durissimas, as condições de sobrevivência ali, no «hamada» - o deserto dos desertos. Mas nós ficamos quatro dias apenas, enquanto os refugiados e refugiadas ficaram lá, sem horizonte de saída.
A delegação constatou como era urgente que a UE reforçasse a ajuda humanitária, por estar iminente a ruptura do aprovisionamento alimentar. Felizmente a Comissão já lá enviou, entretanto, uma missão da ECHO para reavaliar as necessidades. Espero que ela resulte não apenas num aumento substancial da ajuda, que, há mais de 30 anos, é a principal fonte de subsistência dos cerca de 180.000 refugiados, mas também em agilizar o seu encaminhamento, respaldando a extraordinária organização das autoridades e do Crescente Vermelho sarauis e também aproveitando mais as ONGs europeias activas localmente.
Mas, na realidade, é premente trabalhar na UE para nos libertar de continuar, por muitos mais anos, a sentir a obrigação de acorrer às mais elementares necessidades dos saharauis - que, com grande dignidade, demonstram saber trabalhar e sustentar-se na maior penúria e nas mais inóspitas condições (e nesta resistência o papel das mulheres saharaouis merece especial admiração). Porque a verdade é que a ajuda humanitária seria dispensável, se os refugiados e as autoridades da RASD pudessem livremente regressar e retomar o controlo do seu território, ilegalmente ocupado por Marrocos.
A UE não pode resignar-se a continuar, através da ajuda aos refugiados, a apaziguar a má-consciencia da comunidade internacional e de alguns dos seus Estados-membros com particulares responsabilidades no processo obstruído de descolonização do Sahara Ocidental, em grosseira violação do direito internacional e dos direitos humanos em especial, incluindo o direito à auto-determinação do povo saharaui.
A UE tem de pressionar a urgência de uma solução política no processo que decorre sob a égide das Nações Unidas, desde o cessar-fogo acordado em 1991 e que deveria ter passado por um referendo a todos os saharauis, inicialmente previsto para Janeiro de 1992 e bloqueado desde então por Marrocos, com recurso aos mais irrazoáveis expedientes. Marrocos recusou sucessivamente todas as mais que contemporizadoras propostas feitas pelo Representante Especial do Secretário-Geral, o americano Sr. James Baker, levando-o inclusivamente a demitir-se em Junho de 2004, ao ver mais uma vez Rabat inviabilizar o chamado «Plano Baker». Plano que prevê um referendo com todos os saharauis e colonos marroquinos (!!!) no Sahara Ocidental , depois de mais alguns anos de ocupação. Plano que, apesar de tudo, a direcção política saharaui aceitou, na procura esforçada de uma solução para o conflito, apesar da tremenda dificuldade em explicar ao seu povo que a comunidade internacional o fazia sujeitar-se ainda a mais entorses aos seus mais inalienáveis direitos.
Os Estados-membros da UE não podem continuar a ignorar a questão política de fundo. Aqueles que têm assento no Conselho de Segurança têm de assumir as suas especiais responsabilidades, designadamente quando aí for, no final deste mês, apreciada a questão da renovação do mandato da MINURSO e da reactivação do processo com a eventual designação de um novo Representante Especial do SGNU.
A questão política de fundo diz directamente respeito à Europa e não apenas na vertente das responsabilidades históricas: estão em causa interesses europeus. Por um lado, o Sahara Ocidental poderia ser um importante fornecedor da Europa, se os seus fabulosos recursos naturais, em petróleo, fosfatos, pescas e outros pudessem ser legitimamente e sustentavelmente explorados. O que, obviamente, não acontece sob a ocupação ilegal marroquina, persistindo o conflito - como demonstra o recente abandono do território por parte de companhias petrolíferas estrangeiras que tentavam a prospecção.
Por outro lado, a própria segurança europeia está em causa - o Sahara Ocidental fica aqui ao lado e hoje já temos a obrigação de perceber os mecanismos de que se alimenta o terrorismo internacional. Pois, que incitamento se transmite as jovens gerações de saharauis, refugiados em Tindouf ou resistindo no Sahara ocupado, senão atirá-los para os braços dos radicais fundamentalistas, se a UE, os EUA, o mundo árabe e o resto da comunidade internacional lhes retiram o horizonte da resolução do conflito e os condenam ao desespero dos impotentes diante da injustiça, da violência, da humilhação e da destituição?
Se quer realmente ajudar o vizinho Marrocos, a UE precisa de fazer compreender a Rabat, urgentemente, que é também e sobretudo do interesse marroquino pôr fim ao conflito e à ocupação ilegal do Sahara Ocidental. Porque Marrocos poderá beneficiar extraordinariamente da boa-vizinhança e cooperação com uma RASD livre e soberana, tal como hoje a grande Indonésia beneficia com as excelentes relações que estabeleceu com a pequena República de Timor-Leste. E porque assim Marrocos (onde os focos de contaminação terrorista existem e já por várias vezes actuaram, desgraçadamente) estará também a remover adicionais fontes de ameaças à segurança do próprio povo e do Estado marroquino.

(Uma versão encurtada deste texto constituiu a minha intervenção hoje, em debate sobre o Sahara Ocidental, no Plenário do PE).

O interesse geral

Quem ainda tinha dúvidas sobre a mudança de estilo e de atitude governativa, seguramente as perdeu com a primeira entrevista televisiva de Sócrates, marcada pela clareza, a prudência e a determinação.
Não faltou sequer uma oportuna resposta directa aos pequenos assomos de reacção corporativa contra as primeiras medidas do Governo, por exemplo na liberalização da venda de medicamentos e no encurtamento das férias judiciais. Ficaram a saber, sem margem para equívocos, que os interesses de grupo não podem prevalecer sobre o interesse geral e que essas mudanças são mesmo para valer. Ainda bem!

A questão coimbrã

Em Coimbra lavra uma guerra de sondagens no PS a propósito das próximas eleições autárquicas. Nos paços do município, Carlos Encarnação só tem motivos para sorrir do contencioso no campo adversário...

Uma escola de ensino superior em cada município

O Presidente da República vetou os diplomas relativos a duas escolas de ensino superior (uma no Fundão e outra em Óbidos) que o governo de Santana Lopes tinha criado já depois da sua demissão. Durasse ele mais e ainda teríamos a criação da universidade de Arrobas-de-Cima...

Local ou nacional?

Subida dos preços dos transportes públicos. Simples actualização, tendo em conta a inflação e a subida do preço dos combustíveis. Mantém-se por isso o habitual e substancial défice, que o orçamento do Estado terá de cobrir.
Trata-se em geral de transportes públicos urbanos de Lisboa, portanto de âmbito local ou metropolitano. Mas por que é que há-de ser o Estado a suportar o défice de serviços públicos locais, que deveriam ser de responsabilidade municipal ou intermunicipal? Que sentido faz ser um ministro a lidar com os preços de transportes públicos locais?

quarta-feira, 13 de abril de 2005

Europa - politica externa e de segurança

A Estratégia Europeia de Segurança desafia-nos a reflectir sobre o papel da União na governação mundial. Os relatórios dos Srs. Brock e Kuhne dão uma excelente contribuição para responder ao desafio.
Para serem eficazes e coerentes, as Políticas Externa e de Defesa e Segurança europeias têm de colocar o cidadão no centro, promovendo os direitos humanos, o direito internacional e humanitário e o multilateralismo nas relações internacionais. Isto é, têm de ancorar-se no conceito de Segurança Humana, como sublinha o relatório Kuhne, na linha do importante relatório de Barcelona sobre a 'Doutrina de Segurança Humana' .
Isto é tanto mais relevante quanto a luta contra a proliferação de armas de destruição maciça e contra o terrorismo terão de continuar a ser as preocupações prioritárias da Europa em matéria de segurança.
Temos de integrar estas preocupações em todas as dimensões das relações externas da União, designadamente na Nova Política de Vizinhança. E nesta perspectiva, a União precisa de ter assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, como hoje reconheceram o Sr. Brock e a Comissária Ferrero-Waldner.
A União deve trabalhar para o fortalecimento e universalização dos tratados de não-proliferação e de destruição de arsenais nucleares e para um controlo mais apertado das exportações de material nuclear e de armamento em geral.
A União precisa também de assegurar uma estreita concertação do plano de acção europeu de combate ao terrorismo com as políticas Externa e de Segurança e Defesa. Num esforço integrado com a Estratégia global de combate ao terrorismo, recentemente enunciada por Kofi Annan.
Isto implica cumprir os compromissos de desenvolvimento assumidos pelos governos europeus na Declaração do Milénio: a pobreza e a injustiça são terrenos férteis para o terrorismo.
Para uma Política de Segurança e Defesa que se traduza em mais independência estratégica da Europa, com mais capacidades e mais integração dos meios de defesa e um verdadeiro mercado interno, precisamos que a Agência Europeia de Defesa informe os debates sobre políticas de aquisição, desenvolvimento e investigação de equipamento. Cabe aos Estados-membros dar condições de funcionamento a esta nova Agência.
As próximas perspectivas financeiras devem demonstrar que os nossos governos se empenham na Estratégia Europeia de Segurança, pois o sucesso dela depende, em grande medida, dos recursos postos à sua disposição na União.
Na semana passada em Sarajevo eu estive, tal como o Sr. Von Wogau e outros parlamentares, com o General britânico orgulhoso de comandar a EUFOR, dispensando até insígnias nacionais. Mais me convenci de que, se há 15 anos tivesse já Política Externa comum e Política de Segurança e Defesa, a Europa poderia ter evitado ou travado mais cedo a guerra na ex-Jugoslávia. Hoje, a importante missão ALTHEA na Bósnia-Herzegovina é prova de que a Europa é capaz e de que, com os meios adequados, a União pode e deve assumir mais responsabilidade na segurança europeia e global.

(Intervenção no Plenário do PE, debate sobre PESC e PESD, 13.4.2005)

O alerta de um «sage»

«Um não à Constituição, como parece querer, segundo sondagens recentes, a maioria dos franceses, faria correr à União um tremendo risco de desintegração. Não seria apenas uma paragem. Seria um imenso recuo, que só podem desejar aqueles que sempre sonharam com uma Europa que fosse um mero espaço de livre câmbio, um mercado único alargado e competitivo, mas nada mais do que isso. Seria o fim da Europa política, social e com uma entranhada cultura ecológica. Pior do que isso: seria o fim da União como «potência mundial» capaz de equilibrar as relações euro-americanas e de resistir às pretensões do hegemonismo imperial, que vê a ONU como um empecilho. Os "falcões" que aconselham Bush, seguramente, agradeciam!»
(Mário Soares, A Capital)

terça-feira, 12 de abril de 2005

Correio dos leitores: Mudar de fornecedor de Internet

«Sim!... Pode haver casos em que consiga resolver o problema em dois meses.
Mas se tiver uma ligação sapo conte com bastante mais tempo. Gozam - positivamente - com a pessoa. Escrevem-se cartas, perde-se uma infinidade de tempo ao telefone, usam estratagemas dilatórios (do tipo, passar as chamadas uns para os outros, fazendo uns o papel dos compreensivos, outros o de ignorantes e outros o de que vão tratar já do assunto), fazem tudo e mais alguma coisa. Pense em quatro meses, para não desesperar a meio.»

Henrique George

Correio dos leitores: As demoras da PT

«O seu post [sobre a burocracia no ADSL] demonstra muito desconhecimento, o que é normal, pois não é a sua área. Para quem trabalha num operador concorrente da PT é o dia a dia... A PT recusa os processos como quer e quando quer, sem dar cavaco. Muitas vezes, o processo é recusado, voltamos a enviar tal e qual como na primeira vez e passa. E é preciso recordar que a PT tem 19 dias para responder. Se ao fim de 19 disser que há um erro - e não tem que dar grandes justificações - ganha mais 19 dias.
Depois da PT dar o OK, o processo é rápido... mas PT e rápido são duas palavras que não fazem sentido na mesma frase.»

Pedro Sousa

Correio dos leitores: Coutada da PT

«(...) O mercado das telecomunicações continua a ser uma coutada da PT, não tenhamos ilusões. Que qualidade de serviço e que eficiência se pode esperar de uma empresa, quando se trata de perder um seu cliente e ajudar a passá-lo para a concorrência???
Neste mercado, e especialmente no que diz respeito à Internet passam-se anomalias de tal forma estranhas, que sendo tornadas públicas, com alguma visibilidade, elas dariam a volta ao estômago a muito bom consumidor...
Outro caso dramático em que eu sou ainda alvo do estado da situação é o facto da minha área de residência (na periferia de Lisboa, a menos de 20Kms) não possuir concorrência à PT com meios próprios (o cobre é da PT Comunicações, e o cabo é da TVCabo). E o mais grave, no meu entender, é que pelo facto de a empresa de cabo que trabalha na minha zona pertencer ao grupo PT, ela própria é obrigada a NÃO disponibilizar serviço de voz sobre IP, da mesma forma que a Cabovisão e outras empresas concorrentes o fazem, mas em outras zonas geográficas. Ou seja, a oferta integrada de Canais TV, Internet e Voz é pura e simplesmente inexistente.......
Sinceramente, muito me agradaria assistir a uma ANACOM/ICP/whatever forte, que efectivamente regulasse o mercado, imprimindo condições de concorrência nos ainda imensos buracos negros que a PT vai explorando. Infelizmente o que tenho assistido é precisamente o contrário. Tenho visto precisamente o contrário, accionistas da PT a «mandar calar» a Anacom, ou o seu presidente. (...)»

Carlos Queirós

2 Mb/s?

Será que vamos mesmo dispor de ligações ADSL a 2 Mb/s sem aumento de preço, como pretende a PT? Ou será que a salvaguarda dos direitos dos concorrentes com necessidades especiais falará mais forte? Eis um caso típico - tal como o da pretensão do operador histórico em incluir na assinatura chamadas gratuitas ao fim-de-semana - de potencial dissonância entre os interesses (imediatos) dos consumidores e os dos operadores alternativos. Não está fácil a vida dos agentes de mercado, reguladores incluídos.

Livro de reclamações

Eis o que fiquei a saber se quiser mudar de fornecedor de Internet:
«Quanto tempo demora a activação do Serviço xxx ADSL xxx?
A activação é um serviço prestado pela PT ao xxx e pode demorar até 2 meses, após a data de recepção da documentação por si enviada e posterior validação:
Contrato assinado
Cópia do BI
Denúncia do contrato PT assinado pelo titular da linha telefónica.»
Ora aí está: até dois meses de demora! E pensar que estamos a tratar com empresas privadas de ponta! Julgávamos nós que só havia a burocracia pública!

segunda-feira, 11 de abril de 2005

Conhecer o passado autoritário

Ensinam os especialistas sobre transição democrática que uma das diferenças entre os processos de democratização por ruptura, como a portuguesa, e os de democratização por evolução pactuada, como a espanhola, é o modo de lidar com o passado autoritário, havendo em regra investigação, depuração ("lustration") e punição dos responsáveis no primeiro caso, e esquecimento do passado e amnistia geral dos culpados no segundo. Por isso entre nós houve um "livro negro do fascismo", enquanto a pertença à antiga polícia política da ditadura foi considerada crime, havendo mesmo uma disposição expressa da Constituição sobre o assunto.
Eis senão quando se fica a saber que uma loja maçónica -- que depois da revolução ocupou as antigas instalações do Grémio Lusitano que a Legião Portuguesa tinha feito suas -- reteve em segredo durante estas três décadas uma lista oficial de milhares de funcionários e informadores da PIDE-DGS. Nunca é tarde para surpresas na história das revoluções!

Alta velocidade

Era certo e sabido. As nossas elites intelectuais aguardavam ansiosamente a constituição da primeira task force governamental para cravarem um ferro comprido no lombo do governo. Com o desdém que o trabalho colectivo lhes merece (porque não conhecem a forma de funcionar dos japoneses, dos americanos ou dos alemães) e a reputação ultra-dialogante dos executivos socialistas, a constituição de um grupo de trabalho para reanálise do projecto TGV caiu-lhes que nem ginjas.

Bem sei que as memórias de hoje são voláteis e que o povo vibrante reclama por mais acção e menos reflexão. Mas haja decência e bom-senso. O projecto TGV esteve literalmente parado durante quase três anos, à pala da obsessão orçamental e da opção populista de Durão Barroso ("sem hospitais, não haverá TGV"), enquanto nuestros hermanos prosseguiam a alta velocidade no desenvolvimento do seu projecto, indiferentes às hesitações lusitanas.

Durante o breve consulado de Santana Lopes, António Mexia entendeu por bem dar mostras de algum dinamismo sobre a matéria e patrocinou um estudo à la minute sobre a ligação Lisboa-Porto, do qual resultou uma solução ladina. À boa maneira portuguesa, do género nem carne nem peixe, os autores do estudo propunham uma mistura de alta com média velocidade, numa fórmula bi-bitola que só a irrequietude avançada de Mexia conseguia atingir. Sobre as restantes implicações do projecto - minudências como o ritmo de avanço do traçado, a localização das plataformas inter-viárias, a terceira travessia do Tejo ou o novo aeroporto -, pouco mais que menções genéricas.

Ai, estes complacentes socialistas que se propõem perder três meses a estudar um assunto que tanto avançou nos últimos três anos!

Vantagens da democracia representativa

Em eleições directas, Marques Mendes teria ganho a liderança do PSD a Menezes? Ou a Santana Lopes?

Penetralho

algumas surpresas na direcção de Marques Mendes. A "nova direita" toma posições dentro da "social-democracia"?
(Corrigido)

Taxas de IVA e justiça social

Reiterando uma opinião já várias vezes expressa por si mesmo, o economista Miguel Beleza manifesta de novo a sua preocupação com a situação financeira e volta a defender que a contenção do défice orçamental exige o aumento da receita fiscal (não bastando a acção do lado da despesa), preconizando desde logo a abolição das taxas reduzidas do IVA, as quais beneficiam certos produtos (alimentação, medicamentos, etc.) independentemente do nível rendimento de quem os consome.
É evidente que isso traria uma considerável receita fiscal adicional, dado o grande volume das despesas sociais nesses produtos. O problema está em que tais despesas pesam relativamente mais nos baixos rendimentos, pelo que a uniformização do IVA, subindo as taxas mais baixas, afectaria mais severamente a situação dos menos abonados e redundaria num agravamento da regressividade implícita nos impostos indirectos. Como o próprio M. Beleza admite, uma tal mudança tornaria necessária uma compensação financeira em benefício pelo menos dos mais pobres, dando com uma mão o que se tirou com a outra. Ainda assim, para além da inerente simplificação fiscal do IVA, o saldo financeiro da uniformização de taxas poderia ser muito favorável para as contas públicas.
É de duvidar, porém, que o Governo vá trilhar essa via, dados os seus efeitos sociais negativos. Resta saber onde poderá ir buscar mais receitas...

domingo, 10 de abril de 2005

Livro de reclamações

À saída de Coimbra, no sentido sul, existem indicações rodoviárias anunciando a direcção de Tomar, juntamente com a indicação "IC 3". Afinal, a tal via rápida só aparece 75 Km depois, já às portas da cidade dos Templários; até lá é uma velha estrada estreita e congestionada, quase permanentemente entre povoações, com limite de velocidade 50 Km hora. Uma verdadeira fraude, a tal indicação rodoviária. Quanto à IC 3, tudo indica que ela vai continuar a ser durante muito tempo uma simples miragem para incautos. Em vez de construir as estradas que faltam, o Governo prefere continuar a gastar milhões para manter as SCUT gratuitas...

Venha o próximo

O novo líder do PSD sai claramente enfraquecido do Congresso, onde as coisas lhe correram mal, sem conseguir agarrar o Partido, terminando com uma votação muito abaixo do esperado, e saindo sob permanente ameaça dos fantasmas de Santana Lopes, que deixou saber que vai continuar "por aí", e do grupo de António Borges, que não escondeu a sua vontade de vir a assumir a liderança no futuro. Um líder de transição e a prazo, portanto.

Correio dos leitores: Separação de poderes

«Também a mim me chocaram um pouco as palavras dirigidas ao governo pelo Sr Presidente do STJ na sua tomada de posse. Não só pelo tom com que parecem ter sido proferidas, mas especialmente porque me suscitou uma dúvida específica: não estará o Presidente do STJ no limiar de uma violação ao princípio constitucional da separação de poderes? Isto porque se o princípio da separação de poderes impede elementos do Executivo de intervirem em actos do foro judicial, que legitimidade têm elementos do Sistema Judicial de intervirem, enquanto tais (e não enquanto meros cidadãos), em decisões governamentais? Seria bom que os juizes portugueses se preocupassem mais com a aplicação das leis vigentes, e menos com a aplicabilidade de leis eventuais.»
(A. Santos Campos)

sábado, 9 de abril de 2005

Crítica e desconhecimento

Na sua crítica de hoje ao Ministro da Saúde, a propósito da mudança da forma jurídica dos hospitais-empresa, J. Manuel Fernandes, em editorial do Público (disponível online só para assinantes), reincide nos erros que ontem já aqui foram assinalados ao Diário Económico, e insiste também na ideia de que o ministro teria admitido a participação de capital privado nos novos "hospitais EPE" (entes públicos empresariais) resultantes da transformação dos actuais "hospitais SA".
Ora, essa suposta hipótese, já devidamente desmentida pelo ministro, era totalmente inverosímil -- pois excluída pela própria natureza dos EPE --, pelo que não podia ter sido acriticamente admitida por qualquer jornal responsável.

Grande gabador, pouco fazedor

Saiba porquê na Aba da Causa

sexta-feira, 8 de abril de 2005

Pequenos grandes passos

Entre as medidas ontem anunciadas pelo Ministério da Saúde conta-se a fusão dos respectivos serviços sociais com os da Presidência do Conselho de Ministros. E por que não fundir todos os serviços sociais dos diferentes ministérios num único organismo (como sugeriu a ECORDEP em 2001)?
Além de permitir uma uniformização de regimes, pondo fim a alguns privilégios indevidos de alguns ministérios (por exemplo, do Ministério da Justiça), haveria várias outras vantagens. O que se não pouparia, por exemplo, em gastos de administração e gestão, na racionalização dos meios disponíveis e no melhor aproveitamento das capacidades instaladas?

Um bom teste

Na sua tomada de posse o novo presidente do Supremo Tribunal de Justiça condenou o projecto de redução das férias judiciais e ameaçou o Governo de estar a "comprar uma guerra". Uma tal linguagem e atitude, mais próprias de dirigente sindical do que de presidente do STJ, constituem um claro desafio à autoridade do Governo . Trata-se portanto de uma excelente prova de fogo para a vontade política do Ministro da Justiça e do Primeiro-Ministro na sua anunciada determinação de acabar com privilégiuos e combater os grupos de interesse corporativos. Um teste de firmeza: fraquejar aqui seria uma receita para perder todas as batalhas subsequentes.

Criticar por criticar

Criticando a transformação dos "hospitais SA" em "hospitais EPE", o editorial de hoje do Diário Económico comete duas incorrecções incompreensíveis.
Primeiro, afirma que foi o próprio Correio de Campos que criou o primeiro hospital SA, na sua anterior passagem pela pasta da saúde. Mas tal não é verdade. Foi ele, sim, quem preconizou a empresarialização dos hospitais públicos, mas no formato EPE, a que agora regressa.
Segundo, sustenta-se que o pessoal dos hospitais EPE se rege pelo Direito Administrativo, diferentemente do pessoal dos hospitais SA, que se rege pelo Código do Trabalho. Também não é assim, pois não existe nenhuma diferença quanto a esse ponto entre as duas figuras que as empresas públicas podem revestir. O que vale nas relações de emprego é o contrato de trabalho em ambos os casos.
Pode-se naturalmente duvidar da necessidade da mudança da actual forma jurídica dos hospitais-empresa. Mas por vezes a vontade de criticar por criticar dá asneira.

Delivering the goods

O Governo Sócrates começa a dar conta do seu programa de governo. Acaba de ser aprovada a proposta de lei para a limitação do tempo de exercício consecutivo de mandatos executivos, com um máximo de 12 anos. A proposta abrange todos chefes dos órgãos políticos executivos, desde os presidentes de junta de freguesia até ao primeiro-ministro. Mas deixa de fora os demais membros de tais órgãos (por exemplo, vereadores ou ministros) e, na falta de norma em contrário, o tempo só começará a contar a partir da nova lei (por isso, em termos jurídicos, diferentemente do que alguns concluíram inadvertidamente, Alberto João Jardim ainda terá mais 12 anos disponíveis, se não tiver vergonha nenhuma...). Mesmo assim, um grande passo na melhoria das regras democráticas entre nós.

Crassa ignorância

Segundo o seu "testamento", o papa João Paulo II terá considerado em certa altura a hipótese de renunciar. Recorreu a uma frase bíblica (cântico de Simeão), que reza assim: «Nunc dimittis servum tuum, Domine (...) in pace»Agora, Senhor, deixa partir este teu servo em paz»]. Pois um ignorante locutor de uma televisão nacional traduziu essa frase por «Nunca te demitas»! É evidente, não é? "Nunc" só poderia significar "nunca"! Pois não é verdade que o Português veio do Latim!?

Homenagem

Alocução de Raimundo Narciso na homenagem a José Barros Moura. Uma justa evocação.

Caderno de reclamações

Local: o esquálido apeadeiro ferroviário que dá pelo nome de "Coimbra B" (ou seja, a estação principal de Coimbra). Hora: meio-dia de ontem, 5ª feira. Dois quiosques: ambos fechados! Impossível adquirir um jornal.
Das duas, uma: ou a Refer não cuidou do horário do funcionamento dos quiosques quando os concessionou, ou então não fiscaliza o seu cumprimeto. Em qualquer caso é ela a responsável pela inaceitável situação.

Viva o SNS!

Segundo os números ontem divulgados, o número anual de mortes maternas em Portugal baixou de 43 por 100 mil nados-vivos em 1975 para apenas 6 em 2002; e em 2003 a taxa de mortalidade infantil caiu para 4,1 por cada mil nados-vivos. É evidente a substancial melhoria dos indicadores de saúde materno-infantil.
Um inegável êxito do Serviço Nacional de Saúde.

Respeitoso pedido

Enquanto Israel continua provocatoriamente a expandir os colonatos judaicos nos territórios ocupados, expressamante proibidos no "roteiro para a paz" que os Estados Unidos dizem apoiar, Bush diz que vai "pedir o fim da expansão dos colonatos" antes de um encontro com Sharon marcado para daqui a dias, como informa a imprensa de ontem. Não seria mais decente exigir em vez de pedir e ameaçar com a redução da maciça ajuda norte-americana a Israel, se a amplição dos colonatos persistir?
Tudo o resto é pura má-fé negocial de ambos.

quinta-feira, 7 de abril de 2005

Governadores civis

Concordo com o artigo de Luís Costa hoje no Público (indisponível online salvo para assinantes), sobre o mau indício que é a manutenção dos governadores civis, sob o ponto de vista da racionalidade da administração territorial do Estado.
Mas é preciso ir mais longe. Se se trata de fazer assentar a administração regional do Estado sobre as cinco NUTEs II, então não basta extinguir os governadores civis. É necessário extinguir também os distritos, ou pelo menos fazê-los alinhar com as fronteiras das cinco regiões.

A missão e a remuneração

O Jornal de Negócios de hoje revela que os administradores do BCP gozam de vencimentos muito mais elevados do que os dos demais bancos.
Porém, nenhuma recompensa é excessiva para os obreiros de Deus.

Bode expiatório

Como se já não bastasse o perigo das deslocalizações de empresas (e de empregos), nem a invasão dos têxteis chineses, nem o receio da invasão de produtos chineses, nem os fantasmas gerados pela "directiva Bolkestein", surgem agora as pouco animadoras previsões económicas da Comissão Europeia para o ano corrente (revisão do crescimento em baixa, aumento do desemprego, etc.). Tudo junto, eis uma mistura altamente ameaçadora para o sucesso dos referendos sobre a Constituição europeia, pelo menos em França (mas um "não" francês é só por si fatal).
A Constituição não é seguramente responsável por nada disso; pelo contrário, poderia ajudar a superar as dificuldades europeias. Mas o mal-estar económico e social pode gerar ressentimentos contra o "suspeito" mais à vista e mais à mão. O principal perigo dos referendos consiste justamente na sua utilização para votar coisas diferentes das que nele estão em causa.
Não é este evidentemente o clima mais propício para "vender" mais integração europeia. A Constituição europeia pode ser vítima simplesmente do "timing" errado.

Mudança de nome

Por que não RTPia?

Encruzilhada

A encruzilhada da economia portuguesa (e alguma da europeia) vista pela Autoeuropa. Aqui ao lado, como habitualmente, no Aba da Causa.

quarta-feira, 6 de abril de 2005

Esquerda e direita

Não, Paulo Pinto de Mascarenhas, longe de mim pensar que tenha desaparecido a distinção entre a esquerda e a direita, antes pelo contrário (só penso que, felizmente, passou a era dos anátemas recíprocos). Se a demonstração fosse precisa, bastaria a evidência dos nossos dois blogues.

Nada que não se soubesse

Só quem não conhece o meio é que se pode admirar com notícias como esta, relativa a graves infracções detectadas na Universidade Portucalense. Se houvesse mais inspecções elas seriam bem mais frequentes. Fiz parte de um grupo de missão oficial que analisou há meia dúzia de anos o ensino superior particular (excluída a Universidade Católica) e sei do que falo. Todos os indícios apontam para que a situação só terá sofrido alterações para pior, dada a perda de alunos e a consequente degradação da situação financeira do sector (nessa altura a Portucalense até estava longe de ser das piores).
A contemporização com as situações mais degradadas -- nomeadamente no que respeita à falta de pessoal docente qualificado -- só serve para desprestigiar ainda mais o sector, arrastando no descrédito mesmo as instituições que mantêm níveis de qualidade aceitáveis ou bons, que também as há. Por isso é do interesse do próprio subsistema pôr termo às situações mais graves. O que causa espanto, aliás, é a constante validação oficial de novos cursos e graus, inclusive mestrados e doutoramentos, em instituições cuja falta de meios, de recursos e de qualidade é mais do que evidente à vista desarmada...

Levemos a sério a separação entre o Estado e a religião

O Estado colocou à disposição do Cardeal-Patriarca de Lisboa um avião oficial para o transportar para Roma, que ele aproveitou. Fizeram ambos mal, o primeiro ao prodigalizar a benesse, o segundo ao beneficiar dela. A separação entre o Estado e as igrejas, incluindo a Igreja Católica, não se compadece com favores nem privilégios.

Exames no 9º ano, por que não?

Pois é, Ademar, nem sempre podemos estar de acordo. Os argumentos contra os exames não são seguramente nem exóticos nem irrelevantes; têm sido mesmo dominantes na comunidade escolar durante estes anos. Mas não compartilho da visão catastrofista das consequências dos exames (eles existem em outros países, sem as ditas), nem ela prevalece a meu ver sobre as suas vantagens, a saber, proporcionar um contributo objectivo de avaliação comparativa de alunos e de escolas, incentivar a preparação e a responsabilidade individual dos alunos, motivar os professores e as escolas, criar uma cultura de emulação e de mérito pessoal. Aliás, não estamos a lidar propriamente com crianças, mas sim com jovens de 15 anos. Mesmo que o 9º ano deixe de ser o ano terminal da escolaridade obrigatória, mercê do anunciado alargamento para 12 anos, ele continuará a ser o termo do tronco comum, antes da opção pelo ensino profissional ou por uma via conducente directamente ao ensino superior.

terça-feira, 5 de abril de 2005

O mundo já não é como soía

É comunista, católico e homossexual --, uma conjugação politicamente incorrecta. Chama-se Nichi Vendola e é o novo governador eleito da região italiana da Puglia, no sul profundo, católico e conservador. "Não é uma revolução cultural, mas quase", exulta Fausto Bertinotti, um dirigente da União de centro-esquerda, grande vencedora das eleições regionais de domingo passado. Uma vitória também sobre os preconceitos políticos tradicionais...

O fim da linha para Berlusconi?

A vitória da União de centro-esquerda nas eleições regionais e locais italianas superou todas as expectativas. Nas regionais ganhou 11 das 13 regiões em disputa, de norte a sul (incluindo na Lombardia e no Lácio), e somou mais de 53% dos votos, quase 10 pontos acima da coligação governamental. Um grande triunfo para Romano Prodi, uma hecatombe para Berlusconi. Mesmo não se demitindo, o governo fica muito ferido a um ano das próximas eleições parlamentares.
Depois da Espanha e de Portugal, a direita (e que direita!) vair sair do poder também na Itália? Mudança de ciclo no sul da Europa?

Livro de reclamações

Não cumprindo os serviços anunciados na assinatura online, o Público não disponibiliza hoje a edição local do Centro (só aparecem as edições de Lisboa e do Porto). Ora a diferença entre serviços gratuitos e serviços pagos é que estes devem ser disponibilizados. Os contratos são para se cumprir...

Os equívocos do "semipresidencialismo"

No meu artigo de hoje no Público (disponível online só para assinantes) analiso criticamente a seguinte afirmação do ex-primeiro-ministro Santana Lopes: "Um dos grandes equívocos da Constituição ainda lá está: é a dualidade no seio do mesmo poder, o poder executivo, resultante da eleição por sufrágio universal e directo quer do primeiro-ministro quer do Presidente da República."

A televisão oficial do Vaticano

Com a total rendição da sua programação ao falecimento e às exéquias do Papa (noticiários, reportagens, comentários, filmes de temática religiosa, música sacra, missas, homenagens, etc.) a RTP concorre seguramente para o título oficial da mais católica televisão do mundo. Merece ser beatificada.

Voltamos ao mesmo?

«Governo admite extinguir exames do 9º ano».
É evidente que ninguém gosta dos exames: alunos, pais, professores... As motivações interesseiras são óbvias. Mas é assim que Sócrates quer fomentar uma cultura de exigência, rigor e avaliação de desempenho individual?

A direita

«E o óbvio é que a direita em Portugal existe. E existe porque a esquerda existe. À direita estão todos aqueles que historicamente resistiram às agressões da esquerda contra a liberdade religiosa e o direito de propriedade.» (Rui Ramos)
Sendo manifesto que nem a religião nem a propriedade correm qualquer perigo desde há muito entre nós, e seguramente nenhum desde a Constituição de 1976, será que ainda perduram razões para se ser de direita, nesta definição? Ou a direita histórica não é só isso (Deus e Propriedade) mas também outras coisas que fazem parte integrante do seu código genético (Pátria, Família, Autoridade, Hierarquia, Ordem, Tradição, etc.)?

Ainda tem sentido chamar-lhes coimas?

Ou a pertinente reflexão de Pedro Caeiro, sobre as pesadas sanções do novo Código da Estrada, com a inquietação própria do excelente criminalista que ele é. Para nossa ilustração.

Pronto, já assinei...

...a versão electrónica do Público. Não tinha escolha: não poderia passar sem o jornal nas minhas muitas saídas ao estrangeiro em afazeres profissionais.
Se vou continuar a adquirir o jornal impresso? Bom, há as imagens, a disposição gráfica, os anúncios, etc. que não estão disponíveis na versão html, que só tem os textos. Até agora nunca deixei de o comprar, apesar da sua disponibilidade gratuita na net. Devo deixar de o fazer agora, para não pagar duas vezes o mesmo produto? E se saio de casa sem ter oportunidade de aceder à versão electrónica? Verei nos próximos dias...

Adenda
Note-se que a nova assinatura do Público não inclui a versão do jornal em PDF, cuja assinatura já existe há muito e que se mantém separada, com um preço proibitivo. E é evidente que há muito para fazer para que o novo serviço pago esteja à altura de outros jornais, nomeadamente o arquivo de todo o jornal, incluindo os textos de cada colunista, "dossiers" temáticos, uma função de busca de conteúdos, etc. São estas mais-valias, só disponíveis por meios electrónicos, que podem atrair um número considerável de assinantes. Por exemplo, por menos de 60 euros anuais (mais do que isso custa uma assinatura trimestral do Público só em pdf!) o Le Monde oferece o jornal tanto em versão html como em versão pdf, mais um riquíssimo arquivo servido por uma excelente função de busca, mais um arquivo de fotografias, mais um serviço de newsletters diárias, etc.
Ficamos à espera...

segunda-feira, 4 de abril de 2005

Correio dos leitores: "Público" online

«Não deixa de ser curiosa a opção do Público, forçando (ou tentando forçar) a fidelização pagante de quem é leitor habitual (à borla).
(...) As circunstâncias não são fáceis ? duvido que existam tantos acessos privados à Internet no nosso país e com disposição para pagar uma assinatura online (em especial porque o momento é de crise económica e a malta nestas condições não costuma esbanjar). Mesmo que a opção seja pensada para o médio prazo, pressupondo um crescimento económico das famílias que levará a um aumento do nº de lares com Internet e, logicamente, a mais assinaturas pagantes do Público online, parece-me que é uma escolha demasiado optimista (...).
(...) No meu caso, borlista frequente do Público online e comprador ocasional do jornal impresso (quando vale a pena), não têm sorte; não vou fazer nenhuma assinatura online nem vou comprar mais jornais em papel (embora isso se prenda muito mais com um desencanto crescente com os conteúdos do jornal desde há uns largos meses do que com a opção de cobrança). A minha relação com o jornal passará de quase diária a ocasional --, e amigos como dantes (com a gratidão quase eterna de terem divulgado o Calvin&Hobbes). (...)»

(L. Malheiro)

Leitor-pagador

Hojé é o primeiro dia em que o acesso electrónico à versão impressa do Público deixa de estar acessível gratuitamente online. A explicação para tornar o acesso pago mediante assinatura foi feita ontem no jornal e tem a ver naturalmente com os custos adicionais da edição electrónica e com os efeitos negativos sobre as vendas do jornal impresso. É um passo compreensível, que já foi dado por muitos jornais de referência (entre nós o primeiro a fazê-lo foi o Expresso).
Só que no caso do Público deixou de estar em acesso livre todo o conteúdo da edição impressa, incluindo a página de opinião, diferentemente do que sucede com outros jornais de acesso pago, como por exemplo o El País ou o Guardian, para citar dois dos vários que eu próprio assino. Tenho dúvidas sobre as vantagens desta solução radical. O jornal vai seguramente angariar muitas assinaturas electrónicas, mas a maior parte delas com sacrifício da compra da edição impressa (salvo no estrangeiro). E perderá seguramente os efeitos colaterais positivos das citações e hiperligações electrónicas, por exemplo dos blogues, onde o jornal levava a dianteira entre nós.
Teremos um dia somente a edição electrónica dos jornais?

Adenda
Comentários anteriores no Abrupto e no Tugir e no Bloguítica.

A lixeira de Israel

O jornal Haaretz informa que Israel vai começar a depositar o seu lixo na Cisjordânia, em território palestiniano ocupado. Esta medida não constitui somente uma flagrante violação das obrigações dos ocupantes segundo o Direito internacional, mas também uma evidente prova da má-fé negocial de Israel no processo de paz com os palestinianos. Ao mesmo tempo que continua a colonizar os melhores terras e a roubar os mais ricos recursos hídricos da Cisjordânia, a potência ocupante ainda tem o desplante de fazer dela uma lixeira de Israel.

A gente acredita

Portugal vai aumentar a contribuição financeira para o ACNUR, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, a cuja chefia Guterres é forte candidato. Fonte do Governo declarou que a decisão é anterior à candidatura do antigo primeiro-ministro e que se trata de "pura coincidência"...

domingo, 3 de abril de 2005

Crucificação em directo

A agonia e morte do Papa em directo para as televisões proporcionou uma formidável exploração mediática "urbi et orbi" do seu prolongado sofrimento e passamento, que foi claramente desejada pelo Vaticano, senão pelo próprio pontífice. Como ouvi alguém observar, a exposição pública do sacrifício e da obstinada entrega ao seu múnus até ao pungente desenlace final só pode ser vista como expressão da visão "purificadora" e sacrificial própria de grupos fundamentalistas católicos como a Opus Dei e a Libertação e Comunhão, que encontraram no intransigente conservadorismo moral do Papa polaco um inequívoco apoio. Numa metáfora feliz, Nuno Júdice viu em todo o episódio a representação de «uma nova crucificação». Exactamente.

Frases que eu gostaria de ter escrito

«Se a teoria da evolução é a matriz da biologia moderna (...), a separação da Igreja e do Estado é a matriz do Estado de Direito (...). Ora, nos últimos tempos esta separação começou a ser minada por revivalismos religiosos na Europa, na Rússia e nos Estados Unidos».
(José Cutileiro, Expresso).

Um Homem

É impossível a indiferença perante a claridade de uma agonia que o próprio, ou alguém por ele, poderia ser ou ter tentado ocultar.
É impossível a indiferença ante o testemunho último, sofrido e coerente de quem sempre acreditou na vida e na vida para além da morte.
É impossível a indiferença com o fim de um Homem, inteiro, destemido, fidelíssimo à sua verdade e à sua fé, que, do alto das responsabilidades universais que eram as suas, não hesitou ser «politicamente incorrecto» ao intimar poderosos ou estender a mão aos mais destituídos, aos excluídos.
Pregou aquilo em que acreditava e foi magnificamente (e incomodamente...) consequente na acção e no ministério.
Todos temos a agradecer-lhe o fervor ecuménico - foi o primeiro Papa a ter rezado numa mesquita e numa sinagoga. Foi o primeiro Papa a pedir perdão por muitos católicos não terem valido aos judeus perseguidos no Holocausto. Foi o Papa que teve a coragem de pedir desculpa às vítimas de abusos sexuais cometidos por membros do seu clero. Contribuiu decisivamente para arrasar o totalitarismo na Europa, condenou tiranias e denunciou violações dos direitos humanos. Advogou o desenvolvimento para todos os povos e aprofundou a doutrina política e social da sua Igreja, denunciando a imoralidade do materialismo neo-liberal. Empenhou-se a fundo para evitar a guerra - desgraçadamente, sem sucesso, no Iraque.
Acompanhei com pesar e profundo respeito o sofrimento dos últimos tempos, o seu derradeiro assomo de carácter, de determinação, de fé. De uma Fé que eu não partilho. Mas na hora em que a morte o libertou do sofrimento, percebi tornar-se insignificante o que me separou e separa de uma parte das suas ideias e convicções - sobre direitos e capacidades de mulheres e homens na família e na sociedade, sobre o direito à vida, sobre direitos na morte.
João Paulo II morreu - é diante de um grande Homem, e da sua infinita e contagiante humanidade, que eu me curvo. Comovidamente.

E quando eles se gabavam de ter posto as finanças em ordem?!

«A dupla Manuela Ferreira Leite - Bagão Félix herdou 4,2% de défice orçamental (que criticaram e com razão) e deixam-nos com um valor superior. Consolidação orçamental falhada e péssima performance das finanças públicas da maioria PSD-PP.»
(Mira Amaral, antigo ministro do PSD, no Expresso).

sábado, 2 de abril de 2005

Courrier Internacional

Em dia de estreia, um louvor sincero ao capital de Pinto Balsemão, à direcção de Fernando Madrinha e, sobretudo, à competentíssima edição de Anabela Natário, pelo primeiro número da versão portuguesa do Courrier Internacional, hoje e por hoje apensa ao Expresso. Não aportuguesem de mais a coisa, digo eu, um dos duzentos e tal leitores regulares do produto original.

Correio dos leitores: Estado e religião

«Reportando-me ao seu post no blog Causa Nossa "As escolas não são igrejas" de ontem, e tendo presente o artº 4 (Princípio da não confessionalidade) da Lei de Liberdade Religiosa, nomeadamente quando dispõe "(...) Nos actos oficiais e no protocolo de Estado será respeitado o princípio da não confessionalidade (...)" gostaria de lhe colocar a seguinte questão complementar: não será que a presença de elementos da hierarquia da Igreja Católica Romana, em actos oficiais, como por exemplo a tomada de posse do Governo, não constitui igualmente uma violação desse princípio?»
José Farinha

Correio dos leitores: Os políticos

«A direita liberal quer ser o Estado! Aqui diz-se: "The politicians see the world through the eyes of the lobbyists".
A direita sabe muito bem que os políticos não são homens da rua que esperam meia hora por um autocarro, fazem bicha para o médico da segurança social, ou têm angústias por causa de uma conta ou de uma prestação do carro.
Vocês TODOS vão fechando os olhos ao que aqui se chama "the great revolving door", por onde os políticos passam: vai uma da Fundação Ricardo Espírito Santo para o Ministério da Cultura, paga as contas do MC à FRES e volta para a FRES... sem que ninguém pestaneje.
Hoje o Estado é o braço armado da banca e da indústria, e tem como missão roubar a classe média, como no século XIX ainda era o braço armado da ICAR, e tinha como missão manter o respeitinho dos pobres pelos ricos (pela "ordem natural das coisas"). Não vejo agora porque é que um gestor público não ache absolutamente normal financiar uma revista de direita ou um ministro pagar a um bispo para fazer um feitiço no dia da inauguração da nova sede da RTP, convidar "o rei" para uma comezaina à custa dos contribuintes, etc.
(...) Sou arqueólogo subaquático e andei dez anos a tentar sensibilizar UM de vocês para o problema do património cultural subaquático... reuniões, cartas, telefonemas, revistas, cartas para os jornais... depois percebi: os políticos são pessoas funcionais, com famílias e ambições, que têm de pensar nos filhos e portanto tendem a representar os interesses dos que têm o suficiente para captar a vossa atenção.»

Filipe Castro

sexta-feira, 1 de abril de 2005

L'atlas des atlas

Em boa hora fui alertado pelo blog Klepsýdra para a existência de uma edição hors-série do Courrier International sobre a geografia passada, presente e futura do planeta. Imperdível. A má notícia é que L'atlas des atlas não foi distribuído em Portugal, vá-se lá saber porquê.

Contradição à direita

Como se viu em post anterior, a nova revista de direita Atlântico é editada pelo "Fórum para a Competitividade", um abrangente grupo-de-interesse do mundo empresarial. A surpresa está em que entre os seus associados, e presumivelmente seus financiadores, contam-se também empresas públicas (como a CGD e a Galp) e outros organismos públicos (como o IAPMEI e a FLAD).
Será que cabe nos seus fins estatutários patrocinar revistas de carácter marcadamente político-ideológico? Julgava-se que a direita liberal fazia questão de não depender do Estado!

E os outros?

O presidente do Instituto da Droga e da Toxicodependência (que tinha sido um excelente vereador da Câmara Municipal de Coimbra), pediu a demissão ao novo ministro da Saúde, por ser um cargo de livre nomeação ministerial e por entender que ele é "de relevância política". Mesmo tendo feito o que tantos outros nas mesmas circunstâncias deveriam fazer, o gesto é digno de apreço, justamente por ser raro.